Thursday, November 29, 2007

Nadia e o Hugo

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Minha infância pode ser dividida em dois períodos - AL e DL, ou seja, Antes de aprender a Ler e Depois de aprender a Ler. Duas fases absolutamente distintas e até conflitantes entre si. No período AL, fui a encarnação da criança levada da breca. Era tão inquieta que, com pouco mais de um ano, tive de ter a cabeça costurada. Eu não parava quieta, e minha mãe não tirava do meio da sala a mesinha de centro, mármore frio e duro. Some A com B e você terá pontos na cachola.

Consta que o evento aconteceu na noite de um domingo de Páscoa, e que a turma do Pronto Socorro foi tão pouco hábil para me manter imóvel que teriam me amarrado com um lençol. Não, eu não fui atentida no DOI-CODI, embora fosse bem a época.

Joelhos ralados em profusão. Eram tão comuns que eu já nem chorava. Uma vez, fui com minhas tias e meus primos visitar a obra da casa da Serra da Cantareira. Crianças, montes de areia e de pedra, escorregão, outro joelho esfolado. Minha tia mais nova limpava a ferida e eu me esvazia em lágrimas. "Está doendo tanto assim?". Doía nada. Eu chorava de pensar na bronca. "Minha mãe vai me mataaaaaaaaaaaaar!"

Foi bem no final da fase AL que Nadia surgiu. Um fenômeno que me impressionou mais que Uri Geller, aquele que entortava garfos e facas com o poder da mente. Nadia Comaneci, uma romena de 14 anos, foi o nome da Olimpíada de Montreal, em 1976. Pela primeira vez na história, uma ginasta conquistara três notas dez em sua seqüência de exercícios. O placar eletrônico do ginásio nem tinha espaço suficiente para ostentar a média. Apareceu 1.0. Nadia Comaneci. Só se falava nela naqueles tempos.



Piruetas, saltos mortais, cambalhotas, estrelas. Naquela época não se falava em duplo mortal carpado, que até hoje não sei bem o que é. Sei que ficava fascinada vendo Nadia rodopiar no chão, em cima da trave, pendurada nas barras assimétricas. Nadia no jornal matutino, no telejornal vespertino, no Jornal Nacional, no Esporte Espetacular. Nadia, Nadia, Nadia. Acho que ela foi a primeira pessoa que eu não era e queria ser.

Uma tarde, no auge da obsessão por Nadia, sugeri a uma das minhas primas que fizéssemos igual à romena. "A gente coloca uns colchonetes no quarto, vamos?". Fomos. Colchonetes, piruetas estabanadas, saltos destrambelhados, cambalhotas para frente e para trás. Um detalhe nos escapou: tínhamos acabado de almoçar. Não veio Nadia, chamamos o Hugo. Corremos as duas para o banheiro e devolvemos a refeição. Não ganhamos medalha nenhuma, só bronca. Pobre Nadia, escrava do regime totalitário da cortina de ferro. E nós, dos pitos maternos.

Sábia decisão

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No dia 13 de outubro deste ano, três décadas depois do título de 1977, decidi me aposentar como corintiana.

Fui desacreditada, criticada, ridicularizada.

Confesso: nem eu sabia como iria me portar em um eventual momento dramático para o Corinthians. Ainda que o atual Campeonato Brasileiro tenha sido, ele todo, um drama alvi-negro.

Nunca imaginei que um campeonato por pontos corridos poderia render tanta emoção. Mas, ao ver o time atual do Corinthians em campo, finalmente eu soube o que é um drama.

Tirando o goleiro, o resto é tudo de chorar.

Mas isso tudo, amigos, de fato não me diz respeito. Tive a prova ontem, quando me postei à frente do eletrodoméstico que gera imagens para assistir a Corinthians x Vasco.

O que vi? Pouco, quase nada. Recostada no sofá, dormi o sono solto, o sono dos justos, o sono dos inocentes. Despreocupada, relaxada, não ouvi nem o grito de gol, nem o que fez um tal gandula, impedindo o segundo gol vascaíno.

Soube que o tento cruzmaltino foi marcado por um certo Allan Kardec. Não resisto à piada de dizer que foi um gol espírita.

Meu espírito, no entanto, estava longe daquele embate. Acho que foi uma sábia decisão me apartar deste sofrimento.

Estou feliz por isso. Tenho coisa muito mais importante para ocupar meu coração e minha mente.

Boa sorte aos que ficaram.

Monday, November 26, 2007

Desconstruindo Garibaldo


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Durante a primeira infância, meu programa preferido era "Vila Sésamo", uma magnífica co-produção entre a Rede Globo e a TV Cultura, baseada em um original norte-americano. Eu adorava e minha mãe, também, pois era no período em que "Vila Sésamo" ia ao ar que ela podia se dedicar aos afazeres domésticos, sem que o pequeno carrapato aqui sugasse-lhe toda a atenção. A música-tema do programa dizia que "todo dia é dia e toda hora é hora". Depois que a gente cresce, começa a duvidar desta máxima de Garibaldo e sua turma.

Ontem foi uma dessas ocasiões. Acordei pensando que se tratava de um não-dia para correr, embora eu estivesse inscrita havia várias semanas na São Paulo Classic, uma das mais tradicionais provas da Corpore. Cheguei ao Ibirapuera com a certeza de que iria mal, por um acúmulo de fatores. A seqüência de feriados abalou meu ritmo de treino. Nos últimos dez dias, eu só havia corrido duas vezes, na rua, sem o rigor dos treinos de esteira. Uma viagem profissional no meio da semana, uma quantidade enorme de trabalho, certa agitação emocional e, por último mas não menos importante, indisciplina total com a alimentação. A sentença estava dada antes do julgamento. Fui para a corrida me sabendo condenada.

Cheguei e logo avisei - hoje, não vai rolar. Zé, meu técnico, também acusava cansaço. O imbatível triatleta Henry propôs que eu seguisse seu ritmo. Fizemos um treino juntos, dia desses, na USP, e eu aguentei bem. Vou tentar, mas não rola, tenho certeza. E não rolou. No segundo quilômetro, eu já o havia perdido. A organização da prova falava em onze mil atletas. Não sei, afinal, se disputei espaço com vinte e duas mil pernas, mas estava apertado o trajeto na República do Líbano. Perdido o ponteiro, relaxei. Fazia muito tempo que eu não corria no Ibirapuera e resolvi desligar do quesito tempo e me fixar no prazer da corrida no melhor cenário de São Paulo.

Enquanto ia e vinha por esta avenida, muitos pensamentos me assaltavam, nenhum deles relacionado à minha média horária. Sim, eu estava desconcentrada mas, que diabos, Garibaldo! Nem todo dia é dia, nem toda hora é hora. Pensava, por exemplo, em como gosto daquela avenida e como seria bom se São Paulo tivesse mais vias arborizadas como aquela. Me ocorreu, também, que uma enorme quantidade de casarões se espalha na margem do próprio parque. Tenho impressão de que eles não deveriam estar ali. Afinal, trata-se de um parque público. Como aqueles bacanas construíram suas casas tendo como quintal o nosso Ibirapuera? Quem liberou tais obras, quanto de bufunfa escorregou para a algibeira de quantos administradores públicos? Fosse favela, já tinham restituído tudo ao patrimônio público...

Anyway, contornei o lago. Outra bela visão do parque, fixei meu olhar na direita, admirando a paisagem e esquecendo do cronômetro, na mão esquerda. Segui pela Pedro Álvares Cabral, em frente à Assembléia Legislativa, e sempre hei de me lembrar do velório de Ayrton Senna quando passar por ali. Simbora, com o Obelisco à esquerda, a Bienal à direita e a Rubem Berta à frente, com sua seqüência de morrinhos desafiadores. Gosto das subidas, que separam o joio do trigo, deixando os mais bem preparados à frente e os extenuados, no sopé. Mas gosto quando me sinto trigo, e ontem eu era quase joio.

Acabei ganhando ânimo extra ao fazer o retorno, pouco antes do viaduto Indianópolis. Eu achava que iríamos até o aeroporto, mas a volta antecipada me animou, além do fato de encarar o morro agora em versão descida. Recuperei um pouco do tempo ali, mas sem nenhuma ilusão de fazer os 10 km abaixo dos 50 minutos. No quilômetro oito, resignada, vislumbrei que estaria de bom tamanho situar-me abaixo dos 53.

Enquanto me aproximava novamente da Assembléia, na linha de chegada, consegui desenvolver um sprint considerável. Eu sentia que não tinha gás para muito tempo, mas as placas anunciando 800, 600, 400 e 200 metros para o final serviram-me de estímulo. Fechei o percurso com tempo líquido de 51min27 (24ª na faixa etária, de 290; 130ª no feminino, de 1867; 2.125ª na geral, de 8352). Tive resultados bem melhores neste ano, especialmente nos 10 km da Tribuna, em Santos, quando fiz em 49min30, e na prova do WTC, da Corpore, com 38min para oito quilômetros.

Mas, quer saber? Foi uma das provas mais prazerosas que já fiz. O local, as árvores, o lago, a companhia, a paz de espírito, o coração tranqüilo às vezes fazem melhor à alma do que o cronômetro generoso. E então percebi que não vale a pena contrariar Garibaldo, pois todo dia é dia, e toda hora é hora, sim.

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Acho importante compartilhar um fato relatado a mim neste domingo. Um dos colegas da turma teve sua casa invadida por ladrões. Depois de fazerem a limpa completa na residência - carregando computador, DVD, televisão, micro-ondas, máquina digital, celular - os caras se puseram a vasculhar os armários, levando os tênis do colega, até que se depararam com uma camiseta da própria Corpore, ganha depois da corrida em homenagem ao Corpo de Bombeiros, em julho deste ano.

Foi o que bastou para os ladrões acharem que o atleta era, na verdade, membro da polícia. O nome Corpore, inscrito na peça, deve ter soado a eles como algo tipo BOPE, e a conseqüência só não foi pior porque a vítima conseguiu convencê-los de que não era da polícia. Por precaução, achei melhor me livrar das camisetas com referências às corporações, como esta e a da prova da Academia do Barro Branco. Que mundo este...

Wednesday, November 21, 2007

Cem anos de inquietação

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O centenário do arquiteto Oscar Niemeyer, no GPTotal? O que tem a ver a prancheta com o túnel de vento? Vai lá, descobre... Depois me conta o que achou.

Monday, November 19, 2007

Coisas que me irritam

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Sou um ser em busca da serenidade, e acho até que melhorei um pouquinho, embora tenha um longo caminho a trilhar. Mas, sei lá, algumas coisas e atitudes me irritam, ainda que não me afetem diretamente. Por exemplo:

- passageiros de automóveis que andam com os pés (descalços!) em cima do painel. Tenho visto esta cena cada vez com mais freqüência. Agora, digam: além de enfrentar o trânsito eu ainda preciso ver isso?

- transeuntes que ficam parados no meio da calçada girando um molho de chaves preso a um cordão à guisa de chaveiro. Já tive que desviar desses artefatos e me pergunto se esses indivíduos nunca machucaram ninguém com essa maniazinha besta.

- adolescentes que andam em grupos de cinco, seis, sete indivíduos, ocupando a calçada inteira. Eu já fui teen, sei que, nessa fase da vida, habitamos um mundo só nosso, mas olha onde anda, pô!

- a mania da seleção brasileira de jogar só pelo meio. Ô coisa irritante...

- alguns locutores esportivos que abrem a transmissão assim: "agora, em definitivo, de Lima, no Peru...". Definitivo? O sujeito nunca mais vai sair de lá? Olha que é uma boa idéia...

- a quadragésima final do mundial de vôlei de praia do ano. Alguém pode me responder: quantos mundiais de vôlei de praia existem por mês?

- crédito ou débito? Eu sei, o coitado tem que perguntar, mas me irrita, levemente.

- gelo e limão? Por que não posso pedir uma água tônica sem ter de declinar do gelo e limão? Por acaso a água tônica nasceu grudada com o gelo e o limão? É uma coisa assim como tomate seco e rúcula, que nasceram juntos, ao lado da mussarela de búfala?

- gente que liga no celular, não deixa recado e fica ligando vezes sem conta. Helloooooooo!!! Se eu não atendi, foi porque não pude. Seu número estará registrado, mané, não precisa ligar dez vezes seguidas.

E você, solte seus bichos, o que te irrita?

Wednesday, November 14, 2007

Ai, Jesus!

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Bigodes, tremoço
Alheira, bacalhau
Azulejo azul e branco
Trás-os-montes, Portugal

Padeiro, feirante
Dono de bar e restaurante
Todo tipo de comerciante
Açougueiro tem bastante

Pastel de Santa Clara, Belém
Fios de ovos, rabanada também
Uma promessa para Fátima
Santo Antônio, Jesus de Braga, amém

Torcer pela Lusa
Profissão de fé
Levamos cinco campeonatos
Para subir da série B

Padarias em festa
O sonho não acabou
Hoje o pão sai mais tostado
A agonia passou.

Vem, Maria, que a Kombi está cheia
Vamos todos ao Canindé
Bebamos vinho, dancemos um vira
Porque fado é fogo, não dá pé...

Uma singela homenagem à Lusa, que ontem voltou à Série A do Campeonato Brasileiro. Papy deve estar fazendo festa no céu. Aqui na terra, Flavio Gomes e sua trupe também.
Parabéns, Portuguesa!


Para quem não leu, sugiro este post, uma alegoria sobre Lusa e tremoços.

Sunday, November 11, 2007

Mete bala!

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O Maksoud Plaza ainda não tinha descido todos os degraus rumo à decadência, apresentando-se como um hotel de razoável sofisticação naquele 1995. No ano anterior, por ocasião dos funerais de Ayrton Senna, alguns bacanas da Fórmula 1 haviam até se hospedado lá. Já não vivia o prestígio da década anterior, mas equilibrava-se na dignidade.

Cheguei ao saguão por volta das oito da manhã daquela segunda-feira, como solicitado. Anunciei-me na recepção e aguardei no lobby, ávida por ler o caderno de Esporte. Eu trabalhava na assessoria de imprensa da Ford, e tinha sido designada para acompanhar um documentarista inglês que estava produzindo um vídeo institucional para a empresa.

Naquele momento, no entanto, minha cabeça estava vários quilômetros longe dali, mais precisamente na cidade paulista de Ribeirão Preto onde, na véspera, o Corinthians havia conquistado um de seus mais saboroso títulos – o Paulista de 95, vencendo o Palmeiras na final. Por sorte, havia um exemplar da Folha de S. Paulo por ali, e me pus a reviver em texto o que tinha visto ao vivo, horas antes, pelas imagens da TV. A coluna de Juca Kfouri tinha um título bem sacado – “Ribeirão Preto (e branco)”. Li-a inteira e ia avançando pelo resto do noticiário enquanto o gringo não chegava.

Alguns dias antes, tudo o que me havia chegado era um fax, com o nome do sujeito, uma resumidíssima programação daquela semana e o horário em que eu deveria me colocar a postos. Ao ler o nome do homem, comecei a rir – Matt Ballard, que imediatamente me soou como “mete bala!”. Apesar de o nome sugerir cena de filme policial, sei lá por que, na minha mente, cristalizou-se a imagem de um homem velho, talvez pelo Mr. à frente do Matt, talvez por ele ser inglês e estar metido com direção de imagens. O fato é que eu esperei, no lobby do Maksoud, por uma figura que misturava Alfred Hitchcock com Hercule Poirot, o detetive da Agatha Christie. Para mim, Mr. Matt Ballard, assim designado no fax, seria baixote, gordo, careca, com um pincené e um cachimbo.

Por isso, não fiz menção de fechar o jornal quando um sujeito de uns 30 anos, alto, magro e com jeito de vocalista do Oasis surgiu à minha frente. “Are you Alessandra?”, perguntou-me, naturalmente carregando no sotaque ao pronunciar meu nome. Enquanto fechava o jornal e tentava fazer alguma conexão entre aquele quase roqueiro e a figura de Hitchcock-Poirot, ele estendeu a mão, apresentando-se como Matt Ballard, pedindo desculpas pelo atraso – era inglês, afinal – e me convidando a tomar o café da manhã. Declinei do convite, mas acompanhei-o ao restaurante, onde ele comeu pouco e rápido, demorando-se com deleite apenas no suco de laranja, admirando o copo e estalando a língua – “Natural! Suco natural! Estou adorando o Brazil!”.

Foi uma semana divertida. Saí do departamento de imprensa, onde atendia jornalistas o dia inteiro ou escrevia releases, para acompanhar locações nas fábricas da Ford, nos escritórios e até tomadas externas. Um motorista ficou à nossa disposição e minha função era basicamente servir de intérprete e eventualmente discutir alguma abordagem com um ou outro entrevistado. No primeiro compromisso, naquela mesma manhã, perguntei a Matt se ele gostava de futebol. “I love it!”, e se espantou em saber que eu também era fanática torcedora. Que, aliás, tinha comemorado um título do meu time na véspera. Matt me disse que não tinha a mesma sorte havia muitos anos, pois torcia pelo Aston Villa, uma espécie de Portuguesa da Inglaterra.

Eu, da minha parte, estava em estado de graça. Naquele ano, o Corinthians já tinha conquistado a Copa do Brasil, garantindo vaga na Libertadores do ano seguinte, e ainda presenteava a torcida com um título sobre o maior rival. Nos trajetos entre uma fábrica e outra, ou rumo à sede administrativa da Ford, falávamos de futebol o tempo inteiro, e eu descrevia em detalhes a saga do Corinthians naquele e em outros anos. Em dado momento, Matt sentenciou: “Pronto, você me convenceu. Daqui para frente, torço pelo Corinthians no Brasil.” O que eu achei muito natural. “O nome homenageia um time inglês. Você, sendo inglês, só pode mesmo virar corintiano.”

Um dia, depois de uma tarde de entrevistas na sede, Matt vira-se, curioso, e me fala sobre um diálogo, travado com um outro funcionário, palmeirense doente. “Sabe, Alessandra, o fulano me falou que corintiano é tudo maloqueiro e sofredor. O que significa isso?” Não passei recibo, embora tenha sentido ímpetos de esganar o fulaninho com minha faixa novinha de campeã. “Liga, não, Matt. Maloqueiro é o cara alegre, popular, que se dá bem com todo mundo. E sofredor é o torcedor fiel, como somos nós, corintianos.”

No dia seguinte, tadinho, o inglês andava pelos corredores da Ford batendo no peito e dizendo, para quem puxasse papo, em bom e arretadíssimo português com sotaque britânico: “Eu, maloquêro, sofredor!”. A experiência ainda rendeu uma cena digna de nota. Na véspera de encerramos o trabalho, passando por uma avenida da zona Sul, o motorista que chama a atenção. “Dá uma olhada nessa Cherokee.” Quando virei, vi que era Marcelinho Carioca dirigindo o jipão e não tive dúvidas. Escancarei a janela e comecei a gritar, mais maloqueiramente impossível, enquanto o motorista buzinava. Marcelinho notou a balbúrdia, fez um aceno, quase tive um troço. Matt, ao meu lado, divertiu-se com minha radical manifestação de fanatismo, não achando nada estranho, já que eu o havia familiarizado com os nomes de alguns jogadores, e Marcelinho era o rei alvi-negro naqueles tempos.

Nunca mais soube nada de Matt Ballard, mas sempre mantive o hábito de procurar o Aston Villa na tabela do Campeonato Inglês. Está em oitavo, atualmente. Está bem melhor o Matt do que eu, mas deixa pra lá.

Thursday, November 08, 2007

Love to hate you

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Graças a Deus, não nasci a tempo de ter ódio dela. Aliás, nasci em um ano meio estranho. Em 1970, os Beatles se separaram, a Fórmula 1 abusou da morbidez, coroando um campeão morto, o Brasil vivia sob a chibata de Médici. Pelo menos, ganhamos o tri. Ganhamos... Humpf... Para anos depois derreterem a taça...

Graças a Deus, não tenho ódio de ninguém, de verdade. Não haveria de ser dela. Por ela, para ser sincera, sempre nutri uma admiração quase invejosa. Pense bem. Ela foi louvada como poucos seres neste mundo, em canções que se eternizaram. Musa de um dos homens mais famosos do planeta, que não teve vergonha de se expor a ponto de ser ridicularizado.

Juntos, deixaram o cabelo crescer, a ponto de parecerem a mesma pessoa.

Juntos, tosaram as madeixas rente à cabeça, a ponto de parecerem a mesma pessoa.

Juntos, franquearam sua cama de casal para pedir paz. Idiotas? Para mim, honestamente, idiota é quem joga bomba em cima de uma população civil, ou quem tortura até a morte.

Por ela, para ela, John fez-se de feto, como se dela tivesse nascido. Adotou-lhe o sobrenome, como prova de comunhão. Por que ela deveria fazê-lo? Por ele ser o homem? Quem era o homem e a mulher, ali? Por que dividir-se em convenções apenas sociais quando, nitidamente, eles eram um? Um só.

A lenda diz que Yoko não reconheceu John quando ele, no auge da fama, foi ver uma exposição sua. Detratores cospem sorrisos cínicos. "Como não conhecer John Lennon?" Pois eu acredito. Está cheio de pop stars de quem ouço falar mas não seria capaz de reconhecer. Quase não vejo TV, muito do que se fala pouco ou nada me interessa. Há algum tempo, pouco tempo, meu filho ouviu uma conversa minha em que eu citava Pelé. Inocente, perguntou: "Quem é Pelé?". Não pode ser? Pode.

Creditar a Yoko a separação dos Beatles sempre me pareceu simplista demais. É fato que John transformou-se drasticamente após unir-se a ela. Mas Paul, se tivesse tantas reservas assim com Yoko, continuaria freqüentando a casa de John, como o próprio Lennon revelou na última entrevista, concedida poucos dias antes de morrer?

E, quando morreu John, Yoko recolheu-se. Nunca a vi indigna, exibindo-se ou ao filho, Sean, em cenas de lágrimas e desespero. Um totem. Um samurai vencido.

Talvez esta seja a razão do ódio por Yoko. Ela é um samurai, e o mundo esperava dela uma gueixa.

Yoko veio a São Paulo, para uma performance e para abrir uma exposição. Não sei muito de artes plásticas, não sei se ela é uma grande artista ou um embuste. Sinceramente, não me importa. Gosto de gostar de Yoko.

Tuesday, November 06, 2007

O cara

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Eu disse que só voltaria a falar de Fórmula 1 se algo excepcional acontecesse. Pois bem. Não é bem Fórmula 1, mas é excepcional.

Para quem não conhece, esse cara aí da foto se chama Alessandro Zanardi, italiano, foi piloto de Fórmula 1 nos anos 1990, depois foi correr nos Estados Unidos, numa daquelas categorias que nunca se chamaram mas pensamos que se chama Fórmula Indy.

Em 2001, Zanardi sofreu um acidente na Alemanha, quase morreu, perdeu sangue até e perdeu também as duas pernas. Quando a esposa lhe informou o que tinha acontecido - ele estava tão xarope que não tinha consciência da dupla amputação - sua reação foi desconcertante. "Está tudo bem, tenho você e nosso filho."

Alex, como é chamado, saiu andando do hospital, em um esforço incomum para se adaptar à nova vida, com próteses. Poucos anos depois, voltou a correr, em carros de rua, na equipe da BMW. Como diria Enzo Ferrari, "pilotti, che gente...".

Pois agora Alex se sai com essa. Disputou a Maratona de Nova York, no último final de semana, correndo na turma dos cadeirantes. Cumpriu os mais de 42 quilômetros da prova em 1h33min17s.

A notícia me fez tomar duas decisões. A primeira: compartilhar mais este magnífico exemplo de superação com os leitores deste blog. A segunda: traçar o plano para correr essa prova assim que possível. Fico lhe devendo esta, xará!

Monday, November 05, 2007

Geração perdida

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Jovens promessas que decepcionaram na Fórmula 1. Barrichello e Coulthard, no ocaso de suas carreiras. Mais? No GPTotal. Comenta, vai...

Thursday, November 01, 2007

Alma de borracha (ou A perda da inocência)

Muito se falou neste ano sobre o 40º aniversário do álbum Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, talvez o disco mais revolucionário da história, e tido por muitos como o melhor dos Beatles. Pode ser, mas para mim, não é. Adoro Sgt. Pepper´s, como tudo que eles fizeram, mas meu disco preferido dos Beatles é Rubber Soul, Alma de Borracha na tradução literal.

Esse disco pré-psicodélico acabou se tornando um marco da carreira do grupo. Lançado no finalzinho de 1965, Rubber Soul é o primeiro disco "adulto" do quarteto. No mesmo ano, eles haviam lançado Help, que na prática são dois discos diferentes, com o lado A composto pela trilha sonora do filme Help e o lado B por composições independentes.

Help era calcado na beatlemania, aproveitou toda a onda histérica em torno dos rapazes, lançou a música mais gravada da história - Yesterday, a rigor uma composição só de Paul creditada a Lennon & McCartney - mas já continha alguns sinais de amadurecimento. Um deles é a própria música Help, composta principalmente por John e assumida como um pedido real de socorro, uma manifestação existencialista de um Lennon algo incomodado e angustiado com a vida de pop star.

Depois de Help, os Beatles passaram a mandar e desmandar na própria carreira. Rubber Soul é o primeiro sintoma dessa independência. A capa tem uma foto meio deformada, com o nome do LP surgindo em letras quase lisérgicas, e a fisionomia dos rapazes bastante séria. Nada do terninho e das gravatas finas bem comportadas, nada de sorrisos encantadores. Na contracapa, duas fotos de cada um, nenhuma delas serviria de capa da Caras. Paul solta uma baforada de cigarro, George usa um chapéu de cowboy, John olha fixo para a câmera, com ar meio perdido, Ringo apóia a cabeça com uma das mãos, em pose filosófica.



Mas não foi no visual a mudança imposta por Rubber Soul. É o primeiro disco dos Beatles a trazer apenas composições próprias, reafirmando a identidade do grupo. Também é nesse disco que os Beatles começam a usar instrumentos exóticos, como a cítara, que George começa a colocar suas manguinhas de místico de fora, além de introduzir com maior regularidade o pedal de distorção e eco em seus solos de guitarra.

O disco abre com Drive my Car - e juro que não é meu amor pelas corridas que determina a preferência por Rubber Soul. Cantada por John e Paul, a música na verdade é de Paul, e não difere muito do estilo já consagrado do grupo.

O ar começa a ficar mais denso na segunda faixa, Norwegian Wood (This bird has flown), de John, com poucos pitacos de Paul. Aqui, além de aparecer a cítara, a letra perde a inocência dos primeiros anos. A canção revela sutilmente uma noite de amor entre o poeta e uma moça bem prafrentex. Em dado momento, ele reaviva o diálogo entre os dois: "We talked until two, and then she said `It's time for bad'" (ou seja, "Conversamos até as duas, então ela disse `É hora de ir pra cama'".

Outro destaque do disco é Nowhere man, outra de John, revelando mais uma vez o lado existencialista do compositor. Diz a lenda que a música paradoxalmente nasceu de um bloqueio de inspiração. E, de repente, precisando urgentemente preparar material para o disco, John apenas se imaginou como esse "Homem de lugar nenhum" e que a música teria saído inteirinha, de uma só vez. O vocal em três vozes com John, Paul e George é característico da canção, que inclusive começa com o canto à capela.

A música seguinte, Think for yourself, é uma pequena revolução de George. Além de introduzir o tema da espiritualidade que lhe seria característico daí para a frente, a canção contém uma novidade que logo passou a ser copiada por músicos do mundo todo - a guitarra distorcida com o baixo.

Também é desse disco a balada Michelle, outra famosíssima de Paul, e com um histórico solo de guitarra de George. John veio colocar mais lenha na fogueira com a aparentemente romântica Girl. Música lançada em versão por aqui como Meu bem, na voz de Ronnie Von, Girl continha pitadas de contestação, ao lidar com temas afeitos à religião, como a busca da felicidade por meio do sofrimento. Pesado, hein? O que aconteceu com esses meninos?

O disco ainda tem a nostálgica In my life, letra de John. A melodia, dizia John, também era dele. Já Paul afirmava que tinha dado alguns toques. O piano do meio da música é tocado por George Martin. A única música cantada por Ringo no disco é What goes on, uma composição abandonada pela dupla Lennon & McCartney. Paul e Ringo deram um tapa na canção e assim a música se tornou a única da obra do grupo creditada a Lennon, McCartney e Starkey (o sobrenome verdadeiro de Ringo).

No ano seguinte, os Beatles gravaram Revolver, o precursor de Sgt. Pepper's, já com os dois pés na psicodelia, e produzindo jóias como Eleanor Rigby, Here, There and Everywhere, For no one, I'm only sleeping.

Mas Rubber Soul, talvez pela mudança de atitude, por ensaiar o amadurecimento dos Beatles, por deflagar uma rebeldia muito além dos cabelos compridos (o mundo veria o que eram cabelos longos nos anos seguintes, isso sim...) é meu álbum preferido dos Fab4.

E o seu, qual é?