Sunday, January 25, 2009

A tua mais completa tradução?

Hoje é dia 25 de janeiro, aniversário de São Paulo. Se você mora na capital paulista ou acessa os meios de comunicação daqui, certamente já ouviu ou ouvirá "Sampa", de Caetano Veloso, diversas vezes ao longo do dia. "Sampa", que é um clássico extraordinário, música e letra, tem diversas referências a ícones paulistanos, não apenas a esquina famosa - "(...)quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João".



Cita os poetas do concretismo, os Demônios da Garoa, os Mutantes. E cita Rita Lee, definida como "a mais completa tradução" da megalópole.

A "homenagem" de Caetano também vai enfileirando aspectos desabonadores à cidade, na ótica do poeta:

"deselegância discreta de tuas meninas”

“chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto”

“quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade”

“povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas”

“feia fumaça que sobe, apagando as estrelas”



Sempre que ouço essa música penso nisso: se eu fosse a Rita Lee, estaria longe de considerar a citação de Caetano homenagem, senão vejamos. Ele fala de deselegância, mau gosto, povo oprimido, feia fumaça... e diz que Rita Lee é a mais completa tradução de tudo isso.

Homenagem uma ova!

(455 anos - Parabéns, São Paulo!)

Thursday, January 22, 2009

Ode à chapinha



Minha querida Barbara Gancia escreveu, entre vários posts sobre a posse de Obama, um que me calou fundo. Chamou atenção para as madeixas da mulher e das filhas do novo presidente do mundo. A íntegra do texto está aqui.

Barbara é contra a chapinha. Pensei várias vezes antes de confrontá-la. Não se desafia Barbara Gancia impunemente, sob risco de uma esculhambada pública ou de um ataque de seu cão Pacheco Pafúncio. Mas, como ela me deve um picolé de limão até hoje, pois não me pagou a aposta pelo final do Campeonato de Fórmula 1 de 2007, perdi o temor reverencial.

Destaco uma das frases de Barbara: "Particularmente, não consigo entender quem tem o cabelo linda e poderosamente encaracolado ter vergonha do que Deus lhe deu."

Barbara, doce italiana de cabelo bom, ouça-me bem. Não é vergonha, querida, é uma amálgama de sentimentos.

É acordar pela manhã, olhar-se no espelho e ver que seu cabelo está no sétimo andar, ainda que você more no sexto.

É gastar uma fortuna em shampoo sem sal (cabelo tem pressão alta?), condicionador, creme para pentear, defrizante, pomada, silicone, um exército de cosméticos empenhado na luta de domar os cachos para, ao final do dia, perceber que a batalha foi miseravelmente perdida.

É enfiar o pente no cabelo, depois de lavá-lo, e correr o risco de não conseguir tirá-lo. Se a tarefa for desembaraçar o cabelo de uma criança, então, prepare-se para choros e ranger de dentes.

É produzir-se inteira, ficar nos trinques para uma reunião de trabalho, uma festa de gala ou cineminha à noite e saber que parte disso não resistirá a uma inocente garoa. Cachos e chuva são incompatíveis, caso você não saiba. O que era cacho vira uma esponja arrepiada e a Cinderela que saiu de casa volta bruxa, sem apelação.

É gastar vários minutos de seu dia domando aquelas feras que se precipitam para fora de sua cabeça, feito cobrinhas em cachola de medusa. É ver a abençoada de cabelo liso sair do chuveiro, chacoalhar as madeixas de forma humilhante e sair com os fios pingando, certa de que eles estarão na mesma posição, várias horas depois.

É ter a certeza de que cabelo crespo é como bandido: ou está preso ou está armado.

Barbara, querida, não julgue Michele, Malia, Sasha, eu e todas as ex-cativas.

Viva a chapinha!

Tuesday, January 20, 2009

Lovely Aretha



O pouco que vi da posse de Barack Obama foi pelos telejornais, à noite, e pela internet, quase em tempo real. Consegui ver pouco ao vivo, pela Globo, e me chamou a atenção a foto que a emissora escolheu para ilustrar o fato - o rosto de Obama, meio de lado, com a luz insidindo na cabeça. Parecia uma aureóla de anjo. E assim reforçam-se os mitos.

Lamentei, de fato, não ter visto a apresentação de Aretha Franklin na posse. A descomunal dama do rithm´n´blues cantou "America - My Country Tis of Thee". Em geral, acho essas apresentações solenes muito chatinhas. E cantoras de voz potente cantando hinos de forma meio desfigurada sempre me fazem lembrar da simpática Fafá de Belém. Mas a escolha de Aretha tem muito significado.

Aretha é, sem exagero, herdeira musical de minha "ídola" Dinah Washington. Consta que a consagrada Dinah, pouco antes de morrer, esteve em uma festa de noivado de Aretha, abençoando a jovem nubente e a voz da jovem nubente, elegendo-a como sucessora. (Essa história sempre me lembrou daquele mito sobre a morte de Cacilda Becker, morta em cena. Diz a lenda que a grande dama, ao ser carregada já desfalecida por entre a platéia, teria esbarrado sua mão em Marília Pera, como se a ungindo herdeira artística.)

Com ritual ou não, o negócio é que Aretha Franklin tornou-se uma das maiores cantoras norte-americanas e se mantém ativa há mais de quarenta anos. Sendo herdeira de Dinah, acaba sendo herdeira de Billie Holiday, que imortalizou a devastadora "Strange Fruit", um dos maiores libelos artísticos contra o racismo, cuja história completa está aqui. Nada mais significativo do que a voz de Aretha para embalar a posse do primeiro presidente negro dos EUA.

Quer ouvir um arrasa-quarteirão na voz de Aretha Franklin? Procure "Jumpin´Jack Flash", dos Stones, com participação especial dela. Se você não sair dançando depois disso, bom sujeito você não é...

Monday, January 19, 2009

27 anos sem ela



Elis Regina, 27/03/1945 - 19/01/1982

Nova esperança bate coração
Renascer cada dia como a luz da manhã
Despertar sem medo, enganar a dor
Disfarçar essa mágoa que anda solta no ar

Ter que acreditar no regresso da estação
Como o sol volta a brilhar, como as chuvas de verão
Ter que acreditar só pra ter razão
De sonhar mais uma vez

Nova esperança bate coração
Renascer cada dia como a luz da manhã
Semear a terra certo de colher
Da semente o fruto depois descansar

(Nova Estação, Luiz Guedes/ Thomas Roth)

Tuesday, January 13, 2009

Por toda a minha vida (Exaltação ao amor)


Um dos hits das minhas curtas férias foi o CD "Roberto Carlos e Caetano Veloso e a música de Tom Jobim". O CD nasceu dos espetáculos feitos pelos dois em 2008, como parte da celebração pelos 50 anos da Bossa Nova.

Cheio de clássicos, tem quatro músicas cantadas pelos dois. A melhor, na minha opinião, é "Wave". E tem essa apaixonada "Por toda a minha vida (Exaltação ao amor)", lindamente cantada por Caetano Veloso.

Letras de Vinícius de Moraes já são um clássico deste blog, e sigo achando uma enorme covardia alinhar Vinícius a outros letristas da música brasileira. Vinícius era um poeta fazendo letras de música, o que já lhe dá vários corpos de vantagem sobre todos os outros.

Ao ouvir Caetano, que aos 66 anos de idade parece cantar ainda melhor que na juventude, é natural lembrar da interpretação de Elis Regina para a mesma música, do mítico "Elis & Tom", de 1974. Ambos cantam como se fossem o noivo ou a noiva, exaltando o ser amado ao pé do altar. Um dado interessante é que a letra, com pequeníssimas adaptações, pode revelar o eu-poético feminino e o masculino.



Elis cantou assim:

Oh! meu bem-amado
Quero fazer de um juramento uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente tua e amar-te como nunca
Ninguém jamais amou ninguém

Oh! meu bem amado, estrela pura aparecida
Eu te amo e te proclamo
O meu amor, o meu amor
Maior que tudo quanto existe
Oh! meu amor

Caetano, assim:

Minha bem-amada
Quero fazer de um juramento uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente teu e amar-te como nunca
Ninguém jamais amou, ninguém

Minha bem-amada
Estrela pura aparecida
Eu te amo e te proclamo
O meu amor, o meu amor
Maior que tudo quanto existe
Oh, meu amor

Vinícius, seu bandido: por sua causa, e de gente como Drummond, é que desisti de ser poeta. Vocês escreveram em verso tudo o que eu gostaria de ter escrito.

Monday, January 12, 2009

Puto maravilha


Calma, minha gente, não é nada do que vocês podem estar pensando...

Não voltei das férias mais boca suja do que antes. O "puto", do título, é apenas a maneira lusitana pela qual nossos colegas d´além mar se referem a menino, rapazote. Meus leitores portugueses podem confirmar (alô, Speeder; alô, Flavia!).

O admirável Cristiano Ronaldo foi eleito hoje o melhor jogador de futebol de 2008, pela Fifa. Recebeu o troféu das mãos de Pelé. É certo que muita gente acha o português mais marketing do que bola. Também é certo que ele nunca foi, por Portugal, tudo o que foi para o Manchester United. É certo, também, que ele é mais habilidoso individualmente do que coletivamente.

Mas como é bonito vê-lo com a bola aos pés... Em muitos sentidos!

O título deste post é referência a uma reportagem que meu filho viu em um blog há alguns meses, e que o fez dar muitas risadas, justamente por não entender a utilização do "puto". Referia-se à vitória de Sebastian Vettel no GP da Itália e o apresentava exatamente assim - Puto maravilha.

Se há contestações sobre o título dado hoje à Cristiano Ronaldo, toda a polêmica se cala diante de Marta. Três vezes eleita a melhor do mundo, a brasileira deve ser uma unanimidade até se aposentar. Não é demais dizer que Marta é o Pelé do futebol feminino. Que orgulho, Marta! Que inveja de você nessa foto, Marta...

Thursday, January 01, 2009

São Silvestre

Quando nasce o primeiro filho, você acorda várias vezes à noite para ver se ele está respirando.

Quando nasce o segundo, você acorda se ele chora.

Quando nasce o terceiro, você nem acorda mais.

Tive apenas um filho, mas já corri três São Silvestres, e acho que esse sentido de normalidade, de rotina, acaba se acomodando nesse tipo de situação também.

Não fica mais fácil, nem menos divertido, nem menos marcante ou emocionante. Mas não há o frisson do novo, a sensação de se fazer algo inédito. Mas, que diabos, é a São Silvestre, éramos mais de vinte mil ali, tudo bem, mas não é todo mundo que corre quinze quilômetros em um percurso difícil como aquele. Vale o registro detalhado?

Digam vocês.



Como na primeira vez, em 2006, fui para a região da Paulista escutando o CD "Technicolor", dos Mutantes. Naquela ocasião, ele era novinho, um dos presentes de Natal daquele ano, e eu estava ouvindo muito Mutantes na época. Adotei-o como tradição da prova e mandei ver este ano também. Escutei a faixa título, depois "Virginia", depois "She´s my shoo-shoo", versão para o inglês de "A minha menina", do então Jorge Ben. Tirei o CD para colocar uma coletânea do U2, com a intenção de ouvir "Beautiful Day", um hit atual dos meus caminhos por São Paulo, mas reconheci a voz do Ricardo Capriotti no rádio. Acabei desistindo do CD.

Capriotti, apresentador da Bandeirantes, é um entusiasta das corridas e lançou, neste ano, um programa chamado "Fôlego", dedicado à modalidade. Fez mais: facilitou um programa de treinamento para um grupo de ouvintes, que partiram do zero e, em cem dias, alcançaram condicionamento para correr a São Silvestre. Tenho acompanhado as notícias do grupo nesses últimos meses e acabei estacionando o dial na Band, até chegar ao estacionamento.

Lá, outro ritual. Deixei o carro na garagem do meu escritório e subi a pé para a Paulista. Seguindo pelas ruas, "fantasiada" de corredora, ouvi os habituais cumprimentos e desejos de boa sorte de alguns transeuntes. Corro o ano inteiro e eventualmente ando pelas ruas antes de chegar à largada, mas só escuto esse tipo de manifestação na São Silvestre, o que explica o apreço de quem corre essa prova por esses pequenos detalhes.

Chegando à Brigadeiro Luís Antônio, surpresa! Não era possível cruzar a avenida em direção à rua São Carlos do Pinhal, onde os integrantes da Equipe Conexão haviam marcado seu ponto de encontro. Perguntei ao guarda como eu deveria fazer para cruzar e ele reagiu como se eu tivesse feito a pergunta em linguagem de sinais no idioma sânscrito. "Ah, isso eu não sei!". Continuei andando pela Brigadeiro, ao lado de corredores tão desnorteados quanto eu e pedestres revoltados pela interdição. Na esquina com a Paulista, encontrei meu amigo Henry, um dos membros da turma, e seguimos pela grande avenida em busca de uma passagem.

Perto da Alameda Campinas, vimos uma ambulância se preparando para passar para o outro lado. Henry, que entre nós é chamado de "o bonzinho", para diferenciá-lo do outro Henry da turma (pensem o que quiser...), sugeriu que aproveitássemos o vácuo da viatura para burlar a interdição. Eu estava embarcando na contravenção do colega quando notei que ali, bem ao lado, havia uma passagem para pedestres, livre e desimpedida. Ponderei que não gostava da idéia de frustrar nossa malandragem, mas que poderíamos guardar nossa cota de rebeldia para outra ocasião.

Alcançamos o ponto de encontro, em frente ao outrora sofisticado Hotel Maksoud Plaza, e já avistamos o Ammar. Pouco depois, chegaram o Fábio, a Pati e seu namorado Rafael. Ficamos alguns minutos conversando e alongando, quando ganhamos a companhia de um rapaz que chegou meio trôpego, meio lânguido, muito bêbado. Pediu-nos dinheiro, e argumentamos que, ali, ninguém tinha dinheiro, nem nada nos bolsos. O distinto se pôs a nos censurar. "Como assim? Não tem nem um documento no bolso? Quer dizer que se vocês forem para um hospital, serão internados como indigentes?" E desandou a falar um discurso naturalmente desconexo. Do outro lado da rua, avistei o amigo Nilton chegando e fiz sinal para que ele não atravessasse, que nos esperasse lá. Em princípio, Nilton não entendeu a súbita saudade que se abateu sobre todos, indo o grupo inteiro em sua direção. Informado sobre a desagradável companhia, o bom palmeirense compreendeu nossos motivos. "Se os bêbados soubessem como são chatos, não beberiam", sentenciou Ammar.

Depois, ainda chegaram a Alexandra e o Zoca, e fomos para a Paulista, pouco depois das 16h30. A largada seria às 16h50, mas a avenida já estava tomada pelos atletas. Nem cogitamos ir mais para a frente, ficando no quarteirão entre a Rua Pamplona e a Alameda Campinas. Nos vinte minutos que esperamos, a aglomeração aumentou ainda mais. "O que mata nessa hora é esse cheiro de humanidade", lembrou Zoca. Já escrevi neste blog: uma das piores coisas nas corridas é a profusão de cheiros. Além do dito cheiro de corpo, misturam-se odores como desodorante e pomadas canforadas, um teste para o olfato.

17 minutos depois...

O pelotão de elite largou pontualmente às 16h50. Nós, a turma do fundão, só conseguimos passar pelo tapete que registra os tempos dezessete minutos depois. Era muita gente, e de cara percebi que seria difícil imprimir um ritmo sequer razoável, porque além da enorme quantidade de atletas, havia muitos participantes que já estavam andando no final da Paulista, ali perto do meu estimado Conjunto Nacional! Sem estresse: desde o ano passado, eu não encaro a São Silvestre como um desafio ao tempo, como faço com as outras provas. Aquilo não é competição, não para nós, amadores, é celebração. E com esse espírito fui em busca do quilômetro 15.

A São Silvestre tem algumas características que a tornam mais difícil que muitas outras provas. Em primeiro lugar, seu percurso: o corredor desce praticamente tudo o que tem de descer na primeira metade, e sobe tudo na segunda, ou seja, quando já está mais cansado. Outro complicador: o horário. Em geral, corre-se pela manhã, enquanto a São Silvestre escolhe o horário vespertino, em pleno verão. Mais um fator a dificultar: a quantidade de gente correndo. Em alguns trechos, como na avenida da Consolação ou no Minhocão, e onda de corredores se espalha por todas as faixas das vias - ida e volta. Em outros, como no Centro, o funil se instala e não há como manter o ritmo.

Os tipos esquisitos e/ou engraçados são uma tradição. Corri com várias noivas de barba, uma mulher-fruta com uma cesta tipo Carmen Miranda na cabeça, alguns super-heróis, um samurai, um homem e uma mulher das cavernas. O mais popular, pelo jeito, era um sósia do presidente eleito dos EUA, Barack Obama, que correu de shorts, paletó e gravata. Passei por ele no Minhocão, ele acenava para a o público e só repetia - "Thank you, thank you!". Ainda em cima do elevado, um corredor ao meu lado perguntava aos moradores dos prédios, aflitíssimo, quem tinha ganho a prova. Algo que permanceu um mistério para mim até que cheguei ao carro e liguei para casa.

No elevado ao lado do Memorial da América Latina, uma daquelas cenas improváveis. Uma corredora chamou pelo nome de algum colega (marido, namorado, irmão, técnico, sei lá). "Vitor?". Alguém retrucou: "Flávio?". Ao que se seguiu uma ladainha de nomes, de gente chamando, gritando, caçoando da moça. O clímax se deu quando alguém gritou "Ronaldo!", senha para alguns exaltarem o Timão, ao que outros, naturalmente, vaiaram.

Cheguei ao quilômetro 10, dois terços da prova, na avenida Rio Branco, com 55 minutos no cronômetro. Meu melhor tempo para a distância, 48min16, tinha ficado lá na Barra Funda, mas continuei relax. Eu até me sentia bem, o joelho não doía nada, conseguiria aumentar o ritmo, mas com aquela parede de gente à frente, impossível. Eu já estava meio entediada de ficar desviando dos colegas e resolvi manter o ritmo tranquilo e me resguardar de novas cotoveladas.

Alcancei o Centro com o céu negro, o que me fez lembrar minha primeira São Silvestre. Parecia impossível terminar a prova sem que a tempestade desaguasse. No entando, foi só ameaça. O clima, por sinal, estava ótimo, o melhor que enfrentei até hoje nessa corrida. Na primeira, muita chuva. Na segunda, muito calor. Na terceira, nem uma coisa nem outra. Tinha até um ventinho agradável em algumas ruas.

Cãezinhos a caminho

Alcançar a Brigadeiro é como ligar um turbo para mim. Ali, faltam pouco mais de dois quilômetros para a chegada e sempre persiste a idéia de que quem chegou bem até ali vai bem até o final. Fui subindo a mítica ladeira como sempre faço, sem olhar para a frente. Quando cruzei a rua Treze de Maio, uma cena impagável. No meio do público, bem embaixo do viaduto, dois cachorrinhos se divertiam descaradamente, talvez excitados pelo excesso de movimentação à volta, doidos para entregar nova ninhada ao mundo, no ano novo.

Alcancei o topo com uma preocupação - queria tentar avistar minha prima e madrinha Dora, que prometeu ir me ver na Brigadeiro. Percebi como é difícil tentar divisar alguém na multidão. Ela deve ter ido, mas eu não a vi. Limpei a frustração dos olhos e me preparei para a apoteose, que é dobrar a esquina e retornar à Paulista.

Minha Paulista, minha avenida, minha casa. Naquela hora, tive um pensamento meio funesto. Lembrei do que sempre digo, sobre meus restos mortais - quero ser cremada e ter minhas cinzas jogadas na Paulista. Acrescentei um detalhe - quero que o façam durante uma São Silvestre. Pensei em outra coisa, ainda menos adequada para aquele momento de celebração: lembrei de uma música da Rita Lee, "Saúde", na qual ela diz que "se por acaso morrer do coração, é sinal que amei demais". Pensei que, se por acaso eu morrer do coração, em uma corrida, que ninguém pense em culpar os organizadores. Seria minha apoteose final.

Mas logo limpei a mente desses pensamentos também e aproveitei a visão dos prédios, o colorido das decorações natalinas, as luzes já se acendendo. Estou de volta, e espero fazer este regresso à casa muitas vezes, por muitos anos, com a orientação do meu técnico José Eduardo Pompeu, com a convivência com meus colegas de equipe, com a inspiração da minha família. Afinal, como diz a mesma música, "enquanto estou viva, cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz".

Em tempo: registro minhas marcas na prova - 1h24min52; fiquei em 402º lugar na prova feminina (2.706 atletas no total), 55º na minha faixa etária (437 atletas no total).



Por fim, minha homenagem e orgulho por ter corrido a prova que marcou a aposentadoria do grande fundista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, cuja comemoração pelo terceiro lugar na Maratona da Olimpíada de Atenas, em 2004, foi uma das maiores lições que recebi do esporte. Eu, que estava revoltada por Vanderlei ter sido atrapalhado por um lunático durante o percurso, achei que ele deveria entrar no estádio fazendo algum tipo de protesto, cruzando a linha de costas, qualquer coisa assim. Vanderlei mostrou-se muito mais equilibrado e maduro do que eu. Em vez de lamentar o ouro perdido, comemorou o bronze, com seu habitual aviãozinho no final da prova.