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Minha segunda medalha em maratonas |
Em 8 de julho de 2012, quando concluí minha primeira
maratona, no Rio, tive certeza de que aquela experiência tinha sido a única e que
eu já estava feliz por ter completado uma prova de 42.195 metros. Passei 2013
fazendo algumas corridas de 10 km, feliz por terminá-las, além de completar
minha sexta São Silvestre. Mas eis que 2014 chegou e a coceira voltou. Resolvi
fazer mais uma maratona.
Depois de trocar ideias com os amigos Elisabete e Ricardo
Capriotti (ele, meu chefe na Rádio Bandeirantes), decidi correr a Maratona de
Buenos Aires, que foi a maratona de estreia de ambos. Totalmente plana, a prova
se encaixava no meu calendário para 2014, marcada para o dia 12 de outubro. Eu precisaria
abrir mão de comentar o GP da Rússia, que aconteceria no mesmo dia, mas
paciência. Em 2012, também precisei faltar a um GP da Inglaterra, no caso.
Estava tudo planejado, e comecei a treinar. Março de 2014.
Meu velho amigo Nelson Evencio aceitou a empreitada e me
incluí entre os atletas amadores da sua assessoria. Na primeira maratona, tive
a orientação da amiga Martha Maria Dallari. Nelson é presidente da Associação
de Treinadores de Corrida de São Paulo. Martha foi sua vice por muito tempo,
até se mudar para Brasília, no final de 2013. Ou seja, eu estava em ótimas
mãos.
Tudo planejado
Logo que comecei a treinar, chegou às lojas o CD “Coração a
Batucar”, da Maria Rita. Ganhei-o em uma sexta. No sábado, fui ouvindo no
caminho, para a Cidade Universitária, onde treinei religiosamente aos sábados
nos últimos meses. Sábado, antes das sete da manhã, não tem trânsito. Isso me
permitia associar cada uma das 13 faixas a pontos do meu trajeto.
Começava na rua de casa, com a faixa de abertura, “Meu
samba, sim, senhor", e ia até terminar o disco, já no caminho de volta,
com “É corpo, é alma, é religião”, perto da Ponte da Anhanguera. Cada faixa
caía quase sempre no mesmo ponto, coisa que só pode acontecer em São Paulo em
um sábado de manhã. Para completar o caminho de volta, eu ouvia algumas músicas
do CD da cantora de 2007, “Samba meu”. Ou seja, passei o treino inteiro
escutando samba e não tango, da Buenos Aires que me receberia nos planos
originais. Um sinal?
Chega o mês de agosto e uma série de questões pessoais e
profissionais me faz mudar os planos. Ficaria inviável ir para a Argentina
naquele período, e eu, depois de conversar com meu treinador, resolvi adiar
minha maratona por uma semana, disputando a prova de São Paulo, que não era
plana como a prova portenha. A ideia inicial, de tentar buscar um tempo abaixo
de 4 horas (fiz a prova do Rio em 4h18) também foi engavetada. Se fizesse
abaixo dessa primeira marca, eu já estaria feliz.
Treinos seguidos à risca, fui colhendo resultados cada vez
melhores. Nelson me transmitia confiança de que era possível melhorar a marca e
eu, de fato, me sentia muito confiante. Naquela altura, só por ter conseguido
manter o plano de fazer uma maratona em 2014, eu já estava feliz. Mas não
ficaria chateada se derrubasse meu recorde pessoal. Uns dez dias antes da
prova, conversando com o Capriotti na rádio, ele sacou seu celular e checou a
previsão do tempo para o dia corrida. “Más notícias...”. A previsão de máxima
era de muitos graus em São Paulo, mais a condição de tempo seco que tem sido
uma constante na cidade nos últimos meses. Parecia que ia ser uma prova
difícil. Mas acho que ninguém poderia supor que seria tanto.
A largada, marcada para as 8h, na verdade aconteceu às 7h,
pois o domingo foi o primeiro dia do horário de verão. Menos mal. Alguns
minutos antes, Nelson me informou que os termômetros já marcavam 28 graus. A
estratégia estava traçada e o técnico não se importou em repetir várias vezes: “se
precisar, ande. Se piorar, pare. E vá se hidratando o tempo todo”. Eu repeti a
ele o mesmo que havia escrito para a amiga Bete, na véspera: uma semana antes,
minha mãe estava internada, com pneumonia. Passei parte do domingo com ela, no
hospital. Hoje, só por tê-la bem, em casa, e eu lá, na frente do Obelisco do Ibirapuera,
meu lucro já era imenso. Fique tranquilo. Vou correr para agradecer e me
divertir.
A vida é dura para
quem é mole
Sempre começo minhas provas em ritmo moderado, pensando em
me poupar para o final. Seria cretinice fazer isso desta vez. Ou eu corria o
que pudesse no começo, ou não teria condições de fazê-lo no final, pois o céu
era de brigadeiro em São Paulo, um sol pra cada um. Aqueles 28 graus do começo
deixariam saudade. Corri os primeiros 15 km sempre com ritmo entre 5’30 e 5’40.
A primeira ameaça de boicote mental surgiu no final da avenida da raia, na USP.
Correr na Avenida Escola Politécnica é sempre um desafio.
Quase sem sombras, a via habitualmente “quebra” alguns atletas. Politécnica:
escola que forma engenheiros. “Seu pai era engenheiro. Não vai ser essa avenida
que vai te derrubar”. O anjinho ia vencendo fácil a parada quando o diabinho
sussurrou. “É, mas seu pai não fez a Poli, fez Mackenzie.” Eita... “Mas era
engenheiro”, gritou o anjinho. E segui feliz.
Completei a primeira metade da prova tranquila, mantendo o
bom ritmo dos primeiros quilômetros. A programação da Maratona Internacional de
São Paulo incluía outras duas provas: uma de 10 km e outra de 25 km. Perto dos
25, o calor já estava forte, eu já havia andado algumas vezes pela avenida do
Jóquei Clube e então encontrei o Nelson, que me esperava com Gatorade e gel de
carboidrato (eu já havia consumido os dois sachês que levara no bolso do
calção).
Quando cheguei perto do treinador e ele me perguntou como
estava, fui sincera. “Está f...”. Junto com ele, dois integrantes da equipe
Saúde & Performance. Um deles me repreendeu: “Não está, não! Você vai conseguir!
A vida é dura para quem é mole!” Não pude discordar, e segui para a Marginal Pinheiros,
também conhecida como a filial do inferno neste domingo paulistano.
Aos sobreviventes, as
batatas
Não deixa de ser uma vingancinha saborosa correr pela pista
expressa da Marginal Pinheiros ditando a ela o meu ritmo, e não ficando parada
em seus habituais congestionamentos. Para acessá-la, precisamos subir o viaduto
que fica ao lado de um shopping relativamente novo na cidade. Foi a segunda vez
que andei na prova. Voltei a correr ao chegar à Marginal, indo na direção da
Avenida Rebouças. Encontrei o Nelson mais uma vez, que parecia
teletransportar-se naquele cenário insólito.
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O técnico Nelson Evêncio, salvando sua atleta da desidratação |
Perto do km 30, a organização da prova oferecia batatinhas
cozidas com sal aos corredores. Sempre achei essas batatinhas-aperitivo algo
bem sem graça. Não haveria de ser em plena Marginal Pinheiros, com aquela
catinga do rio, que eu haveria de apreciar tal iguaria. Mais de 30 km, com sol
a pino, tendo como sombra apenas os baixos das pontes, o físico começou a
pifar. Alternei corridas e caminhadas. Em uma desses trechos em que só
caminhava, uma colega passou por mim e disse: “vem, não desanima!”. E eu
respondi que sim, eu iria, só estava me recuperando um pouco.
Não sei se ela também parou, ou diminuiu o ritmo, o fato é
que voltei a correr e a encontrei. “Não disse que eu ia continuar?”, perguntei.
E fomos correndo juntas. E começamos a conversar, o que nos permitiu encontrar
um ritmo ideal para continuar correndo. Só esquecemos de combinar com o sol,
que continuava fritando nossos miolos. E passamos a alternar corrida e
caminhada, cientes de que, àquela altura, por volta do km 35, essa era a melhor
técnica.
Descobri que ela já fez Iron Man, correu Maresias-Bertioga
(75 km) solo, tem um filho de três anos. De mim, ela descobriu que aquela era
minha segunda maratona, que corro há doze anos e que tenho um filho de 14. E
assim fomos vencendo o inferno da Marginal Pinheiros. Quase no final daquele
trajeto que percorri hoje pela manhã, mas parecer ter sido há uns três anos,
porque não acabava nunca, quem surge? O onipresente Nelson, claro. O arsenal
variava, e agora ele surgia com uma Coca. Eu já estava mareada de tanta água e
isotônico. Nem sou fã de refrigerante, mas caiu bem à beça (à benção, Martha
Maria Dallari, entusiasta da hidratação de emergência à base de refrigerante de
cola).
Era hora de subir o demoníaco viaduto de novo, e fomos
andando. Ao chegar à avenida Juscelino Kubitschek, km 39, a irresistível
sensação de que a prova estava liquidada. Nós também estávamos, mas ignoramos
esse detalhe. Foi então que nos apresentamos formalmente. Simone, Alessandra.
Nelson ainda surgiu mais uma vez, agora para me dar mais Coca e um bolinho. E
não foi mais embora. Estava inscrito na prova e me acompanhou quase até o
final. Um cavalheiro, sumiu de cena quando a linha de chegada de aproximava. Depois, disse que os atletas daquela maratona não eram participantes, mas sobreviventes. E que, durante muitos anos, vamos lembrar desse inferno seco pelas ruas da minha São Paulo.
Ao longo da corrida, a ideia de correr abaixo de 4 horas
pareceu um devaneio. Debaixo do sol da Marginal Pinheiros, superar as 4h18 surgiu
como improvável. Eu só queria terminar. Inteira (podia ser inteiramente
estropiada, não tinha problema, só não queria abandonar). Cruzei a linha de
chegada com 4h58, debaixo do maior calor que já senti na vida. Pouco antes, Edu
me esperava. Acenei para ele. Gabriel ficou com a minha mãe, na casa dela, para
minha tranquilidade. Liguei para lá e ele me perguntou como foi: “pior que
parto normal!” Ele riu e sugeriu: “na próxima vez, tenha outro filho, em vez de
correr outra maratona!”
Claro que, no momento, vivencio a certeza de que esta foi a
última maratona da minha vida. Claro que não será. Mas uma impressão eu espero
que se confirme: corri a maratona mais difícil da minha vida.