Monday, January 23, 2017

"Já vi melhores"

"Ponteio": Marília Medalha, Edu Lobo e Momento Quatro, no festival de 1967
Há alguns anos, levei minha mãe para assistir no cinema um dos documentários brasileiros de que mais gostei nos últimos tempos: “Uma noite em 67”, de Ricardo Calil e Renato Terra. Reconstitui a história do 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, um evento que se tornou histórico por aspectos culturais, sociais e políticos. O filme começa com a apresentação apoteótica da canção vencedora – “Ponteio”, composta por Edu Lobo e Capinam – e ao final da música, eu e minha mãe tínhamos lágrimas escorrendo pelo rosto.

Ela havia vivenciado a época, o que poderia explicar um traço de memória afetiva naquela emoção incontida. Ao final do filme, ela explicou as lágrimas como resultado de pura emoção diante da beleza daquela música e de sua execução majestosa. E eu, por que havia chorado? Em parte, pela mesma razão, pura fruição da arte, mas também havia outro componente naquele choro: a manjada saudade de algo que não se viveu. No caso, a era dos festivais.



Algumas tentativas de reeditar os festivais, nos anos 1980, renderam bons momentos à cena musical brasileira, mas a comparação entre os legados das duas épocas escancarava uma sova impiedosa dos anos 1960. O que ficava, nesses esforços extemporâneos, era uma sensação acentuada de nostalgia. Foi o sentimento mais forte que se plantou em mim, depois de assistir ao musical “La La Land – Cantando estações”, que conta a história da aspirante a atriz Mia (Emma Stone) e do pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling), ambos em busca do sucesso, em Los Angeles.

Adoro musicais e talvez o primeiro filme que tenha me marcado profundamente foi “O calhambeque mágico”, um musical de 1968, que conheci ainda pequena, pela TV. Musicais são quase sempre um convite ao escapismo, mas também elevam a exigência sobre elementos essenciais do cinema: não se faz um grande filme desse gênero sem um ótimo roteiro, sem uma montagem perfeita, sem músicas excelentes, sem uma direção de arte afiada, sem artistas completos que saibam representar, dançar e cantar.

“La La Land – Cantando estações” não é um desastre em nenhum desses aspectos, mas também não é “o estado da arte” em nada disso. É OK, e a maneira pela qual referencia o próprio gênero a todo o tempo parece se assumir mais como homenagem nostálgica que como nova obra fundamental. Não pude pensar em outra coisa quando, em determinada cena, ao ser perguntada sobre a vista da cidade, a personagem Mia responde com um “já vi melhores”.

Mia (Stone), Sebastian (Gosling) e a vista de LA: já vi melhores

O diretor e roteirista Damien Chazelle, um jovem de 32 anos, em 2014 lançou o ótimo “Whiplash – Em busca da perfeição”, sobre outro aspirante a músico (um baterista de jazz atormentado por um professor sádico). Embora as duas histórias se passem no presente, algo de muito extemporâneo sobressai nos dois filmes: seus protagonistas são almas nostálgicas, buscando emular ícones do passado. Não parece muito diferente do que o próprio diretor faz, ao se lançar em um gênero que, mesmo ambientado no presente, soe tanto como símbolo de outros tempos. Mas é provável que o ponto mais fraco do filme de Chazelle seja um dos pilares do musical: justamente as músicas.


Uma tese fartamente discutida nos últimos anos pode explicar por que os formatos “festivais” e “musicais” pareçam anacrônicos, hoje em dia. Em 2004, o compositor Chico Buarque preconizou o fim da canção, teorizando que esse formato de expressão musical tão característico do século 20 parecia ter se esgotado. Uma tese de doutorado defendida por Acauam Silverio de Oliveira, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, debruçou-se sobre o tema, utilizando a experiência do grupo Racionais MC’s (“O fim da canção? Racionais MC's como efeitocolateral do sistema cancional brasileiro”)

Sendo ambos – festivais e musicais – estritamente dependentes desse formato, talvez as tentativas de revivê-los estejam condenadas ao ranço persistente da nostalgia. Nos anos 1980, antecipando essa discussão, Raul Seixas dizia “não diga que a canção está perdida / (...) tente outra vez”, o que pode reacender nossas esperanças de assistir a novos grandes musicais, como“Cantando na Chuva” ou “A noviça rebelde”, no futuro. Será?

1 comment:

Anonymous said...

Oi Alê!
Acredito (após longo tempo de reflexão), que não teremos mais os Festivais e Musicais que haviam antigamente! E isso não me soa triste! Por que? Porque entendi (ao meu modo) que a ARTE deva seguir uma evolução natural de conceitos e concepções! Esses maravilhosos Festivais e Musicais foram de uma importância tremenda, para que essa evolução se fizesse presente e assim, a ARTE possa fluir de forma natural como deve ser! Podemos olhar para o passado e agradecê-lo por proporcionar momentos mágicos e inspiradores. Mas a vida, a ARTE, tudo, devem seguir seu caminho de evolução! No entanto, e é aí que entra o “assombro”, infelizmente muitos fizeram usos diabólicos desses eventos para se beneficiarem, se promoverem, se enriquecerem, etc, o que trouxe muita decepção e até depressão! E mais ainda, desesperança pelo fato de não esperarmos mais, por exemplo, músicas e filmes de qualidade! Mas, sabemos, eles existem, sempre existiram e existirão, pois sempre haverá pessoas de talento e bem intencionadas, produzindo ARTE de forma sublime, plena, honesta!!!