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Faz tempo que não escrevo sobre livros, por isso resolvi escrever sobre dois de uma só vez. Recentemente, li dois livros de contos do colombiano Gabriel García Márquez, provavelmente meu escritor preferido.
Desde que li "Cem anos de solidão", em 1984, sempre procurei ler tudo que pudesse desse autor. Até que, há alguns meses, percebi que estavam faltando pouquíssimos livros dele para que eu completasse toda a obra literária de García Márquez. Sempre que vou a uma livraria, dou uma vasculhada na prateleira de autores latino-americanos, para ver se tem algum desses que me faltam. Foi dessa forma que li, em 2008, as coletâneas "Os funerais da Mamãe Grande" e "Olhos de cão azul", exatamente nesta ordem.
É muito interessante ler o "jovem" García Márquez depois de já ter lido o autor consagrado, ganhador do Nobel de Literatura em 1982. Cito o jovem porque os dois livros de contos trazem histórias escritas no início da carreira, antes do sucesso de "Cem anos de solidão". E ambos funcionam como uma espécie de rascunho do que seria a grande obra do autor. Seja pelos temas, pelas referências à fictícia Macondo, onde se passa a trama de "Cem anos", seja pelos toques do chamado realismo fantástico, seja, ainda, pelo estilo em formação do autor, já com suas metáforas e com seu ritmo de texto, que alterna frases longas, algo rebuscadas, com outras, curtíssimas, com o poder de navalhas ultra-afiadas.
"Olhos de cão azul" reúne contos escritos entre 1947 e 1955, em publicações diversas. A coletânea, como livro, só saiu em 1974. Os contos têm em comum o mesmo tema - a morte, tratada de formas diversas. O conto de abertura, "A terceira renúncia", remete a um morto consciente do próprio corpo inerte e da própria morte. Faz lembrar o célebre "Pedro Páramo", conto de Juan Rulfo, tido como grande influenciador de García Márquez e de grande parte da geração de escritores latino-americanos florescida nas décadas de 1950 e 1960.
Está nesse livro, também, o inquietante e opressivo "Isabel vendo chover em Macondo", conto que antecipa a atmosfera de uma importante passagem de "Cem anos de solidão". Meu conto preferido, nesta obra, foi "Nabo, o negro que fez esperar os anjos", menos pela temática, mais pelo incrível parágrafo final, um looping de uma página e meia e um fôlego só, revelador do grande narrador que viria a ser García Márquez nos anos seguintes.
"Os funerais da Mamãe Grande", lançado em 1962, também traz alusões a Macondo. É na fictícia cidade criada por García Márquez que se desenrola o conto que dá nome à coletânea. O colombiano, em várias entrevistas, citou Érico Veríssimo e sua obra "O tempo e o vento" como influência importante de "Cem anos de solidão". Neste "Mamãe Grande", no entanto, há um quê de Jorge Amado, com um universo povoado por representantes de uma casta aristocrática opressora e gente do povo, fartamente oprimida. Deste livro, meu preferido é "Nesta terra não há ladrões", a história de um roubo e a luta de um homem com sua consciência e com sua miséria, para tentar desfazer-se da culpa e das provas de seu crime.
Dizer que recomendo a leitura de García Márquez é redundância. Serei, portanto, redundante: se puder, leia "Os funerais da Mamãe Grande" e "Olhos de cão azul". Se você já leu ou se quiser comentar qualquer coisa sobre as obras e seu autor, o espaço, como sempre, está aberto.