Sunday, December 30, 2007

Rita, cê senta?


Tenho reparado que você raramente sorri nas fotos. Como a da capa da Rolling Stone deste mês, que veio louvar seus sessenta anos. Está com cara de saco cheio, como, aliás, convém a qualquer rock star. Nas páginas internas, mais carrancas. Há algum tempo, estive na Fnac, da avenida Paulista, e vi a exposição de suas roupas de shows de outrora, ao lado de fotos atuais, magra como sempre, envergando criações da Rosa Chá. Em todas, prevalece a cara azeda. Sorrisos, só de deboche. Evidente deboche, como dissesse: "Clica logo, moleque, a vovó aqui tem mais o que fazer."

Não vou dizer que você ficou triste com o tempo, que sua vida é amarga, que as fotos revelam a tormenta que agita seu coração. Não vou dizer isso porque não sei se é verdade, não te conheço, e não me parece verdade. Hoje, você faz 60 anos de vida, tem 40 de carreira, teve três filhos, ganhou dinheiro e conquistou fama, já é avó e vive há mais de trinta anos com um marido-parceiro que, ao que dizem, é ótima pessoa. Tudo isso é motivo o bastante para ser feliz, mas quem sabe o que vai no coração de cada um, não é mesmo? Conheço um monte de gente que fez coisas parecidas e vive chorando pelos cantos, ganhando felicidade só em pílulas. Cada um sabe de si e eu, na boa, sei tão pouco de você.

Devo ter lido 95% do que saiu na mídia, a seu respeito, nos últimos 27 anos. Só que uma coisa é ler o que sai na imprensa, outra é conhecer o objeto da mídia. Pelas revistas e pelos jornais, li que você tentou o suicídio, que estava com leucemia, que Roberto tinha lhe dado umas porradas. Mentiras, li tantas mentiras... Talvez por isso fui me habituando a não acreditar em tudo, até que cheguei ao ponto de não acreditar em quase nada. Por isso, entendo sua prevenção e sua defesa, na forma de caretas e carrancas. Se fosse comigo, acho que eu também fugiria de repórter o quanto desse, e faria como você, só dando entrevistas por e-mail, para ter a prova do que falei de fato.

No fundo, é tudo um grande toma-lá-dá-cá. Eles caluniam, você revida. Faça isso por quarenta anos e você criará calos, lógico. Quem te vê, ao vivo, reporta uma figura habitualmente tímida, com pressa de sair da linha de tiro dos holofotes. Parece que até os fãs incomodam um pouco e nessa eu também entendo, porque tem cada figura alterada que não é brincadeira. Nos últimos tempos, comecei a pensar que você prefere mesmo o amor bandido de quem mais ataca que elogia. Afinal, você deu sinal verde para o Henrique escrever esta biografia alucinada, narrada por uma personagem fictícia que odeia você. E também parece que gostou muito da peça estrelada pela Preta Gil, na qual ela faz um travesti que te seqüestra.

Eu poderia fazer um post homenagem dizendo que você pontuou minha adolescência inteira, que me ensinou fundamentos de feminismo, não com a teoria de Simone de Beauvoir, mas com a prática de empunhar uma guitarra, compor as próprias músicas, sem se importar se aquele era um ambiente predominantemente masculino. Eu, que por acaso acabei transitando em um ambiente também tão predominantemente masculino... Poderia dizer que, por sua causa, comecei a entender que um pouco de hedonismo não tinha mal nenhum nesta vida, o que em muitos aspectos contrastava com a moral católica do colégio em que estudei a vida inteira. Além de me fazer perceber, bem antes de praticar, que mulher também gosta de sexo, que não nascemos para ser objeto, mas sujeito, que a vidinha do disse-me-disse da dondoca dependente era um atraso total. E que o ser humano ainda tinha muito o que aprender neste planeta de caos, que a prova de sua involução eram os maus tratos que ele impunha à natureza, e que tudo isso era de uma burrice atroz, porque uma hora tanta crueldade irá se voltar contra nós mesmos.

Mas fico achando que, se eu disser isso, vou parecer tão piegas, tão sem graça que você, no fundo, vai odiar. Acho que hoje você só gosta de apanhar. Parece que, ao ser confrontada pelo ódio de personagens como a Bárbara Farniente, do livro do Henrique, ou o travesti, da Preta Gil, fica mais evidente tudo o que você fez naquilo que chama de "vidinha vulgar". Sua farsante, você sabe que de vulgar sua vida não teve nada. Pode parecer agora, cercada de bichos, de mato, de neta. Mas, na real, você sabe que mudou muitas cabeças neste país tropical, que entrou para a história, que deixou sua marca para sempre.

Eles atacam, você revida, difícil saber quem começou. No fundo, é tudo um grande toma-lá-dá-cá. Eu poderia me sentir agredida com sua cara feia na capa da Rolling Stone, achar que você só debocha da minha sincera admiração. E hoje, honestamente, já não me importa se seu próximo disco vai ser bom ou meia-boca. Você ja fez muito, como artista, já me sinto agraciada por ter fruído sua arte nesses anos todos. Já não me faz diferença se o próximo disco será inspirado como "Fruto Proibido" ou sofrível como "Bombom". Eu gosto de você, admiro você e não vou entrar no toma-lá-dá-cá que permeia todo o resto. Alguém, afinal, tem que quebrar a corrente. Pode fazer cara feia ou de deboche, nem ligo.

Parabéns, Rita Lee Jones de Carvalho!

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Logo mais, saio para a Paulista, para minha segunda São Silvestre. Prometo contar tudinho depois. Bom ano novo a todos e obrigada pela companhia neste 2007!

Tuesday, December 25, 2007

Rock Nacional - Top Ten

Se, há vinte anos, alguém me falasse que um dia eu me dedicaria a listar os dez melhores rocks nacionais de todos os tempos, eu mandaria internar o sujeito. “Rock nacional, eu, escolher os melhores?”

Naqueles tempos, os perdidos anos 1980, eu desprezava totalmente o rock brasileiro. Era o período em que eu me dedicava a escrever cartas para o extinto “Programa do Zuza”, da Rádio Jovem Pan. E os grupos nacionais de rock eram meu alvo preferencial.

Quem lê este blog há algum tempo deve estar confuso. “Mas essa mulher não adora Rita Lee, Mutantes, The Beatles, The Police, U2 etc.???” Ah, mas como já diria Rimbaud, “não se é sério quando se tem dezessete anos”, e eu preferia mesmo ser essa metamorfose ambulante. Já adorava todos esses, mas abominava Blitz, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor e bandas menos renomadas que surgiram naquele tempo e, afinal, acabaram mesmo merecendo o limbo, como Rádio Táxi, Erva Doce, Sempre Livre e outros.



Duas bandas começaram a minar minha resistência ainda naquela época – Titãs e Legião Urbana. Segui gostando cada vez mais de Titãs, e recuando tanto quanto no apreço ao Legião. Muitos anos depois, já adulta, comecei a prestar mais atenção à produção daquela época, talvez influenciada pela aceitação que nomes como Cazuza, Nando Reis, Arnaldo Antunes e Herbert Viana passaram a ter no “alto escalão” da música brasileira. Confesso, algo constrangida: com a chancela dos medalhões, eu passei a ver aqueles roqueiros com outros ouvidos.

E comecei a gostar cada vez mais da produção que essas bandas fizeram ainda em seus primeiros anos. Até que, há algumas semanas, ocorreu-me propor uma eleição dos dez melhores rocks brasileiros de todos os tempos, talvez um armistício definitivo entre mim e o gênero, e um pedido de desculpas por tantos impropérios na época do Zuza.

O post demorou por dois motivos – falta de tempo e dificuldade em chegar aos Top Ten. Quem diria... Eu, indecisa entre rocks nacionais. Adotei alguns critérios. A preferência é por rocks genuínos, com andamento acelerado e muito barulho. Dessa forma, ótimas canções de grupos originalmente roqueiros, mas que não fossem rocks genuínos, estariam fora. Caso, por exemplo, da excelente “Lanterna dos Afogados”, dos Paralamas, ou de “Cegos do castelo”, dos Titãs. Outro critério: ser cantada em português, o que de cara tirou uma das minhas preferidas dos Mutantes – Technicolor.

Nos casos de alguns artistas e bandas, a produção é tão grande e representativa que tive de fazer a seleção na base da eliminatória. Selecionei três ou quatro de cada para chegar à escolhida. Ainda assim, há na seleção músicas que são praticamente as únicas memoráveis de alguns grupos, o que não inviabilizou sua presença entre as Dez Mais.

Vejam nos posts abaixo as minhas escolhidas, em ordem cronológica, estando todos convidados a opinar, concordar, discordar, acrescentar. Os comentários se concentram neste post de abertura, OK? Aqui, vocês sabem, impera a democracia.

Rock Nacional - Top Ten (2)

Ando meio desligado – versão original com Mutantes (1970)

A relação com o universo viajandão é evidente na primeira estrofe – “Ando meio desligado, eu nem sinto, meus pés no chão...” – mas no fundo se trata de uma canção de amor – “eu nem vejo a hora de lhe dizer aquilo tudo que eu decorei, e depois do beijo que eu já sonhei...”. Lançada no disco “A divina comédia”, que tinha o subtítulo justamente de “Ando meio desligado”, a música é uma composição creditada ao trio Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sergio Dias, como a maioria das composições dos Mutantes, mas consta que a letra foi escrita apenas por Rita Lee. É fato que ela incorporou a criação a seus shows solo, o que mostra uma relação próxima dela com essa música. Na minha seleção prévia de Mutantes, “Ando meio desligado” venceu “Top Top” e “Cabeludo Patriota”. A dúvida final, entre a vencedora e “Top Top”, foi grande. “Top Top” tem atributos geniais, como os versos “vou trepar na escada, pra pintar seu nome no céu”, um arranjo riquíssimo, mas a interpretação de Rita, em um agudo infantil estridente, me irrita levemente nessa música.

Al Capone – versão original com Raul Seixas (1973)

Raul é 100% rock, mesmo fazendo baião. Raul nasceu “Raulzito & Os Panteras” fazendo imitação de Elvis e enveredou por caminhos outros, chegando ao auge nos tempos da parceria com Paulo Coelho. Minha preferida, na obra de Raul, é “Gita” (“Às vezes você me pergunta porque é que eu sou tão calado...”), mas ela não entraria no critério rock genuíno que propus no início da seleção. Entre os rocks com cara de rock, Raul entregou à história pérolas como “Aluga-se”, “Como vovó já dizia” (“Quem não tem colírio usa óculos escuros...”), “Eu nasci há dez mil anos atrás” e “Sociedade Alternativa”, mas minha preferida é “Al Capone”, outra parceria de Raul e Paulo Coelho, na qual são enfileirados personagens que se estreparam de formas diversas. Além do próprio mafioso do título, estão lá Júlio César, Lampião, Jimi Hendrix e até Jesus Cristo.

Jardins da Babilônia – versão original com Rita Lee (1978)

Às vésperas de completar 60 anos, Rita continua lançando discos de inéditas aqui e ali. Está distante da produção fértil dos anos 70, começo dos 80, quando perpetrou pedras fundamentais do rock nacional, como “Esse tal de rock enrow”, “Agora só falta você” e “Dançar pra não dançar”, todas do LP Fruto Proibido, de 1975, o primeiro que gravou com a banda Tutti Frutti, nascida para lhe dar suporte em discos e shows. Foi com um dos integrantes do Tutti Frutti, o baixista Lee Marcucci, que Rita compôs aquele que considero seu melhor rock, “Jardins da Babilônia”, lançado no LP Babilônia, de 1978. Tem tiradas ótimas como “pegar fogo nunca foi atração de circo, mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo” ou o lema “pra pedir silêncio, eu berro, pra fazer barulho, eu mesma faço”. Na gravação original, um poderoso solo de sax coroa o arranjo. Nos anos 1990, o Barão Vermelho regravou, lascando a guitarra de Frejat no lugar do sopro original. Na eliminatória, “Jardins da Babilônia” derrotou “Esse tal de rock enrow” e a menos conhecida “Filho meu”, de um CD de 1993, que tem versos inspirados como “o sol saiu, o vento é a favor, mas meu barquinho é do contra”, “a mão que afaga é da mãe que afoga” e “vivo com medo de morrer, morro de medo de viver”.

Perdidos na Selva – versão original com Gang 90 & As absurdettes (1981)

Júlio Barroso foi uma espécie de Arnaldo Baptista do seu tempo, com a diferença que o salto para a morte do segundo alcançou o objetivo, enquanto o Mutante sobreviveu. Um dos compositores de cabeça mais fervilhante dos anos 1980, Júlio foi parceiro de gente como Lobão e Ritchie. “Perdidos na selva” foi classificada no Festival MPB-Shell, de 1981, realizado pela Rede Globo, sendo assim uma espécie de preâmbulo do rock brasileiro que iria dominar as paradas a partir do ano seguinte. Nascido no Rio, radicado por algum tempo nos Estados Unidos, Julio acabou fixando residência em São Paulo, onde morreu prematuramente, em 1984, depois de cair da janela de seu apartamento, em um episódio que nunca ficou esclarecido, se suicídio ou acidente. O grupo liderado por ele, a Gang 90, naturalmente teve carreira curtíssima, mas rendeu este rock fundamental na história da música brasileira. Curiosamente, entre os parceiros de Julio Barroso nesta música, surgem o desconhecido Márcio Vaccari e o improvável Guilherme Arantes, aquele mesmo de “Meu mundo e nada mais”, “Planeta Água” e outras baladas bem distantes do rock.

Inútil – versão original com Ultraje a rigor (1985)

Liderado pelo paulistaníssimo Roger Moreira, o Ultraje a rigor foi uma banda que emplacou vários sucessos nos anos 80. Suas músicas são de uma simplicidade quase embaraçosa e consta que os componentes da banda não eram exatamente gênios em seus instrumentos. Uma lenda permeia a história do Ultraje. Dizem que os rapazes erravam tanto, durante as gravações, que o próprio Roger brincava: “Vamos tentar mais uma vez, senão chamo o pessoal do Roupa Nova”. Este, por sua vez, era um grupo formado por músico ultra-experientes, que faziam uma musiquinha comercial mas bem agradável aos ouvidos, embora eventualmente proibida para diabéticos. De qualquer forma, não há nada mais rock´n ´roll do que músicos meia-boca que se aventuram para além da garagem. Era o caso do Ultraje, que aproveitou o momento de abertura política para detonar na crítica social em suas letras. “Inútil” foi o ápice dessa verve mordaz, mas o grupo fez outras músicas de enorme sucesso, como “Ciúme”, “Marylou”, “Nós vamos invadir sua praia”, “Zoraide”. De autoria do próprio Roger, Inútil tem versos atemporais como: “A gente não sabemos escolher presidente, a gente não sabemos tomar conta da gente, a gente não sabemos nem escovar os dente tem gringo pensando que nóis é indigente...”.

Rock Nacional - Top Ten (3)

Tempo perdido – Legião Urbana (1986)

Tenho uma relação confusa com Legião Urbana. Foi uma das primeiras bandas de rock que me cativaram, ao lado dos Titãs, mas fui perdendo progressivamente o interesse por eles. Seus primeiros discos, até o final dos anos 1980, ainda soam vigorosos para mim, mas o que veio depois disso me parece menos criativo e muito depressivo. A morte de Renato Russo, em conseqüência da Aids, em 1996, pôs a fim ao grupo. A escolha por “Tempo perdido” é outra opção afetiva. A música faz parte do disco “Dois”, o segundo do grupo, lançado em 1986, e foi a música escolhida pela minha turma, no terceiro colegial, para a formatura. Tudo a ver: “temos todo o tempo do mundo...”, “somos tão jovens, tão jovens...”. Na eliminatória, “Tempo perdido”, de autoria apenas de Renato Russo, venceu “Há tempos” e “Meninos e Meninas”, ambas parcerias de Russo com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, do disco “As Quatro Estações”.

Homem Primata – versão original com Titãs (1986)

Talvez a escolha mais difícil de toda a lista. A produção de rock dos Titãs é tão grande e tão significativa que a dificuldade começou em escolher três para chegar a uma. Em praticamente todas as fases de sua carreira, os Titãs gravaram rocks importantíssimos para a história da música brasileira, seja pelo vigor da execução ou pelo teor das letras, revelando subversão de valores, rebeldia, experimentalismo, enfim, uma atitude totalmente rock´n´roll. Como escolher o melhor rock dos Titãs quando o cardápio oferece coisas como “Televisão”, “”AA UU”, “Polícia”, “Lugar nenhum”, “Flores”, “Bichos Escrotos”? A opção por “Homem Primata” acabou sendo, digamos, afetiva. Foi a primeira música dos Titãs que me cativou. Presente no expressivo álbum “Cabeça Dinossauro”, a música pinta um retrato cru da involução da espécie humana. “Desde os primórdios até hoje em dia, o homem ainda faz o que o macaco fazia, eu não trabalhava, eu não sabia, o homem criava e também destruía...”.

Simca Chambord – versão original com Camisa de Vênus (1986)

Liderado pelo baiano Marcelo Nova, o Camisa de Vênus tinha uma atitude transgressora a começar pelo nome. Foram expulsos da gravadora Som Livre por se recusarem a mudar o nome da banda para algo menos “constrangedor”. Marcelo Nova, o Marceleza, principal mentor do grupo, depois virou parceiro de Raul Seixas, ratificando sua vocação para maluco beleza de carteirinha. Um dos maiores sucessos do Camisa foi “Simca Chambord”, música que aparentemente fala sobre um carro, mas que tem muito mais em sua letra. Fala, no fundo, de uma juventude que floresceu sob o domínio da ditadura militar. Trechos: “O presidente João Goulart um dia falou na TV, que a gente ia ter muita grana para fazer o que bem entender, eu vi um futuro melhor no painel do meu Simca Chambord” ou ainda “Mas eis que de repente, foi dado um alerta, Ninguém saía de casa e as ruas ficaram desertas, Eu me senti tão só, dentro do Simca Chambord, Tudo isso aconteceu há mais de vinte anos, Vieram jipes e tanques que mudaram os nossos planos, Eles fizeram pior, Acabaram com o Simca Chambord.” O Camisa fez outros rocks de sucesso, como “Beth morreu” e “Eu não matei Joana D´Arc”, mas nenhum tão emblemático quanto “Simca Chmabord”.

Vida louca vida – versão original com Lobão (1987)

Talvez a gravação mais conhecida desta música seja com Cazuza, ao vivo. Já doente e começando o processo irreversível que o levou à morte, Cazuza parecia cantar a própria vida quando dizia “vida louca, vida, vida breve, se eu não posso te levar, quero que você me leve”. Era tanta a afinidade com o momento da sua própria vida, que se tornava estranho saber que a composição não fosse dele, mas de Lobão e Bernardo Vilhena. Cazuza carregou na dramaticidade ao interpretar esse rock rasgado, gravado pelo autor em versão totalmente rock´n´roll, com a bateria em destaque, tocada com mão pesada, uma paulada no ouvido. A música parece antecipar o cenário das celebridades instantâneas, que se tornariam os efêmeros personagens da mídia em tempos pós-Big Brother. “Se ninguém olha quando você passa, você logo acha ‘eu tô carente, sou manchete popular’, Tô cansado de tanta babaquice, tanta caretice, dessa eterna falta do que falar”. Entre as escolhidas de Lobão, “Vida louca vida” derrotou “Rádio Blá” e “Corações Psicodélicos”.

O tempo não pára – versão original com Cazuza (1988)

Gravada ao vivo no mesmo show que tem “Vida louca vida”, “O tempo não pára” é, este sim, um rock autobiográfico, com Cazuza declarando sua angústia diante da vida, da eminência da morte mas, sobretudo, reafirmando sua vontade de continuar vivendo. O forte teor existencialista inspirou frases como “Eu sou um cara cansado de correr na direção contrária, sem pódio de chegada ou beijo de namorada”, mas também liberou achados de crítica social como “Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro, transformam um país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”, retrato exato do Brasil pós-ditadura, tempos de vale tudo e, de certa forma, visão profética dos anos do neoliberalismo que estavam por vir. A música é uma parceria de Cazuza com Arnaldo Brandão. Na eliminatória, chegou a se alinhar junto com “Exagerado” e “O nosso amor a gente inventa”, mas as duas, juntas, não deram nem pra saída. Se fosse uma eleição das melhores músicas de Cazuza, não dos melhores rocks, outras entrariam fortes na parada, como “Codinome Beija-flor”, “Brasil”, “Faz parte do meu show”, “Toda amor que houver nessa vida”, mas, entre os rocks de Cazuza, “O tempo não pára” reina absoluto.

Friday, December 21, 2007

So, this is Christmas...


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"Malandro é quem estuda, porque entra em férias antes..."

Meu pai repetia esta frase todos os anos, primeiro para mim e depois para meu irmão, dois alunos exemplares que sempre fechavam as notas no terceiro bimestre. Eu, graças à obstinação da CDF de carteirinha que sempre fui. Meu irmão, pela inteligência privilegiada que o fazia responder, com um dar de ombros, às indagações da minha mãe sobre a prova do dia seguinte. "Ah, mãe, é de Matemática...".

Pois então, começo de dezembro, era sempre férias para nós. Os "malandros" se desobrigavam da escola mais cedo e eu me dedicava quase que exclusivamente a curtir a espera pelo Natal. Fazia meus próprios cartões, com cartolina e papel cartão colorido, e enviava para as amigas do colégio de freiras.

Em tempos pré-quinquilharias da China diretamente da rua 25 de março, os enfeites de Natal eram mais simples e, a cada ano, inventávamos produções caseiras, como uma árvore de Natal estilizada para enfeitar a mesa, feita sobre um cone de isopor, coberta com macarrão (parafuso, caracol, etc.) e pintada com spray dourado. O quartinho/ateliê da minha avó ficava a mil nessa época e eu adorava zanzar por lá, ajudando na criação de peças que, em grande parte, eram copiadas da edição especial de Natal da revista Claudia.

O Natal começava para mim quando eu entrava em férias e ia permeando os dias e os sentidos aos poucos. A visão das primeiras luzinhas piscando na decoração das grandes lojas, a trilha sonora natalina que ia, de mansinho, chegando aos ouvidos, o toque das bolas de Natal, tão frágeis e lindas, ou do algodão salpicado, fingindo-se de neve, o cheiro do pinheiro recém-comprado, que se tornava seco e fedorento até o fim do mês, e o sabor, o gosto de Natal que, para mim, se instalava ao estalar na boca das primeiras uvas Niagara que meu pai trazia da feira. Os sabores se multiplicariam fartamente, com a chegada do panetone, das rabanadas da minha avó, do figo seco, das nozes. Ainda acho estranhíssimo entrar em um supermercado no final de outubro e dar de cara com uma pilha de panetones. Naquele tempo, panetone era coisa de dezembro, final de novembro, no máximo.

Durante muitos anos, segui à risca um mesmo ritual. Na tarde do dia 24 de dezembro, colocava no toca-discos "O Natal do Tio Patinhas", compacto da coleção Disney, publicada pela Editora Abril, nos anos 70. Nela, o velho avarento é visitado pelos espíritos do Natal do passado, do presente e do futuro. A audição do velho disquinho era o prelúdio da grande noite. Nessa altura, era como se toda a preparação de dezembro chegasse ao gran finale, uma festa familiar com muitos presentes, uma quantidade absurda de comida, muitas e altas vozes ao mesmo tempo, risos, abraços, e choro.

Acho que deixei de ser malandra, porque não consigo mais entrar em férias no começo de dezembro. Roda viva, trabalho infindo, e hoje saio no dia 21 de dezembro para comprar meus presentes. Cartões de Natal, só os virtuais, pelo e-mail, um ou outro telefonema, recados pelo messenger.

Não quer dizer que eu não goste mais de Natal, só que a vida mudou.

Não quer dizer que a vida, por ter mudado, não comporte mais mensagens de felicidades, votos de um bom ano novo, pensamentos de paz e harmonia para os tempos que virão. Se um dos ícones da rebeldia do século 20, John Lennon, juntou-se candidamente à sua Yoko e a um coro infantil para emanar boas vibrações desse tipo, por que não eu?

Então, é Natal. Desejo a todos os amigos deste blog um excelente Natal!

Não tiro férias por enquanto. Ainda tenho uma São Silvestre para encarar, e alguns assuntos para dividir! Fiquem comigo, e sejam felizes!

Wednesday, December 19, 2007

Fórmula 1, Ano 2

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Está no ar minha última coluna de 2007 no GPTotal. Em análise, o vácuo deixado por Michael Schumacher na Fórmula 1. Vai lá, vai...

Sunday, December 16, 2007

49:00

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Hoje, fiz minha última corrida “pra valer” em 2007. A última, de verdade, será a São Silvestre, mas esta não conta, porque vai ser mais confraternização que performance.

Circuito das Estações, Corrida do Verão, o mesmo circuito, quatro vezes em um ano. Largamos e voltamos ao Estádio do Pacaembu, fazendo a maior parte da prova em cima do Elevado Costa e Silva, o famigerado Minhocão. A meta era fazer abaixo dos 50 minutos, tempo que tenho perseguido há alguns meses. “Será que hoje dá?”. Saí de casa com a incerteza rondando o pensamento.



Cheguei à Praça Charles Miller e logo encontrei o mestre Zé Eduardo, nosso técnico, e o colega Zoca. Um pouco mais à frente, o nipônico Henry, o homem que não transpira. Dentro do estádio, que está em reforma, já nos esperavam outros membros da equipe. Nilton, Lara, Adalberto. O clima estava perfeito. Sem sol, não muito abafado. Comecei a achar que ia dar.

Pouco antes de voltar à praça, de onde partiríamos ao som da sempre bem-vinda “Where the streets have no name”, do U2, encontramos o outro Henry, que também é japonês. (E este é o terceiro Henry nissei que conheço!) Henry, o segundo, é de outra categoria. A exemplo do Zé, é triatleta, um esportista de alto nível. Olhou para mim e perguntou, quase em tom de ordem: “Vamos correr abaixo dos 50, hoje?”

Comecei a confiar que, sim, hoje ia dar. Na sexta-feira, Zé tinha me dado duas estratégias para avaliar. Deliberamos brevemente sobre as duas e me propus a acompanhar o japonês, aumentando progressivamente o ritmo. Zé deu aval, largamos muito mais forte do que eu tinha feito até então. Tanto que passamos o primeiro quilômetro abaixo dos cinco minutos! Entre o segundo e o terceiro quilômetros, a maior subida da prova. O ritmo caiu brevemente, mas logo retomamos a aceleração, já em cima do Minhocão.

Depois de ter conferido o cronômetro algumas dezenas de vezes, antes de chegar ao quilômetro três, o companheiro alertou. “Pára de olhar o relógio, eu controlo o tempo”, como se eu nunca tivesse ouvido isso do Zé antes. Essa minha teimosia... Como me conheço o suficiente para saber que a sugestão/ordem seria pouco para deter minha ansiedade, mexi nos botões do relógio e mudei do cronômetro para o modo freqüencímetro, que mede a freqüência cardíaca. E tome aceleração.

177, 178, 179... Era meu coração no Elevado. Bem elevado. Quando o aparelho marcava 181 batidas por minuto, eu fazia um gesto e o japonês diminuía o ritmo. Ofegante, extenuada, com os bofes de fora. “Não fala, não gasta energia à toa.” Obedeci. Na virada dos 5 quilômetros, metade da prova, Henry disse apenas: “Vinte e quatro”. 24 minutos. Estávamos fortes. Mantendo, chegaríamos com folga abaixo dos 50.

Mas o Minhocão, aquele monstrengo arquitetônico, é um sobe-e-desce desgramado. No quilômetro seis, achei que eu ia quebrar. “Vai, Henry, não vou conseguir te acompanhar, pode ir no seu ritmo.” O japonês tinha tomado o desafio para si. Eu ia fazer aquela prova abaixo de 50, ele não ia desistir. Não foi, e se pôs a me estimular continuamente. “Não são suas pernas que querem te derrubar, é sua cabeça, vambora!”

Do quilômetro sete até o oito, a generosidade de uma boa descida. Em vez de apenas soltar os músculos, aquecidos que estávamos, conseguimos aumentar o ritmo e ganhar um pouco de tempo. Voltar à avenida Pacaembu é um misto de sentimentos. Ao mesmo tempo, parece tão próximo o final, e tão sem fim aquela reta. E a armadilha da Charles Miller já estava desarmada, pela experiência de outras três provas disputadas no mesmo circuito este ano. Quem passa de carro não diz, mas aquela pracinha sobe até chegar ao estádio, viu?

Faltando um quilômetro e meio, Henry continuava no papel de meu grilo falante, gritando palavras de ordem que não me deixavam esmorecer, apesar de minhas pernas quase gritarem. Em dado momento, como ele quase me proibisse de continuar olhando no relógio, apertei os botões mais uma vez e deixei apenas no relógio. Eram 8h45. “Milan x Boca já começou”, lembro de ter pensado. E logo afastei o pensamento, porque tudo o que não se quer, em uma corrida, é perder o foco.

Já avistávamos o estádio quando rompi a mordaça. “Para sprint não vai dar, não consigo acelerar mais”, disse em um fôlego só. Henry concordou. “Na boa, vamos assim que vai dar.”

Nos banners pendurados nos postes, contagem regressiva.

800 metros... “Faltam só duas voltas” – a velha herança de treinar em pista de atletismo de 400 metros.

500 metros... “Quem chegou até aqui acelera só mais um pouco...” – a cartada final para me forçar o sprint.

300 metros... “Vai, Alê, passa na minha frente, vou controlar o tempo aqui atrás...” – o cavalheirismo de me deixar chegar antes.

200 metros... “Alê, já deu, você tem dois minutos para terminar, já era!” – sabendo que dali para a frente eu não iria aliviar mesmo.

100 metros... Já não escuto a voz do Henry, mas o som alto e o locutor animado. “A turma dos 50 minutos vem chegando”. Uma olhadela rápida no relógio. 48 e uns quebrados. Fecho os olhos, abro os braços para baixo, minha oração de sprint final. Cruzo o tapete, cesso o cronômetro. 49:00

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Foi meu melhor tempo no ano, expressivamente melhor que a última prova de 10 km, quando fiz 51:30, mas também muito melhor que a anterior no mesmo circuito, a prova da Primavera, que fechei em 50:30.



As pernas são minhas e o suor, também. A medalha que ganhei é minha, eu sei. Mas conquistar esta marca – que não é a coisa mais importante do mundo, mas é a minha melhor marca, ora, bolas! – foi resultado de um ano de treino sob a orientação de José Eduardo Pompeo. Meu técnico, meu mestre jedi, meu puxão de orelha, que passou o ano inteiro dizendo a mesma coisa para o cabeção aqui. “Tudo tem seu tempo.” Hoje, Zé completou a frase. “O seu tempo chegou.” A medalha é minha, a responsabilidade é do Zé. E a escolta do Henry, meu grilo falante, um grande cara. Valeu, japonês!

Monday, December 10, 2007

The Police e nada mais



Foi um sábado e tanto aquele, a tarde inteira churrasqueando com a turma da equipe de corrida. Não tente procurar lógica nem incoerência. Somos fitness e fazemos churrasco, somos contradições ambulantes. Achei que não agüentaria acordada até o final. The Police na TV, que sono o quê. Olhos grudados na tela, do começo ao fim.

Para começo de conversa, registre-se: Stewart Copeland está velho, Andy Summers está gordo, Sting está lindo. Lindo como sempre, magro e sarado, cabelo um pouco mais ralo, nada que o despeje do Olimpo. Sempre preciso parar para lembrar como é o nome verdadeiro do cantor. Depois lembro. Ah, é Apolo...

Assisti ao show de abertura, com Paralamas do Sucesso, escolha acertadíssima. O trio brasileiro, como o inglês, nasceu da simplicidade espartana do conjunto baixo-guitarra-bateria. Não pára por aí a semelhança. Como The Police, os Paralamas caíram de boca na levada de reggae popularizada pelo trio inglês no final dos 70, começo dos 80. Bom o show do Paralamas, bom ver Herbert Viana, aquela fênix, tocando sua guitarra com a destreza de sempre.

Mas quando The Police assumiu o palco, o frisson deu lugar ao encantamento. Espartanos ingleses, baixo, guitarra, bateria. Nada de metais, de backing vocals, de passarelas que avançam pela platéia, de palcos que sobem, descem, abrem, de fogos de artifício. Sting, Copeland, Summers e um telão. Ou seja, The Police e nada mais. Para quê? O minimalismo do The Police disse tudo.



A voz de Sting pode não ser mais a mesma. Aos 55, com tudo em cima, há que perdoar a falha do famoso falsete. Mas ver Copeland correr da percussão para a bateria, como no início de "The king of pain", foi um show à parte. "Tiozão" Andy Summers nem quis brincar de sair do palco. Depois de "Every breath you take", enquanto os outros dois se refugiavam no backstage para escutar o pedido de bis, o guitarrista nem se deu ao trabalho. Lá ficou e solou, sozinho, anunciando o início de "Next to you".



Sting, que já veio ao Brasil várias vezes, inclusive por causas ambientais - lembram do cacique Raoni? - falou à platéia sempre em esforçado português. Há uns vinte anos, quando esteve por aqui e lançou uma música cantada em português ("Frágil"), Sting deu uma das melhores respostas que já vi alguém perpetrar em uma entrevista coletiva. O repórter do jornal moderninho, em sua pergunta-julgamento, comentou que o português do cantor era sofrível. Resposta de Apolo: "So is your English" ("Seu inglês também"). Toma, papudo!

Os que gostam de criticar costumam maldizer a volta de bandas em suas formações originais. Que não fazem nada de novo, que só estão aí para faturar uns trocados. Não tenho nada a ver com isso. Se já secou a fonte, toquem os velhos hits, não me importo, eu não vi nada disso ao vivo 25, 30 anos atrás. Aliás, quero mesmo os velhos hits, que sei cantar, que me povoam a memória, que me fazem lembrar de mim mesma. E se vão ganhar trocados, ora bolas, é disso que vivem, a música é deles, quem tem mais direito de dar uma faturadinha?

Wednesday, December 05, 2007

Meeeeeeeeeedo!

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Que Bicho Papão, que nada! Qua mané Cuca! Quando eu era criança, tinha medo, verdadeiro pavor, de figuras muito, muito reais. Ou nem tanto, mas todas de carne e osso.


A onda de pânico começou em 1973, quando apareceram os Secos & Molhados. Eu me pelava de medo do Ney Matogrosso. Sim, a maquiagem no rosto era o principal, mas a atitude toda daquele homem era assustadora para mim. As roupas, cheias de coisas penduradas, o jeito como ele dançava, a maneira desafiadora de encarar a câmera. Da mesma época, era a Maria Alcina, mas essa eu só achava louquinha. Tinha uns olhões arregalados, mas o Ney me encarava. Muito recentemente, quando li a histórica entrevista feita pelo querido Pedro Alexandre Sanches, entendi que ele encarava mesmo, para desafiar. Tempos de ditadura. Foi gravar na Globo e orientaram: "Não encare a câmera." Ele desafiou, foi talvez o maior dos transgressores, parecendo mais um desbundado. Encarou e gelou minha alma. Cresci um pouquinho e gamei no Ney. Até hoje. Ninguém jamais cantará "Tanto amar" como ele.

Depois veio Raul. Cristo amado, que arrepio me causava Raulzito. A coisa se cristalizou no clip do Fantástico, com o baiano cantando "Eu nasci há dez mil anos atrás". Toscas as imagens, típicas daquele começo de TV a cores. Mas não me impressionavam os defeitos especiais, e sim a figura pálida de Raul, vestido todo de branco, com barba e longa cabeleira brancas. Não me parecia um profeta, mas a própria imagem de Deus. Parecia que vinha para acertar contas e eu, sei lá, com cinco, seis anos, não me considerava pronta para o Juízo Final.


Mais ou menos na mesma época de Nadia Comaneci, a primeira mulher que eu quis ser, surgiu na mídia o inexplicável Uri Geller. Era um paranormal que entortava garfos e colheres com a força da mente, consta. Foi a atração principal do Fantástico por várias semanas. Debates se instalaram sobre a autenticidade dos fenômenos. Os materialistas o chamando de charlatão, os esotéricos dizendo que não. Que era possível fazer qualquer coisa com a força do pensamento, parar furacões, dominar tempestadas, tirar o Corinthians da fila. Me assustava em Uri Geller o olhar fixo na colher ou no garfo, como se aquele olhar fosse capaz de me eletrocutar em segundos. Sumiu o Uri Geller. Ainda bem.

Por fim, Ary Fontoura. Este estupendo ator viveu o personagem "Professor Aristóbolo", na novela Saramandaia, de Dias Gomes. Eu não assistia à trama, que passava às 22h, pois dormíamos muito cedo. A novela foi inspirada no universo do realismo fantástico de Gabriel García Márquez, e o dito personagem virava lobisomem. Em uma determinada semana, criou-se enorme expectativa na transformação do homem em lobo. Minha avó assistia e eu sabia que a TV estaria ligada na novela, lá embaixo, enquanto eu tentava dormir, no andar de cima. Nunca vi a tal cena, mas fantasiei assustada todos os momentos de pavor. Foi, inacreditavelmente, a primeira e única vez que perdi o sono na vida!

E você, de quem tinha medo?

Sunday, December 02, 2007

Sapientíssima decisão

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Não tenho mais dúvidas.

Minha aposentadoria veio na hora certa.

Vi só o segundo tempo do jogo, porque tinha saído, curtido o sol no clube, sem pressa para voltar. Sem sofrer, sem roer unhas, sem gritar, sem xingar.

O jogo acabou, o Corinthians caiu. Não chorei.

Definitivamente, não sou mais a mesma.

Thursday, November 29, 2007

Nadia e o Hugo

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Minha infância pode ser dividida em dois períodos - AL e DL, ou seja, Antes de aprender a Ler e Depois de aprender a Ler. Duas fases absolutamente distintas e até conflitantes entre si. No período AL, fui a encarnação da criança levada da breca. Era tão inquieta que, com pouco mais de um ano, tive de ter a cabeça costurada. Eu não parava quieta, e minha mãe não tirava do meio da sala a mesinha de centro, mármore frio e duro. Some A com B e você terá pontos na cachola.

Consta que o evento aconteceu na noite de um domingo de Páscoa, e que a turma do Pronto Socorro foi tão pouco hábil para me manter imóvel que teriam me amarrado com um lençol. Não, eu não fui atentida no DOI-CODI, embora fosse bem a época.

Joelhos ralados em profusão. Eram tão comuns que eu já nem chorava. Uma vez, fui com minhas tias e meus primos visitar a obra da casa da Serra da Cantareira. Crianças, montes de areia e de pedra, escorregão, outro joelho esfolado. Minha tia mais nova limpava a ferida e eu me esvazia em lágrimas. "Está doendo tanto assim?". Doía nada. Eu chorava de pensar na bronca. "Minha mãe vai me mataaaaaaaaaaaaar!"

Foi bem no final da fase AL que Nadia surgiu. Um fenômeno que me impressionou mais que Uri Geller, aquele que entortava garfos e facas com o poder da mente. Nadia Comaneci, uma romena de 14 anos, foi o nome da Olimpíada de Montreal, em 1976. Pela primeira vez na história, uma ginasta conquistara três notas dez em sua seqüência de exercícios. O placar eletrônico do ginásio nem tinha espaço suficiente para ostentar a média. Apareceu 1.0. Nadia Comaneci. Só se falava nela naqueles tempos.



Piruetas, saltos mortais, cambalhotas, estrelas. Naquela época não se falava em duplo mortal carpado, que até hoje não sei bem o que é. Sei que ficava fascinada vendo Nadia rodopiar no chão, em cima da trave, pendurada nas barras assimétricas. Nadia no jornal matutino, no telejornal vespertino, no Jornal Nacional, no Esporte Espetacular. Nadia, Nadia, Nadia. Acho que ela foi a primeira pessoa que eu não era e queria ser.

Uma tarde, no auge da obsessão por Nadia, sugeri a uma das minhas primas que fizéssemos igual à romena. "A gente coloca uns colchonetes no quarto, vamos?". Fomos. Colchonetes, piruetas estabanadas, saltos destrambelhados, cambalhotas para frente e para trás. Um detalhe nos escapou: tínhamos acabado de almoçar. Não veio Nadia, chamamos o Hugo. Corremos as duas para o banheiro e devolvemos a refeição. Não ganhamos medalha nenhuma, só bronca. Pobre Nadia, escrava do regime totalitário da cortina de ferro. E nós, dos pitos maternos.

Sábia decisão

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No dia 13 de outubro deste ano, três décadas depois do título de 1977, decidi me aposentar como corintiana.

Fui desacreditada, criticada, ridicularizada.

Confesso: nem eu sabia como iria me portar em um eventual momento dramático para o Corinthians. Ainda que o atual Campeonato Brasileiro tenha sido, ele todo, um drama alvi-negro.

Nunca imaginei que um campeonato por pontos corridos poderia render tanta emoção. Mas, ao ver o time atual do Corinthians em campo, finalmente eu soube o que é um drama.

Tirando o goleiro, o resto é tudo de chorar.

Mas isso tudo, amigos, de fato não me diz respeito. Tive a prova ontem, quando me postei à frente do eletrodoméstico que gera imagens para assistir a Corinthians x Vasco.

O que vi? Pouco, quase nada. Recostada no sofá, dormi o sono solto, o sono dos justos, o sono dos inocentes. Despreocupada, relaxada, não ouvi nem o grito de gol, nem o que fez um tal gandula, impedindo o segundo gol vascaíno.

Soube que o tento cruzmaltino foi marcado por um certo Allan Kardec. Não resisto à piada de dizer que foi um gol espírita.

Meu espírito, no entanto, estava longe daquele embate. Acho que foi uma sábia decisão me apartar deste sofrimento.

Estou feliz por isso. Tenho coisa muito mais importante para ocupar meu coração e minha mente.

Boa sorte aos que ficaram.

Monday, November 26, 2007

Desconstruindo Garibaldo


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Durante a primeira infância, meu programa preferido era "Vila Sésamo", uma magnífica co-produção entre a Rede Globo e a TV Cultura, baseada em um original norte-americano. Eu adorava e minha mãe, também, pois era no período em que "Vila Sésamo" ia ao ar que ela podia se dedicar aos afazeres domésticos, sem que o pequeno carrapato aqui sugasse-lhe toda a atenção. A música-tema do programa dizia que "todo dia é dia e toda hora é hora". Depois que a gente cresce, começa a duvidar desta máxima de Garibaldo e sua turma.

Ontem foi uma dessas ocasiões. Acordei pensando que se tratava de um não-dia para correr, embora eu estivesse inscrita havia várias semanas na São Paulo Classic, uma das mais tradicionais provas da Corpore. Cheguei ao Ibirapuera com a certeza de que iria mal, por um acúmulo de fatores. A seqüência de feriados abalou meu ritmo de treino. Nos últimos dez dias, eu só havia corrido duas vezes, na rua, sem o rigor dos treinos de esteira. Uma viagem profissional no meio da semana, uma quantidade enorme de trabalho, certa agitação emocional e, por último mas não menos importante, indisciplina total com a alimentação. A sentença estava dada antes do julgamento. Fui para a corrida me sabendo condenada.

Cheguei e logo avisei - hoje, não vai rolar. Zé, meu técnico, também acusava cansaço. O imbatível triatleta Henry propôs que eu seguisse seu ritmo. Fizemos um treino juntos, dia desses, na USP, e eu aguentei bem. Vou tentar, mas não rola, tenho certeza. E não rolou. No segundo quilômetro, eu já o havia perdido. A organização da prova falava em onze mil atletas. Não sei, afinal, se disputei espaço com vinte e duas mil pernas, mas estava apertado o trajeto na República do Líbano. Perdido o ponteiro, relaxei. Fazia muito tempo que eu não corria no Ibirapuera e resolvi desligar do quesito tempo e me fixar no prazer da corrida no melhor cenário de São Paulo.

Enquanto ia e vinha por esta avenida, muitos pensamentos me assaltavam, nenhum deles relacionado à minha média horária. Sim, eu estava desconcentrada mas, que diabos, Garibaldo! Nem todo dia é dia, nem toda hora é hora. Pensava, por exemplo, em como gosto daquela avenida e como seria bom se São Paulo tivesse mais vias arborizadas como aquela. Me ocorreu, também, que uma enorme quantidade de casarões se espalha na margem do próprio parque. Tenho impressão de que eles não deveriam estar ali. Afinal, trata-se de um parque público. Como aqueles bacanas construíram suas casas tendo como quintal o nosso Ibirapuera? Quem liberou tais obras, quanto de bufunfa escorregou para a algibeira de quantos administradores públicos? Fosse favela, já tinham restituído tudo ao patrimônio público...

Anyway, contornei o lago. Outra bela visão do parque, fixei meu olhar na direita, admirando a paisagem e esquecendo do cronômetro, na mão esquerda. Segui pela Pedro Álvares Cabral, em frente à Assembléia Legislativa, e sempre hei de me lembrar do velório de Ayrton Senna quando passar por ali. Simbora, com o Obelisco à esquerda, a Bienal à direita e a Rubem Berta à frente, com sua seqüência de morrinhos desafiadores. Gosto das subidas, que separam o joio do trigo, deixando os mais bem preparados à frente e os extenuados, no sopé. Mas gosto quando me sinto trigo, e ontem eu era quase joio.

Acabei ganhando ânimo extra ao fazer o retorno, pouco antes do viaduto Indianópolis. Eu achava que iríamos até o aeroporto, mas a volta antecipada me animou, além do fato de encarar o morro agora em versão descida. Recuperei um pouco do tempo ali, mas sem nenhuma ilusão de fazer os 10 km abaixo dos 50 minutos. No quilômetro oito, resignada, vislumbrei que estaria de bom tamanho situar-me abaixo dos 53.

Enquanto me aproximava novamente da Assembléia, na linha de chegada, consegui desenvolver um sprint considerável. Eu sentia que não tinha gás para muito tempo, mas as placas anunciando 800, 600, 400 e 200 metros para o final serviram-me de estímulo. Fechei o percurso com tempo líquido de 51min27 (24ª na faixa etária, de 290; 130ª no feminino, de 1867; 2.125ª na geral, de 8352). Tive resultados bem melhores neste ano, especialmente nos 10 km da Tribuna, em Santos, quando fiz em 49min30, e na prova do WTC, da Corpore, com 38min para oito quilômetros.

Mas, quer saber? Foi uma das provas mais prazerosas que já fiz. O local, as árvores, o lago, a companhia, a paz de espírito, o coração tranqüilo às vezes fazem melhor à alma do que o cronômetro generoso. E então percebi que não vale a pena contrariar Garibaldo, pois todo dia é dia, e toda hora é hora, sim.

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Acho importante compartilhar um fato relatado a mim neste domingo. Um dos colegas da turma teve sua casa invadida por ladrões. Depois de fazerem a limpa completa na residência - carregando computador, DVD, televisão, micro-ondas, máquina digital, celular - os caras se puseram a vasculhar os armários, levando os tênis do colega, até que se depararam com uma camiseta da própria Corpore, ganha depois da corrida em homenagem ao Corpo de Bombeiros, em julho deste ano.

Foi o que bastou para os ladrões acharem que o atleta era, na verdade, membro da polícia. O nome Corpore, inscrito na peça, deve ter soado a eles como algo tipo BOPE, e a conseqüência só não foi pior porque a vítima conseguiu convencê-los de que não era da polícia. Por precaução, achei melhor me livrar das camisetas com referências às corporações, como esta e a da prova da Academia do Barro Branco. Que mundo este...

Wednesday, November 21, 2007

Cem anos de inquietação

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O centenário do arquiteto Oscar Niemeyer, no GPTotal? O que tem a ver a prancheta com o túnel de vento? Vai lá, descobre... Depois me conta o que achou.

Monday, November 19, 2007

Coisas que me irritam

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Sou um ser em busca da serenidade, e acho até que melhorei um pouquinho, embora tenha um longo caminho a trilhar. Mas, sei lá, algumas coisas e atitudes me irritam, ainda que não me afetem diretamente. Por exemplo:

- passageiros de automóveis que andam com os pés (descalços!) em cima do painel. Tenho visto esta cena cada vez com mais freqüência. Agora, digam: além de enfrentar o trânsito eu ainda preciso ver isso?

- transeuntes que ficam parados no meio da calçada girando um molho de chaves preso a um cordão à guisa de chaveiro. Já tive que desviar desses artefatos e me pergunto se esses indivíduos nunca machucaram ninguém com essa maniazinha besta.

- adolescentes que andam em grupos de cinco, seis, sete indivíduos, ocupando a calçada inteira. Eu já fui teen, sei que, nessa fase da vida, habitamos um mundo só nosso, mas olha onde anda, pô!

- a mania da seleção brasileira de jogar só pelo meio. Ô coisa irritante...

- alguns locutores esportivos que abrem a transmissão assim: "agora, em definitivo, de Lima, no Peru...". Definitivo? O sujeito nunca mais vai sair de lá? Olha que é uma boa idéia...

- a quadragésima final do mundial de vôlei de praia do ano. Alguém pode me responder: quantos mundiais de vôlei de praia existem por mês?

- crédito ou débito? Eu sei, o coitado tem que perguntar, mas me irrita, levemente.

- gelo e limão? Por que não posso pedir uma água tônica sem ter de declinar do gelo e limão? Por acaso a água tônica nasceu grudada com o gelo e o limão? É uma coisa assim como tomate seco e rúcula, que nasceram juntos, ao lado da mussarela de búfala?

- gente que liga no celular, não deixa recado e fica ligando vezes sem conta. Helloooooooo!!! Se eu não atendi, foi porque não pude. Seu número estará registrado, mané, não precisa ligar dez vezes seguidas.

E você, solte seus bichos, o que te irrita?

Wednesday, November 14, 2007

Ai, Jesus!

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Bigodes, tremoço
Alheira, bacalhau
Azulejo azul e branco
Trás-os-montes, Portugal

Padeiro, feirante
Dono de bar e restaurante
Todo tipo de comerciante
Açougueiro tem bastante

Pastel de Santa Clara, Belém
Fios de ovos, rabanada também
Uma promessa para Fátima
Santo Antônio, Jesus de Braga, amém

Torcer pela Lusa
Profissão de fé
Levamos cinco campeonatos
Para subir da série B

Padarias em festa
O sonho não acabou
Hoje o pão sai mais tostado
A agonia passou.

Vem, Maria, que a Kombi está cheia
Vamos todos ao Canindé
Bebamos vinho, dancemos um vira
Porque fado é fogo, não dá pé...

Uma singela homenagem à Lusa, que ontem voltou à Série A do Campeonato Brasileiro. Papy deve estar fazendo festa no céu. Aqui na terra, Flavio Gomes e sua trupe também.
Parabéns, Portuguesa!


Para quem não leu, sugiro este post, uma alegoria sobre Lusa e tremoços.

Sunday, November 11, 2007

Mete bala!

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O Maksoud Plaza ainda não tinha descido todos os degraus rumo à decadência, apresentando-se como um hotel de razoável sofisticação naquele 1995. No ano anterior, por ocasião dos funerais de Ayrton Senna, alguns bacanas da Fórmula 1 haviam até se hospedado lá. Já não vivia o prestígio da década anterior, mas equilibrava-se na dignidade.

Cheguei ao saguão por volta das oito da manhã daquela segunda-feira, como solicitado. Anunciei-me na recepção e aguardei no lobby, ávida por ler o caderno de Esporte. Eu trabalhava na assessoria de imprensa da Ford, e tinha sido designada para acompanhar um documentarista inglês que estava produzindo um vídeo institucional para a empresa.

Naquele momento, no entanto, minha cabeça estava vários quilômetros longe dali, mais precisamente na cidade paulista de Ribeirão Preto onde, na véspera, o Corinthians havia conquistado um de seus mais saboroso títulos – o Paulista de 95, vencendo o Palmeiras na final. Por sorte, havia um exemplar da Folha de S. Paulo por ali, e me pus a reviver em texto o que tinha visto ao vivo, horas antes, pelas imagens da TV. A coluna de Juca Kfouri tinha um título bem sacado – “Ribeirão Preto (e branco)”. Li-a inteira e ia avançando pelo resto do noticiário enquanto o gringo não chegava.

Alguns dias antes, tudo o que me havia chegado era um fax, com o nome do sujeito, uma resumidíssima programação daquela semana e o horário em que eu deveria me colocar a postos. Ao ler o nome do homem, comecei a rir – Matt Ballard, que imediatamente me soou como “mete bala!”. Apesar de o nome sugerir cena de filme policial, sei lá por que, na minha mente, cristalizou-se a imagem de um homem velho, talvez pelo Mr. à frente do Matt, talvez por ele ser inglês e estar metido com direção de imagens. O fato é que eu esperei, no lobby do Maksoud, por uma figura que misturava Alfred Hitchcock com Hercule Poirot, o detetive da Agatha Christie. Para mim, Mr. Matt Ballard, assim designado no fax, seria baixote, gordo, careca, com um pincené e um cachimbo.

Por isso, não fiz menção de fechar o jornal quando um sujeito de uns 30 anos, alto, magro e com jeito de vocalista do Oasis surgiu à minha frente. “Are you Alessandra?”, perguntou-me, naturalmente carregando no sotaque ao pronunciar meu nome. Enquanto fechava o jornal e tentava fazer alguma conexão entre aquele quase roqueiro e a figura de Hitchcock-Poirot, ele estendeu a mão, apresentando-se como Matt Ballard, pedindo desculpas pelo atraso – era inglês, afinal – e me convidando a tomar o café da manhã. Declinei do convite, mas acompanhei-o ao restaurante, onde ele comeu pouco e rápido, demorando-se com deleite apenas no suco de laranja, admirando o copo e estalando a língua – “Natural! Suco natural! Estou adorando o Brazil!”.

Foi uma semana divertida. Saí do departamento de imprensa, onde atendia jornalistas o dia inteiro ou escrevia releases, para acompanhar locações nas fábricas da Ford, nos escritórios e até tomadas externas. Um motorista ficou à nossa disposição e minha função era basicamente servir de intérprete e eventualmente discutir alguma abordagem com um ou outro entrevistado. No primeiro compromisso, naquela mesma manhã, perguntei a Matt se ele gostava de futebol. “I love it!”, e se espantou em saber que eu também era fanática torcedora. Que, aliás, tinha comemorado um título do meu time na véspera. Matt me disse que não tinha a mesma sorte havia muitos anos, pois torcia pelo Aston Villa, uma espécie de Portuguesa da Inglaterra.

Eu, da minha parte, estava em estado de graça. Naquele ano, o Corinthians já tinha conquistado a Copa do Brasil, garantindo vaga na Libertadores do ano seguinte, e ainda presenteava a torcida com um título sobre o maior rival. Nos trajetos entre uma fábrica e outra, ou rumo à sede administrativa da Ford, falávamos de futebol o tempo inteiro, e eu descrevia em detalhes a saga do Corinthians naquele e em outros anos. Em dado momento, Matt sentenciou: “Pronto, você me convenceu. Daqui para frente, torço pelo Corinthians no Brasil.” O que eu achei muito natural. “O nome homenageia um time inglês. Você, sendo inglês, só pode mesmo virar corintiano.”

Um dia, depois de uma tarde de entrevistas na sede, Matt vira-se, curioso, e me fala sobre um diálogo, travado com um outro funcionário, palmeirense doente. “Sabe, Alessandra, o fulano me falou que corintiano é tudo maloqueiro e sofredor. O que significa isso?” Não passei recibo, embora tenha sentido ímpetos de esganar o fulaninho com minha faixa novinha de campeã. “Liga, não, Matt. Maloqueiro é o cara alegre, popular, que se dá bem com todo mundo. E sofredor é o torcedor fiel, como somos nós, corintianos.”

No dia seguinte, tadinho, o inglês andava pelos corredores da Ford batendo no peito e dizendo, para quem puxasse papo, em bom e arretadíssimo português com sotaque britânico: “Eu, maloquêro, sofredor!”. A experiência ainda rendeu uma cena digna de nota. Na véspera de encerramos o trabalho, passando por uma avenida da zona Sul, o motorista que chama a atenção. “Dá uma olhada nessa Cherokee.” Quando virei, vi que era Marcelinho Carioca dirigindo o jipão e não tive dúvidas. Escancarei a janela e comecei a gritar, mais maloqueiramente impossível, enquanto o motorista buzinava. Marcelinho notou a balbúrdia, fez um aceno, quase tive um troço. Matt, ao meu lado, divertiu-se com minha radical manifestação de fanatismo, não achando nada estranho, já que eu o havia familiarizado com os nomes de alguns jogadores, e Marcelinho era o rei alvi-negro naqueles tempos.

Nunca mais soube nada de Matt Ballard, mas sempre mantive o hábito de procurar o Aston Villa na tabela do Campeonato Inglês. Está em oitavo, atualmente. Está bem melhor o Matt do que eu, mas deixa pra lá.

Thursday, November 08, 2007

Love to hate you

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Graças a Deus, não nasci a tempo de ter ódio dela. Aliás, nasci em um ano meio estranho. Em 1970, os Beatles se separaram, a Fórmula 1 abusou da morbidez, coroando um campeão morto, o Brasil vivia sob a chibata de Médici. Pelo menos, ganhamos o tri. Ganhamos... Humpf... Para anos depois derreterem a taça...

Graças a Deus, não tenho ódio de ninguém, de verdade. Não haveria de ser dela. Por ela, para ser sincera, sempre nutri uma admiração quase invejosa. Pense bem. Ela foi louvada como poucos seres neste mundo, em canções que se eternizaram. Musa de um dos homens mais famosos do planeta, que não teve vergonha de se expor a ponto de ser ridicularizado.

Juntos, deixaram o cabelo crescer, a ponto de parecerem a mesma pessoa.

Juntos, tosaram as madeixas rente à cabeça, a ponto de parecerem a mesma pessoa.

Juntos, franquearam sua cama de casal para pedir paz. Idiotas? Para mim, honestamente, idiota é quem joga bomba em cima de uma população civil, ou quem tortura até a morte.

Por ela, para ela, John fez-se de feto, como se dela tivesse nascido. Adotou-lhe o sobrenome, como prova de comunhão. Por que ela deveria fazê-lo? Por ele ser o homem? Quem era o homem e a mulher, ali? Por que dividir-se em convenções apenas sociais quando, nitidamente, eles eram um? Um só.

A lenda diz que Yoko não reconheceu John quando ele, no auge da fama, foi ver uma exposição sua. Detratores cospem sorrisos cínicos. "Como não conhecer John Lennon?" Pois eu acredito. Está cheio de pop stars de quem ouço falar mas não seria capaz de reconhecer. Quase não vejo TV, muito do que se fala pouco ou nada me interessa. Há algum tempo, pouco tempo, meu filho ouviu uma conversa minha em que eu citava Pelé. Inocente, perguntou: "Quem é Pelé?". Não pode ser? Pode.

Creditar a Yoko a separação dos Beatles sempre me pareceu simplista demais. É fato que John transformou-se drasticamente após unir-se a ela. Mas Paul, se tivesse tantas reservas assim com Yoko, continuaria freqüentando a casa de John, como o próprio Lennon revelou na última entrevista, concedida poucos dias antes de morrer?

E, quando morreu John, Yoko recolheu-se. Nunca a vi indigna, exibindo-se ou ao filho, Sean, em cenas de lágrimas e desespero. Um totem. Um samurai vencido.

Talvez esta seja a razão do ódio por Yoko. Ela é um samurai, e o mundo esperava dela uma gueixa.

Yoko veio a São Paulo, para uma performance e para abrir uma exposição. Não sei muito de artes plásticas, não sei se ela é uma grande artista ou um embuste. Sinceramente, não me importa. Gosto de gostar de Yoko.

Tuesday, November 06, 2007

O cara

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Eu disse que só voltaria a falar de Fórmula 1 se algo excepcional acontecesse. Pois bem. Não é bem Fórmula 1, mas é excepcional.

Para quem não conhece, esse cara aí da foto se chama Alessandro Zanardi, italiano, foi piloto de Fórmula 1 nos anos 1990, depois foi correr nos Estados Unidos, numa daquelas categorias que nunca se chamaram mas pensamos que se chama Fórmula Indy.

Em 2001, Zanardi sofreu um acidente na Alemanha, quase morreu, perdeu sangue até e perdeu também as duas pernas. Quando a esposa lhe informou o que tinha acontecido - ele estava tão xarope que não tinha consciência da dupla amputação - sua reação foi desconcertante. "Está tudo bem, tenho você e nosso filho."

Alex, como é chamado, saiu andando do hospital, em um esforço incomum para se adaptar à nova vida, com próteses. Poucos anos depois, voltou a correr, em carros de rua, na equipe da BMW. Como diria Enzo Ferrari, "pilotti, che gente...".

Pois agora Alex se sai com essa. Disputou a Maratona de Nova York, no último final de semana, correndo na turma dos cadeirantes. Cumpriu os mais de 42 quilômetros da prova em 1h33min17s.

A notícia me fez tomar duas decisões. A primeira: compartilhar mais este magnífico exemplo de superação com os leitores deste blog. A segunda: traçar o plano para correr essa prova assim que possível. Fico lhe devendo esta, xará!

Monday, November 05, 2007

Geração perdida

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Jovens promessas que decepcionaram na Fórmula 1. Barrichello e Coulthard, no ocaso de suas carreiras. Mais? No GPTotal. Comenta, vai...

Thursday, November 01, 2007

Alma de borracha (ou A perda da inocência)

Muito se falou neste ano sobre o 40º aniversário do álbum Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, talvez o disco mais revolucionário da história, e tido por muitos como o melhor dos Beatles. Pode ser, mas para mim, não é. Adoro Sgt. Pepper´s, como tudo que eles fizeram, mas meu disco preferido dos Beatles é Rubber Soul, Alma de Borracha na tradução literal.

Esse disco pré-psicodélico acabou se tornando um marco da carreira do grupo. Lançado no finalzinho de 1965, Rubber Soul é o primeiro disco "adulto" do quarteto. No mesmo ano, eles haviam lançado Help, que na prática são dois discos diferentes, com o lado A composto pela trilha sonora do filme Help e o lado B por composições independentes.

Help era calcado na beatlemania, aproveitou toda a onda histérica em torno dos rapazes, lançou a música mais gravada da história - Yesterday, a rigor uma composição só de Paul creditada a Lennon & McCartney - mas já continha alguns sinais de amadurecimento. Um deles é a própria música Help, composta principalmente por John e assumida como um pedido real de socorro, uma manifestação existencialista de um Lennon algo incomodado e angustiado com a vida de pop star.

Depois de Help, os Beatles passaram a mandar e desmandar na própria carreira. Rubber Soul é o primeiro sintoma dessa independência. A capa tem uma foto meio deformada, com o nome do LP surgindo em letras quase lisérgicas, e a fisionomia dos rapazes bastante séria. Nada do terninho e das gravatas finas bem comportadas, nada de sorrisos encantadores. Na contracapa, duas fotos de cada um, nenhuma delas serviria de capa da Caras. Paul solta uma baforada de cigarro, George usa um chapéu de cowboy, John olha fixo para a câmera, com ar meio perdido, Ringo apóia a cabeça com uma das mãos, em pose filosófica.



Mas não foi no visual a mudança imposta por Rubber Soul. É o primeiro disco dos Beatles a trazer apenas composições próprias, reafirmando a identidade do grupo. Também é nesse disco que os Beatles começam a usar instrumentos exóticos, como a cítara, que George começa a colocar suas manguinhas de místico de fora, além de introduzir com maior regularidade o pedal de distorção e eco em seus solos de guitarra.

O disco abre com Drive my Car - e juro que não é meu amor pelas corridas que determina a preferência por Rubber Soul. Cantada por John e Paul, a música na verdade é de Paul, e não difere muito do estilo já consagrado do grupo.

O ar começa a ficar mais denso na segunda faixa, Norwegian Wood (This bird has flown), de John, com poucos pitacos de Paul. Aqui, além de aparecer a cítara, a letra perde a inocência dos primeiros anos. A canção revela sutilmente uma noite de amor entre o poeta e uma moça bem prafrentex. Em dado momento, ele reaviva o diálogo entre os dois: "We talked until two, and then she said `It's time for bad'" (ou seja, "Conversamos até as duas, então ela disse `É hora de ir pra cama'".

Outro destaque do disco é Nowhere man, outra de John, revelando mais uma vez o lado existencialista do compositor. Diz a lenda que a música paradoxalmente nasceu de um bloqueio de inspiração. E, de repente, precisando urgentemente preparar material para o disco, John apenas se imaginou como esse "Homem de lugar nenhum" e que a música teria saído inteirinha, de uma só vez. O vocal em três vozes com John, Paul e George é característico da canção, que inclusive começa com o canto à capela.

A música seguinte, Think for yourself, é uma pequena revolução de George. Além de introduzir o tema da espiritualidade que lhe seria característico daí para a frente, a canção contém uma novidade que logo passou a ser copiada por músicos do mundo todo - a guitarra distorcida com o baixo.

Também é desse disco a balada Michelle, outra famosíssima de Paul, e com um histórico solo de guitarra de George. John veio colocar mais lenha na fogueira com a aparentemente romântica Girl. Música lançada em versão por aqui como Meu bem, na voz de Ronnie Von, Girl continha pitadas de contestação, ao lidar com temas afeitos à religião, como a busca da felicidade por meio do sofrimento. Pesado, hein? O que aconteceu com esses meninos?

O disco ainda tem a nostálgica In my life, letra de John. A melodia, dizia John, também era dele. Já Paul afirmava que tinha dado alguns toques. O piano do meio da música é tocado por George Martin. A única música cantada por Ringo no disco é What goes on, uma composição abandonada pela dupla Lennon & McCartney. Paul e Ringo deram um tapa na canção e assim a música se tornou a única da obra do grupo creditada a Lennon, McCartney e Starkey (o sobrenome verdadeiro de Ringo).

No ano seguinte, os Beatles gravaram Revolver, o precursor de Sgt. Pepper's, já com os dois pés na psicodelia, e produzindo jóias como Eleanor Rigby, Here, There and Everywhere, For no one, I'm only sleeping.

Mas Rubber Soul, talvez pela mudança de atitude, por ensaiar o amadurecimento dos Beatles, por deflagar uma rebeldia muito além dos cabelos compridos (o mundo veria o que eram cabelos longos nos anos seguintes, isso sim...) é meu álbum preferido dos Fab4.

E o seu, qual é?

Saturday, October 27, 2007

And the Fangio goes to...

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Encerrada a temporada, chega o momento de eleger os melhores da Fórmula 1 em 2007. A-do-ro eleições do tipo "o melhor" de qualquer coisa. Convido os amigos a ler minhas escolhas e a apresentar suas próprias, inclusive com a liberdade de criar novas categorias.

Como não existe Oscar da Fórmula 1, crio o Troféu Fangio, em homenagem àquele que, mesmo superado em termos de títulos, é considerado o melhor de todos os tempos - o argentino Juan Manuel Fangio. Daria o nome dele ao prêmio nem que fosse apenas por sua simpatia e gentileza, características que vi de perto, em um memorável encontro com a imprensa em São Paulo, no já longínquo ano de 1992.


Melhor piloto - discussão para mais de metro, e argumentos não faltam. Digo e reafirmo que o melhor piloto da atualidade, para mim, é Fernando Alonso, que reúne duas características raras na mesma pessoa. É arrojado quando precisa (vide Nurburgring 2007) e cauteloso quando convém. Quase uma mistura de Senna e Prost, o que parece impossível como misturar água e óleo. Mas 2007 não foi o ano de Alonso, que fez corridas irreconhecíveis, como o GP do Canadá. Custo a acreditar que vou dizer isso, porque continuo achando o finlandês um piloto displiscente, mas não há como negar que o campeão deste ano foi a personificação da eficiência quando era eficiência o que se esperava dele, além de ter ganho o maior número de corridas no ano. Portanto, Kimi Raikkonen.

Melhor carro - pode ter sido copiado da Ferrari, mas o fato é que o McLaren-Mercedes de 2007 é o caso de criatura que supera o criador. Não quebrou uma única vez neste ano e acaba sendo um caso raríssimo de carro rápido e confiável que não leva o título. Para que tenhamos certeza de que não basta, não, colocar um macaco no comando das máquinas... (adendo: lembrando que esta é uma referência à célebre frase de Niki Lauda, dizendo que os Fórmula 1 atuais são tão fáceis de pilotar que até um macaco o faria.)

Melhor equipe - a Ferrari cometeu erros grotescos ao longo do ano e parecia ter se perdido ou estar acusando demais a falta de Michael Schumacher e Ross Brawn. Mas fechou-se em torno de Kimi com devoção, trabalhou com competência e fez o que precisava para garantir os títulos de Construtores e Pilotos. La famiglia continua dando as cartas.

Melhor desempenho em uma equipe média - Não dá para comparar o desempenho de pilotos do chamado G4 com os demais. Da mesma forma, há um claro desnível entre as equipes médias e as do fundão do grid. A BMW terminou em segundo no Mundial de Construtores pela desclassificação da McLaren. De fato, seus carros vêm em uma evolução notável. Não podemos nos esquecer de um detalhe: aquilo era uma Sauber, minha gente! Mas, honestamente, Heidfeld e Kubica não fizeram meus olhos brilhar ao longo do ano. Kubica protagonizou pegas eletrizantes ao final de algumas corridas, além de ter se recuperado plenamente depois de uma panca assutadora no Canadá. Mas, se a idéia é premiar alguém que não tem um carro voador e fez bonito, meu voto vai para Nico Rosberg, especialmente pela segunda metade da temporada. Torço para ver esse rapaz logo em uma equipe grande.

Melhor desempenho em uma equipe pequena - Fácil. Sebastian Vettel. O alemãozinho já mostrou qualidades ao acelerar o carro da BMW desde o ano passado como piloto de testes, mas seu quarto lugar no GP da China foi uma recuperação para lá de madura depois de uma lambança vexatória no GP do Japão. Este quarto lugar, aliás, talvez tenha sido o resultado mais expressivo de toda a temporada. Outra vez, vale a pena lembrar. A Toro Rosso, minha gente, é uma Minardi!

Revelação do ano - Ah, não vou nem perder muito tempo nisso. Lewis Hamilton fez história e só uma mente perturbada como a de Ron Dennis poderia ter feito o estrago que fez. De piloto popular e querido por todos, transformou Hamilton no anti-Cristo da categoria.

Fiasco do ano - Outra fácil: o desempenho da Honda. Pior que Spyker e Toro Rosso juntas, porque tem toneladas de investimentos por trás. Se o futuro do planeta dependesse da Honda, eu já estaria comprando minha passagem para Marte.

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Agora, é com vocês.

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E basta! Salvo aconteça algo de extraordinário, com este post vou dar um tempo nos assuntos de automobilismo. Sinto que os freqüentadores do blog que não gostam tanto de corrida estão já entediados. Vamos falar de música, de literatura, de poesia, de comportamento, da vida? Venham comigo e continuem lendo minhas colunas sobre automobilismo no GPTotal.

Wednesday, October 24, 2007

One

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Já está no ar minha nova coluna no GPTotal. Em pauta, Ferrari, McLaren e o U2. Hein?! Vai lá, comenta aqui!

Sunday, October 21, 2007

O sonho

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Em dez de julho deste ano, anunciei neste post o fim da temporada de Fórmula 1 de 2007. Sonhei que Kimi Raikkonen seria campeão, o que foi nonsense naquela época, porque o finlandês fazia uma temporada bem mequetrefe até então. Quer dizer, mequetrefe na comparação com Lewis Hamilton, Fernando Alonso e Felipe Massa.

É certo que, do GP da França para frente, Kimi somou mais pontos que os outros três, mas ainda assim chegou com status de zebra a Interlagos.

E eu cheguei a Interlagos, neste domingo, a bordo de um Corcel II.

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Acredite se quiser: este dia com clima de Saara começou, para mim e para Victor Martins, com chuva! Mais uma vez, passei na casa do solerte repórter às sete da matina, para tomarmos juntos um chá de cadeira ainda mais longo à espera do bolchevique Flavio Gomes. Certo é que chegamos à Zona Sul já com sol. Confesso que estava um pouco tensa com o tipo de veículo que Gomes iria nos impor. É duro viver sob esses regimes totalitários. Mas Gomes hoje mostrou-se um déspota esclarecido e nos levou a bordo de um Corcel II 1979, que só pelo fato de ter janelas já ganhou de longe do Candango da véspera.

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Fábio Seixas, da Folha de S.Paulo e da Rádio Bandeirantes, Victor Martins e Flavio Gomes, do site Grande Prêmio


No caminho, mais um papo esperto com o simpático Fred, amigo sueco do camarada Gomes. Falamos sobre Ronnie Peterson e sobre sua esposa, Barbro. Fred também tentou me convencer a ir esquiar nos Alpes. Fiz cara de pouco entusiasmo, explicando que detesto frio e adoro sol. Fred, simpático senhor de cristalinos olhos azuis-verdejantes, arregalou-os, incrédulo. "Você até parece uma carioca bronzeada falando desse jeito."

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Quem gosta de esquiar nos Alpes é o Ico, que encontramos assim que estacionamos o Corcel II. (Por favor, coloquem reparo no respeito diferenciado ao digno automóvel do domingo. Meu pai teve dois ou três Corcel II no final dos anos 70. Jamais chamarei algum deles de lata velha.) Ico estava com seu sorriso sereno de sempre, mas de repente pareceu ter um insight. "Estou sentindo um clima diferente aqui hoje, vai dar zebra." Talvez tenha sido por isso que, no início da transmissão da rádio, eu tenha cravado palpite em vitória de Kimi Raikkonen, com Felipe Massa em segundo. Sim, fiz isso, apesar de ontem ter escrito aqui que esperava vitória de Massa no GP, com Hamilton campeão. Apostei ma intuição do Ico e acabei acertando.

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E a confiança inexplicavelmente cresceu a ponto de eu chamar Barbara Gancia para uma aposta. Ela havia apontado Massa e Hamilton como vencedores, respectivamente, do GP e do campeonato, como eu fizera ontem. Apostei a moeda de troca recorrente de Barbara - um picolé de limão. Ela topou. Só não me pagou até agora, mas me parabenizou no ar.

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Ao longo da transmissão, depois do inacreditável erro de Hamilton, mencionei que o inglês talvez tivesse sido vítima da ancestral maldição da categoria de acesso. Nunca nenhum vencedor da Fórmula 2, da Fórmula 3000 ou da GP2, as categorias que ao longo da história têm funcionado como último degrau antes da Fórmula 1, foi campeão na categoria principal.

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A disputa entre Nico Rosberg e Robert Kubica pelo quarto lugar, ao final da prova, chegou perto de dar bobagem. Na cabine da Band, outro comentarista convidado, o líder da Stock Car, Cacá Bueno, chamava a atenção para a proximidade perigosa dos dois. O pega mais acintoso era na entrada do S do Senna, imagem que nem sempre a televisão mostrou. Assim que a BMW e a Williams passavam, imediatamente Cacá e eu levantávamos para conferir o que ia sair daquela briga. Um toque entre os dois poderia significar o título para Hamilton, que herdaria duas posições e assim ultrapassaria Raikkonen. Mas, no íntimo, não achei que Kubica permitiria um inicidente que favorecesse Hamilton. Depois do entrevero entre o polonês e o inglês, no Japão, Kubica tornou-se o segundo maior desafeto de Hamilton na categoria. Perguntado sobre quem ele achava que seria campeão, foi direto: "Qualquer um, menos Hamilton".

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No GP da China, Ron Dennis disse que não estava lutando contra Raikkonen, mas contra Alonso. Na minha mente, ecoa a melodia de um velho rock dos Mutantes: top, top, top.

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O repórter Julio Gomes, da Band News, tirou um sarro de leve da minha cara, depois da transmissão, já na sala de imprensa. Em minha última intervenção na rádio, eu admiti que estava extremamente emocionada ao final da prova, e estava mesmo. Não torço pela Ferrari, embora tenha leitor aqui que não se convença do contrário, nem em especial para Raikkonen. Torcer eu torcia pelo Corinthians, quando estava na ativa, só que agora me aposentei. Mas ver Raikkonen campeão foi a concretização daquela que me parecia a única saída digna para a Fórmula 1. Lewis Hamilton e Fernando Alonso são pilotos bons demais para levarem um título manchado pela má conduta da McLaren. Não merecem isso. Enxerguei no título de Raikkonen uma vitória do esporte. Esporte que eu amo, que preenche minha vida de emoção. Sim, Julio, fiquei emocionada. Não chorei, mas pode rir. Eu, pelo menos, não tenho um irmão que dirige um carro sem janela.
Atualização: registre-se que Julio também apostou em Kimi no início da transmissão. Mas não apostou com a Barbara, por isso ela só deve o picolé para mim.

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Hamilton ontem estava com nove dedos na taça. O dedo que faltava ele talvez hoje esteja chupando.

Coitado...

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Vamos ser bem sinceros? Foi uma expectativa imensa, da primeira à última volta. Mas corrida espetacular, mesmo, só quem fez foi... Lewis Hamilton. Cometeu dois erros fatais no início da prova, primeiro na disputa com Alonso, depois no engate equivocado em um câmbio semi-automático. Fórmula 1 é jogo de erros. McLaren e Hamilton erraram pouco ao longo da temporada, mas erraram em momentos cruciais. Depois de cometê-los, Hamilton partiu para a chamada corrida de recuperação e foi galgando posições, enquanto os líderes pouco se arriscavam. Menção honrosa para mais uma excelente prova de Nico Rosberg. De resto, sobrou a ansiedade pelo título. Persiste o paradoxo da temporada de 2007: como pode um campeonato ser competitivo se as partes que o compõem - as corridas - são tão previsíveis?

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Na próxima quarta-feira, minha análise sobre o GP do Brasil de 2007, no GPTotal.

Saturday, October 20, 2007

Nove dedos

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Depois da definição do grid para o GP do Brasil de 2007, Lewis Hamilton está com nove dedos na taça de campeão da temporada. Larga em segundo, com os dois oponentes - Raikkonen e Alonso - em terceiro e quarto. Felipe Massa fez tanta festa depois da pole, subindo no que ele mesmo chamou de "Mureta Massa", que quase eclipsou o panorama francamente pró-Hamilton e totalmente contra-Alonso do treino classificatório.

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A transmissão da Band News/Bandeirantes foi repleta de informações, porque a rádio - oficial do Grande Prêmio - tem um esquadrão de repórteres em Interlagos. Na primeira vez em que participei como convidada, no GP da Turquia, fizemos do estúdio, com a equipe habitual: o locutor Odinei Edson, os comentaristas Fábio Seixas e Jan Balder, o repórter Júlio Gomes e o âncora Luis Megale. Desta vez, o time está muito mais completo. Dei muita risada com Barbara Gancia, minha ex-colega de Folha de S.Paulo, que fez uma entrevista impagável com Sarah Feruguson, a Duquesa de York, ex-mulher do príncipe Andrew, da Inglaterra.

Barbara deve ter assistido a todos os GPs do Brasil, em Interlagos e em Jacarepaguá, mas vibra como se fosse o primeiro ao anunciar do ronco dos motores. "Não é lindo isso? Um motor que chega a 19 mil giros?! Eu adoro isso, é minha cachaça!", empolgava-se toda. É a nossa, Barbara. À nossa, Barbara, tin-tin!

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Outro ex-colega de Folha que encontrei na sala de imprensa foi Edgar Alves, o decano do Esporte. Ganhei abraço apertado e agradecimento especial, só por causa daquele post que escrevi no começo do Panamericano, homenageando o grande repórter pelo Pan de Cuba, de 1991. Daí nos pusemos a lembrar de outras coberturas que fizemos juntos, inclusive alguns GPs do Brasil. É sempre muito bom rever amigos...

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Mais um momento de alegria: encontrar o Ico em carne e osso pela primeira vez, nesta atual passagem do querido colega por São Paulo. Luis Fernando Ramos, o Ico, companheiro de GPTotal, está sofrendo uma barbaridade com o trânsito daqui. Mora em Viena e passa alguns meses no estranho habitat a que nós, os outros, nos acostumamos. Certo está ele, por não se acostumar.

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Antes de chegar, ah, que aventura! Pedi carona ao socialista Flavio Gomes, ele e sua frota de incontáveis latas velhas que ele chama de carros antigos, ou clássicos, sei lá. Fomos, eu e Victor Martins, da Zona Norte de São Paulo até o elegante bairro onde mora o companheiro. Deu-nos um insípido chá de cadeira, mas nem foi o pior. Apareceu a bordo de um veículo de 1961, chamado "Candango", uma espécie de jipe de guerra. Que foi para a guerra. O célebre torcedor da Lusa ainda dignou-se a dar carona para um amigo sueco. Sem noção. A geringonça faz barulhos de toda sorte, não tem janela, só aquelas lonas vagabundas que se prendem com pouca precisão e muita sorte. Fato é que o tal meio de transporte chamava mais atenção do que todos os importados bacanudos que entravam no autódromo ao mesmo tempo que nós. Agora, torço para Gomes não ler estes impropérios até a manhã de domingo, quando espero pegar carona novamente com ele. Oh, Deus, o que me aguarda?

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Circulando pelo paddock, um monte de ex-pilotos que hoje cumprem expediente em funções diversas na Fórmula 1. Gerhard Berger, que era bem charmosinho, está rechonchudo e bem calvo, cuidando dos interesses da Toro Rosso. Niki Lauda, coitado, que já era de assustar, depois de velho não poderia estar melhor. E pior: também engordou horrores.

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Uma cena habitual - celebridade no paddock. Passa por mim a gigantesca Naomi Campbell, indo em direção ao minúsculo Bernie Ecclestone. Uma com tanta perna, outro com tanto dinheiro. Cumprimentam-se, beijam-se, um festival de clicks de uma multidão de fotógrafos. Não pude deixar de pensar: se ela fosse feia ou se ele fosse pobre, nem se olhavam.

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Palpite para a corrida: vitória de Massa.
É notável como Felipe Massa parece lidar tão bem com o fato de "jogar em casa". Pelo segundo ano seguido, fez a pole em um Interlagos lotado de torcedores vibrando por ele. Não deixa a torcida virar pressão. Pena que Rubens Barrichello não tenha conseguido essa mesma química enquanto esteve na Ferrari, sucumbindo à pressão de correr na própria cidade.

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Palpite para o campeonato: título para Hamilton.
O inglês pontuou em 94% das provas de que participou. Tem mostrado equilíbrio e não se intimida em pistas desconhecidas para ele. Parece muito difícil que perca a vantagem que conquistou até agora. Acho que neste domingo, 21 de outubro, a Fórmula 1 vai coroar um campeão que entra para a história quebrando muitos paradigmas.

Espero vocês na Band News/ Bandeirantes AM e FM. Até lá!

Thursday, October 18, 2007

Nas ondas do rádio

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Neste final de semana, vou participar mais uma vez como comentarista convidada da transmissão da Fórmula 1, pela Rádio Bandeirantes, no GP do Brasil. Estarei no ar no sábado, durante o treino classificatório, às 14h, e no domingo, durante a corrida, no mesmo horário.

Quem quiser ouvir pode sintonizar nas rádios Band News FM (96,9), Bandeirantes FM (90,9) e Bandeirantes AM (840). Outra possibilidade é ouvir pela internet: www.radiobandeirantes.com.br, clicando no link "Ouça agora".

Mais um detalhe: também é possível enviar perguntas e comentários durante a transmissão, pelo site da BandNews. Vamos nos encontrar lá?

Mais uma vez, agradeço ao Odinei Edson pelo convite.