O filme “A grande aposta” recebeu cinco indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e diretor. Levou
apenas o prêmio de melhor roteiro adaptado, o que não quer dizer que o filme
seja ruim. Pelo contrário, achei “A grande aposta” superior a outros três
concorrentes a melhor filme que vi neste ano – “O regresso”, “O quarto de Jack”
e “Spotlight”, embora tenha gostado muito dos dois últimos.
Quando comentei que tinha adorado “A grande aposta”, nas
redes sociais, algumas pessoas questionaram se eu não havia considerado o
enredo “técnico demais”, por conta das exaustivas referências a termos do
mercado financeiro. Bem, o filme propõe-se a contar de que maneira a bolha
imobiliária dos Estados Unidos tornou-se uma enorme crise econômica mundial,
não havia como escapar desses termos.
Mas acho que os roteiristas foram hábeis na tarefa de
introduzi-los, primeiro com as repetições constantes de sua definição, cabíveis
nos diálogos, e também com o recurso bem-humorado de utilizar celebridades como
a cantora Selena Gomes para exemplificá-los. Ainda que não se entendam todos os
meandros desse ambiente, é fácil deduzir a mensagem principal do filme: o
mercado financeiro é uma selva.
Christian Bale, em "A grande aposta" |
No entanto, não é impossível que eu tenha me abstraído da
dificuldade de entender todo o discurso técnico por um detalhe prosaico: o filme tem um monte
de atores bonitos e/ou charmosos, e em dado instante eu percebi que além de
seguir a história, eu estava interessada em continuar vendo aquele desfile de
espécimes masculinos. Não eram poucos: Christian Bale, Ryan Gosling, Brad Pitt
(que é um fracasso retumbante em tentar parecer gordo e velho), além de nomes
menos conhecidos, como Hamish Linklater (o problemático, porém engraçado, irmão
de Julia Louis-Dreyfuss na série “New adventures of old Christine), e até
alguns coadjuvantes como Max Greenfield e Billy Magnussen.
Não. Não eram poucos. Era praticamente um monopólio de
homens na tela. E logo me lembrei de outros dois filmes, citados anteriormente,
que praticamente só mostravam homens em ação: “O regresso” e “Spotlight”. Comentei
isso com o amigo crítico e escritor Pablo Villaça, diretor do site Cinema em Cena, e ele apontou que a falta de
representatividade das mulheres no cinema não é novidade, em vários aspectos.
Um deles é a baixíssima quantidade de mulheres indicadas ao Oscar, ao longo da história, na
comparação com homens, em todas as categorias, como mostra este texto (em
inglês).
Brad, desista: você nunca fica feio |
Também me chama a atenção o fato de que nem sempre as
atrizes premiadas pela Academia estejam nas produções indicadas ou vencedoras
dos principais prêmios (Melhor filme, especificamente). Este outro texto,
também em inglês, quantificou isso, mostrando que, na história, apenas 40% das
mulheres indicadas na categoria Melhor atriz estavam em produções indicadas a
Melhor filme, contra 52% entre os homens.
Uma tentativa de justificar essa diferença poderia passar
pela escolha dos temas. Ora, se vamos falar de mercado financeiro e o mercado
financeiro é dominado por homens, é natural que tenhamos mais atores que
atrizes. O mesmo se aplica para um filme que fale de uma tropa do exército
deslocando-se em um ambiente inóspito. No entanto, praticamente qualquer
história pode ser contada do ponto de vista das mulheres afetadas direta ou
indiretamente por elas. E ainda: o mundo está cheio de histórias cujo
protagonismo se concentra em mulheres ou em grupos de mulheres, e muitas dessas
histórias esperam ser contadas.
Ryan Gosling: "ô, lá em casa..." |
Mas, então, fiquei pensando que minha atitude contemplativa
da beleza masculina, diante de um filme tão impregnado de testosterona, ainda
que sério, talvez tenha sido uma pequena rebeldia. Querem nos impor machos
brancos indômitos nas telas, relegando as mulheres a papéis menos que
secundários? Não tem problema. Façamos deles homens-objeto, eventualmente desconsiderando
o que estão falando, apenas para admirar seus dotes físicos. O gesto de
desprezo intelectual não é muito diferente do que se tem feito regularmente com
a figura feminina, na mídia, em geral. Mulheres seminuas têm ajudado a vender de cerveja a carro 0 km, sem precisarem abrir a boca. De preferência, não abrindo.
De fato, tenho visto crescer, nas redes sociais, uma postura
frontalmente lasciva das mulheres em relação a atores, esportistas e
celebridades, cultuando esses homens eventualmente mais pelo seu invólucro do
que pelo que dizem e fazem. Eu mesma tenho seguidores dos dois gêneros que se
atiçam com meus comentários ligeiramente maliciosos ou meramente contemplativos
da beleza de pilotos de Fórmula 1, jogadores de futebol e artistas, como se eu
emulasse um macho típico soltando um gracejo do gênero “ô, lá em casa...”.
Essa naturalidade em “coisificar” um homem talvez seja boa
notícia, por refletir mais uma fronteira vencida pela mulher na sociedade. Mas
não aplaca a sensação de baixa representatividade que esses mundos – do cinema,
do esporte etc. – ainda nos impõem. Eu trocaria alguns suspiros motivados por
músculos salientes, olhares sedutores e sorrisos marotos pela sensação de maior
pertencimento a esses mundos. Basicamente porque a contemplação na tela do
cinema ou na TV é mera idealização, mas a desvantagem feminina é real, palpável
e cruel.