Thursday, May 31, 2007

De que lado você estaria (estava, estará...)?

Outro dia, estava conversando com meu "filho" Bruno Vicária sobre o livro "1968, O ano que não terminou", e o papo enveredou por aquele período intenso da história contemporânea.

Apesar de sermos de gerações diferentes, nenhum de nós viveu aquela fase e passamos a conjecturar o óbvio: o que seria de nós se vivos e adultos naquela época. Então comentei sobre a famosa "Passeata da Música Popular Brasileira", que entrou para a história como "a passeata contra as guitarras" e aconteceu em 1967.

A história foi mais ou menos assim: a música brasileira vivia um período de grande fertilidade e seu principal veículo de divulgação era a TV Record, a Rede Globo da época, que abrigava praticamente todas as tendências da música popular em sua grade de programação. Havia aquilo que depois se consolidou como a MPB, nas hostes do programa "O fino da bossa", apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues; havia a Velha Guarda do "Bossaudade", capitaneado por Eliseth Cardoso; estava lá a coqueluche da juventude, a "Jovem Guarda" do trio Roberto, Erasmo e Wanderléa. Em 1967, a Record realizou seu III Festival de Música Popular Brasileira, vencido por "Ponteio", de Edu Lobo e Capinam. Mas a grande novidade desse certame, sem dúvida, foi a inusitada mistura de música popular tradicional com toques de rock, numa salada de chiclete com banana personificada em duas apresentações, a de "Domingo no Parque", com Gilberto Gil acompanhado pelos Mutantes, segunda colocada, e a de "Alegria, Alegria", de Caetano, acompanhado pelo grupo argentino Beat Boys, classificada em quarto lugar.



O terceiro festival da Record teve alguns episódios históricos, como a célebre "violada no palco", quando o cantor Sérgio Ricardo quebrou seu violão e o atirou na platéia, que o vaiava inclemente durante a apresentação da música "Beto bom de bola". Outra marca do festival foi a de segmentar grupos na platéia. Não eram apenas espectadores, mas quase torcidas organizadas que iam ao teatro tanto para aplaudir seus ídolos quanto para vaiar seus desafetos. A rivalidade adquiriu contornos político-ideológicos. A turma identificada com a ala de Elis Regina, Chico Buarque, Edu Lobo, Geraldo Vandré, entre outros, considerava-se engajada, de esquerda, oposição ao regime e rechaçava tudo o que pudesse ser identificado como imperialismo ianque. O grupo tinha até uma líder, invocada e brigona, conhecida como Telé, a puxadora oficial da saraivada de vaias.

E o que poderia ser mais americanizado, alienado, colonizado que o rock rebelde ou as baladas vertidas do inglês da turma da Jovem Guarda? Roberto Carlos participou, sim, do festival, mas cantando uma comportada "Maria Carnaval e Cinzas", de Luiz Carlos Paraná, sem guitarras nem apelo rock´n´roll. Mas era nítido que as guitarras e, principalmente, a atitude associada ao rock estava chegando para ficar. Foi neste contexto que surgiu a tal passeata. Visto de hoje, o panorama de "rivalidade" entre as várias correntes parece até esdrúxulo, senão vejamos. Quem ia à "Jovem Guarda" era proscrito do "Fino da Bossa". No entanto, poucos anos depois de terminada a "guerra", Elis estava gravando Roberto & Erasmo e desafiando solos de guitarras, por exemplo, em "Cinema Olympia", de Caetano Veloso. Mais nonsense ainda era pensar que Gilberto Gil, aquele mesmo, acompanhado de guitarras no festival, marchou junto de Elis e de outras figuras de peso contra... as guitarras!

À luz de quatro décadas passadas, hoje a passeata contra as guitarras soa mais como um evento fomentado pela própria Record para atiçar as rivalidades e fazer subir a audiência do que um movimento realmente popular. No entanto, eu e Vicária ficamos pensando onde estaríamos se estivéssemos naqueles tempos ali, de bobeira, no centro de São Paulo.

Afinada que sempre fui com o pensamento de esquerda, tenho medo de pensar - mas é a mais pura lógica - que eu estaria junto a Elis & cia., clamando pelo fim da alienação e da influência ianque em nossa "música de raiz". Claro que isso soa absurdo visto de hoje, em que me sei entusiasta da revolução tropicalista, do gênio do maestro Rogério Duprat e de seus arranjos mágicos. Que me conheço como admiradora profunda de Mutantes, de Gil, de Caetano, de Gal, e de Beatles, de Secos & Molhados, de Novos Baianos, de Eduardo Dusek, de Itamar Assumpção, disso e daquilo outro. Claro, hoje é fácil, conheci tudo isso muito depois e não me vi em trincheira nenhuma, tendo de escolher entre alguns deles para amar e os outros todos para odiar.

Mas, no fundo, às vezes penso que estaria na marcha. Vicária acha que abraçaria a Tropicália (mas até aí, né, filho, o Gil fez a Tropicália e marchou também...). Concordamos que este camarada e este outro aqui não só seriam os primeiros da fila contra a americanização ianque como eram capazes de duelar para namorar a Telé.

E você, de que lado estaria? E você, se estava lá, marchou ou vaiou? Me conta?

Tuesday, May 29, 2007

Momento fútil

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A brasileira ficou em segundo, a estadunidense caiu, a japonesa ganhou, OK. Mas ninguém vai falar que, entre as cinco, não há nenhuma loira? Nenhuma, zero vezes zero. E os litros de água oxigenada que já gastei na vida? São sinal de decadência? Respondam, please: o mundo não prefere mais as loiras?

Monday, May 28, 2007

Solitude

"Você precisa fazer os 10 km da Tribuna, em Santos. Lá não é como aqui, a cidade pára para ver a corrida, não é essa solidão de correr pelas ruas de São Paulo."

O apelo da moça foi tão entusiasmado que acabei me inscrevendo na tal corrida naquele mesmo dia. O diálogo aconteceu poucos minutos antes da Corrida de Outono, no Pacaembu, uma prova bem tumultuada em termos de organização, no dia 1º de abril. Eu, que nunca havia corrido em Santos, achei que era uma boa oportundidade para fazer uma prova diferente e aproveitar um final de semana na praia.

Os 10 km da Tribuna aconteceram no dia 20 de maio. Uma ótima organização, um percurso agradável e muito diferente de tudo o que se faz em São Paulo, a começar pelo fato de que não "corremos em círculo" lá. A prova sai do Centro da cidade e termina na orla. Em São Paulo, em geral, largamos e terminamos no mesmo lugar.

Ontem, 27 de maio, corri uma das minhas provas preferidas, a da Academia do Barro Branco. Tenho vontade de morder a língua cada vez que falo isso. Quando tinha meus 15 anos, eu não podia nem ouvir falar no Barro Branco, nome ligado a uma instituição da Polícia Militar, localizada na Zona Norte de São Paulo. A ditadura militar tinha acabado de acabar e eu simpleslemte ficava louca com algumas colegas que debutavam e convidavam os cadetes do Barro Branco para dançar a valsa. Pois eu me recusava, na tentativa mais próxima de mostrar minha resistência ao antigo regime e de expressar minhas esperanças no novo governo civil. Tsk, tsk...

Mas a prova do Barro Branco é inigualável. Nem todos gostam de fazê-la, por seu percurso pouco usual. Localizada em uma região de terreno bem acidentado, a prova acontece praticamente só em ladeiras, subindo ou descendo. Um verdadeiro teste de resistência e força que ameaça de fato os músculos.

Correndo nesta fria manhã de domingo, em determinado trecho, praticamente deserto de almas transitando pelas ruas, lembrei da comparação da moça de Santos (cujo nome não sei e que nunca mais vi!). É realmente contrastante a animação do público às margens dos 10 km da Tribuna em relação à indiferença paulistana com a maioria das coisas que acontece por aqui. A cidade não é indiferente só a uma corrida de malucos às 8h da matina de um domingo gélido. A metrópole é blasé em relação a quase tudo. Fui assaltada uma vez, o sujeito quebrou o vidro do meu carro, havia uma multidão de carros à volta, ninguém nem olhou. Aqui, é assim.

Mas a divagação foi mais longe. Concordei em termos com a moça de Santos. De fato, lá a coisa é mais, digamos, "quente". Mas a solidão de correr independe do entorno. Aliás, correr é também um ótimo exercício para a mente. Pois foi correndo, com seis mil pessoas à volta ou sozinha, que fui percebendo como a solidão talvez seja o destino de todos. Por mais companhia que se tenha, por mais ajuda, colaboração, apoio, amor, simpatia, afinidade que se possa amealhar nos relacionamentos, é dentro de si que estão as perguntas e as respostas, os problemas e as soluções. E isso não é maldição nenhuma, mas antes uma grande libertação.

(Os sites especializados em fotos de corrida vão colocando seu material no ar aos poucos. Encontrei duas fotos minhas da prova de ontem. Estão neste link.)

Thursday, May 24, 2007

"Pois sem você, meu tesão..."

Fui falar de Eduardo Dussek e de seu surgimento no Festival MPB 80, da Globo, que a coisa escapou do controle. O elétrico Rodrigo Mattar logo replicou com um post sobre o festival seguinte, o MPB Shell, e então fiquei sem alternativas neste agradável duelo. É preciso falar do “Festival dos Festivais”, competição lançada também pela Globo, em 1985.

A pretensão do nome, vá lá, justifica-se. Para organizar o certame, a Globo chamou Solano Ribeiro, responsável pelos históricos festivais da Record da década de 1960 e fomentou um número impressionante de inscrições – mais de dez mil. O desejo de tornar o evento um acontecimento nacional foi reforçado pela descentralização das eliminatórias, quatro ao todo, realizadas em Recife, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, cada uma com a apresentação de 12 músicas. As duas semifinais e a finalíssima aconteceram no Rio, no ginásio do Maracanãzinho.

Para garantir que o festival fosse o sucesso esperado pela Globo, Solano cercou-se dos bons e velhos amigos. Por exemplo, chamou para compor a comissão de pré-seleção o pianista e arranjador César Camargo Mariano, que por sua vez resolveu contar com a ajuda do então rapazola João Marcello Bôscoli, seu enteado, primogênito de Elis e hoje presidente da gravadora Trama. A função de João Marcello, no processo, era colocar para tocar as milhares de músicas enviadas em fitas k-7 para a equipe de notáveis ouvir.

Não foi por falta de músicas nem de empenho da equipe que o Festival dos Festivais foi chocho feito ele só (justiça seja feita: outros poucos festivais o sucederam e conseguiram ser ainda piores, mas isso é outra história, que eu não pretendo contar!). Apesar da sofrível qualidade musical apresentada, a competição teve bons momentos.



A começar pela “revelação” da intérprete da canção vencedora, “Escrito nas Estrelas”. A sul-matogrossense Tetê Espíndola sustentava uma tímida carreira comercial desde o fim dos anos 1970, tornando-se no começo dos ´80s um dos nomes de maior destaque da chamada “Vanguarda Paulista” (bem lembrado, um dia falo dessa vanguarda paulistana capitaneada por um paranaense, um tieteense, uma sul-matogrossense etc.). Tetê era underground à beça e causou espanto para quem a conhecia ao surgir na Globo cantando uma baladinha convencional, vestindo uma roupa de crochê nada convencional e usando um penteado doidaço.

A música podia até ser qualquer nota, mas tinha alguns traços de originalidade. A começar pelo autor da letra, Carlos Rennó, que era também crítico de música, uma bela saída do armário, de pedra a vidraça. E um verso daqueles “vamos celebrar o fim da Censura” (lembrando: em 1985, José Sarney – gostemos ou não – assumiu como o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar, decretando, entre outras medidas, o relaxamento da Censura). O verso era justamente o título deste post – “Pois sem você, meu tesão...” – que Tetê cantava exacerbando no agudo, sua marca registrada, e fazendo uma cara de malícia bastante compatível com aquela roupa cheia de buracos.

Em segundo lugar, ficou a indígena “Mira Ira”, de Lula Barbosa e Vanderley de Castro, cantada pela desaparecida Miriam Mirah, uma canção com um refrão indecifrável, mas que levantava a galera. Algo assim: aná-ná-ira-ira-ira-ná-ná-tupi.

E em terceiro, talvez aquela que tenha sido a mais perene das obras inscritas no festival, “Verde”, de Eduardo Gudin e Costa Netto, interpretada por Leila Pinheiro, que recebeu o prêmio de revelação do festival. E um registro final para competidora premiada como a melhor letra – “A última voz do Brasil”, do irreverente grupo Joelho de Porco, capitaneado por Zé Rodrix.

E para não dizer que não lembrei: o prêmio para a melhor canção foi entregue por ela, Rita Lee.

Tuesday, May 22, 2007

É do ar do Dusek

1980, grande 1980!

O Brasil já tinha cantado tudo o que dava sobre “a volta do irmão do Henfil”, e os ares da abertura finalmente pareciam preencher os espaços. Tudo bem que ainda demoraria quase uma década até que o povo enfiasse na urna uma cédula com nome de candidato para presidente mas, em 1980, parecia que tudo seria melhor.

Foi então que a Rede Globo resolveu reeditar o formato dos festivais e lançou o “MPB 80”, naqueles moldes dos programas da década de 1960, com eliminatórias e uma grande final. Lembro do ar de desprezo dos meus pais. “Não vai ser igual...”, era o que meus olhos liam naquele desinteresse todo. Mas, que diabos, eu não tinha visto festival nenhum e me atirei como uma militante naquele certame.

Minha torcida, como da massa, era por Amelinha, aquele frevo-mulher com cabelos de fogo cantando “Foi Deus que fez você”. Ganhou Oswaldo Montenegro, com “Agonia”, e até nisso tive que engolir a sapiência vivida de pappy & mammy. “Sempre foi assim, a preferida do público nunca vence”.

Mas o que me hipnotizou mesmo, naquele festival, foi um maluco surgido em uma das eliminatórias, cantando de paletó de fraque, asas de anjo e... cueca samba-canção. É engraçado que pouca gente se lembre disso, mas tenho nítida na memória a grafia de seu nome naquele evento: Duardo Dusek. A música era “Nostradamus”, um deboche sobre o fim do mundo com pérolas assim:

“(...) começou tudo a carcomer,
gritei, ninguém ouviu
e olha que eu ainda fiz psiu (...)”

“(...) vou até a cozinha,
encontro Carlota,
a cozinheira, morta,
diante do meu pé, Zé (...)”

Lembro da escritora Fanny Abramovich aplaudindo de pé a apresentação do sujeito e eu, que adorava as participações da Fanny no TV Mulher, apesar de ter só dez anos na época!, imediatamente transferi as palmas dela para minhas gavetinhas de juízo de valor. Amei Dusek daquele dia em diante, mas demorei a entender que Dusek não era só um anjo maluco de fraque e cueca, mas um senhor compositor, um gênio que pegava referências culturais riquíssimas com uma mão, um punhado de bom humor com a outra, jogava tudo em um caldeirão, misturava, e dali tirava praticamente o que quisesse.

É certo que minha percepção de Dusek como um fanfarrão debochado foi reforçada pela imagem que ele mesmo disseminou nos anos seguintes e na qual a grande imprensa embarcou, tratando de reforçar o estereótipo. Senão vejamos.

Depois de explodir no festival da Globo, Dusek logo gravou um disco, chamado “Olhar Brasileiro”, que o apresenta como uma espécie de Lamartine Babo modernizado. São desse primeiro disco músicas como o frevo “Folia no Matagal”, que ficou nacionalmente famosa na voz de Ney Matogrosso, com versos marotos como “o mar passa saborosamente a língua na areia(...)” e “Chocante”, a saga de uma dama abandonada deixando cair em um boteco (pelo jeito sórdido). Mas a própria faixa-título, “Olhar Brasileiro”, é nada menos que um clássico que se encaixaria à perfeição no repertório de Cauby, de Dalva de Oliveira ou de qualquer outro medalhão daqueles tempos.



Em 1982, Dusek gravou aquele que deve ter sido seu disco de maior sucesso, “Cantando no Banheiro”. Fui vê-lo no Palácio das Convenções do Anhembi. O palco era todo decorado com privadas, bidês e papel higiênico em profusão. São dessa época, além da faixa-título, o “Rock da Cachorra” (“Troque seu cachorro por uma criança pobre”), composição de Léo Jaime que deu pano pra manga junto a associações de defensores de animais, “Cabelos Negros”, “Quero te beber no gargalo”, uma impagável marchinha totalmente lamartiniana, e minha preferida, “Barrados no Baile”.

Com doze aninhos, ainda não entendendo bem por que a mãe de uma colega ficava tão escandalizada quando Rita Lee dizia que ficava “de quatro no ato”, eu também não pescava tudo o que Dusek dizia. Nesta barrados no baile, por exemplo, eu custei a pegar o que eram “aplicados pra não dormir” e achava que não fazia sentido a frase “saca aqui, qualquer privé é cilada, se não for peixinho não nada”.

Em 1984, Dusek lançou “Brega Chique”, disco cuja faixa-título ficou conhecida como “Doméstica”, a hilariante história de uma empregada presa por engano como traficante, depois transformada em baronesa não sem antes fazer breve estágio no calçadão. Ou seja, era impossível dissociar Dusek de deboche. Até aí, sem problema. O xis da questão é que Dusek sabia ser debochado com elegância, com graça e com uma base musical maravilhosa. Daí que a indústria do disco, tempos depois, e a mídia, e todo mundo, de repente até eu e você aí, começamos a nos contentar com deboche sem graça, com mau gosto. Sinal dos tempos, talvez. Ainda bem que sou de qualquer tempo e não me furto a mergulhar no passado para me deliciar com música bem feita (e bem humorada).

Quando fui buscar algo no You Tube para ilustrar este post, que coincidência. Outro dia, ainda no post “Todas as teclas”, o leitor e blogueiro Paulo de Tarso mencionou a primeira experiência de César Camargo Mariano com um piano. Pois encontrei esta participação de Dusek em um programa do maestro e arranjador, da extinta TV Manchete, cantando e tocando ao piano a deliciosamente romântica “Aventura”, do disco de 1986. Esta música tem um daqueles versos que eu queria para mim: “(...) vi seu olhar, seu olhar de festa, de farol de moto (...)”. Ai de mim que sou romântica... Só porque tenho olhos de desenho animado japonês e, quando estou animadinha, dizem, eles brilham bastante. Pretensão...

Dusek passou a década de 1990 bem apagado, como muitos artistas daquela geração, espremidos entre o sertanejo e o axé. Retomou a gravação de discos já neste século, dedicando-se a reviver a obra de Carmen Miranda, que tem mesmo tudo a ver com ele. Quando ressurgiu, passou a grafar o sobrenome com um “s” a mais e agora é Dussek. Segundo seu site oficial, apresenta-se em eventos empresariais regularmente, além de fazer shows esparsos. Sinceramente, acho pouco, pouquíssimo, para um artista como ele.

Senhoras e senhores, divirtam-se:

http://www.youtube.com/watch?v=y44hdB0OnEg

Friday, May 18, 2007

Incomodada

Rapidíssima: breve aula de história e humor sobre o presidente Modess. Vai !

Thursday, May 17, 2007

Todas as teclas



Para uma pessoa apaixonada por música como eu, era natural que, em algum momento, o desejo de aprender música despontasse. O problema foi que eu não soube lidar em nenhum momento com essas três palavras – natural, desejo e aprender.

Sempre fui CDF de carteirinha, daquelas de estudar para prova de Filosofia, que não reprovava, no quarto bimestre, tendo fechado as notas no terceiro. Falando o português claro, fui naqueles tempos a neurótica da caderneta. E não me dei por satisfeita em ter um natural desejo de aprender. Não. Em minha defesa, havia uma lógica. Siga: eu já sabia que queria ser jornalista e planejava ser crítica de música. Ora, não querendo que os artistas por mim detonados me dissessem que eu era apenas mais uma “música frustrada”, enfiei na cabeça que eu TINHA que SABER tocar. Não era mais desejo nem muito menos natural. Era obrigação.

Ai, ai... E o pior: é tudo verdade.

Se a coisa era assim séria, não servia professora particular. Fui direto pro conservatório. O ambiente era mais que amigável, quase familiar. A escola pertencia havia várias décadas a Dona Aline, amiga da família, freqüentadora da casa. Não havia piano em casa, mas isso foi o de menos. O ancestral instrumento adquirido por meu avô lá pela década de 50 repousava quase inerte na casa da minha tia mais velha, que fora a pianista da família até se casar. Minhas primas chegaram a batucar um pouquinho nas teclas, mas nenhuma das duas se entusiasmou muito.

Herdei o piano e, minha mãe, uma seqüência de dores de cabeça por conta do trambolho. Quem já teve piano em casa sabe o que é: impossível arrastar o bicho para limpar, necessário chamar firma especializada até para trocar a coisa de uma sala para outra. O terror se instalou quando mudamos da casa para um apartamento e lá foi o piano pela escada, apoiado insanamente nas costas dos carregadores, nove andares acima.

Como toda CDF que se preza, deslanchei nos primeiros anos. Tanto que consegui cumprir os quatro primeiros em apenas dois. Eu me virava bem naqueles livros introdutórios, tipo Anna Magdalena Bach e Czerny. Até gostava de estudar escalas, mas comecei a achar que algo estava fora de ordem quando percebi que gostava mais, muito mais, das aulas de teoria. E que eu era a única que não blasfemava contra o solfejo. Lá pela metade do curso, a suspeita que rondava se instalou no meu colo.

Meus colegas eram tarados por um teclado. Não podiam ver piano aberto que logo se aboletavam e tocavam de ouvido coisinhas básicas como Chopin. Saquei que aquilo não era para mim. Eu, para perpetrar um minueto, uma valsinha que fosse, tinha que malhar horas a fio com a cara na partitura. Errava, parava, voltava. Fazia o mesmo compasso vezes seguidas. E os jovens gênios lá, tocando Mozart e Beethoven de montão. Não, chega, vou parar.

Comuniquei a decisão à minha professora, uma jovem chamada Edilene da qual nunca mais soube nada. Ela ponderou que, naquela altura, metade do curso, era uma pena. Resisti ao argumento. Daí apelou para uma retórica que quase me fez rir. “Veja, você vai estudar jornalismo, profissão difícil... Termina o curso, pelo menos fica com mais um diploma, pode ser professora se não conseguir emprego na sua área.” Quase ri de pensar nos coitados dos meus eventuais alunos. Eu e essa minha paciência toda... Não, prô, acho que vou me entender melhor com as teclas da máquina de escrever que com essas aqui. Então ela jogou baixo, sujo, desleal. “Puxa, isso não combina com você, nunca achei que você fosse do tipo que desiste...”.

Claro, me arrastei até o final do curso. Terminei a tortura no mesmo ano que me formei na faculdade. A cerimônia de formatura era caprichada, com colação de grau e um pequeno espetáculo em um teatro alugado. Naquele último ano, a própria Dona Aline era minha professora. E ela achou muito legal que eu tocasse na formatura a “Rapsódia sobre um tema de Paganini”, de Sergei Rachmaninoff. Eu estava estudando a peça, que é lindíssima, claro, mas igualmente dificílima. Achei que encarava a loucura e aceitei.

Detalhe: eu já trabalhava na Folha, estava no último ano da faculdade, tinha meu trabalho de conclusão de curso para entregar e, naturalmente, nenhum milagre se operou entre o começo do curso e o final. Eu continuava a mesma inepta para a execução de uma peça. Ou seja, se quisesse tocar minimamente bem, ia ter que rachar de estudar e, óbvio, não consegui. Fui para o tal concerto com vontade de não ir. Recebi o canudo, subi ao palco, toquei e nunca mais voltei ao conservatório, nem para buscar o diploma, muito menos para pegar uma cópia da fita do meu fiasco.

Gosto de pensar que me enganei, que não foi tão ruim quanto penso. Lembrei disso há alguns dias, quando meu blog-amigo Henrique Bartsch me contou sobre o episódio de Rita Lee tocando no Phono 73, ao lado de Lucia Turnbull, na meteórica existência da dupla “As Cilibrinas do Éden”. Para Rita, elas foram vaiadas naquela noite. Henrique estava lá, gravou e prova que não foram. Fiquei pensando que talvez fosse bom encontrar um anjo desses, mas afinal não virei mesmo pianista, nem crítica de música. Daquele dia em diante, senti um alívio imenso em nunca mais ter de enfrentar a dupla teclado-partitura pela frente. E uma alegria ainda maior em poder deixar as unhas crescer.

Anos depois, assistindo ao filme “Shine”, que rendeu a Geoffrey Rush o Oscar de melhor ator, compreendi a dimensão da minha loucura. O pianista David Helfgott, em cuja vida o filme foi baseado, sofreu o mais grave de seus surtos, que o levou a um manicômio, tocando em público uma peça de... Sergei Rachmaninoff. Até que tive sorte.

Wednesday, May 16, 2007

Genética

Bruno Senna é sobrinho do homem, o tricampeão morto há treze anos. No sábado passado, Bruno ganhou uma corrida na GP2, a categoria que antecede a Fórmula 1. O rapaz parece ter talento para a coisa e, com um nome desse, cacife não vai faltar para chegar à Fórmula 1.

Há torcedores fanáticos de Ayrton Senna, ainda hoje, que não se conformam com o fato de Michael Schumacher ter batido todos os recordes do brasileiro.

Pergunta:

Se Bruno Senna for para a Fórmula 1, tornar-se um grande vencedor e bater todos os recordes do tio, nesse caso, a grita será a mesma?

Sunday, May 13, 2007

Thinking Blogger Awards

Há alguns dias, minha querida "afilhada" Joana Rizério (guarde este nome!) elegeu este humilde blog como um de seus top five na categoria "thinking blogs", ou seja, blogs que fazem pensar.

Prometi que faria o mesmo - parece que esta é a regra da brincadeira, cada laureado indica os cinco blogs que mais o fazem dar tratos à bola, e aqui vão minhas indicações:

Pedro Alexandre Sanches - O blog que me introduziu na blogosfera é um espaço muito caro para mim. Tem uma dinâmica toda própria. Pedro é um senhor jornalista, com textos maravilhosos, mas não sofre de febre posteira, ou seja, não lança dezenas de posts por semana, como alguns blogueiros fazem. Sem desmerecer os posts, que são no mínimo o combustível para o que vem a seguir, talvez a pièce de resistance do blog do PAS seja a janela de comentários. De alguma forma que, suponho, nem ele saberia explicar, criou-se ali uma comunidade de debatedores contumazes que têm se atirado sem tela de proteção por baixo em acrobacias retóricas interessantíssimas. O blog me faz pensar tanto, e tanto, que já revi posições as mais variadas por conta dos debates. Acima de tudo, conta-se ali com a generosidade do anfitrião, que deixa a caixa de comentários aberta, coisa que aliás inspirou este blog desde seu nascedouro.

O biscoito fino e a massa - Blog do professor Idelber Avelar, uma cabeça mineira privilegiada que leciona literatura latino-americana na Universidade de Tulane, em New Orleans. Além de textos state-of-the-art, Idelber tem o dom de enxergar o Brasil, à distância, com uma lucidez espantosa. Há algum tempo, foi criado no blog um Clube de Leituras que me deu grandes alegrias no passado recente. Pena que o prô não anda com tempo para lançar novos desafios aos sócios do clube...

Vange Leonel - A cantora, compositora, colunista e ativista GLTB tem uma qualidade que me encanta - o poder de síntese. Seus textos são curtos e grossos, com a essência do tema proposto, nem mais nem menos. O blog da Vange me faz pensar sobre diversidade sexual sob um ponto de vista muito além da militância, com dados científicos, históricos, antropológicos. E me faz pensar sobre o feminismo de uma forma despida dos preconceitos que a mídia passou a revestir o tema nos tempos mais recentes.

Blog da Soninha - A vereadora por São Paulo e apresentadora de TV me faz pensar que tudo aquilo que sempre li sobre o terceiro milênio pode ser verdade! Respeito ao meio ambiente, inclusão social, tolerância religiosa, racial e sexual, e ainda pitadas de futebol! Soninha me faz pensar seguidamente que, sim, é possível, e habitualmente saio com o astral mais alto depois de ler seu blog.

ConversAfiada - O blog do jornalista Paulo Henrique Amorim não está nos meus links por pura preguiça. Acabo pegando um atalho e nunca me lembro de listá-lo aqui, mas é um endereço indicado para quem quiser pensar a imprensa sob um ângulo diferente do tradicional. Paulo Henrique, aliás como Luís Nassif e Luiz Carlos Azenha, são jornalistas do "esquemão" que não se furtam o direito de expor seu pensamento por vezes contrário à visão conservadora da mídia tradicional.

Thursday, May 10, 2007

Estufa

13° em São Paulo.

Onde foi parar o tal aquecimento global?

Não. Não gosto de frio, não acho aconchegante, não gosto de ir para a cama, não gosto de sair da cama, não gosto de ir para baixo do chuveiro, não gosto de sair de baixo do chuveiro.

Sabe aquele dia quente, ensolarado, bermuda e regata? Abanar-se com o que estiver à mão, suor pelo corpo, cabelos ao alto, nuca molhada? Não, nada disso me incomoda. 30, 32, 34° à sombra. Pode vir quente.

Este é um país tropical. Foi o que me disseram e por isso resolvi nascer aqui.

Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia...

Monday, May 07, 2007

Rita Lee Mora ao Lado - Parte 1



Como muita coisa que chega a mim, atualmente, fiquei sabendo do livro "Rita Lee Mora ao Lado" por meio de um blog. No caso, "o blog", aquele me iniciou nesta vida blogueira da qual dificilmente me libertarei, graças a Deus, que assim seja. O blog de Pedro Alexandre Sanches, aliás autor do prefácio do livro. Daí juntei uma coisa com outra e percebi que o autor do livro, Henrique Bartsch, era comensal eventual nos banquetes servidos pelo anfitrião Pedro. Banquetes de idéias, alguns arranca-rabos, mas tudo com muita finésse, claro.

Soube da auto-proclamada "alucinada biografia da rainha do rock" mais ou menos na mesma época em que ganhei de presente um outro livro - "A divina comédia dos Mutantes", do jornalista Carlos Calado, escrito com colaboração de... Henrique Bartsch. Então, foi um turbilhão. Li o livro dos Mutantes em três dias e meio, e passei a reviver minha antiga admiração por eles como há muito não fazia. No começo de março, o show dos Mutantes, durante um evento do amigo Reginaldo Leme. Quem esteve por aqui naquela época sabe que a madame aqui ficou descontrolada. Ver Mutantes ao vivo me deixou tão feliz que fiquei triste. Sabe como é? O livro do Bartsch já tinha chegado, mas achei que encarar a lisérgica biografia naquele ponto era me afundar demais na lingerie, para usar uma expressão mutante que é quase como "enfiar o pé na jaca". Ia dar overdose, e eu não estava a fim de nenhuma lavagem estomacal.

Deixei RLML e o Bart, que é como vou me referir aos dois, daqui pra frente, quietinhos em casa. Há poucos dias, fui ver se já estava sã novamente, para me aventurar por aquelas plagas, dei uma olhadinha no prefácio e slurpt! Foi como se uma língua gigante me capturasse para dentro das páginas. Quando vi, estava mexendo uma sopa e lendo, secando o cabelo e lendo, tomando sol à beira da piscina e lendo. Como disse ao autor na troca de e-mails que originou estes dois posts, não acabei com o livro, ele que me consumiu.

É o tal negócio, aquilo que já falei e falamos tantas vezes nos últimos dias e nem vale a menção desonrosa a quem começou a briga. Vida de gente famosa que a gente vivenciou junto não é mais a vida da celebridade, é a nossa. E RLML é exatamente isso: o desfile da vida de Rita Lee desde os primórdios, passando por Mutantes, chegando até sua vitoriosa carreira solo e terminando no período em que ela chega aos 50 anos. O pulo do gato de Bart foi colocar toda a narrativa na boca de uma personagem fictícia, pero no mucho, chamada Bárbara Farniente, uma hipotética vizinha de Rita que assiste a tudo a partir de sua janela indiscreta.

Uma vida tão intensa quanto a de Rita Lee não permite a ninguém dizer o que daquela saga é realidade e o que é pura viagem. Nem ela, provavelmente. Bart se aproveita desse componente, digamos, criativo da vida da artista para embarcar junto e literalmente pirar na parte final do livro. Lendo de trás para frente tudo o que me caiu nas mãos sobre Rita e Mutantes no último quarto de século, li a biografia propriamente dita como um grande flashback de mim mesma. Mas quando Bart se põe a fundir a vida de Rita com a de Bárbara e as trança de maneira tão envolvente, oh, boy! Que belo ficcionista ele se torna! Foi, de longe, o melhor do livro e digo isso sem demérito nenhum à sua capacidade como historiador nem como desdém à vida alucinada dELA.

Ler RLML não é indicado apenas para quem gosta, admira, já gostou ou tem mera curiosidade por Rita Lee. É um santo remédio para entender um pouco da história cultural do Brasil na segunda metade do século 20. O nosso século, afinal, porque o 21 ainda está no começo e nós, do século passado, ainda temos muito mais lenha queimada lá do que aqui. Essa bruxa queimada em tantas inquisições modernas talvez nem seja sua cantora favorita, a bem da verdade, a minha não é. Há compositores melhores que ela, músicos, aos montes. Mas ela tem muito a ver com o que acontece hoje aí, do seu lado. Ela se vestiu de noiva e pôs uma barriga de grávida por baixo do vestido, em horário nobre, na principal emissora de TV daqueles plúmbeos anos 60. Deitou seminua na cama de casal com o namorado e o irmão dele, tudo pose para uma capa de disco, mas o suficiente para chocar todas as senhoras de São Paulo, a começar pela sogra, a dona da cama em questão. Grávida, foi presa. Disse que ficava de quatro no ato, que mulher é bicho esquisito, todo mês sangra, entre outras cositas que hoje podem parecer inocentes para você, já acostumado a ver moçoilas liberadas quebrando o barraco. Pois bem, cara pálida, quem teria aberto a elas a porta do barraco?

Leia abaixo a íntegra da entrevista que fiz com Henrique Bartsch, por e-mail, usando o método que ELA mesma usou com o autor, como ele explica. Desce lá que você entende mais!

Rita Lee Mora ao Lado - Parte 2



1) Vamos começar com algo tipo "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?". Você resolveu escrever RLML por ter colaborado com o Carlos Calado no "A divina comédia dos Mutantes" ou colaborou com ele por já ter farto material de pesquisa que, um dia, se tornaria a biografia dELA?

Minha história com os Mutantes já tem 35 anos. Em 1972, comprei a Guitarra Maldita do Sérgio, aquela que aparece na capa do Tropicália, Mutantes 2, contra-capa do Jardim Elétrico. Conheci então o Cláudio César, o terceiro irmão, que começou a fazer equipamento para minha banda em Ribeirão Preto, chamada então Grupo 17. Durante muito tempo, íamos até a casa dele na Cantareira, isto pouco após a saída da Rita. Muitas vezes, subíamos a serra com o Liminha, e a conversa fluía solta, e à partir daí os bastidores se abriram.
Quando fiquei sabendo que o Calado iria escrever um livro sobre os Mutantes, através de uma amiga fiz contato e disponibilizei todo o material que eu tinha, que eram muitas fitas gravadas nos shows, inclusive a primeira apresentação da Rita com a Lúcia Turnbull, como as Cilibrinas do Éden, feita na abertura do show dos Mutantes na Phono 73. Para o Calado, que nunca tinha visto os Mutantes, foi uma mão na roda, além das histórias que eu sabia.
Isso foi em 1993/95. Em 1998, encontrei o e-mail da Rita, e na verdade eu gostaria de dar a ela a apresentação das Cilibrinas, que provavelmente ela não teria, e principalmente comprovar que elas não haviam sido vaiadas, como Rita costumava dizer, e fato que assino embaixo por estar presente. Daí nasceu uma grande amizade e troca constante de mensagens, já que tínhamos gostos e tipo de humor muito parecidos. Praticamente três anos depois, eu vi que tinha uma infinidade de histórias que ela havia contado, e que seria muito interessante que as pessoas conhecessem.
Ela negou-se terminantemente, dizendo que biografia é coisa de gente morta, e coisa e tal.
Foi neste ponto que tive a certeza que ou eu escreveria, ou ficaria com as histórias só para mim. Quando se vai escrever um livro, temos que tomar certas decisões. Resolvi que ela seria a única fonte, ou seja, eu não ficaria confirmando histórias e nem pegando outros relatos. Então já não seria uma biografia no sentido acadêmico, e como Rita é cheia de personagens, então que uma contasse sua história.

2) Como você definiu esse formato, criando uma narradora fictícia que era vizinha de Rita Lee na infância? Seu nome - Bárbara de Oliveira Farniente. O Farniente é óbvio, uma citação de "Banho de espuma". Por que Bárbara? E por que o parentesco com Dalva de Oliveira?

O formato foi definido como explicado na pergunta anterior. Farniente foi mesmo tirado do "Banho de espuma", e porque quer dizer "nada fazer", ou seja, a personagem não precisou fazer nada para ganhar o papel principal. Bárbara é porque Rita era para ter este nome, mas foi vetado pelo pai Charlie, que não gostava da catolicices, muito embora tenha se esquecido de Santa Rita. Dalva de Oliveira era mesmo amiga da mãe de Rita em Rio Claro, na juventude, e ajudou a dar consistência na trama.

3) Bárbara "pegou" gente à beça nessa história. Até agora, ninguém reclamou? Alguma queixa em relação a apelidinhos carinhosos como Jorge Bengala, para Jorge Ben, ou Nelson Moita, para o Motta?

Estive pessoalmente com o Nelsinho, e ele adorou ser "pego" pela Bárbara e se assumiu o verdadeiro Moita que é na MPB. Acho que o Bengala, digo, Benjor, não deve ter achado ruim ficar tão Ben na fita.

4) Uma percepção minha talvez distorcida. Arnaldo Baptista é quase uma sombra na história. Não esqueço que quem conta a história não é Rita Lee (não mesmo?), mas Bárbara Farniente, que não foi namorada/mulher do homem, não teve contato direto com ele, portanto. Mesmo assim, outros personagens igualmente pouco conhecidos de Bárbara têm um destaque maior que o dele. Ufa! Estou certa? Estou errada? Desculpe a colocação, mas em certo trecho me pareceu que evitar Arnaldo era um jeito de agradar Rita...

Esquecendo um pouco a ficção, como já disse anteriormente, é tudo baseado no ponto de vista da Rita. Assim é fácil concluir que com o girar da roda do tempo, é assim que as pessoas estão configuradas na história da vida dela, para ela. Neste ponto, minha interferência, mesmo fictícia, foi mínima. E em momento algum eu quis agradar, e acho mesmo que Farniente foi muitas vezes dura com sua antagonista branquela e sardenta.

5) Biografia de gente viva é sempre complicado: quando parar? Você me parece ter enfrentado esse desafio sem colocar um ponto final da história de Rita Lee. Ela se dissipa, se funde, vai se amalgamando com a história de Bárbara. A "ficção" que toma conta da história, na parte final da narrativa, é um desejo do que você (Bárbara, eu, todos, essa pessoa só) temos em relação ao futuro de Rita Lee?

O espaço delimitado foram os primeiros 50 anos da Rita, e conseqüentemente da Farniente. E o final é este mesmo, ou seja, a partir dali elas assumiram-se amigas e colaboradoras. O caminho ficou aberto para uma seqüência, que pode vir a demorar mais 50 anos, vai saber.

6) Agora conta, como foi chegar até ELA? ELA assina a orelha do livro, admite ter recebido a história e demorado para ler o amontoado de coisas sobre sua "vidinha vulgar". Quanto foi esse tempo? Quanto você esperou até o e-mail dELA desembarcar na sua caixa de entrada, dando a bênção?

Chegar até ela foi muito fácil. Mandei uma mensagem perguntando se ela era ela mesma. Ela disse que sim, eu duvidei um pouco, depois acabamos nos acertando, isso em uns três dias. Quando pedi a permissão para escrever, eu ia fazendo os capítulos e enviando, até mais ou menos o quinto. A partir daí, ela não viu mais nada, até que terminei a primeira parte, em torno de uns 20 capítulos. Ela adorou, e na verdade a benção já estava dada desde o início. A segunda parte, embora eu já tivesse todo o material, eu demorei um bom tempo para escrever, devido a uma perda familiar repentina que tive, e que me tirou um tanto do ânimo. Mas as coisas na vida, por piores que sejam, sempre se ajeitam, e um ano depois peguei firme e terminei, sem ter contado a ela que o fim seria o que é. Era meu único medo. Quando enviei, ela leu tudo de uma sentada só, me chamou de maluco e disse o "Go, Johnny , go, go...", que agradeço no livro. Na batalha para arrumar uma editora, a grande dificuldade era o medo de não ser autorizada, o que ela ia achar daquilo, coisas assim. Foi então que pedi a orelha, para mostrar que ela sabia muito bem do que se tratava.

7) Seu blog tem inúmeras contribuições dELA e fica claro que hoje vocês se correspondem e, de certa forma, ELA desceu a espada sobre seu ombro e nomeou você mensageiro da rainha. Isso foi anterior ao livro ou nasceu com RLML?

Eu não tive uma irmã, ela não teve um irmão, e é assim que nos tratamos. Fiz o blog para manter um contato diferenciado dela com os fãs e curiosos, e também para ficar treinando a escrita, que é a real função dos blogs, não é mesmo? E a idéia nasceu depois do lançamento do livro. Mas não sou tão mensageiro assim, pois volta e meia levo uns puxõezinhos de orelha, heheheheh... mas, depois de publicado no blog, eu não tiro.

8) E o diário de Rita Lee, que Bárbara vai xeretar e consegue salvar algumas páginas? Aqueles textos de Rita sobre filhos, proteção aos animais, fofoquinhas de artistas, aquilo é real?

Aquilo é ipsis literis texto dela. Eram as coisas que ela me escrevia quando eu perguntava as posições dela em relação a vários assuntos, para ser usado no livro. Não estão nem editados.

9) Para terminar, e não vale copiar a resposta de Bárbara Farniente, uma questão fácil para você: quem é Rita Lee?

Na verdade, o Bárbaro Farniente aqui diz lá no livro o que acha realmente dela, mas posso dizer um pouquinho mais. É bom que se saiba que eu não sou fã da Rita, mas um admirador, e dos grandes. Fico até assustado com o tipo de ligação que os fãs têm com ela. A Rita tem o brilho das pessoas especiais, e não é à toa que é o que é. Ela não fica batalhando as coisas. Tudo vem para o lado dela, e mediunicamente os assuntos vão sendo revelados para o público em geral. A pessoa Rita Lee tem muito medo disso tudo, pois geralmente não se acha merecedora, sabe da responsabilidade que isso traz, mas não foge à luta, jamais. Sabemos que somente aqueles quatro seriam os Beatles, somente aqueles 3 seriam os Mutantes, e vários outros exemplos. A nós da platéia, resta aplaudir e agradecer a contemporaneidade.

E fique à vontade para fazer seu reclame: onde achar o livro, quanto custa, eventos programados. A casa é sua!
O livro está bem distribuido pela Panda Books, e pode ser achado em qualquer site confiável, que venda livros, claro, e nas grandes redes de livrarias. Os preços variam e variam, mas começa em R$39,00.
O próximo evento, é uma feira do livro, em Natal, dedicada à Tropicália, e estarei fazendo uma palestra no dia 04/06, uma segunda-feira, às 19:00.
Mas gostaria muito que todos virassem fregueses do www.bartmoraaolado.blogspot.com que é um adorável ponto de encontro para histórias, fatos e fofocas da vida em geral. E volta e meia ELA passa por lá.

Foi bonita a festa, pá

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Ontem, depois de 34 anos, a Portuguesa ganhou um título. A Portuguesa, a Lusa, o time do meu pai.

Meu avô José, que nascera em Portugal em 1893, chegou ao Brasil rapazola. Por afinidade, simpatizava com a Portuguesa, como era natural, ó pá. Mas, e isso eu só soube adulta, muitos anos após sua morte, acabou arrastando a asa para um certo time identificado com as camadas populares. A verdade é que meu avô português era corintiano. Casou-se coroa, teve a primeira filha depois dos quarenta. Só voltou a ouvir chorinho de bebê em casa, novamente, nove anos depois. Meu pai nasceu quando meu avô, pois, já tinha 51 anos e um longo histórico de corintianismo.

Mas o moleque não quis nem saber do alvi-negro. O pai o levava para brincar nos charcos do Ibirapuera, antes de ali haver um parque, e naquele campo sem dono treinava o time da Portuguesa de Desportos. O menino se apaixonou pelo time, talvez pela identificação com a origem lusitana dos pais. Ficou fanático a ponto de cair doente quando a Portuguesa vendeu um certo Pinga para o Vasco da Gama. Meu avô, percebendo o paradoxo, virou casaca. Não tinha lógica: ele, português, torcer pelo Corinthians, enquanto o filho, brasileiro, sofria pela Lusa.

Em sua meteórica passagem pelo planeta, meu pai só comemorou um título da Portuguesa, o Paulistão de 1973, numa confusão dos diabos provocada pelo árbitro Armando Marques. O campeonato daquele ano acabou dividido entre a Lusa e o Santos e parece uma sina isso - sempre que a Portuguesa for campeã, no mesmo dia o Santos levantará a taça. Mas, afinal, não é do Santos que isto se trata.

O mais próximo que chegamos de comemorar um título da Lusa foi no Brasileiro de 1996. "Chegamos" sim, pois me engajei na torcida quase como se fosse pelo meu Timão. Lembro nitidamente do primeiro jogo da final, contra o Grêmio, disputado aqui em São Paulo. Peguei um congestionamento dos diabos, uma enchente ou coisa assim e cheguei em casa esbaforida, com o jogo já em andamento. Encontrei meu pai lavando a louça do jantar, com TV e rádios desligados. Cheguei a protestar, como se eu não conhecesse sua lógica irrefutável. Nunca assistia aos jogos, como garantia de satisfação posterior. "Se ganhar, fico feliz. Se perder, fico feliz de não ter perdido meu tempo." Naquele dia, no entanto, ele mal disfarçou. Estava era nervoso com a disputa do título. Não deu, apesar da vitória no jogo de ida.

Nunca mais chegamos perto de disputar título nenhum. Ele pelo menos não viu a Lusa desabar para a Segunda Divisão no Brasileiro e no Paulista. Até ontem, minha alegria mais recente com a Portuguesa foi o fato de ela não cair para a Terceira Divisão, no final do ano passado. Mas, como já disse a vários amigos palmeirenses na época da queda, o bom de cair é a perspectiva de subir, de preferência colocando mais um troféu na galeria das conquistas. Foi o que fez a Lusa, para minha alegria, do meu pai e do ícone Flavio Gomes. É para os dois que dedico este post de hoje.

E, para quem não leu, sugiro este texto, o primeiro do blog, uma singela homenagem à Lusa dos meus antepassados.

Viva a Lusa!

Wednesday, May 02, 2007

Zeca

Vivo cercada de pessoas que gostam de carros, amam carros, sonham com carros, sofrem por seus carros, regozijam-se com seus carros. Confesso que não entendo muito isso. Perdoem-me, meu amigos carromaníacos, mas carro, para mim, é apenas um meio de transporte confortável, que me basta se funcionar direito, tiver um toca CD e ar-condicionado. Sei que este segundo pré-requisito denota minha linhagem burguesa, mas não acho demais almejar um arzinho fresco no trânsito de São Paulo. Abro mão de todo o resto – direção hidráulica, ABS, air bag, vidro elétrico, trava elétrica, MP3.

Mas houve um carro, um único carro, que adquiriu em minha história a relevância de um ente querido. Talvez por ter sido o primeiro, por sinalizar um inequívoco rito de passagem, por ter me acompanhado durante quase toda a faculdade. Era vermelho sangue, placa PP 7014, um Gol GT 1986 de respeitabilíssimo motor 1.8, demais para minha virgem carteira de habilitação. Foi comprado usado pelo meu pai, em agosto de 1988.

Antes disso, cumpri o primeiro semestre na Cidade Universitária a bordo de dois bumbas inesquecíveis – Mandaqui e Vila Nilo. Ambos saíam de dentro do campus e atravessavam a cidade rumo à Zona Norte. Li muito Adorno, Horckheimer e McLuhan no indócil chacoalhar dos coletivos. Em uma hora e meia, duas horas de viagem, devorava páginas de textos xerocados no centro acadêmico, chegava em casa com o estômago nas costas e o dever cumprido. Mas nem sempre era a leitura que me ocupava o tempo. Havia Silvio César, colega de classe e eventual companheiro de busão, a melhor coisa que a faculdade me deu, muito melhor que o diploma, laço de amizade atado e apertado para sempre nas viagens vespertinas do Vila Nilo.

Antes que o carro chegasse, gastei boa parte daquele primeiro semestre aprendendo a dirigir. Meus pais nunca me deixaram chegar perto do volante antes dos 18 anos e, para ser sincera, nem pedi. Por isso, cheguei crua de tudo à auto-escola. Aliás, acho que posso me candidatar a um registro no Guiness, porque ninguém no mundo deve ter feito tantas aulas de auto-escola quanto eu. Foram mais de trinta, uns dois meses e meio de preparação, acho que nem noiva virgem de antigamente se preparava tanto.

Eu já dirigia para cima e para baixo com o Seu Rubens, o instrutor da auto-escola. Mas meus pais achavam melhor eu treinar mais e lá ia eu, fazer serviço de rua para o instrutor, que aproveitava o horário da minha aula para ir ao banco, levar documentos sei lá eu onde, e assim conheci recantos aprazíveis como o Jardim Japão, cuja avenida principal se chama Roland Garros, mas que ninguém pronuncia à francesa, como Rolã Garrô, mas como Rolandi Garros mesmo, com um “s” bem caprichado no final.

Depois da via-crucis, enfim marquei meu exame prático, e a examinadora custaria a crer que malhei tanto naquele fusquinha da auto-escola, porque deixei o carro morrer na ladeira e não dei seta numa das saídas. Mas a bandalheira era tanta naquela época que não só passei como meu exame médico continua válido até hoje!

Foram alguns meses entre receber a carteira de habilitação e começar a cruzar as ruas da cidade por conta própria. Meu pai comprou o carro em agosto e, assim que ele chegou, fiz algo inédito e que nunca mais se repetiu na minha vida – dei um nome ao carro. Acho que me encantei tanto com ele que o batizei com a alcunha do personagem masculino mais bonito que já tinha visto até então, meu eterno símbolo Kadu Moliterno, Zé Eleutério, ou simplesmente Zeca, na novela “Paraíso”.


Meu Zeca era igualzinho a esse...

Jamais me referi ao Gol GT placa PP 7014 como “meu carro” ou coisa parecida. Era simplesmente Zeca. Talvez inspirado pelo personagem, tido na trama como “o filho do Diabo”, meu Zeca era bastante problemático. Devia ter sido carro de boy antes de chegar às minhas mãos, porque logo pifou geral e teve que passar por retífica no motor. Depois disso, aprontou algumas vezes. Tinha um defeito congênito de ferver a todo instante. O mecânico cansou de quebrar a cabeça e, vencido pela obstinação do Zeca, encontrou uma solução esdrúxula. Me mandou andar sempre com o radiador destampado. Deu certo. Ferver, nunca mais ferveu, mas ainda assim me deixou na mão.

Certa vez, eu estava parada em um semáforo da avenida Sumaré. Engatei a primeira e saí. Quando pisei na embreagem para colocar a segunda, meu pé esquerdo afundou bem mais do que deveria. Tec! O cabo da embreagem rompeu. Um taxista japonês se apiedou com meu estado desnorteado e me levou até uma loja de auto-peças na Vila Madalena para comprar um cabo novo. Ele mesmo trocou a coisa, eu jamais saberia fazê-lo.

Numa outra ocasião, Zeca parou em plena avenida Rebouças, ou melhor, já na entrada do túnel que leva ao Pacaembu. Mas dessa vez, pobre Zeca, a culpa foi toda minha. Eu estava atordoada com um monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo. A USP estava em greve, meu querido amigo Zuza tinha tido um infarto, aproveitei a folga forçada para ir levar uma mensagem de solidariedade até sua casa. Chegando lá, gastei quase todo o meu dinheiro comprando um talão de Zona Azul para poder parar o Zeca na rua. Nem percebi que um certo ponteirinho do painel apontava para baixo de um “R”, de reserva, abaixo de uma tarja vermelha.

Zeca foi enquanto pôde, apesar da negligência de sua dona. Esgotado, parou na entrada do túnel, congestionando a avenida. Mais uma vez, meu estado de pânico funcionou. Uma picape Kombi, daquelas bem surradas, parou e seu motorista, ágil, laçou Zeca com uma corda. Me deixou no primeiro posto que apareceu, já bem distante dali, no começo da avenida Pacaembu. Meus trocados deram para dois litros de combustível, se tanto. O suficiente para voltar para casa e contar, constrangida, a aventura para minha mãe. E hoje, veja só, estampo a história para o mundo ler...

Zeca esteve ao meu lado durante cinco anos. Nunca tive um carro por tanto tempo. Mais correto dizer que ele me teve. Eu tinha tanto medo de que ele fosse roubado que vivia tendo o mesmo sonho. Nele, eu entrava em um estacionamento lotado, percorria os corredores em busca do Zeca e ficava desesperada, porque encontrava o PP 7013, o PP 7015, um monte de Gols vermelhos, mas nunca o Zeca, PP 7014. O pesadelo talvez prove que não sou tão desligada assim de carros, que um carro não é, definitivamente, igual a qualquer outro.

Em 1993, consegui efetivar um milagre. Troquei Zeca por um modelo zero, praticamente sem colocar dinheiro em cima, graças à mágica dos modelos populares que desaguavam no mercado. Sim, amigos, troquei um Gol GT 1.8 por um Mille 1.0. Nunca mais vi o Zeca, gostaria de saber se ele ainda existe, gostaria que ele tivesse ido parar na mão de um desses meus amigos louquinhos que colecionam carros antigos. Já tem mais de vinte anos, o Zeca. Teria potencial para virar um clássico?