Tuesday, September 29, 2009

Button = Scheckter?


O campeonato atual da Fórmula 1 pode entrar para a história como um dos mais estranhos de todos os tempos. A começar pela sucessão de polêmicas e escândalos: a discussão sobre a validade (ou não) dos difusores de dois andares, a mentira de Lewis Hamilton na Austrália (custando a cabeça de Ron Dennis na McLaren), a briga entre FIA e Fota, a farsa denunciada do GP de Cingapura de 2008.

Estranho por ver uma equipe, que não existia em janeiro, ser a virtual campeã de Construtores, com enormes chances de fazer também o campeão entre os pilotos. Estranho por ver pilotos mais fortes e/ou experientes (Alonso, Raikkonen, Hamilton, Massa) excluídos da briga pelo título, restrita a pilotos mais limitados e/ou inexperientes (Button, Barrichello, Vettel e, até Cingapura, Webber).

Mas algo me soa familiar nesta temporada, remetendo ao campeonato de exatos 30 anos atrás. O título de Jody Scheckter, em 1979 foi, durante mais de vinte anos, a referência vitoriosa mais recente da Ferrari. Só em 2000, Schumacher e sua turma puseram fim ao jejum do time italiano. Em 1979, como em 2009, o campeonato pareceu viver fases distintas de domínio, com quatro equipes se alternando nas vitórias.

Começou com a superioridade da Ligier (duas vitórias de Jacques Laffite), seguida por duas consecutivas da Ferrari, mas não a Ferrari de Scheckter, e sim de Gilles Villeneuve. Nova vitória da Ligier, com Patrick Depailler, na quinta prova. Scheckter só venceria a sexta corrida daquele ano, na Bélgica, assumindo a liderança para não mais perdê-la, sagrando-se campeão no GP da Itália, quando ainda faltavam duas provas para o final. Duas equipes mais venceriam naquele ano - a Renault, com Jean-Pierre Jabouille, e a Williams, com Clay Regazzoni e Alan Jones (este com quatro vitórias, prenúncio de seu título, conquistado no ano seguinte).

Em 2009, até agora, quatro equipes alternaram-se nas vitórias. O começo irresistível da Brawn sofreu breve hiato apenas na terceira corrida, com a vitória de Vettel na China, interrompendo a série de vitórias de Jenson Button, que venceu seis em sete corridas. A Red Bull voltou a mostrar força por duas provas seguidas - Inglaterra e Alemanha. Na Hungria, renasce a McLaren do campeão Hamilton, seguida de outro renascimento bastante aguardado, com a primeira vitória de Barrichello em cinco anos, emendando em outra ascensão até então inesperada - a da Ferrari de Raikkonen. Novo triunfo para Hamilton em Cingapura, dividindo ainda mais os pontos.

Diferenças entre Button e Scheckter?

Button liderou o campeonato desde o começo. Scheckter, só a partir da sexta prova.
Button tem como principal oponente ao título seu companheiro Barrichello e o discurso oficial da Brawn reza pela liberdade de disputa entre ambos. Em 1979, no GP da Itália, Scheckter foi escolhido por Enzo Ferrari para ficar com o título. (A história conta que Enzo escolheu Scheckter por sua maior experiência, prometendo a Gilles a primazia na oportunidade seguinte. A chance viria em 1982, mas daí o companheiro Didier Pironi resolveu não fazer o jogo da Ferrari, azedou o clima entre eles, Villeneuve morreu no treino para o GP da Bélgica e desandou de vez a macarronada ferrarista.)

Como Scheckter, Button também pode se beneficiar da divisão de pontos entre os oponentes e se sagrar campeão com duas corridas de antecipação. Eu não acredito que isso aconteça, neste próximo final de semana, em Suzuka. E você?

Thursday, September 24, 2009

Sinistro


As empresas de seguro costumam contar com especialistas em fraude. Quem faz seguro honestamente, apenas para preservar um patrimônio como carro ou casa, pode custar a acreditar. Mas há quem simule danos a seus próprios bens com o objetivo escuso de receber o dinheiro do seguro. Você já ouviu falar disso, claro.

Mas você percebeu um detalhe sinistro nessa história da batida de Piquet em Cingapura? O principal patrocinador da Renault, no ano passado e neste, é o banco holandês ING. Aqui no Brasil, a tradicional seguradora SulAmerica passou a fazer parte do grupo há algum tempo. Além do ING, a Renault tem o patrocínio da seguradora espanhola Mutua Madrileña.

Já pensou como pegou bem, para essas duas instituições, que investem muito dinheiro no combate a fraudes, ver seus nomes associados ao que pode ser considerada como a maior fraude da história da Fórmula 1?

O ING já tinha anunciado que não renovaria o contrato com a Renault para 2010. Deve sair antes do fim da atual temporada. E a Mutua Madrileña... bem, este parece ser o típico caso de "aonde a vaca vai, o boi vai atrás". Foi para a McLaren com Alonso, voltou para a Renault com Alonso e agora vai sair da Renault. Rumo à Ferrari?

(E espero, com este post, encerrar meus comentários sobre o caso Nelsinhogate.)

Monday, September 21, 2009

"We got him"


Em 14 de dezembro de 2003, um alto funcionário do governo norte-americano pronunciou a frase título deste post, referindo-se à captura do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein.

Na ótica dos EUA, seu exército estava proporcionando ao mundo um momento de rigozijo pela liberdade de um povo em relação a um tirano. A discutir.

É mais ou menos o sentimento que prevalece entre o público da Fórmula 1, neste histórico 21 de setembro de 2009.

Flavio Briatore está banido da Fórmula 1 e de qualquer competição com a chancela da FIA. A punição à Renault foi branda, com dois anos de suspensão, caso a equipe se envolva em mais alguma maracutaia nos próximos dois anos. Ou seja, nada.

Os pilotos Nelson Ângelo Piquet e Fernando Alonso foram inocentados.

Sujou brabo mesmo para o italiano e para Pat Symonds, chefe de engenharia do time, que levou gancho de cinco anos.

O histórico de mau-caratismo de Briatore é longo, não escondendo de ninguém, nunca, que seu único interesse nas relações esportivas era ganhar dinheiro. Nada contra ganhar dinheiro, mas seus métodos truculentos e sua pose arrogante davam engulhos em qualquer pessoa "de bem".

Arrivederci, Flavio!

Thursday, September 17, 2009

Sorry, guys


Depois do GP de Cingapura do ano passado, perpetrei este texto:

(...)Mas seria injusto definir o GP de Cingapura, o primeiro grande prêmio noturno da história de Fórmula 1, a corrida de número 800, como “a prova em que Massa saiu do box com a mangueira”. Cingapura 2008 foi a vitória da obstinação, da estratégia perfeita, da condução segura, da maestria de Fernando Alonso. Vê-lo sair do carro quebrado, no Q2, foi desalentador. A Renault vinha muito bem nos treinos livres, o que pode não significar muita coisa na maioria das vezes. Mas Alonso garantia – nunca estivemos tão bem em nenhuma outra pista, neste ano. Porém, o carro parou.

O asturiano chegou a declarar que a corrida estava perdida. Acreditava, mesmo, na possibilidade de uma pole position, e se agarrava a isso como promessa de vitória. Pista de rua, estreita, estreitíssima, por onde ultrapassar? Para ganhar, só saindo na frente. Mas a madrugada deve ter sido longa no box da Renault. Alonso não é de jogar a toalha assim, facilmente. Deve ter se reunido com Briatore e com a trupe de engenheiros e ficaram lá, antevendo situações e escolhendo estratégias. Alonso, entusiasta das mesas de pôquer no box da Force India, deve ter desfalcado o carteado na madrugada de sábado para domingo.

Apostaram que alguém, cedo ou tarde, estamparia o muro, fazendo entrar o safety car. A honra coube a Nelson Piquet, companheiro do próprio Alonso, mas levo apenas como brincadeira a idéia de que o brasileiro possa ter feito isso como jogo de equipe. Alonso beneficiou-se amplamente, pois tinha acabado de fazer seu pit stop, arrancando do carro os pneus extra-macios que não rendiam tão bem, trocando-os pelos compostos macios e reabastecendo o combustível.

Lembrou, vagamente, a estratégia de Nelson Piquet, o pai, em Kyalami 1983. Na ocasião, Piquet sumiu na frente, com pouco combustível no carro, parou antes de todo mundo e garantiu ali seu segundo título mundial. Alonso não largou com tão pouco combustível, mas traçou uma estratégia igualmente inteligente ao fazer uma primeira perna da corrida bem curta, livrando-se logo dos pneus “ruins” e, naturalmente, aproveitando-se da sorte de ter parado no momento certo, exato, pouco antes da entrada do safety car.

Robert Kubica e Nico Rosberg devem ter pensado parecido, calculando um primeiro pit stop precoce, mas não tiveram a sorte de fazê-lo imediatamente antes da entrada do safety car. Ficaram na mão, sob risco de pane seca, e entraram no box quando ainda não podia. Pagaram seus pênaltis com dois stop & go, coisa que não se tem usado com freqüência na Fórmula 1 atual.

Sorte, sim, muita sorte. Estrela: a sorte costuma acompanhar os grandes campeões. Grandes campeões costumam ousar mais, passando mais perto do muro do que os outros. Os outros até passam, mas a diferença, em geral, está no fato de que os outros habitualmente batem.(...)

Desculpem-me, prezados leitores. Sorry, guys. Esta veterana, no fundo, ainda é uma criatura crédula.

Monday, September 14, 2009

Presa e predador



Rubens Barrichello subiu ao pódio de Monza, ontem, acrescentanto um gesto ao seu repertório de sinais corporais. Imitou um atirador de flechas, dando vida ao conceito de franco atirador que este campeonato lhe impôs.

Barrichello fez uma primeira metade de temporada bem apagada em comparação ao companheiro de equipe, Jenson Button. Enquanto o inglês ganhou seis em sete corridas, marcando 61 pontos no campeonato até o GP da Turquia, Barrichello somou 35.
Em compensação, de lá para cá, Button marcou apenas 19, contra 31 do brasileiro.

A diferença, que era de 26 pontos, caiu para 14. Barrichello tem que descontar 3,5 pontos por corrida, nas quatro que faltam, para superar Button. Não é impossível. Sempre vale lembrar a espetacular reação de Kimi Raikkonen em 2007, que descontou 17 pontos em relação a Lewis Hamilton em apenas duas provas.

Como Raikkonen, Barrichello agora é o caçador. Uma posição bem mais confortável que a de Button, que desde o início do campeonato é a caça. O problema, para Button, é que a distância entre ele, presa, e o predador, Barrichello, está cada vez menor. O problema, para Barrichello, é que o campeonato está se afunilando. Faltam apenas quatro provas e ele precisa que Button sofra algum revés significativo para se aproximar mais na classificação. Algo como aconteceu com Raikkonen e Hamilton no já citado 2007 (para descontar os 17 pontos, Raikkonen contou com um abandono de Hamilton, na China, e com um humilde sétimo lugar do inglês, no Brasil).

Uma diferença fundamental entre o Raikkonen de 2007 e o Barrichello de 2009: o finlandês tinha uma equipe inteira brigando por seu título, inclusive com a solidariedade de Felipe Massa, que abriu mão da vitória, no Brasil. Ali, era uma Ferrari inteira, em bloco, contra uma McLaren fratricida. Agora, é uma Brawn contra outra.

O que será que vai dar?

Saturday, September 12, 2009

Nelsinhogate Quiz



O lado bom de ter quase 40 anos é se chocar menos com alguns acontecimentos. Os fatos vão se repetindo, com pequenas variações, e a gente se acostuma à ideia de que a vida é uma sucessão de escândalos.

O caso Nelsinho Piquet x Renault não me chocou como a algumas outras pessoas com quem tive contato. Não que eu ache bonito bater no muro para o companheiro de equipe se locupletar e vencer a corrida. Mas já vi pilotos provocarem acidentes de propósito, vi outros deixando o companheiro vencer, vi artimanhas e mutretas diversas. É triste, mas é a vida.

Vários ângulos do affair Nelsinhogate levantam polêmica e chocam em maior ou menor grau. Fiquei curiosa para saber a opinião dos leitores do blog. Listo abaixo alguns desses aspectos e peço a opinião de vocês.

O que lhe parece pior nessa história?

a) o fato de Nelsinho ter supostamente aceitado a ordem da equipe para provocar o acidente?
b) o fato de Nelsinho ter se calado enquanto considerava que essa obediência lhe garantia um lugar na Renault?
c) a atitude vingativa da família Piquet contra a ex-equipe?
d) a reação destemperada do chefe de equipe, Flavio Briatore, negando a suposta farsa e atacando Nelsinho pessoalmente?
e) o fato de Briatore usar uma suposta relação homossexual de Nelsinho como forma de desabonar sua imagem?
f) a postura da FIA, antecipadamente garantindo imunidade a Nelsinho, oferecendo ao piloto a chamada delação premiada?
g) a postura de Fernando Alonso, vencedor da prova, alegando desconhecer a suposta farsa?

Votem, fiquem à vontade para argumentar, para acrescentar outros ângulos. Só não vale apelar para o velho "todas as anteriores".

Wednesday, September 09, 2009

Doctor/Donkey


Não tenho tido muita sorte com as corridas de Moto GP neste ano. Assisti a poucas provas e mesmo estas foram chatinhas. Perdi, por exemplo, o já histórico pega entre Valentino Rossi e Jorge Lorenzo na última volta do GP da Catalunha. Domingo passado, chovendo cães e gatos em São Paulo, deixei-me ficar à frente da TV, assistindo ao GP de San Marino, disputado no autódromo italiano de Misano.

A corrida teve poucas disputas, com Valentino Rossi largando mal, como faz habitualmente, mas reassumindo a ponta antes da metade da prova. Confesso que comecei a folhear alguns livros enquanto espiava a TV, esperando mesmo pelo show que acontece, paradoxalmente, ao final do espetáculo. As vitórias de Valentino não raro reservam o melhor para depois da corrida, com suas comemorações extravagantes.

Na semana anterior, Vale havia perdido a corrida de Indianápolis para Lorenzo graças a um raro, porém severo, erro cometido por ele mesmo. Desceu da moto nos EUA e decretou: "Fui burro!". Desembarcou em Misano literalmente vestindo a pele do quadrúpede. No alto do capacete, pintou a figura do Burro, personagem do filme Shrek. The Doctor virou The Donkey por livre e espontânea vontade.

Finda a prova, mais burrice. Seus mecânicos o esperavam com orelhas de burro na cabeça e ele mesmo lançou mão do inusitado ornamento, subindo ao pódio com um par de enormes orelhas. Correndo em casa, bancando o clown, Vale mais uma vez levou o enorme público à ovação. A multidão gritava "Vale, Vale" e ostentava bandeiras amarelas com seu número, o mítico 46.



Quem há de criticar o erro de Valentino, em Indianápolis, depois de tão sincero mea culpa? Não bastasse rir de si mesmo, ainda sacramentou a redenção com uma vitória incontestável na semana seguinte.

E sempre fico me perguntando: haveria espaço para a espontaneidade de Valentino na Fórmula 1? Senão vejamos:

- para pintar o Burro no capacete, é bem provável que ele tivesse de abrir negociações entre a FOM e a DreamWorks, distribuidora do filme. Afinal, na Fórmula 1 não é assim, vai chegando e vai mostrando qualquer coisa. Ali, para aparecer, há que pagar.

- se subisse no pódio com orelhas de burro, poderia levar uma punição ou uma multa. Perder dez posições no grid da corrida seguinte ou morrer com uns 10 mil euros. Não se ridiculariza a imagem da Fórmula 1 assim, impunemente (ah, não resisto à piada: os dirigentes da Fórmula 1 exigem exclusividade na avacalhação da categoria...)

- se parasse na pista para pegar uma bandeira das mãos de um fã, correria o risco de ser suspenso, sob alegação de promover a insegurança na pista, encorajando intrusos no ambiente sagrado da velocidade.

- seus mecânicos, ao esperá-lo com orelhas de burro, seriam arrolados como cúmplices de uma ação orquestrada para manchar a imagem de seriedade da categoria. Isso sem mencionar a baderna promovida na frente dos boxes por mecânicos e demais membros das equipes, além do atraso habitual na cerimônia do pódio, verdadeiro veneno para uma categoria rigorosamente cronometrada e vendida como show de TV como a Fórmula 1.



É... Acho que a Fórmula 1 não é o habitat de Valentino, The Doctor.

Tuesday, September 01, 2009

Ouverture



Leio nos sites de notícias que Fernando Alonso negou categoricamente que vá correr no lugar de Felipe Massa ainda em 2009.

Na semana passada, antes do GP da Bélgica, a Ferrari lançou uma nota, entre irritadiça e bem humorada, listando todos os pilotos já cogitados pela imprensa para correr no lugar do brasileiro. O nome de Alonso é óbvio por já circular associado à Ferrari recentemente. Os repórteres que acompanham a Fórmula 1, como meu colega Luis Fernando Ramos, dizem que esse é o boato mais absorvido como verdade dos últimos tempos. Uma triangulação entre Alonso, Ferrari e o Banco Santander parece certa, colocando o bicampeão no lugar que já foi de Michael Schumacher.

Ora, Alonso há de entrar na Ferrari com pompa e circunstância, como cabe a um bicampeão do mundo (como, aliás, entrou Schumacher, em 1996).

Há de ser anunciado entre flashes e um aglomerado de microfones, em cerimônia formal na sede da equipe, com discurso do presidente e juras de amor de parte a parte.

Se fosse uma ópera, a chegada de Alonso à Ferrari seria o clímax do primeiro ato, com violinos em crescendo, metais pontuando a melodia acelerada, o coro de vozes sobrepostas preenchendo a acústica do teatro, arrematando com o vigor de um toque de pratos, a anunciar a entrada da grande diva, a prima donna.

Supor que Alonso possa estrear na Ferrari no apagar das luzes de 2009, substituindo Felipe Massa, é assumir que ele vai entrar na equipe pela porta dos fundos. Que ele está de pires de mão, clamando por uma chance de pilotar um dos carros vermelhos. Que vai chegar de mansinho, como se a prima donna pudesse entrar em cena em plena ouverture. Não, este não é o estilo de Alonso.