Wednesday, September 14, 2011

Para que a tradição da São Silvestre seja respeitada

A São Silvestre, corrida com 87 anos de existência, representa o auge da celebração do esporte corrida de rua. Reúne atletas profissionais e amadores de todo o país e do mundo, que comemoram o final de mais um ano correndo pelas ruas da cidade de São Paulo.

É um evento único, com caráter participativo e competitivo. É festivo para as centenas de corredores fantasiados e outros tantos que ali estão pelo prazer de correr e de se superar, ao mesmo tempo em que é uma competição de nível internacional certificada pela IAAF. Une, como nenhuma outra corrida, paixão pelo esporte e performance.

Se entre amadores a SS estimula a busca pela qualidade de vida e o desejo de superação, para os profissionais significa a chance de se destacar. Ela revela talentos do esporte, abre portas para novos atletas e planta o sonho em muitos outros. Vencer a São Silvestre representa estar no Olimpo do atletismo.

Mas São Silvestre é muito mais do que uma corrida de rua, talvez seja o único evento esportivo onde o contemplativo, gratuito, reúne milhares de pessoas no Brasil. Tanto é que a televisão quer transmitir. A história da prova, com grandes atletas, a celebração do fim do ano, os esguichos de água no Minhocão e rua Olga, as pessoas no trajeto são situações exclusivas da SS. Somam muita gente, apoios importantes. Isso também, a nosso ver, é motivo para a preservação de suas características pela municipalidade.

Que outra prova é tão querida e está tão presente no imaginário das pessoas, corredores ou não?

Tudo, claro, é resultado de anos de esforços. Ao longo do tempo, a São Silvestre fez seus ajustes de percursos e horários. Mas conseguiu manter reunidas excelentes qualidades daquilo que há de mais difícil para um evento esportivo: tradição, data fixa de realização (o que permite a organizadores e atletas fazer todo um planejamento), cobertura de mídia e ser um objeto de desejo do consumidor.

Tradição, porém, é uma palavra que está sendo descartada da versão 2011 da prova. Em nome da “modernidade”, da “renovação” e do “conforto”, foi anunciado que a chegada será transferida da Avenida Paulista para o Parque do Ibirapuera. Decisão tomada por parte dos organizadores, sem debate ou qualquer consulta aos verdadeiros donos da prova: nós, os corredores.

Nós, jornalistas corredores e profissionais da corrida, estamos aqui empenhados em fazer com que a tradição seja respeitada e a chegada da São Silvestre seja mantida na Avenida Paulista.

Com argumentos que vão desde a manutenção da tradição, passando por questões de logísticas (somos corredores e conhecemos bem a dificuldade de se largar em um local e chegar em outro, por exemplo) e até sugestões técnicas, estamos abertos ao diálogo.

Se você também é a favor da discussão saudável, tendo em vista a manutenção da tradição da São Silvestre, preservando sua alegria e sua segurança, junte-se a nós.

Comissão de jornalistas e profissionais da corrida

Alessandra Alves, jornalista
Alexandre Koda, jornalista
Ana Paula Alfano, jornalista
Bruno Vicari, jornalista
Cássio Politi, jornalista
Erich Beting, jornalista
Fernanda Paradizo, jornalista
Harry Thomas Jr., jornalista
Martha Dallari, vice-presidente da Associação dos Treinadores de Corrida de São Paulo (ATC)
Nelson Evêncio, presidente da ATC
Ricardo Caprioti, jornalista
Sergio Xavier, jornalista
Simone Manocchio, jornalista
Vicent Sobrinho, jornalista
Yara Achôa, jornalista

Monday, September 05, 2011

Sonata da última corrida


Em São Paulo, as casas duram menos que as pessoas. A frase do escritor Renato Modernell aparece em vários momentos do livro “Sonata da última cidade”, um romance sobre várias gerações de uma mesma família, originária da Itália, vivendo na cidade de São Paulo. A frase recorrente, em cenas diferentes, remonta sempre à mesma conclusão: São Paulo parece ter uma vocação irresistível para destruir o antigo, em uma atitude de autofagia permanente.

Caetano Veloso falou mais ou menos a mesma coisa, em “Sampa”: a força da grana que ergue e destrói coisas belas.

São Paulo, destruir, antigo, grana, belo: 2011 escreve um novo capítulo da autofagia paulistana, ao decretar a mudança do percurso da tradicional Corrida de São Silvestre. A mais conhecida prova de rua de São Paulo, que acontece desde sempre no dia 31 de dezembro, há quase 90 anos, não vai mais terminar na Avenida Paulista, como tem acontecido nas últimas décadas.

A justificativa para a mudança está unicamente em uma decisão da Rede Globo, “dona” do evento nos últimos anos, que alega ser melhor realizar a chegada no Parque do Ibirapuera e não na Paulista, porque as condições para transmissão de imagens a partir de helicóptero seriam mais favoráveis no parque que na avenida.

Desculpem-me, mas não engulo.

Já faz alguns anos que ouvimos boatos de que a chegada da São Silvestre deveria ser enxotada da Avenida Paulista porque, poucas horas depois, realiza-se no mesmo local um show de Réveillon, outro evento da Rede Globo. O Réveillon da Paulista, “tradição” inventada há muito menos tempo e que poderia acontecer em qualquer lugar, como o Sambódromo, começou a se sentir incomodado pela presença dessa velhinha de quase 90 anos. Simples. Tira a velhinha dali.

Desculpe, mas quem propôs isso (e quem aceitou isso) nunca:

...sonhou durante anos em completar uma São Silvestre
...treinou meses a fio para conseguir subir a Brigadeiro correndo
...viajou do interior de São Paulo, de outros estados ou de outros países para fazer essa prova
...fez promessa de completar os 15 km da corrida carregando uma imagem de santo
...pagou aposta de correr fantasiado de super-heroi ou de coqueiro

Fiz a São Silvestre quatro vezes e vivi ou vi gente vencendo esses desafios e loucuras acima. A transmissão da TV, para essa gente louca como eu, pouco ou nada importa. Em todas as vezes que corri, só fui saber o resultado muitas horas depois porque, sinceramente, com todo respeito ao Marílson Gomes da Silva, ao Vanderlei Cordeiro ou a todos os outros valorosos vencedores, aquela prova, aquela subida da Brigadeiro, aquela esquina que leva de volta à Paulista eram mais que uma corrida e mais, muito mais, que uma atração de TV.

Nem era bem uma corrida. Ninguém – tirando os atletas de elite – corre a São Silvestre para marcar seu melhor tempo. É gente demais, é cotovelo demais, é bagunça, e é por isso que essa gente louca como eu sobe a Brigadeiro e vira à direita na Paulista. Para comemorar o final de mais um ano, o início de outro, para agradecer, tirar a zica, encerrar um ciclo. O isotônico do fim da prova, para mim e para essa gente minha, pode chamar de gente louca, era mais que champanhe.

Dane-se, São Silvestre. Curve-se aos desígnios da TV, seja um mero programa vespertino no último dia do ano. Vou ficar com minhas quatro corridas, minhas medalhas suadas.

Escrevi neste mesmo blog os relatos de minhas quatro São Silvestre. Cheguei a dizer para meu filho que, quando eu morresse, queria ser cremada e ter minhas cinzas jogadas do alto de um prédio da Avenida Paulista, durante uma São Silvestre. São Paulo, essa devoradora do antigo, destruidora de tudo que é símbolo, tradição ou minimamente significativo para quem quer que seja, conseguiu destruir até a poesia dos meus funerais.