Sunday, March 25, 2018

Tudo bem no ano que vem

Vettel à frente, Hamilton atrás: 33 voltas de suspense sem ação
O frisson pelo início de uma nova temporada de Fórmula 1 parece ter se desmanchado no ar, com o GP da Austrália que aconteceu neste domingo, no Albert Park, em Melbourne. Basicamente, porque a história da corrida foi bastante semelhante com a do ano passado, com Lewis Hamilton e a Mercedes dominando treinos e classificação, para desaguar em outra vitória de Sebastian Vettel a bordo da Ferrari, com uma estratégia melhor e um senso de oportunidade apurado, aproveitando-se da entrada de um safety car.

O encontro marcado de Vettel com a vitória, em Melbourne, parece reeditar o início da temporada, mas o gostinho amargo de energético light (madrugada, amigos...) ficou por outro motivo. Desde a entrada do safety car (na volta 25, 58) tivemos três ameaças de batalhas que resultaram em nada. Hamilton no encalço de Vettel, Daniel Ricciardo ameaçando Kimi Raikkonen e Max Verstappen crescendo no retrovisor de Fernando Alonso. Ultrapassagem? Zero.

É certo que esse tem sido um problema recorrente, nos últimos anos na Fórmula 1. Criaram até uma comissão para enfrentar o problema. Inventaram uma asa móvel que facilita o trabalho de quem está atrás - e deixa o piloto à frente mais vulnerável, segundo eles mesmos. Às vezes, resolve. Em Melbourne, não costuma resolver. Neste ano, criaram uma terceira zona para ativação dessa asa, em vez das tradicionais duas. Resultado? Nenhum.

É lindo e empolgante ver Vettel e Hamilton duelando pela ponta, cada um fazendo sua volta mais rápida como resposta ao desafio proposto pelo adversário, na volta anterior. Mas, diante da ação em suspense, o espectador quer ver o desfecho do filme. A música mais agradável ao ouvido é aquela cuja melodia apresenta um fraseado que se resolve em um harmonioso acorde final. O prazer prolongado vira explosão quando se transforma em orgasmo (tirem as crianças da sala).

Ninguém aguenta trinta e três voltas de preparação para... nada.

A cada novo ano, a Fórmula 1 parece o casal de amantes que se encontra uma vez por ano, cheio de expectativas e saudades, para ao final do fim de semana voltar à sua rotina de sempre. Em linhas bem cruas, esse é o resumo da peça "Tudo bem no ano que vem", de Bernard Slate, depois transformada em filme de Robert Mulligan. E se parece cada vez mais com o roteiro da Fórmula 1, nos últimos anos.

Encontrar os responsáveis por essa situação pode ser uma aventura arqueológica, pela qual se escave o passado da categoria para descobrir, no final, que a Fórmula 1 sempre foi assim. Mas o campeão mundial de 1996, Damon Hill, meteu-se em uma treta saborosa com a Mercedes, ao apontar, feito um Daniel Blake no filme de Ken Loach, que a culpa por tudo isso é das corporações. Vale a pena estourar a pipoca e ler a sequência de alfinetadas mútuas. Estariam certos os arqueólogos da categoria, mas Damon também não está errado. Como sair desse nó? A Liberty Media, que administra a Fórmula 1 atualmente, parece estar tentando, mas também é nítido que, cedo ou tarde, vai ter que se entender (ou se desentender) com essa situação.



Sunday, March 18, 2018

Um sopro de esperança



Maria Rita e a orelha de Obá
Há algo de novo no samba de Maria Rita. Lançado no final de janeiro e já transformado em show, o novo trabalho chama-se “Amor e Música”. É o nome de uma das canções, mas é também um manifesto. No palco do Citibank Hall, em São Paulo, a cantora explica: “sou fruto do amor e da música, de duas pessoas que se amaram e eram músicos”. Mas, na leitura de alguns fãs, segundo ela, amor e música são os elementos de que o Brasil precisa para seguir em frente, superar esses tempos sombrios. E ela concebeu o show, de fato, como um rasgo de esperança. Como um sopro de esperança. E são os sopros que parecem algo de muito novo neste show.

A banda continua enxuta, e exposta no palco. Junto do teclado, da bateria, do contrabaixo e da percussão, dois instrumentos de sopro ajudam a encorpar o som ao vivo. Já estão presentes e evidentes no disco. Trazem um caráter épico, um samba enobrecido, saído do terreiro para a sala de espetáculo.

Em alguma medida, “Amor e Música” me traz recordações do primeiro disco de samba da mãe-mito. Elis entregou seu cartão de visitas de cantora adulta na forma de um LP chamado “Samba eu canto assim”, em 1965. Quando Maria Rita lançou seu primeiro disco só de sambas, “Samba meu”, escrevi sobre as diferenças entre as duas, neste texto. Onze anos depois de “Samba meu”, Maria Rita parece musicalmente muito mais próxima daquela Elis Regina tão jovem e ao mesmo tempo tão orquestral, dramática, diva. Depois de ter mergulhado na obra da mãe, em “Redescobrir”, Maria Rita já não precisa se afastar muito menos se espelhar em Elis. Foi lá e fez do seu jeito. E deixou muito claro: são duas artistas tão únicas que, a essa altura, confundi-las revela apenas a ignorância das obras de ambas.

Maria Rita abre o show com a música título, Amor e Música. O som começa, sobe o pano, ela já está lá, no centro do palco, junto a seus músicos. Sem entrada triunfante, sem suspense e facho de luz. Está lá, membro da banda, responsável pelo instrumento voz. O espetáculo, como era de se esperar, está recheado com as músicas do novo disco. Pinçadas, umas poucas canções de trabalhos anteriores. E centrar o show no disco novo foi atitude sábia porque o novo álbum é excelente, coeso. Como Elis, Maria Rita seguidamente apoia-se em dois ou três compositores para escolher o repertório de seus discos. Completa essa base com poucas canções de outros artistas. E o resultado é sempre uma obra coerente, que conta uma história.

E a história que Maria Rita parece querer contar, desta vez, é a de uma gente que resiste, que tem fé e esperança. Há tempos, tenho sentido muita saudade de Maria Rita cantando MPB e achei, tolamente, que esses tempos bicudos seriam motivo para ela entoar novos ou velhos Gonzaguinhas, Chicos Buarques, Miltons Nascimentos, bradando as verdades entaladas nas nossas gargantas. Tolice e preconceito meu. Maria Rita fez isso cantando samba. É certo que introduziu “O bêbado e a equilibrista”, João Bosco e Aldir Blanc, o hino da anistia que a mãe imortalizou. Mas só quem não tiver ouvidos vai deixar de ouvir as tantas mensagens políticas dos sambas desse espetáculo.

Talvez, tenhamos, nós, sociedade, cortado a própria orelha para não ouvir os gritos dos excluídos. Mas a Obá de Maria não nos deixa esquecer que a fé brasileira é de matriz africana misturada a santos católicos. É Iemanjá livrando nossos corpos e mentes de maldades e mal querências. É gira girando em um palco sofisticado da Zona Sul de São Paulo. É batuque, é guia no pescoço, é oferenda. Dois dias antes, mataram Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Eu, talvez, quisesse que Maria falasse por ela. E falou. Porque, se isso que vi no palco não é mensagem política suficiente, cortemos a outra orelha também.
Elis Regina, em Montreux

Maria Rita, no espetáculo "Amor e Música"





































Em julho passado, Maria Rita comemorou seus quinze anos de carreira em um espetáculo naquele mesmo palco. Festa grandiosa, convidados de luxo, mas deu ruim. Sim, faltou voz, mas Maria não deixou calar. Dignamente, terminou o espetáculo, finado como DVD que não foi. Em 1979, Elis foi para Montreux, para o festival de jazz famoso. Algo desandou. Irreconhecível em algumas músicas, deu ruim. Um arrepio percorreu minha espinha quando vi Maria Rita surgindo com uma saia rodada, o cabelo preso em um coque, em cima daquele palco do Citibank Hall. Figurino e penteado muito parecidos com os da mãe, naquele Montreux malfadado.

Arrepio de pensar que, depois de um espetáculo que dá ruim, o show deve continuar, e o povo (Elis, Maria Rita, o Brasil) se supera. Os metais anunciam. Um sopro de esperança atinge meu rosto. Iremos achar o tom. Fazer com que fique bom. A gente vai ser feliz. O show tem que continuar.