Sunday, March 28, 2010

Chuva ou pista?


Enquanto tomava um café forte e amargo às 2h, pensava que o GP da Austrália seria animado. Não precisa ser Mãe Diná para cravar tal palpite. Melbourne é quase garantia de confusão, faça chuva ou faça sol. Em 2008, só seis carros terminaram a corrida. Em 2009, sensível melhora: onze sobreviventes. Quando cheguei à rádio e soube que estava chovendo em Albert Park, bingo! Vamos nos preparar para o espetáculo.

Foi só café, forte e sem açúcar. Nada de energético, nem outras extravagâncias. Eu estava realmente ligadona na transmissão, mas agora concluo que a cafeína talvez tenha sido menos responsável que a abstinência. Eu estava mesmo era com saudade de transmitir Fórmula 1, e ainda bem que a volta não aconteceu no Bahrein, que poderia muito bem mudar de nome para Borein, de tão bored (enfadonho) que tem sido.

Antes da largada, os tradicionais palpites. Meus colegas foram quase todos de Sebastian Vettel. Eu, na contramão, apostei em Fernando Alonso. Desde a véspera, após o treino classificatório, achei que o espanhol estava na base do bebe-quieto. Em terceiro, atrás das duas Red Bull, parecia à espreita de que algo desse errado com os carros de Vettel e Webber, esperando outra vitória herdada. Todos, os colegas e eu, apostávamos na lógica. Ninguém de nós depositou fichas em Jenson Button e, tenho certeza de que, se algum de nós pensasse em McLaren, pensaria antes em Hamilton, apesar de sua 11ª posição no grid. Button foi do "zero" para o "hero" e quase de volta para o "zero" no intervalo de um ano. Era zebra.

E a lógica pró-Red Bull manteve-se, enquanto meu palpite batia asas na primeira curva, com a rodada de Alonso. Uma imagem onboard do carro de Button mostrou que ele tocou no espanhol. Fernando levou Schumacher de embrulho, ficou na contramão, caiu para a última posição, enquanto o companheiro Felipe Massa fazia uma largada corajosa, irrepreensível, ganhando três posições e pulando para o segundo lugar, com Vettel disparado na frente.

O tempo secando, o trilho começando a se formar e o atual campeão parte para a ousadia. Coloca pneus para tempo seco antes de todo mundo. Parecia cedo demais. Na primeira patinada, Button ouviu gracejos aqui e ali, como se referendasse a impressão que muitos tiveram dele em 2009 - só foi campeão porque tinha um foguete na mão. Mas o inglês estava certo. Logo, todos seguiram o chefe e pararam para trocar suas borrachas.

Ali, Button projetou sua vitória, e a consolidou volta após volta, graças a uma característica sua que, para muitos, é anti-espetáculo. Button sabe poupar o carro, não o faz beber demais (o que é até inesperado, sendo filho de quem é), nem castiga os pneus. Resultado de uma corrida limpa, segura, um papai-e-mamãe rotineiro. Seu McLaren estava pronto para outra ao fim da prova, enquanto o companheiro Hamilton, homem show por excelência, admitia pelo rádio - "Meus pneus acabaram".

É claro que o GP da Austrália de 2010, que terminou com onze heróis da resistência, tornou-se mais divertido pelos erros, quebras e incidentes diversos que povoaram a corrida praticamente durante todo o tempo. O espalha de Alonso na largada permitiu que ele e Schumacher fizessem a tal prova de recuperação, empreendendo ultrapassagens a granel (na comparação com o Bahrein, bota granel nisso). E mais Hamilton, o maníaco do dia, pilotando como um náufrago em busca de água doce. A manobra infeliz de Alonso, mais o acidente entre Kobayashi e Hulkenberg, embaralhou as cartas, jogando para trás dos pequenos muitos dos carros rápidos do grid.

Foi depois dessa ordem desconstruída que lancei a questão pelo rádio e pelo twitter: Melbourne 2010 foi uma corrida empolgante em função da pista ou por causa da chuva? Convido os leitores a responder. E dou minha opinião.

Primeiro, breve análise da pista. Melbourne fica em um parque. É, por assim dizer, uma pista adaptada, sem as enormes áreas de escape que predominam nos circuitos ditos "modernos". Muro perto, qualquer deslize é fria. Acidente, safety car, cartas embaralhadas. Melbourne é osso duro de roer, mesmo seco. Em 2008, lembremos, só seis carros terminaram, e no seco. É uma pista rápida, com vários pontos de ultrapassagem. Last, but not least, tem ondulações no asfalto, fator que sempre pode afetar a estabilidade do carro e, com aquele muro ali do lado, vixe!

Agora, a chuva. Pista molhada é problema. Para quem não sabe correr nela. É momento ideal de separar homens de meninos, destemidos de bundões. Mas certamente vamos nos lembrar de corridas disputadas com chuva que, ainda assim, não foram o deus nos acuda que poderíamos desejar. Itália, 2008, por exemplo, com a primeira vitória de Vettel. Piso úmido todo o tempo, mas nada espetacular em termos de emoção. Em compensação, só para ficar na mesma temporada, Mônaco 2008, que corridaça!

A corrida de Melbourne teve o ingrediente chuva no começo, e talvez tenha sido determinante por ter jogado para trás alguns dos carros mais rápidos do grid, criando a condição ideal para mais ultrapassagens. Mas é fato que a corrida continuou emocionante depois, com piso seco. Na minha opinião, a pista é ligeiramente mais determinante para aumentar a emoção em uma corrida do que o fator chuva. Mas, as duas juntas, como aconteceu no GP da Austrália, é garantia absoluta de corrida movimentada. Que dormir, o quê!!!

E você, o que pensa desta questão?

Sunday, March 21, 2010

O dia em que Senna me fez chorar


Pode parar. Não é 1º de maio, não é Ímola, não tem nada a ver com Tamburello. O dia em questão aconteceu bem antes, em 1991, e meu choro pós-adolescente não teve tanto a ver com o piloto, e mais com meu noviciado no jornalismo.

Eu havia começado a trabalhar na Folha de S.Paulo em maio daquele ano. Entrei para ser redatora e, como tal, escrevia textos sobre vários esportes, atualizava tabelas diversas, fazia notinhas e o detestável IndiFolha, um quadrinho que era publicado sempre no canto esquerdo inferior da capa do caderno e trazia números interessantíssimos, como a média de gols das últimas dez edições do Campeonato Belga. Mas todo mundo na redação do Esporte sabia que, se pudesse, eu escreveria preferencialmente sobre corridas, sempre.

E, naturalmente, foram sobrando umas pautinhas de automobilismo aqui e ali para eu fazer. Às vésperas do GP do Japão, quando Senna conquistou seu tricampeonato, fui escalada para cobrir o embarque do piloto em Cumbica. Sim, crianças, Senna era tão importante que a gente cobria o embarque dele, para todas (eu disse todas) as provas do ano. Diga-se que ele divulgava sempre, por meio de sua assessoria, os horários exatos do seu embarque. Fazia bem esse papel de aparecer muito na imprensa, e talvez tenha sido o primeiro piloto realmente midiático da Fórmula 1.

Seria relativamente fácil se fosse só ir ao aeroporto, seguir a coletiva, voltar para a redação e escrever. Mas a Folha sempre teve suas idiossincrasias, suas reinvenções da roda, suas viagens alucinadas na definição da pauta. Senna indo e o papa João Paulo II vindo. O que uma coisa tinha a ver com a outra? Nada, claro. Mas saí da redação com a seguinte frase ecoando nos ouvidos: "Hoje, queremos que todos os nossos entrevistados falem o que acham da vinda do papa ao Brasil. Pergunte ao Senna."

Era uma ideia impraticável, risível, sem pé nem cabeça. As coletivas do Senna eram uma bagunça, pela multidão de repórteres, assessores, seguranças, fãs. Ele habitualmente se exasperava, respondia algo ríspido as perguntas que não lhe interessavam, guardando o semblante de messias para o momento de gravar para a TV e tudo o que não precisava ser acrescentado a esta balbúrdia era uma pergunta sobre o papa. O papa?

Putz, se eu perguntasse isso na frente dos meus colegas macacos-velhos de outros veículos era capaz de levar uma vaia, de ser motivo de piada até hoje. Não, eu não podia fazer essa pergunta no meio da coletiva.

Mas, franguinha de leite como era, me angustiava com a ideia de não cumprir a ordem da secretaria de redação. Então, esperei a coletiva acabar e fui andando atrás de Senna pelo saguão do aeroporto. Eu, vários seguranças, fãs e... fotógrafos diversos. Consegui me aproximar de Senna e fiz a pergunta mais idiota da minha carreira: "Senna, o que você acha da vinda do papa ao Brasil?". Ele respondeu o óbvio: "Não acho nada." OK, missão cumprida, volto para a redação.

Matéria escrita, jornal fechado, recebo uma ligação do nosso editor à época, Mario Andrada e Silva, que tinha ido ao Japão cobrir essa corrida. Dei um relatório básico de como tinha sido a reunião e, no final da conversa, comentei o pedido esdrúxulo da secretaria de redação. Do outro lado da linha e do mundo, Mario me inquiriu, já respondendo: "Você não perguntou, né?" Admiti que tinha perguntado e, antes que explicasse a condição da pergunta - que eu não tinha passado o carão no meio da coletiva, mas quase no tête-à-tête com o piloto - Mario me fuzilou via embratel. "Você é louca!!! Como vai fazer uma pergunta dessa na frente de toda aquela canalhada da imprensa?! Você vai virar a piada dos setoristas de Fórmula 1!"

Cheguei a perguntar o que deveria fazer em relação ao pedido da alta chefia, mas era óbvia a resposta. Eu deveria saber que Senna não responderia nada relacionado ao papa, claro. Deveria no mínimo argumentar diante do pedido. Ou simplesmente voltar para a redação de mãos vazias, como de fato voltei, sem ter me exposto a fazer uma pergunta tão descabida.

Voltei para casa, abri a porta da sala e caí no choro, assustando meus pais, naturalmente.

No dia seguinte, para coroar meu mico, vejo a capa do caderno de Esportes do Estadão. Senna entre uma multidão, andando por Cumbica. Do seu lado direito, uma jovem redatora, com cara de susto. Mario tinha razão: a canalhada da redação não perdoou. "Olha a Alessandra aqui, de papagaio de pirata do Senna!"

Sunday, March 14, 2010

Indy - Prós e contras



Passei o dia ontem no Anhembi, para comentar a São Paulo Indy 300 pelas rádios Bandeirantes e Band News FM. Aquela sensação ruim de ter duas festas para ir no mesmo dia e precisar optar por uma: não pude assistir à prova de abertura da Fórmula 1, no Bahrein. Ossos do ofício, liguei o modo Indy e segui para o Anhembi.

Peço licença para abrir um parêntesis estritamente pessoal. Moro na Zona Norte de São Paulo, bem perto do Anhembi. Sou sócia do Clube Espéria, vizinho do pavilhão de exposições e do Sambódromo. Circulo na região, portanto, há muitos anos. Não são da minha época as competições de remo no Tietê, que confrontavam as equipes do Espéria, do lado de cá do rio, com as do Clube de Regatas Tietê, do lado de lá. Minha parca experiência unindo esporte e o rio Tietê foram as corridas que fiz pelo Espéria (10 km de Santana) e pela Corpore (Corrida Oral-B), ambas disputadas na região.

Há relatos aqui e ali de atletas aposentados, fotos de um local bucólico e irreconhecível, com um rio margeado de vegetação. Para mim, e para várias gerações, no entanto, o rio Tietê e sua marginal são sinônimos de aborrecimentos, especialmente enchente e trânsito caótico. Foi uma reversão de sentimentos ruins acompanhar uma corrida de carros ao lado da marginal.

Não nublei minha visão: ela continua feia e o rio, poluído. As obras de alargamento das pistas serão paliativos por pouco tempo. Não há faixa adicional em via pública capaz de equacionar uma questão aritmética simples: são mil veículos novos por dia em São Paulo. Não vamos solucionar o trânsito na capital paulista enquanto não se viabilizarem melhores condições para os transportes públicos. Uma prova internacional em plena Marginal do Tietê pode contribuir para que se enxergue a via e o rio com outros olhos.

Se a sociedade quiser ter um rio despoluído, com uma via bem pavimentada ao seu lado, onde se pode até fazer uma corrida de carros, que trabalhe para isso. Que faça as obras com planejamento e que esse cartão postal fake seja real, e para todos. Infelizmente, como dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, o Brasil sempre se moveu aos trancos e barrancos. E acredito firmemente que um evento esportivo desse porte possa servir de estímulo para o questionamento. Não queremos um pedaço da marginal com asfalto melhor. Queremos a marginal inteira. Não queremos um rio de cenário que só serve à TV porque ela não exala seu cheiro.

Li e ouvi vários comentários sobre a eventual falta de infraestrutura para o evento. Concordo que a reta do Sambódromo não poderia ter sido aprontada literalmente da noite para o dia. E quer saber? Não duvido que a Globo, dona do evento do Carnaval, mande repassar o verniz que deixa o piso escorregadio para o próximo desfile, e que a Fórmula Indy tenha de lixar tudo de novo no ano que vem.

Mas a infraestrutura dentro do Sambódromo foi muito mais amigável ao público do que a de Interlagos. Vários banheiros de alvenaria davam conta do recado, sem precisar apelar aos banheiros químicos utilizados habitualmente em eventos. Muitas lanchonetes, barraquinhas e carrinhos com comida e bebida espalhavam-se pelas áreas de arquibancada do Anhembi, ao contrário de Interlagos, que costuma ser um sacrifício quando se trata de enganar o estômago.

E a corrida?

Bem, a corrida foi o que se costuma ver de Fórmula Indy. Há o equilíbrio forçado pela maior padronização dos carros, um cenário completamente distante da tecnologia de ponta da Fórmula 1. Os carros da Indy são robustos, para não dizer toscos. O fulano bate em uma volta, pode entrar e sair do box várias vezes para ir consertando, e o bicho segue andando! Foi o que aconteceu com Helio Castroneves na corrida deste domingo. Em nome de equilibrar ainda mais a disputa, o abuso de bandeiras amarelas. Não há premiação para o piloto que se destaca do pelotão, há castigo. É um desestímulo a se sobressair, na medida em que se sabe que, na primeira oportunidade, vão juntar todo mundo de novo.

Mas, como negar que o resultado é uma corrida muito mais emocionante que a maioria das provas de Fórmula 1? As trocas de posições, o suspense até a última volta criam uma aura de competitividade e surpresa que atrai muitos admiradores. A arquibancada do Anhembi estava cheia, provando essa constatação. Em certa medida, a Fórmula Indy parece aquela família pobre, mas de gente animada e feliz, enquanto a Fórmula 1 muitas vezes dá a ideia de riqueza despregada de alegria.

Por fim, meu registro sobre a foto acima, do excelente Luca Bassani. A brasileira Bia Figueiredo lidera um pelotão feminino, formado pela ótima Simona de Silvestro e pela sofrível Milka Duno. Fatou Danica Patrick na foto, para completar o quarteto que correu em São Paulo. Uma categoria com quatro mulheres no grid já mereceria a simpatia desta blogueira. Fica o desejo para que os contras se ajustem no próximo ano.

Friday, March 12, 2010

Evolução x Revolução


O texto abaixo foi publicado no Tazio, antes dos primeiros treinos livres do Bahrein. Eis minhas expectativas para a Fórmula 1 em 2010.

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É possível que a temporada de 2010 da F-1 nem traga tantas mudanças para a categoria como aconteceu no ano anterior. Aliás, nunca houve um ano como 2009 e provavelmente nunca haverá - com uma equipe estreante campeã que, por sinal, deixou de existir ao fim do campeonato. No entanto, 2010 começa como a temporada de maior expectativa dos últimos anos, por várias razões.

A última grande sacudida na F-1 começou a se delinear em 2008, quando aprovado o novo regulamento técnico que varreu a maior parte dos apêndices aerodinâmicos dos carros para 2009. Uma nova ordem se instalou a bordo dos modelos "clean" e dos polêmicos difusores duplos da Brawn GP (também usados, sem o mesmo brilho, diga-se, por Toyota e Williams). Sem a Honda, sem certezas, a Brawn GP foi à pista em Barcelona ao cair do pano da pré-temporada e deixou a F-1 de queixo caído, ditando no teste coletivo a rotina das sete primeiras corridas da temporada. A F-1 dobrou uma esquina em 2009, começou do zero, embaralhou as cartas. Isso não deve acontecer em 2010.

2009 foi revolução. 2010, evolução. A mudança técnica mais importante para este ano é o fim do reabastecimento, cujo principal impacto na configuração dos carros está no aumento do tanque de combustível. Para acomodar 235 litros, e não mais 120, a distância entre-eixos dos carros também aumentou. Mexe na aerodinâmica, mas não com a relevância do ano passado. Os testes desta pré-temporada não fizeram nenhum queixo cair. A F-1 deve ser mais "conservadora" neste ano, no sentido de manter favoritas as equipes que terminaram 2009 à frente, ou as que praticamente abandonaram o último campeonato antes de seu término e focaram no desenvolvimento dos carros para 2010.

As mudanças mais significativas, no entanto, não se encontram no campo técnico, mas esportivo. A mudança na pontuação vai fundir a cabeça de todos nos primeiros tempos. Aquelas continhas simples, distribuindo 10 pontos, 8, 6, 5, 4, 3, 2 e 1 para os oito primeiros? Esquece. Habitue-se a 25, 18, 15, 12,10, 8, 6, 4, 2 e 1 para os dez primeiros. Confuso, mas sempre pode piorar. Podem voltar os descartes, podem premiar pela pole, pelo maior número de voltas na liderança, por liderar a prova correspondente ao dia do aniversário da mãe de Bernie Ecclestone. Eles não vão sossegar enquanto não nos deixarem chapados diante dos carros, bebendo cervejas e mastigando salsichas, desistindo de fazer contas e projeções, só esperando pela última volta. Mas ainda não chegamos lá. Voltemos.

A nova pontuação foi criada para valorizar a vitória, aumentando a diferença entre primeiro e segundo colocados. Mas, na medida em que o valor absoluto também aumenta (de 10 para 25, de 8 para 18), a diferença proporcional entre as duas posições não é tão significativamente maior. Se a mudança servir para aumentar o arrojo em busca da vitória, objetivo cumprido, não se fala mais nisso. A conferir.

Se os testes coletivos não fizeram soar os alarmes dos plantões jornalísticos, um dado novo chamou a atenção neste 2010 - a estreia das novas equipes. Times admitidos pela FIA no auge da discussão sobre o teto orçamentário deste ano. Times que acreditaram no conto da carochinha de 40 milhões de libras. Times que só faltam remendar seus carros com silver tape na falta de peças de reposição dignas. A diferença entre as equipes tradicionais e as "new comers" deve ser abissal. Situação à qual a maioria dos pilotos atuais não está habituada. Negociar ultrapassagens tendo mais retardatários pelo caminho pode ser um dado interessante para a platéia, e algo aterrorizante para alguns pilotos. Este dado não encobre o desmando na escolha dos novos times. Deixar fora equipes mais tradicionais e com estruturas prontas, como Lola ou Épsilon Euskadi, e escolher a natimorta USF1 apenas revela a política de terra arrasada que Max Mosley imprimiu a seus últimos momentos à frente da FIA.

Se a lógica da nova temporada for da continuidade, e não da ruptura, Red Bull, em ascensão no final da temporada, e Mercedes, seguindo a trilha da Brawn GP, iniciam 2010 como favoritas. É o que acha, por exemplo, Fernando Alonso, que cravou na Red Bull o favoritismo para o Bahrein. Sinceridade ou blefe? Talvez, apenas demonstração de inteligência.

Alonso está em lua de mel com a Ferrari. Em comum, além do sangue latino, equipe e piloto parecem querer esquecer a temporada passada, não sem motivos. A Ferrari não se importou em pagar para Kimi Raikkonen ir dar piruetas no Mundial de Rali. O preço para ter Alonso parecia sem limite. Contrato de cinco anos, motivação nas alturas, testes encorajadores na pré-temporada. Expectativa na estratosfera. Ao negar o próprio favoritismo, Alonso alivia-se da evidente pressão.

Na mesma linha segue Michael Schumacher. O heptacampeão abre mão da aposentadoria para voltar a pilotar pela Mercedes. É difícil imaginar que ele arriscaria seu prestígio e tempo por algo que não fosse certeza - ou, pelo menos, evidência - de sucesso. Mas Schumacher também prefere despir as vestes de favorito (e vestir aquelas camisas horrorosas, credo!).

A Red Bull, que parece o alvo preferencial quando as outras equipes buscam aliviar a própria pressão, não foge da raia. Christian Horner, o chefe do time, acha que a disputa pelo título será eletrizante e coloca sua equipe entre as favoritas. Sebastian Vettel, que terminou 2009 em rota ascendente, parece o pupilo pronto a desafiar o mestre compatriota e quem vier pela frente. E mesmo Mark Webber, que até o ano passado era pouco mais que um leão de treino, começou a cantar de galo neste ano, assinalando que a disputa na equipe dos energéticos pode ser tão acirrada quanto nos domínios da Ferrari, com Alonso e o fiel Felipe Massa, ou na McLaren, com Lewis Hamilton e Jenson Button.

A expectativa é das maiores. Quatro campeões mundiais na disputa, todos em equipes bem cotadas, outros postulantes a campeão com chances reais, um novo desafio a partir do fim do reabastecimento, novo sistema de pontuação, novas equipes embaralhando as posições ao longo da pista. No papel, a temporada de 2010 vai ser ótima. Basta que ninguém dispare a ganhar corridas de maneira inapelável como fez a Brawn em 2009. Basta, como reza a lenda acerca de Garrincha, combinar com o adversário