"Ponteio": Marília Medalha, Edu Lobo e Momento Quatro, no festival de 1967 |
Há alguns anos, levei minha mãe para assistir no cinema um
dos documentários brasileiros de que mais gostei nos últimos tempos: “Uma noite
em 67”, de Ricardo Calil e Renato Terra. Reconstitui a história do 3º Festival
de Música Popular Brasileira da TV Record, um evento que se tornou histórico
por aspectos culturais, sociais e políticos. O filme começa com a apresentação
apoteótica da canção vencedora – “Ponteio”, composta por Edu Lobo e Capinam – e
ao final da música, eu e minha mãe tínhamos lágrimas escorrendo pelo rosto.
Ela havia vivenciado a época, o que poderia explicar um
traço de memória afetiva naquela emoção incontida. Ao final do filme, ela
explicou as lágrimas como resultado de pura emoção diante da beleza daquela
música e de sua execução majestosa. E eu, por que havia chorado? Em parte, pela
mesma razão, pura fruição da arte, mas também havia outro componente naquele
choro: a manjada saudade de algo que não se viveu. No caso, a era dos
festivais.
Algumas tentativas de reeditar os festivais, nos anos 1980,
renderam bons momentos à cena musical brasileira, mas a comparação entre os
legados das duas épocas escancarava uma sova impiedosa dos anos 1960. O que
ficava, nesses esforços extemporâneos, era uma sensação acentuada de nostalgia.
Foi o sentimento mais forte que se plantou em mim, depois de assistir ao
musical “La La Land – Cantando estações”, que conta a história da aspirante a
atriz Mia (Emma Stone) e do pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling), ambos em
busca do sucesso, em Los Angeles.
Adoro musicais e talvez o primeiro filme que tenha me
marcado profundamente foi “O calhambeque mágico”, um musical de 1968, que
conheci ainda pequena, pela TV. Musicais são quase sempre um convite ao
escapismo, mas também elevam a exigência sobre elementos essenciais do cinema:
não se faz um grande filme desse gênero sem um ótimo roteiro, sem uma montagem
perfeita, sem músicas excelentes, sem uma direção de arte afiada, sem artistas
completos que saibam representar, dançar e cantar.
“La La Land – Cantando estações” não é um desastre em nenhum
desses aspectos, mas também não é “o estado da arte” em nada disso. É OK, e a
maneira pela qual referencia o próprio gênero a todo o tempo parece se assumir
mais como homenagem nostálgica que como nova obra fundamental. Não pude pensar
em outra coisa quando, em determinada cena, ao ser perguntada sobre a vista da
cidade, a personagem Mia responde com um “já vi melhores”.
Mia (Stone), Sebastian (Gosling) e a vista de LA: já vi melhores |
O diretor e roteirista Damien Chazelle, um jovem de 32 anos,
em 2014 lançou o ótimo “Whiplash – Em busca da perfeição”, sobre outro
aspirante a músico (um baterista de jazz atormentado por um professor sádico).
Embora as duas histórias se passem no presente, algo de muito extemporâneo
sobressai nos dois filmes: seus protagonistas são almas nostálgicas, buscando emular
ícones do passado. Não parece muito diferente do que o próprio diretor faz, ao
se lançar em um gênero que, mesmo ambientado no presente, soe tanto como símbolo
de outros tempos. Mas é provável que o ponto mais fraco do filme de Chazelle
seja um dos pilares do musical: justamente as músicas.
Uma tese fartamente discutida nos últimos anos pode explicar
por que os formatos “festivais” e “musicais” pareçam anacrônicos, hoje em dia.
Em 2004, o compositor Chico Buarque preconizou o fim da canção, teorizando que
esse formato de expressão musical tão característico do século 20 parecia ter
se esgotado. Uma tese de doutorado defendida por Acauam Silverio de Oliveira,
na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, debruçou-se sobre
o tema, utilizando a experiência do grupo Racionais MC’s (“O fim da canção? Racionais MC's como efeitocolateral do sistema cancional brasileiro”)
Sendo ambos – festivais e musicais – estritamente dependentes
desse formato, talvez as tentativas de revivê-los estejam condenadas ao ranço
persistente da nostalgia. Nos anos 1980, antecipando essa discussão, Raul
Seixas dizia “não diga que a canção está perdida / (...) tente outra vez”, o
que pode reacender nossas esperanças de assistir a novos grandes musicais, como“Cantando
na Chuva” ou “A noviça rebelde”, no futuro. Será?
1 comment:
Oi Alê!
Acredito (após longo tempo de reflexão), que não teremos mais os Festivais e Musicais que haviam antigamente! E isso não me soa triste! Por que? Porque entendi (ao meu modo) que a ARTE deva seguir uma evolução natural de conceitos e concepções! Esses maravilhosos Festivais e Musicais foram de uma importância tremenda, para que essa evolução se fizesse presente e assim, a ARTE possa fluir de forma natural como deve ser! Podemos olhar para o passado e agradecê-lo por proporcionar momentos mágicos e inspiradores. Mas a vida, a ARTE, tudo, devem seguir seu caminho de evolução! No entanto, e é aí que entra o “assombro”, infelizmente muitos fizeram usos diabólicos desses eventos para se beneficiarem, se promoverem, se enriquecerem, etc, o que trouxe muita decepção e até depressão! E mais ainda, desesperança pelo fato de não esperarmos mais, por exemplo, músicas e filmes de qualidade! Mas, sabemos, eles existem, sempre existiram e existirão, pois sempre haverá pessoas de talento e bem intencionadas, produzindo ARTE de forma sublime, plena, honesta!!!
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