Monday, December 24, 2012
Feliz Natal
Uns escolhem Papai Noel, outros, figuras religiosas. Meu jeito de desejar Feliz Natal é sempre com uma imagem de John Lennon e Yoko Ono.
Porque eles perceberam a força do amor que os uniu e aceitaram brigar por ele.
Porque saíram dos padrões, quebraram paradigmas e exibiram como os preconceitos são ridículos.
Porque não se importaram em parecer ridículos ao expor seus protestos e pensamentos.
Porque usaram sua fama para dar voz à liberdade do pensamento.
Porque ousaram e inspiraram.
Porque ensinaram que as ideologias são cubos de legos que podem e devem ser desmontados, reconstruídos, modificados.
Porque faziam tudo isso para pregar o amor e a paz.
É o que almejo e desejo.
Feliz Natal, John. Feliz Natal, Yoko.
Feliz Natal.
Saturday, December 22, 2012
Mamãe Coragem
Maria Rita, a voz e o barrigão |
Na segunda vez em que fui assistir ao espetáculo
“Redescobrir”, no qual Maria Rita homenageia sua mãe, Elis Regina, tive o
privilégio de ser gentilmente recebida pela cantora, no camarim, depois do
show. Disse a ela que 2012 estava sendo um ano maravilhoso para mim: completei
minha primeira maratona, o Corinthians fora campeão da Libertadores e, depois
de esperar 30 anos, eu a tinha visto cantar as músicas de sua mãe. Rimos e eu
dei a ela um pequeno pin, com uma foto de Elis por volta de 1979, que eu comprei
e guardei comigo desde 1984.
Bem, o ano ótimo conseguiu melhorar. O Corinthians foi
campeão da Copa do Mundo de Clubes da FIFA, no Japão, e chegaram ao mercado o
CD e o DVD com a gravação da íntegra dos shows da Maria Rita. Eu tinha me
debulhado em lágrimas na primeira vez que vi, em agosto. Fui mais contida na
segunda ocasião, no final de setembro. Mas, ouvindo o CD pela primeira vez, no
trânsito da Marginal Tietê, enxuguei várias lágrimas, várias vezes.
Por que choro ao ouvir Maria Rita cantar as músicas da sua
mãe? Difícil resumir a uma explicação única. Choro de saudade da Elis. Choro de
raiva, por não ter podido ouvi-la cantar tantas canções que ficariam
maravilhosas na voz dela. Choro de inconformismo, por ela não ter visto o
Brasil, onde ela foi porta-voz da anistia, agora redemocratizado. Choro de
tristeza, de lembrar Elis morta, vestida com a camiseta censurada, que trazia
as palavras “Elis Regina” no lugar de Ordem e Progresso, na bandeira do Brasil.
Choro de aperto no peito de lembrar Maria Rita tão pequena e eu sofrendo, de
longe, “meu Deus, essa menininha não tem mais mãe...”. Mas, claro, também choro
de saudade da minha adolescência embalada pelos LPs da Elis, dos planos que
fazia naqueles tempos, da inocência e das ilusões.
Já faz muito tempo que não consigo “ouvir” Elis nas
interpretações da Maria Rita. No primeiro disco, vá lá. Alguns fraseados da
filha lembravam bastante a mãe. Dali para frente, descolei uma interpretação da
outra e passei a achar as vozes bastante diferentes também. Assim, quando
finalmente fui ouvir Maria Rita cantando Elis, ouvi uma cantora homenageando
outra, não imitando. Há quem pense diferente, e isso é altamente subjetivo,
claro. Respeito. Pouco antes do lançamento do CD e do DVD, uma frase da Maria
Rita pelo Twitter me chamou a atenção: ela dizia algo como “sei que minha voz
pode não estar entre as melhores” ou coisa do gênero. Fiquei surpresa. Tenho
todos os seus CDs e já a vi ao vivo algumas vezes. Acho Maria Rita uma cantora
excelente, com uma voz afinada e potente. Como assim, não estar entre as
melhores???
Logo depois, ouvi o CD. E acho que entendi o que ela quis
dizer. Quem conhece bastante a obra da Elis também entenderá. Sabe quando, em
“Como nossos pais”, Elis canta: “por isso, cuidado, meu bem...”? Esse “isso” é
um agudo filho da mãe. Passou de agudo, é uma facada. E o “scat singing” à la
Lewis Armstrong que Elis fazia em “Alô alô marciano”?! Como reproduzir aquilo?
Elis Regina, em "O falso brilhante", espetáculo que continha a música "Como nossos pais" |
Cantar Elis, a gente já deveria saber, não é fácil. Ainda
mais se você tem um tom de voz parecido, que vai jogar a sua recriação para uma
comparação evidente com a obra original. Dá para imaginar quantas músicas da
Elis Maria Rita já cantarolou pela casa. Quantas “vestiram” na sua voz melhor
que outras, e quantas vezes ela mesma pensou: como ela fazia isso? No entanto,
ao escolher o repertório para o show “Redescobrir”, Maria Rita foi de peito
aberto e pinçou a “Como nossos pais” do agudo-facada e a “Alô, alô marciano” do
scat singing inimitável. Porque são peças fundamentais da obra de sua mãe.
Porque não poderiam faltar se o objetivo era levar o Brasil a redescobrir Elis
Regina. Corajosa essa cantora.
Sobre Carlos Gardel, morto em 1935, diz-se que ele “canta
cada vez melhor”. É o caso de Elis: cada vez que alguém escuta um de seus
álbuns, e eu passei os últimos 30 anos escrutinando-os quase todos, descobre
uma nuance sensacional, uma sacada inventiva, uma perfeição de nota executada
no fio da navalha. Genial, mas insegura (dizem...), Elis morreu comparando-se
com Gal e Bethânia. As duas, maduras sessentonas, seguem como divas absolutas
da MPB. Serenas pela idade e pela estabilidade que o tempo traz, não são as
cantoras de trinta anos atrás, nem poderiam. São cantoras magníficas, mas não são
mitos. Provavelmente, a performance atual de ambas não resistiria à comparação
de suas próprias performances de trinta anos atrás.
Trinta anos atrás, onde está Elis: vigorosa mulher de 36
anos, cantando “cada vez melhor”, cristalizada no tempo em uma posição que nem
o tempo há de roubar-lhe. Um mito. “Agora, eu sou uma estrela.”
E Maria Rita, armada tão somente de uma banda extraordinária,
de sua voz e de um barrigão, encarou esse mito. Que coragem, moça...
Sunday, December 16, 2012
Receita para ser campeão
O tamanho da minha demência pelo Corinthians pode ser dado pelo ritual que criei a partir da Libertadores de 2012, estendida para o Mundial Interclubes. Ao longo dos meses, elementos foram sendo acrescentados e senti que, se não fizesse cada um dos itens, estaria condenando o Corinthians ao fracasso.
Tudo começou lá por março, quando, coincidentemente, meu filho Gabriel passou a frequentar o consultório da ortodontista às quartas-feiras no final da tarde. O consultório fica na região da Avenida Paulista e, por duas ou três vezes seguidas, saímos da consulta, jantamos na Paulista e voltamos para casa (moramos em Santana) passando pelo Pacaembu. Nas duas ou três vezes, o Corinthians venceu.
O jantar também não era qualquer coisa. Tinha que ser na padaria Pão de Ló ou no mexicano Chili Peppers. Na Pão de Ló, eu tinha que pedir um risoto de limão siciliano, Gabriel tinha que provar e descobrir que não gostava mesmo, e então pedir um sanduíche de carpaccio. No Chili Peppers, era o tradicional Nacho Supreme e dois Tacos Classic.
Mesmo quando não tinha consulta marcada, adotamos como hábito ir à Paulista nos dias de jogos do Corinthians pela Libertadores, ainda que ele estivesse jogando fora de São Paulo. Numa das vezes,estávamos ouvindo uma coletânea do Tears for Fears, ainda na Paulista, e agregamos o hábito. Era fundamental escutar as músicas "Head over heels", "Advice or the young at heart" e "Everybody wants to rule the world" antes de chegar ao Pacaembu.
Num dos dias de jogos, trânsito paradaço, ficamos uma meia hora para passar ao lado do Pacaembu. Gabriel começou a cantarolar a música "There is a light that never goes out", do The Smiths, um libelo do baixo astral que expõe frases como "se um ônibus de dois andares batesse em nós, morrer ao seu lado seria um prazer". Depois dessa, mais um trechinho de The Smiths, agora com "How soon is now", outra de beira de abismo.
Então, voltávamos para casa e víamos o Corinthians seguir invicto.
Claro que nem sempre foi sem percalços. Nos jogos contra o Santos e contra o Boca, a Companhia de Engenharia de Tráfego fechou o acesso de carros ao Pacaembu. Pedi, implorei, menti ao guarda, disse que morava ali, e ele nos deixou passar.
E veio o Mundial. Em jogo na quarta, outro no domingo. 8h30 da manhã. Onde estávamos eu e Gabriel às 7h da matina? Saindo da Paulista, ouvindo Tears for Fears, cantando The Smiths ao lado do Pacaembu.
Gabriel gosta quase nada de futebol, a doente aqui sou eu. Mas esse ritual tornou-se um momento muito nosso, muito feliz, inesquecível.
É demência, é uma aberração para uma pessoa que se diz civilizada, eu sei.
Mas quem não nunca teve uma paixão, atire a primeira pedra.
Thursday, October 18, 2012
Aretha, a sábia
Sempre que vou a um espetáculo e tenho a chance de conversar
com os artistas, eu agradeço, elogio, agradeço, tiro fotos (quando dá),
agradeço, agradeço e agradeço. Fica parecendo que me tornei tímida – o que não
sou – ou que, de tão emocionada, perdi as palavras. Logo eu, que tenho as
palavras como ferramenta de ofício. Nada disso. Acho que agradecer muito é o
mínimo, pelo genuíno exercício de doação que é um artista no palco.
No domingo passado, no entanto, vi mais que doação. O que
Aretha Marcos fez no palco do Teatro Décio de Almeida Prado foi expor uma
mistura de saudade, alegria, tristeza, tensão, orgulho, alegria, prazer e tudo
o que se revela quando se abre a portinha da memória afetiva. Quantos de nós já
não experimentamos uma sensação parecia ao folhear um livro velho ou remexer em
uma gaveta e encontrar um papel de bombom guardado? Pode ser reconfortante,
instigante, melancólico, alegre ou triste remexer seu passado. A diferença é
que a maioria de nós – os sem-palco – faz isso no conforto de casa, na penumbra
dos nossos esconderijos preferidos.
Aretha criou um espetáculo para homenagear seu pai, o cantor
e compositor Antonio Marcos, morto em 1992, antes de completar 47 anos. Como
muitos da minha geração, conheci Aretha há mais de trinta anos, quando a filha
da Vanusa e do Toninho estrelou o especial “A arca de Noé”, da Rede Globo.
Virou celebridade na época, gravou seus primeiros discos solo, mas foi se
distanciando da fama. Muitos anos depois, por meio do jornalista Pedro
Alexandre Sanches, descobri que Aretha não apenas continuava cantando como
tinha se tornado uma extraordinária cantora. Vi um show dela em 2011, comprei seu
CD e passei a ficar atenta às suas apresentações. Só consegui voltar a vê-la ao
vivo um ano depois desse primeiro show, no mesmo teatro.
Ao escolher “Como vai você” para abrir o espetáculo,
sabiamente Aretha coloca a plateia no mesmo plano emotivo em que ela pisa no
palco. Uma das canções mais conhecidas de Antonio Marcos, “Como vai você”
comove pela declaração de amor e saudade, pela evocação de um amor que se
sugere incompleto, irrealizado (“não deixe tanta vida pra depois”), ou
simplesmente sofrido pela distância de alguns dias, algumas horas. “Como vai
você” comove ao transportar o público para a sua própria história com aquela
música de trilha sonora, para suas próprias reminiscências.
Aretha é sábia ao elevar a plateia à sua emoção, porque logo
se vê no palco uma cantora sensibilizada, meio tensa, muito tocada pelo
reencontro com o pai. Dali pra frente, estamos todos no mesmo trem desgovernado
das recordações, com a grande diferença que qualquer um ali podia dar vexame,
soluçar, limpar o nariz, e a boneca lá, firme, sem poder esquecer a letra ou
desafinar.
Sempre achei incrível como Elis Regina conseguia cantar e
chorar ao mesmo tempo, sem descer do salto, como fez em “Atrás da porta”, em um
histórico especial da rede Globo. Gal Costa, certa vez, disse que não conseguia
entender como Elis fazia isso. Aretha talvez possa explicar. No começo do show,
ela ainda avisa que deixou algumas canções de lado por não suportar a emoção
que lhe provocam. O que não a isentou de cantar chorando (chorar cantando?) algumas
delas, como “Menina de trança”.
Entre canções e histórias, Aretha expõe um pouco da sua
relação com o pai, lê um poema escrito por ele quando ela completou 15 anos,
reverencia sua carreira, seu gênio inquieto. Lamenta a ausência, mas sobretudo
enaltece a obra e se enxerga fruto – pessoa e artista – desse criador que, aos
olhos reducionistas da maioria, foi mais um que morreu cedo por causa do vício.
Aretha não embarca nessa. Enxerga a sensibilidade do pai como grande trunfo de
sua obra artística e a celebra. Mergulha nas canções feitas ou tornadas sucesso
pelo pai e se encontra com ele em características comuns evidentes – a intensidade,
a teatralidade, o vozeirão.
Esse encontro explode na interpretação de uma música já
tornada um ícone da carreira de Aretha Marcos. “Non, je ne regrette rien”, de
Edith Piaf. A letra fala de um passado superado, sem arrependimentos, sem mágoas.
Poderia ser uma ruptura com a história – sensível e sofrida – do homenageado. Mas,
de novo, seria reduzir demais a complexidade dessa relação. O verso final da
canção de Piaf revela um recomeço. “Pois minha vida, minhas alegrias, hoje
começam com você”. Revisitar (redescobrir?) Antonio Marcos é combustível para
esta magnífica cantora que não se arrepende de nada – do início precoce, do
distanciamento da fama, de continuar cantando, muito menos da história triste e
precocemente interrompida do pai. Do limão, essa moça sabe fazer a melhor
limonada. E faz isso ali, na nossa frente. O que nos resta, meros espectadores?
Agradecer, agradecer, agradecer.
Wednesday, October 10, 2012
Sunday, August 12, 2012
Maria Rita, Dumbo e um rio de lágrimas
Indo para o trabalho, coloquei o CD para tocar no carro e,
quando Elis começou a cantar “Travessia”, eu comecei a chorar. Ainda faltavam
mais de doze horas para o show. Tentei me convencer de que não era difícil
esperar até as dez da noite. Eu havia esperado trinta anos, caramba! Foi o dia
inteiro assim. Cada vez que pensava que, dali algumas horas, estaria ouvindo
Maria Rita cantar músicas de Elis Regina, o nó na garganta. Se eu não tivesse
chorado várias vezes no dia 4 de julho, quando meu Corinthians venceu a
Libertadores, acharia que havia algo de estranho comigo. Não há. Estou mais
velha, finalmente aprendi a chorar.
Foi um dia tenso. Compromissos importantes e inadiáveis de
trabalho, coisa à beça para fazer. Saí de um cliente às 17h, preocupada se não
me atrasaria para o show... às 22h! Viver em São Paulo, hoje, é isso. Em “Transversal
do Tempo”, Elis perguntava: “será que o amor é a ausência de engarrafamento?”. O
amor talvez não seja isso, mas a felicidade de um paulistano, hoje, é percorrer
dez quilômetros em menos de duas horas. Sair do trabalho, pegar o filho, fazer
as unhas, dar comida ao rebento, deixar o rebento na casa do tio, ir encontrar
o namorado, seguir para a casa de espetáculos. Maratona é comigo mesma, mas
acho que os 42 quilômetros
no Rio me foram mais leves.
E eis que entro no lobby do teatro e dou de cara com a
camiseta estampada com a bandeira do Brasil, o nome Elis Regina no lugar de “Ordem
e Progresso”, igual à camiseta com que Elis foi enterrada. Pronto. Baixa de
novo a manteiga derretida, os olhos marejam, mas seguro a onda. Ainda não era
hora de borrar o make up.
Alívio. Estou na fila G, o teatro ainda não está lotado. Cheguei.
Chegou o dia. Enfim, relaxei. É claro que a Budweiser ajudou.
O show começa com um breve vídeo de Maria Rita explicando o
porquê da homenagem. Trinta anos, em 19 de janeiro. Elis Regina causou um dos
maiores traumas na história recente do Brasil. Eu, com doze anos, nunca havia
sido tão impactada por uma notícia de morte. Maria Rita tinha pouco mais de
quatro anos, na época. Eu – e um monte de gente – passei muitos anos
acalentando sonhos. Primeiro, que a filha da Elis se tornasse cantora. Depois,
que ela cantasse músicas da Elis. O primeiro sonho se realizou lá para 2002,
quando começamos a ouvir, aqui e ali, notícias sobre a cantora Maria Rita Mariano.
Gravou com Milton Nascimento. Quando a escutei pela primeira vez em “Tristesse”,
emudeci. Ela não apenas cantava, como tinha o registro de voz muito semelhante
ao da mãe.
O segundo sonho demorou um pouco mais. Em um especial da
Globo, em 2007, Maria Rita cantou “Essa mulher”. Discreta, em um estúdio, sem
parafernália. Eu até poderia me contentar. Mas foi impossível não almejar mais.
E ali estava eu, a alguns minutos de ver realizado um dos maiores sonhos da
minha vida.
As luzes quase todas se apagam. Os músicos entram no palco,
Maria Rita entra em seguida a eles. Sem frescura, sem tapete vermelho, sem uma
longa introdução instrumental que termine com um foco de luz sobre ela, mas como
membro daquele time. Piano, baixo, guitarra, bateria e voz. Como uma artista
musical integrada à sua orquestra. Como era Elis. Na abertura, “Imagem”, música
que Elis cantava nos tempos do Fino da Bossa, na Record. Generosamente, Maria
Rita começa o espetáculo agradecendo à plateia, posto que a canção é uma ode ao
ouvinte, ao espectador, à razão de ser de qualquer espetáculo. E então soa a
voz de Elis, em um breve discurso, enquanto Maria Rita se afasta para trás do
microfone, que fica iluminado enquanto Elis “fala”. Maria Rita ataca de “Arrastão”,
o primeiro grande sucesso de Elis.
Até então, eu estava feliz, empolgada, realizada, uma lady
de maquiagem quase intocada. E a bandidinha me faz esta: sem prévio aviso, como
na gravação original, solta um “não quero lhe falar, meu grande amor...”. Aquele
verso que dói no estômago, trava a garganta e despeja hectolitros de lágrimas
na plateia. Se não fosse aquele o show da minha vida, eu diria: “que mico!” No
histórico dos meus vexames em público, este superou de longe o filme “Dumbo”,
maior peça de bullying da filmografia infantil, que vi quando tinha uns quatro
anos. Chorei tanto quando o elefantinho das orelhas enormes é separado da mãe
dele que molhei a blusa da minha. Depois, eles ficam juntos, como convém a um
bom Disney. Agora, estou diante de Maria Rita reencontrando sua mãe, e fazendo
isso à nossa frente, e deixando a voz embargar algumas vezes, como em “Se eu
quiser falar com Deus” ou em “Romaria”.
O show é extremamente bem encadeado. Maria Rita criou blocos
temáticos, nos quais foi encaixando canções de vários períodos da carreira de
Elis Regina. Juntou, por exemplo, “Vida de bailarina”, “Bolero de Satã” e “Águas
de março” para falar de ídolos da adolescência da mãe que, depois, tornaram-se
parceiros dela. No bloco “político”, novo desaguar de lágrimas. “Querelas do
Brasil”, “O bêbado e a equilibrista”, “Menino” e “Onze fitas” me derrubaram
novamente. Nessa altura, a lady já tinha ido pro espaço, minha cara estava
vermelha e borrada. Maria Rita me deve um rímel. Ninguém conseguiu reunir
discursos tão contundentes e de matizes tão diversos como fez Elis naqueles
anos 1970. Escutar de novo frases como “quem cala sobre teu corpo consente na
tua morte” é reverenciar uma artista corajosa, que deu voz a compositores
destemidos, que ajudaram a dinamitar uma ditadura.
Ou talvez não seja nada tão nobre assim. Escutar, ao vivo, músicas
que ouvi dezenas de vezes nos meus LPs ainda hoje preservados talvez seja só
voltar à minha adolescência, quando descobri a música e percebi que queria ser
jornalista. E voltar a um tempo em que eu tinha tantos sonhos não realizados (uma
profissão, um amor, um filho, a Libertadores, Maria Rita cantando...), e
projetava naqueles versos o futuro que eu achava ser o meu. Durante um tempo,
eu achei que a gente se identifica com certas canções e acha que elas nos
representam. Não é bem assim. Às vezes, a gente se encanta com uma canção e
passa a perseguir aquele verso como modelo de vida. Eu não gosto de “Dona”, do
Sá & Guarabyra, porque acho que ele descreve uma mulher como eu sou. Eu
gostei de “Dona” ainda menina, e me moldei para ser aquela mulher para a qual não
há pedras no caminho, nem ondas no mar, não há vento ou tempestade que impeça
de voar. Ou, pelo menos, tento ser. Eu não me identifiquei com a obra de Elis
Regina. Eu vivi trinta anos perseguindo uma grandeza, uma dignidade de vida que
me aproximasse dela.
E ali está aquela moça, no palco, me lembrando de tudo isso.
Não consigo escutar Maria Rita cantando uma música de Elis Regina sem pensar
que é apenas e exatamente isso: uma cantora cantando a obra de outra. Não vejo
traço de imitação, já encontro até colorações diferentes nas vozes das duas. E
uma alegria extra foi ver que Maria Rita não quis fazer releituras da obra da mãe.
Cantou todas as músicas praticamente da mesma forma que Elis fazia. E quem já
ouviu músicas regravadas por Maria Rita sabe como ela é capaz de reinventar uma
obra conhecida. Encarar esse projeto desta forma, sem a necessidade de
autoafirmação, me fez sentir muito orgulho dessa cantora. “Redescobrir”, o show
da minha vida, é uma homenagem à maior cantora do Brasil de todos os tempos. Que
bom, Maria Rita, que eu estava lá. Obrigada por isso.
Thursday, July 12, 2012
Maratona do Rio de Janeiro
Do Pontal do Tim Maia, na praia da Macumba, até o Aterro do Flamengo, são mais ou menos 42 quilômetros. Percorri esse trecho, com alguns desvios, no último domingo, dia 8 de julho de 2012. Foi o percurso da minha primeira Maratona, o capítulo mais recente de uma obsessão que comecei a cultivar há quase treze anos, no último Réveillon de uma era.
Em dezembro de 1999, eu estava grávida de três meses do meu único filho, Gabriel. Pouco antes da Ceia de Ano Novo, um dos convidados chegou à festa exibindo uma medalha da Corrida de São Silvestre. Eu não estava gordinha só por estar grávida. Eu tinha sido gordinha praticamente toda a vida. Olhei para a medalha e pensei alto: “Um dia, ainda vou fazer essa corrida.” Meu irmão, Gustavo, cinco anos mais novo, lançou a pedra fundamental da ideia fixa. “Duvido.”
Gabriel nasceu em junho de 2000. Se a gravidez e o parto foram tranqüilos, o mesmo não se deu com a amamentação. Demorei alguns dias para me adaptar à tarefa e, depois de muitas orientações e alguns palpites, consegui chegar a um padrão ideal na nova rotina. A tensão do período foi dividida com outra, muito maior. Em setembro, poucos meses após o diagnóstico, meu pai morreu de leucemia. Amamentando meu filho e vivenciando a agonia do meu pai, emagreci como nunca. Quando fez nove meses, um dia, sem aviso prévio, Gabriel olhou para o meu peito com cara de nojo e não quis mais mamar. “Perdi meu lipoaspirador natural. E agora?”
Foi assim que abracei a atividade física, em abril de 2001. Timidamente, comecei fazendo um pouco de musculação e caminhando na esteira. Da caminhada ao trote. Do trote à corrida leve. E daí a experimentar uma aula de ciclismo indoor, ou spinning, ou bike class, como queiram. A primeira corrida foi uma Maratona de Revezamento do Pão de Açúcar, convidada por uma colega da academia a completar uma equipe de quatro pessoas. Corri 10 km em 58 minutos e adorei. Como já trabalhava por conta própria e só conseguia uns dias de folga no final do ano, ia fazendo minhas provinhas de 10 km ao longo do ano, e acabava sempre frustrada por sair de São Paulo no Ano Novo e não correr a São Silvestre.
Em 2006, mudei de planos em relação à viagem de fim de ano e fiz a estréia na corrida do dia 31 de dezembro. Claro que a primeira ligação pós-prova foi para o meu irmão. Quatro São Silvestres no currículo, mais de 50 provas (com percursos de 10 km, 12 km e 21 km), eu continuava resistindo à ideia de fazer uma Maratona. “Deus me livre... O homem que deu origem a essa prova correu a distância para dar um recado, chegou e morreu!”. Mas, perto de completar 42 anos, a hipótese de correr 42 km foi se tornando mais atraente. Em 2011, graças a uma estupenda decepção, o projeto Maratona instalou-se definitivamente, e se concretizou poucos meses depois.
Fazendo limonada
No final do ano passado, a organização da São Silvestre anunciou que a prova não iria mais terminar na Avenida Paulista. Fiquei arrasada. Escrevi este post e me alinhei a outros jornalistas e treinadores de corrida em um movimento que tentava sensibilizar os responsáveis pela decisão. Capitaneando o grupo, meu amigo Ricardo Capriotti, jornalista da Rádio Bandeirantes. Na primeira reunião, conheci a treinadora Martha Dallari, que eu já escutava no programa “Fôlego”, apresentado pelo Capriotti. Além de empatia imediata, percebi que tinha encontrado uma profissional extraordinária. A São Silvestre não terminou na Paulista, minha frustração continuou, mas do limão fiz uma limonada, mantendo contato com a Martha. Fiz 42 anos em fevereiro e, dias depois, marquei um café com a treinadora e pedi que ela me orientasse na empreitada de correr minha primeira Maratona.
Ela estava treinando para a prova Cruce de los Andes, duríssima competição realizada no Chile, em fevereiro, e já inscrita para a Maratona do Centenário dos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em julho. Martha é uma treinadora diferente: orienta seus atletas individualmente, dando atenção exclusiva a cada propósito. E ainda é professora universitária, e “mãe” do Cacareco, um adorável representante da raça whippet. Resumindo: parecia que não haveria tempo para encaixar minha empreitada nessa rotina, mas, generosamente, Martha aceitou meu pedido e começamos a treinar no dia 3 de março, para a Maratona do Rio de Janeiro, marcada para 8 de julho.
A ideia de correr no Rio foi da treinadora. Em princípio, eu queria disputar a Maratona de São Paulo, mas a antipatia com a organização da prova – a mesma da São Silvestre – logo nos fez abandonar a ideia. Ficamos entre Rio e Buenos Aires, escolhendo a prova carioca por uma questão climática. Se treinasse para correr na Argentina, teria de encarar a fase mais pesada dos treinos no Inverno. Sensível ao frio, dada a crises de rinite e sinusite nesse período, bati o martelo pelo Rio e segui quase à risca a planilha confeccionada pela Martha. O “quase” ficou por conta de adaptações inevitáveis ao cotidiano de jornalista e mãe separada que trabalha muito, inclusive aos domingos, semana sim, semana não.
Martha – que além de doutora em Educação, mestre em Administração, é economista e matemática – fez uma planilha cheia de variáveis, que previam treinos, folgas, provas, finais de semana com o Gabriel e provas de Fórmula 1 aos domingos. Parecia impossível que o final de semana depois de cinco dias inteiros de chuva torrencial fosse dar treino. E dava. Era improvável que o trânsito fosse cooperar naqueles treinos de sexta-feira pela manhã, a ponto de garantir tiros de velocidade no Pacaembu. E cooperava. O Ibirapuera lotado do sábado de manhã se abria em alamedas tranqüilas no final da tarde. A Cidade Universitária funcionava na emenda do feriado. E Martha, que se achava “a filha mimada de Deus”, começava a achar que tinha encontrado alguém ainda mais protegida, e sempre dizia que “ele” queria que eu fizesse essa Maratona. No final, já variava a frase. Deus nem queria mais que eu fizesse. Iria correr junto comigo, porque não era possível tanta coisa dar certo em um treino só...
42 anos, 42 quilômetros
A preparação de quatro meses daria um livro. Aliás, quem sabe... Mas isto é um blog, não um livro. Pulemos os detalhes. Cheguei ao Rio na sexta-feira, dia 6 de julho, fim do dia. Flashback da primeira vez que estive na cidade, em 1980, também chegando de carro e enfrentando um engarrafamento danado. Em 1980, pela Avenida Brasil. Desta vez, pela Linha Vermelha. Dia seguinte, um sábado de Verão em pleno julho. Deu praia de manhã, depois fui buscar meu kit para a corrida. Eu, que adoro o calor, estava começando a ficar cabreira. Se estivesse aquele sol no dia da corrida, eu estaria lascada. Mas, como sou a nova filha mimada de Deus, estava chovendo fino quando cheguei ao Aterro, para pegar o ônibus da organização que nos levaria até a largada, pra lá do Recreio dos Bandeirantes.
Martha foi se despedir e me dar as últimas dicas mas, principalmente, transmitir tranquilidade. Eu estava emocionada desde a quarta-feira anterior, quando meu Corinthians ganhou a Libertadores pela primeira vez. E sempre ficava com os olhos cheios d´água ao pensar na corrida, nos últimos dias. Quis juntar uma emoção com a outra e resolvi correr com uma camiseta nova do Timão, em vez de usar a camiseta com a inscrição MMD – Movimento na Medida da Diversão, nome da assessoria da Martha que, aliás, formam suas iniciais. Cheguei a ficar chateada por ter feito essa escolha. Eu devia mais à Martha que ao Corinthians, e usar a camiseta seria uma forma de homenagem. Mas, escolha feita, camiseta vestida, embarquei para a Praia da Macumba.
Mais de uma hora de ônibus, e a largada não chegava. O motorista parecia estar perdido, e chegamos uns quinze minutos antes do horário previsto. Tempo para um pit stop, uma barrinha e, meio atordoada, larguei para minha primeira Maratona. Nos planos (devaneios?) dos meses anteriores, eu fantasiava que iria fazer associações mentais a cada quilômetro, tentando relacionar cada um dos 42 km aos 42 anos da minha vida. Delírio. Com chuva quase todo o tempo e um vento forte que nos empurrava em direção ao Aterro (sou a filha mimada de Deus, lembra?), eu só pensava na prova. O longo trecho entre o Recreio dos Bandeirantes e a Barra era monótono – como a Martha havia dito – e tinha uns olhos de gato no asfalto a cada 200 ou 300 metros. Fiquei o tempo todo preocupada em manter o ritmo, cuidar da hidratação e acertar a pisada, evitando os olhos de gato. Não pensei na minha vida, só na corrida da minha vida.
Eu, que sempre fui obcecada em baixar tempo, fui para o Rio disciplinada a não pensar nele. Não tracei metas de desempenho e tinha dois únicos objetivos: completar minha primeira Maratona e correr o tempo inteiro, sem parar nem andar. Cumpri ambos, mas hoje reavalio se a obsessão por não parar nem andar me foi mesmo útil. Mantive um ritmo extraordinário na primeira metade da corrida. Fiz os 21 km em 1h58. Mas reduzi drasticamente a velocidade na segunda parte e acabei completando o percurso em 4h18. Por que reduzi? Foi pelas subidas do Túnel do Juá e da Avenida Niemeyer? Ou pela temida “parede dos 30 km”, que Martha jurou para mim que não existe, e talvez não exista mesmo, mas um mané resolveu ficar me falando dela durante uns dois quilômetros, ainda na Barra? Dava outro livro... Vamos em frente.
A Maratona do RJ foi extraordinariamente bem organizada. A questão da hidratação, um primor. Além dos postos de água a cada 2 km, uma novidade maravilhosa: isotônico em saquinhos, na quantidade certa, evitando o desperdício e muito mais fácil de tomar que em copo. A chuva afastou um personagem que teria sido muito bem-vindo: o público. É chato correr sem platéia, algo a que estamos acostumados em São Paulo, cidade sempre muito fria em relação à maioria de seus eventos esportivos. Fosse um domingo de sol, seria inesquecível correr pela orla, com as palavras de incentivo da torcida, que não teria restrição para chegar bem perto dos atletas. Não se pode ter tudo.
Na falta das palavras de incentivo, outros inesquecíveis surgiram. A saída do Túnel do Juá, por exemplo. Escuro, claustrofóbico, só digerível porque foi ali, afinal, que soltei meu mais encorpado brado de “vai, Curíntia” em toda a prova. Na saída, a visão do Atlântico sob chuva, ondas batendo nas pedras, ilhas ao fundo, e a caipira aqui se põe a chorar. Muita beleza, muita alegria, muita sensação de ir além, e poder tudo. A camisa do Corinthians, que quase virou drama, tornou-se meu cartão de visita. “Vai, corintiana”, “É isso aí, campeã”, “Boa, Corinthians” foram me acompanhando ao longo do trajeto.
Quase tudo
Correndo pela primeira vez por tantas horas seguidas, acabei me lembrando do piloto Ayrton Senna. Certa vez, pilotando em Mônaco, ele disse que tinha visto Deus. Pois eu lhes digo: em esforço extremo, a cabeça começa a girar. A confusão mental me levava, em certos trechos, a não lembrar se eu estava no quilômetro 36 ou 34, se ali já era Copacabana, ou se eu nem tinha saído de Ipanema. Nessa circunstância, eu acho que vi Deus, Tio Patinhas e a Carmen Miranda. E, por sorte (ou treino na medida exata), não me doía nada, além de um grande desconforto nas unhas dos pés, que estavam curtas, antes que me perguntem.
Mesmo sem câimbra (ô palavra feia!) ou dores musculares, o cansaço e o excesso de chuva me consumiam quando cheguei ao Flamengo. Ao ver as barracas das assessorias de corrida, prenunciando a chegada, ganhei um turbo nas pernas. Voltei a aumentar o ritmo e, maloqueiramente, fui gritando palavras que misturavam manual de motivação pessoal com gritos de guerra da Gaviões da Fiel. O local estava mais movimentado que todo o restante do trajeto, e as pessoas à beira da pista se esmeravam em aplaudir e proferir palavras de incentivo aos sobreviventes.
Entrei na alameda que conduzia à linha de chegada e vi o Gabriel, o Eduardo e a Martha, logo depois do pórtico. O locutor, alertado pela Martha, chamava meu apelido: “Vai, Lelê! É a primeira maratona da Lelê!” Cruzei a linha, corri em direção a eles. Fiz uma reverência à Martha, mandei beijos ao Gabriel e ao Edu. Gabriel, repórter nato, gritava: “Webber, Webber!”, informando que o piloto australiano havia vencido a corrida que não comentei pela rádio, por motivos de força maior. Eles chegaram perto da grade que separava os atletas do público. Gabriel não entendeu minhas lágrimas. Edu não só entendeu, como me acompanhou. Martha me abraçou e enalteceu meu bom estado. Nos últimos meses, ela escrevia e-mails e mensagens para mim acrescentando letras à palavra "maratonista". Os últimos, vinham com maratonist. Faltava pouco. Me abraçou e me chamou de maratonista. Ela precisava dizer que eu estava bem, porque sabia o quanto eu estava me sentindo frustrada com aquelas 4h18, ainda que eu não tivesse traçado metas de desempenho. Eu completei uma Maratona. É difícil não cair em tentação e achar que posso tudo. Eu levei muito mais tempo do que queria. A Maratona ensina. Eu posso quase tudo.
Em dezembro de 1999, eu estava grávida de três meses do meu único filho, Gabriel. Pouco antes da Ceia de Ano Novo, um dos convidados chegou à festa exibindo uma medalha da Corrida de São Silvestre. Eu não estava gordinha só por estar grávida. Eu tinha sido gordinha praticamente toda a vida. Olhei para a medalha e pensei alto: “Um dia, ainda vou fazer essa corrida.” Meu irmão, Gustavo, cinco anos mais novo, lançou a pedra fundamental da ideia fixa. “Duvido.”
Gabriel nasceu em junho de 2000. Se a gravidez e o parto foram tranqüilos, o mesmo não se deu com a amamentação. Demorei alguns dias para me adaptar à tarefa e, depois de muitas orientações e alguns palpites, consegui chegar a um padrão ideal na nova rotina. A tensão do período foi dividida com outra, muito maior. Em setembro, poucos meses após o diagnóstico, meu pai morreu de leucemia. Amamentando meu filho e vivenciando a agonia do meu pai, emagreci como nunca. Quando fez nove meses, um dia, sem aviso prévio, Gabriel olhou para o meu peito com cara de nojo e não quis mais mamar. “Perdi meu lipoaspirador natural. E agora?”
Foi assim que abracei a atividade física, em abril de 2001. Timidamente, comecei fazendo um pouco de musculação e caminhando na esteira. Da caminhada ao trote. Do trote à corrida leve. E daí a experimentar uma aula de ciclismo indoor, ou spinning, ou bike class, como queiram. A primeira corrida foi uma Maratona de Revezamento do Pão de Açúcar, convidada por uma colega da academia a completar uma equipe de quatro pessoas. Corri 10 km em 58 minutos e adorei. Como já trabalhava por conta própria e só conseguia uns dias de folga no final do ano, ia fazendo minhas provinhas de 10 km ao longo do ano, e acabava sempre frustrada por sair de São Paulo no Ano Novo e não correr a São Silvestre.
Em 2006, mudei de planos em relação à viagem de fim de ano e fiz a estréia na corrida do dia 31 de dezembro. Claro que a primeira ligação pós-prova foi para o meu irmão. Quatro São Silvestres no currículo, mais de 50 provas (com percursos de 10 km, 12 km e 21 km), eu continuava resistindo à ideia de fazer uma Maratona. “Deus me livre... O homem que deu origem a essa prova correu a distância para dar um recado, chegou e morreu!”. Mas, perto de completar 42 anos, a hipótese de correr 42 km foi se tornando mais atraente. Em 2011, graças a uma estupenda decepção, o projeto Maratona instalou-se definitivamente, e se concretizou poucos meses depois.
Fazendo limonada
No final do ano passado, a organização da São Silvestre anunciou que a prova não iria mais terminar na Avenida Paulista. Fiquei arrasada. Escrevi este post e me alinhei a outros jornalistas e treinadores de corrida em um movimento que tentava sensibilizar os responsáveis pela decisão. Capitaneando o grupo, meu amigo Ricardo Capriotti, jornalista da Rádio Bandeirantes. Na primeira reunião, conheci a treinadora Martha Dallari, que eu já escutava no programa “Fôlego”, apresentado pelo Capriotti. Além de empatia imediata, percebi que tinha encontrado uma profissional extraordinária. A São Silvestre não terminou na Paulista, minha frustração continuou, mas do limão fiz uma limonada, mantendo contato com a Martha. Fiz 42 anos em fevereiro e, dias depois, marquei um café com a treinadora e pedi que ela me orientasse na empreitada de correr minha primeira Maratona.
Ela estava treinando para a prova Cruce de los Andes, duríssima competição realizada no Chile, em fevereiro, e já inscrita para a Maratona do Centenário dos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em julho. Martha é uma treinadora diferente: orienta seus atletas individualmente, dando atenção exclusiva a cada propósito. E ainda é professora universitária, e “mãe” do Cacareco, um adorável representante da raça whippet. Resumindo: parecia que não haveria tempo para encaixar minha empreitada nessa rotina, mas, generosamente, Martha aceitou meu pedido e começamos a treinar no dia 3 de março, para a Maratona do Rio de Janeiro, marcada para 8 de julho.
A ideia de correr no Rio foi da treinadora. Em princípio, eu queria disputar a Maratona de São Paulo, mas a antipatia com a organização da prova – a mesma da São Silvestre – logo nos fez abandonar a ideia. Ficamos entre Rio e Buenos Aires, escolhendo a prova carioca por uma questão climática. Se treinasse para correr na Argentina, teria de encarar a fase mais pesada dos treinos no Inverno. Sensível ao frio, dada a crises de rinite e sinusite nesse período, bati o martelo pelo Rio e segui quase à risca a planilha confeccionada pela Martha. O “quase” ficou por conta de adaptações inevitáveis ao cotidiano de jornalista e mãe separada que trabalha muito, inclusive aos domingos, semana sim, semana não.
Com Martha Dallari, no primeiro treino de 30 Km, na USP |
Martha – que além de doutora em Educação, mestre em Administração, é economista e matemática – fez uma planilha cheia de variáveis, que previam treinos, folgas, provas, finais de semana com o Gabriel e provas de Fórmula 1 aos domingos. Parecia impossível que o final de semana depois de cinco dias inteiros de chuva torrencial fosse dar treino. E dava. Era improvável que o trânsito fosse cooperar naqueles treinos de sexta-feira pela manhã, a ponto de garantir tiros de velocidade no Pacaembu. E cooperava. O Ibirapuera lotado do sábado de manhã se abria em alamedas tranqüilas no final da tarde. A Cidade Universitária funcionava na emenda do feriado. E Martha, que se achava “a filha mimada de Deus”, começava a achar que tinha encontrado alguém ainda mais protegida, e sempre dizia que “ele” queria que eu fizesse essa Maratona. No final, já variava a frase. Deus nem queria mais que eu fizesse. Iria correr junto comigo, porque não era possível tanta coisa dar certo em um treino só...
42 anos, 42 quilômetros
A preparação de quatro meses daria um livro. Aliás, quem sabe... Mas isto é um blog, não um livro. Pulemos os detalhes. Cheguei ao Rio na sexta-feira, dia 6 de julho, fim do dia. Flashback da primeira vez que estive na cidade, em 1980, também chegando de carro e enfrentando um engarrafamento danado. Em 1980, pela Avenida Brasil. Desta vez, pela Linha Vermelha. Dia seguinte, um sábado de Verão em pleno julho. Deu praia de manhã, depois fui buscar meu kit para a corrida. Eu, que adoro o calor, estava começando a ficar cabreira. Se estivesse aquele sol no dia da corrida, eu estaria lascada. Mas, como sou a nova filha mimada de Deus, estava chovendo fino quando cheguei ao Aterro, para pegar o ônibus da organização que nos levaria até a largada, pra lá do Recreio dos Bandeirantes.
Martha foi se despedir e me dar as últimas dicas mas, principalmente, transmitir tranquilidade. Eu estava emocionada desde a quarta-feira anterior, quando meu Corinthians ganhou a Libertadores pela primeira vez. E sempre ficava com os olhos cheios d´água ao pensar na corrida, nos últimos dias. Quis juntar uma emoção com a outra e resolvi correr com uma camiseta nova do Timão, em vez de usar a camiseta com a inscrição MMD – Movimento na Medida da Diversão, nome da assessoria da Martha que, aliás, formam suas iniciais. Cheguei a ficar chateada por ter feito essa escolha. Eu devia mais à Martha que ao Corinthians, e usar a camiseta seria uma forma de homenagem. Mas, escolha feita, camiseta vestida, embarquei para a Praia da Macumba.
Timão pelas ruas do Rio de Janeiro |
Mais de uma hora de ônibus, e a largada não chegava. O motorista parecia estar perdido, e chegamos uns quinze minutos antes do horário previsto. Tempo para um pit stop, uma barrinha e, meio atordoada, larguei para minha primeira Maratona. Nos planos (devaneios?) dos meses anteriores, eu fantasiava que iria fazer associações mentais a cada quilômetro, tentando relacionar cada um dos 42 km aos 42 anos da minha vida. Delírio. Com chuva quase todo o tempo e um vento forte que nos empurrava em direção ao Aterro (sou a filha mimada de Deus, lembra?), eu só pensava na prova. O longo trecho entre o Recreio dos Bandeirantes e a Barra era monótono – como a Martha havia dito – e tinha uns olhos de gato no asfalto a cada 200 ou 300 metros. Fiquei o tempo todo preocupada em manter o ritmo, cuidar da hidratação e acertar a pisada, evitando os olhos de gato. Não pensei na minha vida, só na corrida da minha vida.
Eu, que sempre fui obcecada em baixar tempo, fui para o Rio disciplinada a não pensar nele. Não tracei metas de desempenho e tinha dois únicos objetivos: completar minha primeira Maratona e correr o tempo inteiro, sem parar nem andar. Cumpri ambos, mas hoje reavalio se a obsessão por não parar nem andar me foi mesmo útil. Mantive um ritmo extraordinário na primeira metade da corrida. Fiz os 21 km em 1h58. Mas reduzi drasticamente a velocidade na segunda parte e acabei completando o percurso em 4h18. Por que reduzi? Foi pelas subidas do Túnel do Juá e da Avenida Niemeyer? Ou pela temida “parede dos 30 km”, que Martha jurou para mim que não existe, e talvez não exista mesmo, mas um mané resolveu ficar me falando dela durante uns dois quilômetros, ainda na Barra? Dava outro livro... Vamos em frente.
A Maratona do RJ foi extraordinariamente bem organizada. A questão da hidratação, um primor. Além dos postos de água a cada 2 km, uma novidade maravilhosa: isotônico em saquinhos, na quantidade certa, evitando o desperdício e muito mais fácil de tomar que em copo. A chuva afastou um personagem que teria sido muito bem-vindo: o público. É chato correr sem platéia, algo a que estamos acostumados em São Paulo, cidade sempre muito fria em relação à maioria de seus eventos esportivos. Fosse um domingo de sol, seria inesquecível correr pela orla, com as palavras de incentivo da torcida, que não teria restrição para chegar bem perto dos atletas. Não se pode ter tudo.
Na falta das palavras de incentivo, outros inesquecíveis surgiram. A saída do Túnel do Juá, por exemplo. Escuro, claustrofóbico, só digerível porque foi ali, afinal, que soltei meu mais encorpado brado de “vai, Curíntia” em toda a prova. Na saída, a visão do Atlântico sob chuva, ondas batendo nas pedras, ilhas ao fundo, e a caipira aqui se põe a chorar. Muita beleza, muita alegria, muita sensação de ir além, e poder tudo. A camisa do Corinthians, que quase virou drama, tornou-se meu cartão de visita. “Vai, corintiana”, “É isso aí, campeã”, “Boa, Corinthians” foram me acompanhando ao longo do trajeto.
Quase tudo
Correndo pela primeira vez por tantas horas seguidas, acabei me lembrando do piloto Ayrton Senna. Certa vez, pilotando em Mônaco, ele disse que tinha visto Deus. Pois eu lhes digo: em esforço extremo, a cabeça começa a girar. A confusão mental me levava, em certos trechos, a não lembrar se eu estava no quilômetro 36 ou 34, se ali já era Copacabana, ou se eu nem tinha saído de Ipanema. Nessa circunstância, eu acho que vi Deus, Tio Patinhas e a Carmen Miranda. E, por sorte (ou treino na medida exata), não me doía nada, além de um grande desconforto nas unhas dos pés, que estavam curtas, antes que me perguntem.
Gabriel, no pódio: para o pequeno repórter, o mais importante era informar que Webber vencera o GP da Inglaterra |
Mesmo sem câimbra (ô palavra feia!) ou dores musculares, o cansaço e o excesso de chuva me consumiam quando cheguei ao Flamengo. Ao ver as barracas das assessorias de corrida, prenunciando a chegada, ganhei um turbo nas pernas. Voltei a aumentar o ritmo e, maloqueiramente, fui gritando palavras que misturavam manual de motivação pessoal com gritos de guerra da Gaviões da Fiel. O local estava mais movimentado que todo o restante do trajeto, e as pessoas à beira da pista se esmeravam em aplaudir e proferir palavras de incentivo aos sobreviventes.
Edu, depois das lágrimas |
Entrei na alameda que conduzia à linha de chegada e vi o Gabriel, o Eduardo e a Martha, logo depois do pórtico. O locutor, alertado pela Martha, chamava meu apelido: “Vai, Lelê! É a primeira maratona da Lelê!” Cruzei a linha, corri em direção a eles. Fiz uma reverência à Martha, mandei beijos ao Gabriel e ao Edu. Gabriel, repórter nato, gritava: “Webber, Webber!”, informando que o piloto australiano havia vencido a corrida que não comentei pela rádio, por motivos de força maior. Eles chegaram perto da grade que separava os atletas do público. Gabriel não entendeu minhas lágrimas. Edu não só entendeu, como me acompanhou. Martha me abraçou e enalteceu meu bom estado. Nos últimos meses, ela escrevia e-mails e mensagens para mim acrescentando letras à palavra "maratonista". Os últimos, vinham com maratonist. Faltava pouco. Me abraçou e me chamou de maratonista. Ela precisava dizer que eu estava bem, porque sabia o quanto eu estava me sentindo frustrada com aquelas 4h18, ainda que eu não tivesse traçado metas de desempenho. Eu completei uma Maratona. É difícil não cair em tentação e achar que posso tudo. Eu levei muito mais tempo do que queria. A Maratona ensina. Eu posso quase tudo.
Tuesday, June 26, 2012
Gilberto Gil, 70
Vida longa a Gil!
///
Em 1981, quando Gilberto Gil lançou o disco "Luar", pouco prestei atenção à faixa "Flora", dedicada à então jovem esposa do hoje ministro. Aquele disco teve muitas músicas de sucesso, como "Palco", "A gente precisa ver o luar", "Cores Vivas", "Se eu quiser falar com Deus" e "Lente do Amor", esta última tema de abertura do seriado "Amizade Colorida", da TV Globo. Um tremendo disco! O fato de eu não prestar tanta atenção a "Flora" talvez tenha tido relação com a maior divulgação das outras músicas. Ou também por outra razão: com apenas 11 anos, na época, eu talvez não tivesse mesmo sintonia com uma música de amor tão delicada, nem maturidade para entender o conteúdo e a profundidade daqueles versos.
No ano seguinte, Gil lançou o também admirável "Um Banda Um", que tem "Andar com Fé", "Metáfora", "Esotérico" e "Drão", uma das mais tocadas do disco, dedicada à ex-esposa de Gil, Sandra, conhecida entre amigos e familiares como Drão, corruptela de Sandrão. Nunca esqueci o comentário da minha mãe, naquela época. Antes, cumpre-se informar que minha mãe é de Touro. Do pouco que entendo de Astrologia, e entendo pouquíssimo, sei que os taurinos são o ápice do ciúme. Ela disse algo como: "Se eu fosse a mulher do Gil, mandava ele passear. Como é que faz uma música para a ex-mulher mais bonita do que a que fez para atual?"
Não contestei a opinião dela e acho até que vivi alguns anos concordando que "Drão" era mais bonita que "Flora". Até que um dia, ouvindo a gravação do show "Trem Azul", o último de Elis Regina, subitamente me vi tocada às lágrimas com "Flora", que Elis provavelmente gravaria no disco planejado para aquele 1982 fatal. Naquele momento, "Flora" revelou-se para mim e definitivamente contestei minha mãe (não que tenha dito isso para ela; ela provavelmente só saberá da minha discordância quando - e se - ler este post.)
"Flora" revela o amor maduro de Gil por uma mulher que se afigura a ele como a musa eterna. Olhando para a jovem, ele nela enxerga seu próprio futuro. Vislumbra a jovem como idosa e se vê ao seu lado, vivendo da sombra de sua maturidade, trocando mesmo de papel. No presente, o poeta é um homem vários anos mais velho que a amada e lhe transfere a condição de segurança e sabedoria. No futuro, ela é a árvore frondosa, sob cuja copa ele contempla a própria vida, multiplicada em frutos - sonhos, filhos - de uma existência conjunta, única, uma amálgama de dois seres. Como se já não existisse o velho e a jovem, nem o homem e a mulher, mas um único ser, unificado em uma realização comum, a materialização genuína do amor.
"Drão" é o hino de um amor transformado, a ode a uma relação localizada no passado, intensa e igualmente frutífera, mas que se sublimou em outro tipo de amor. Não por acaso, "Flora" é uma árvore, forte, plantada, fincada na vida do poeta, enquanto "Drão" recorre igualmente à idéia do grão, da geração da vida que, no entanto, tem que morrer para germinar, desprender-se da terra, tornar-se infinito, ganhar a amplidão do espaço para assim se realizar. "Drão" é, sim, uma declaração de amor de Gil a uma musa, mas de um amor que não é mais o amor que costumava ser, ou que se percebeu diferente ao longo do tempo, na descoberta de outras formas de amar, talvez mais intensas, ou mais perenes, ou mais completas.
Em "Flora", o poeta joga-se nas mãos da musa, coloca nela seu futuro e a crê para sempre. Em "Drão", Gil consola-se e consola a musa do fim de um amor que só poderia ter esse destino, mas que nem por isso deixou de ser amor.
Os poetas talvez saibam amar melhor que nós outros.
Veja as letras das duas canções, abaixo, e fique muito à vontade para dizer se concorda comigo, com minha mãe ou, na linha do que diria o próprio Gil, se "a complexidade do tema está justamente na contraposição das expressões diversas da manifestação amorosa".
Flora
(Gilberto Gil)
Imagino-te já idosa
Frondosa toda folhagem
Multiplicada a ramagem
De agora
Tendo tudo transcorrido
Flores e frutos da imagem
Com que faço essa viagem
Pelo reino do teu nome
Ô, Flora
Imagino-te jaqueira
Postada à beira da estrada
Velha, forte, farta, bela
Senhora
Pelo chão muitos caroços
Como que restos dos nossos
Próprios sonhos devorados
Pelo pássaro da aurora
Ô, Flora
Imagino-te futura
Ainda mais linda madura
Pura no sabor de amor
E de amora
Toda aquela luz acesa
Na doçura e na beleza
Terei sono com certeza
Debaixo da tua sombra
Ô, Flora
Drão
(Gilberto Gil)
Drão
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar n'algum lugar
Ressucitar do chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura
Drão
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhada dura
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver
Há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre e nasce trigo
Vive, morre pão
Monday, June 18, 2012
O Google jogou fora o blog do meu filho de 12 anos. Ele quer o conteúdo de volta.
Meu filho, Gabriel Pandini, criou um blog em 2007, quando tinha sete anos. Há pouco menos de duas semanas, o Google, proprietário das marcas Gmail e Blogspot, tirou o blog do ar. Reproduzo abaixo o texto de Luiz Alberto Pandini, pai do Gabriel, publicado originalmente no blog PandiniGP:
"Creio que todos os leitores deste blogue sabem que meu filho Gabriel, de 12 anos, se dedicava desde os sete a seu blog, o Saco de Batatas. "Dedicava" porque, há duas semanas, o Google cancelou a conta de Gmail do Gabriel e, junto dela, o blogue que ele mantinha, bem como o acesso ao sistema administrativo.
Motivo? Segundo o aviso que apareceu ao tentar acessar seu e-mail, Gabriel "violou a política do Google" por ter menos de 13 anos - a idade mínima estabelecida pelo Google para alguém poder ter uma conta de Gmail. Curioso é que Gabriel sempre informou sua idade verdadeira e demorou "apenas" cinco anos para alguém reparar que Gabriel havia "violado a política do Google". Incoerente, para dizer o mínimo.
Durante cinco anos, Gabriel se dedicou ao seu blog com o cuidado, carinho e interesse compatíveis com sua idade ao longo desse tempo. Era, para ele, uma diversão. Seu blogue já foi tema de reportagens no "Estadinho" (suplemento infantil de "O Estado de S. Paulo") e na revista "Recreio". Para o mesmo "Estadinho", Gabriel escreveu uma reportagem de duas páginas sobre a Stock Car e o piloto Chico Serra. No ano passado, um pouco antes do GP do Brasil, Gabriel fez "a melhor entrevista do ano" com a fera da F1 Mark Webber (as palavras são do próprio; áudio e texto podem ser ouvidos no link graças à Car and Driver, que publicou a entrevista em seu blogue). No final do ano passado, o camarada Luc Monteiro, a quem prezo duplamente (pela amizade e pela competência de sua locução, vibrante sem apelar para gritarias histéricas ou chavões repetitivos), manifestou irrestrita confiança no futuro de Gabriel como comunicador. Há menos de duas semanas, por ocasião do GP do Canadá, Gabriel fez sua estreia oficial no rádio: participou da equipe de comentaristas comandada por Odinei Edson na Band News. E saiu-se muito bem.
Pois é, "seu" Google. Foi o trabalho deste garoto que sua brilhante equipe tratou como lixo. Tentei resolver o caso amigavelmente com o Google por vias diplomáticas. O que pedi era muito simples: que o conteúdo do blogue (textos, fotos e comentários) fosse salvo e restituído ao Gabriel. Nada consegui, apesar da boa vontade de algumas pessoas que tentaram nos ajudar. Por isso, reproduzo abaixo, ipsis literis, o texto que Gabriel escreveu indignado há duas semanas, quando o "Saco de Batatas" foi tirado do ar."
TIRARAM MEU BLOG DO AR; TRABALHO DE MAIS DE CINCO ANOS TOTALMENTE PERDIDO!
Eu passei por uma experiência péssima hoje. Simplesmente, sem nenhum aviso, meu blog foi encerrado e minha conta de e-mail, removida. Estou indignado. Foram 5 anos de um trabalho feito com dedicação. Mais de 700 postagens desde o dia 15 de outubro de 2007. 3 reportagens feitas com o meu blog, duas delas com o Estadinho e uma com a revista Recreio. Por que em 2007 ninguém viu problema? Eu não sou mais marionete nas mãos do Gmail. Agora, para mim, Gmail e Google são palavrões. Qual o objetivo de tirar o blog de uma criança do ar? Eu nunca escrevi nada imoral ou que ofendesse alguém. Pelo contrário. Muitos já me parabenizaram por causa do meu blog. Conselho de amigo: deixem o Gmail de lado e partam para qualquer outro e-mail. De duas, uma: Ou pensam que eu sou um estúpido e não vou notar nada, ou as pessoas do Google são muito sacanas.
Gabriel Pandini, 5 de junho de 2012
O Google frustrou uma criança. Parabéns. Poucas maneiras são mais eficientes que esta para uma empresa angariar antipatia generalizada.
"Creio que todos os leitores deste blogue sabem que meu filho Gabriel, de 12 anos, se dedicava desde os sete a seu blog, o Saco de Batatas. "Dedicava" porque, há duas semanas, o Google cancelou a conta de Gmail do Gabriel e, junto dela, o blogue que ele mantinha, bem como o acesso ao sistema administrativo.
Motivo? Segundo o aviso que apareceu ao tentar acessar seu e-mail, Gabriel "violou a política do Google" por ter menos de 13 anos - a idade mínima estabelecida pelo Google para alguém poder ter uma conta de Gmail. Curioso é que Gabriel sempre informou sua idade verdadeira e demorou "apenas" cinco anos para alguém reparar que Gabriel havia "violado a política do Google". Incoerente, para dizer o mínimo.
Durante cinco anos, Gabriel se dedicou ao seu blog com o cuidado, carinho e interesse compatíveis com sua idade ao longo desse tempo. Era, para ele, uma diversão. Seu blogue já foi tema de reportagens no "Estadinho" (suplemento infantil de "O Estado de S. Paulo") e na revista "Recreio". Para o mesmo "Estadinho", Gabriel escreveu uma reportagem de duas páginas sobre a Stock Car e o piloto Chico Serra. No ano passado, um pouco antes do GP do Brasil, Gabriel fez "a melhor entrevista do ano" com a fera da F1 Mark Webber (as palavras são do próprio; áudio e texto podem ser ouvidos no link graças à Car and Driver, que publicou a entrevista em seu blogue). No final do ano passado, o camarada Luc Monteiro, a quem prezo duplamente (pela amizade e pela competência de sua locução, vibrante sem apelar para gritarias histéricas ou chavões repetitivos), manifestou irrestrita confiança no futuro de Gabriel como comunicador. Há menos de duas semanas, por ocasião do GP do Canadá, Gabriel fez sua estreia oficial no rádio: participou da equipe de comentaristas comandada por Odinei Edson na Band News. E saiu-se muito bem.
Pois é, "seu" Google. Foi o trabalho deste garoto que sua brilhante equipe tratou como lixo. Tentei resolver o caso amigavelmente com o Google por vias diplomáticas. O que pedi era muito simples: que o conteúdo do blogue (textos, fotos e comentários) fosse salvo e restituído ao Gabriel. Nada consegui, apesar da boa vontade de algumas pessoas que tentaram nos ajudar. Por isso, reproduzo abaixo, ipsis literis, o texto que Gabriel escreveu indignado há duas semanas, quando o "Saco de Batatas" foi tirado do ar."
TIRARAM MEU BLOG DO AR; TRABALHO DE MAIS DE CINCO ANOS TOTALMENTE PERDIDO!
Eu passei por uma experiência péssima hoje. Simplesmente, sem nenhum aviso, meu blog foi encerrado e minha conta de e-mail, removida. Estou indignado. Foram 5 anos de um trabalho feito com dedicação. Mais de 700 postagens desde o dia 15 de outubro de 2007. 3 reportagens feitas com o meu blog, duas delas com o Estadinho e uma com a revista Recreio. Por que em 2007 ninguém viu problema? Eu não sou mais marionete nas mãos do Gmail. Agora, para mim, Gmail e Google são palavrões. Qual o objetivo de tirar o blog de uma criança do ar? Eu nunca escrevi nada imoral ou que ofendesse alguém. Pelo contrário. Muitos já me parabenizaram por causa do meu blog. Conselho de amigo: deixem o Gmail de lado e partam para qualquer outro e-mail. De duas, uma: Ou pensam que eu sou um estúpido e não vou notar nada, ou as pessoas do Google são muito sacanas.
Gabriel Pandini, 5 de junho de 2012
O Google frustrou uma criança. Parabéns. Poucas maneiras são mais eficientes que esta para uma empresa angariar antipatia generalizada.
Thursday, January 19, 2012
Mais de mim que de você
Passei os últimos dias postando vídeos de Elis Regina no Facebook. Músicas que me falam mais de perto, músicas menos conhecidas, com a pretensão de apresentar Elis para os mais jovens, ou para os que nunca se interessaram por ela. Antes de qualquer coisa, registre-se: é possível que Elis Regina seja não apenas minha cantora preferida, mas minha artista preferida, e coloque aí músicos, compositores, escritores, atores, todo mundo. Digo talvez porque, ombreando-se com ela, surge para mim Gabriel García Márquez. Mas não se trata agora do colombiano, vivíssimo em seus 80 e lá vai pedrada.
Hoje, faz 30 anos que Elis morreu e percebo que falar dessas três décadas pode significar falar mais de mim que de Elis. É só buscar na internet, nos livros. Tudo o que se tinha a falar da Elis artista já foi dito, inclusive por gente que conviveu com ela. Olhando assim, de relance, o tempo parece estar do meu lado. Estou viva, com saúde, tenho uma vida privilegiada e já vivi seis anos mais que ela. E almejo viver muitos mais, e partir desta bem velhinha, sem um milionésimo da comoção que ela causou. E fico achando que, como outros artistas mortos ainda jovens, Elis beneficiou-se do mito. Eu acompanhei a morte dela, com 12 anos incompletos. Foi a maior comoção que presenciei até então. Depois dela, só Tancredo e Ayrton Senna entristeceram tanto o Brasil.
Naquele mesmo 1982, eu vi a seleção brasileira de futebol jogar um futebol lindo e cair aos pés de Paolo Rossi. Ela, não.
Também em 1982, vi a Democracia Corintiana quebrar paradigmas e conquistar seu primeiro título. Ela, que era corintiana, não.
Em 1984, vi o movimento das Diretas Já, chorei sua derrota. Ela, que deu voz ao “hino da anistia”, não.
1985, e vi o primeiro presidente civil ser eleito, ainda que por voto indireto, depois de 21 anos de ditadura. Ela, não.
Em 1989, votei para presidente pela primeira vez, junto com meus pais, estreantes na função. João Marcelo, seu primogênito, imagino que também. Ela, não.
Em 1992, vi o movimento estudantil voltar às ruas, caras-pintadas, um presidente derrubado. Ela, não.
E, assim, vi a seleção brasileira ganhar dois títulos mundiais de futebol, o Brasil conquistar seis títulos de Fórmula 1, vi o Muro de Berlim cair, o socialismo ruir, a internet nascer, um presidente operário se eleger, Maria Rita gravar, o sistema financeiro internacional entrar em parafuso, bancos falirem, um negro virar presidente dos EUA, uma mulher, do Brasil. Ela, não.
E fico pensando – óbvio – se ela virou mito porque morreu cedo, e se estaria hoje grisalha, como Bethânia, ou rechonchuda, como Gal, relegada à condição de diva de um passado não muito distante, mas muito anacrônico para a maioria. Se estaria em paz com seu legado (ainda que não tivesse gravado nada, o legado existe e nos alimenta até hoje) ou se estaria inquieta, procurando gente nova para gravar. Ou reclamando que a MPB morreu.
Passei os últimos trinta anos vendo e vivendo coisas que ela não conheceu. Mas em cada um desses anos, em alguns mais, noutros menos, fiz tudo isso tendo como trilha sonora... Elis.
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