Monday, July 24, 2006

Revelação germânica

Te contei que o Schumacher tomou uma tremenda vaia em plena Copa do Mundo? Não?! Então lê a história completa lá no GPTotal e depois me conta o que achou.

Thursday, July 20, 2006

299 vidas

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D. Pedro II, o filho com cara de avô, nunca poderia supor que seu palácio de verão evocaria tal sentido. A Princesa Isabel, infância de janeiros mais ou menos amornados no recanto onde não urdiu a Lei Áurea, jamais imaginaria que aquelas paredes se associassem aos meus grilhões. O Palácio Imperial de Petrópolis fez parte do nosso roteiro turístico naquele julho de 1981.
Filho com bronquite crônica move pais zelosos à loucura. Pois falaram de um tal médico no Rio, subúrbio de Olaria, e para lá nos abalávamos a cada seis meses. O consultório ficava ao lado da estação de trem, tinha uma escadaria de madeira e um doutor à moda antiga, sem hora marcada, com um jeito de Beato Salu que minha mãe sacou na hora: esse médico é espírita. Aviava uma receita com um pozinho tal que meu irmão aspirava numa bombinha, toda noite. Não sarou da bronquite então, mas ganhamos férias inesquecíveis no Rio.
Paulistas rumo a Olaria invariavelmente terminavam perdidos. E invariavelmente pedíamos orientação a alguém no ponto de ônibus. A cantilena até começava, cheia de uma expressão que eu adorava – “segue reto, toda vida” – mas acabava sempre do mesmo jeito: “Olha, eu estou indo para lá, se quiser me dar carona, vou explicando,”, o que me dava a impressão de que todo mundo ia para Olaria, uma Roma extemporânea nos arrabaldes cariocas.
E o novo guia suburbano subia em nosso Ford sem que tivéssemos qualquer receio, outros tempos. Uma vez, uma dona simpática e bem adiposa comentou que a irmã tinha vindo morar em São Paulo há tanto tempo “que já falava arrastado”. Audácia! Logo nós, paulistas, que falamos sem sotaque! Noutra vez, coincidência maior não houve, um rapaz conduzia a filhinha bebê ao mesmo médico. Ele parecia o Michael Sullivan e foi de sua boca que escutei pela primeira vez a expressão “Cidade de Deus”. Jocoso: “Aquilo é tão triste que antes chamava ‘Cidade do Diabo’, mas nem o coisa-ruim quis, por isso sobrou pra Deus.”
Noutro dia, subindo a serra em direção ao palácio, de novo nos vimos perdidos. Nova parada no ponto e nova carona, mas para um tipo meio estranho, caladão. Dessa vez, ficamos com medo da companhia, minha mãe chegou a censurar meu pai pela acolhida, mas enfim chegamos sãos a Petrópolis. Do museu não lembro patavina. Registro ter apreciado mais o Quitandinha, charmosíssimo hotel e cassino de outrora.
Era dia 23 de julho de 1981. A data martela no último quarto de século não pelo que vi no alto da serra, mas de novo à beira-mar, no banheiro da suíte de hotel, São Conrado. Enquanto os outros apreciavam mais um crepúsculo emoldurando a Pedra da Gávea, meu susto. “Mãe, vem cá.” A mancha cor de chocolate na impoluta roupa de baixo.
Menarca. Nome bom para uma tribo nômade da península arábica. Ou para um vilarejo no sul da Espanha. Nas aulas de orientação educacional, já tinham nos dito que este era o termo correto para a primeira menstruação, mas sempre achei muita banana para um tostão. Nome bonito desse para uma coisa nojenta dessa...
Começava meu capítulo fértil, dali para frente eu já poderia gerar novas vidas, deixava de ser menina, mas a única coisa que realmente me importava, preocupava e atormentava era o modess. Fui a primeira da minha turma a menstruar, e a cada mês, quando tinha de lançar mão do detestável acessório, eu sentia como se um enorme outdoor em cores fosforescentes, e piscante, fosse instalado em minha região pélvica. Todo mundo devia estar olhando para aquilo, claro, que vergonha, que vergonha...
Se eu fosse a Remédios, de Cem Anos de Solidão, cuja menarca foi esperada como sinal verde para o casamento com o Coronel Aureliano Buendía, nessa altura poderia ter um filho de 24 anos. Uma vez, falei isso para um amigo e ele disse que tal circunstância seria bem provável se eu vivesse no interior da Paraíba. Não vivi, nunca mais fui a Petrópolis, continuei em São Paulo marcando encontros mensais com o Velho Chico em meu vale de fertilidade. A cada visita do rio rubro, um óvulo jogado fora. Faça as contas, 25 anos, um óvulo por mês. Não precisa, eu fiz. Amadureci trezentos deles nestas duas décadas e meia. Desprezei 299. Os últimos ataques de Israel ao Líbano já devem ter superado meu recorde.
Fico pensando nessa força estranha – destino, acaso, missão – que pinçou exatamente aquele óvulo (provavelmente o de número 230) para uni-lo a outra célula e transformá-lo em um menino falante, de olhos vivíssimos, que atualmente adora saber tudo sobre ruas. Fico pensando nos outros 299, fantasio se algum deles não poderia ser o novo Mozart, ou dividir o átomo em algo menor ainda, ou ganhar mais títulos em Wimbledon que Maria Esther Bueno, ou descobrir a cura da Aids, ou promover a paz entre árabes e israelenses. Daí fico pensando que tanta vida não vivida talvez tenha me servido de combustível para fertilizar outros campos, para me preparar melhor a gerar e criar o 230, para me deixar aqui pensando. Um por mês, 299. Nem é tanto, que o digam os machos: milhões a cada ato.

Wednesday, July 12, 2006

O estrangeiro

Já está no ar mais uma coluna minha no GPTotal. O título faz referência à obra de Albert Camus, mas o tema é o piloto colombiano Juan Pablo Montoya. O que um tem a ver com o outro? Vai lá e confere!

Thursday, July 06, 2006

Nações x Corporações

O Brasil tinha acabado de ser eliminado da Copa do Mundo, e a preocupação maior de parte dos jogadores brasileiros não parecia ser a derrota, mas a disputa para ver quem cumprimentava primeiro o adversário Zidane. Consta, até, que o brasileiro Robinho foi ter com o meia francês, no intervalo, talvez para garantir a primazia da camisa do craque ao fim do jogo. Companheiros no Real Madrid, na temporada passada, os dois se abraçaram fraternalmente depois do apito final. Robinho não foi o único da seleção brasileira que ficou babando pelo francês. Leio há tempos que Zizou é um tudo-de-bom legítimo: joga aquela bola toda e ainda é muito do bem.

Meu amigo de blogosfera, Pedro Alexandre Sanches, escreveu em um comentário aí para baixo que alguns jogadores brasileiros pareciam gostar mais de Zidane que dos compatriotas. Muito se comentou da falta de rivalidade entre brasileiros e franceses nesse jogo fatal de quartas-de-final, mas esse não foi o único ponto que revelou um inequívoco tô-nem-aí de parte do time brasileiro.

• Terminado o jogo, Adriano e Ronaldinho Gaúcho foram para uma balada germânica.
• No dia seguinte à desclassificação, Ronaldo, o Fenômeno, foi embora para a Espanha, a bordo de sua Raica e de seu jatinho. Na falta de um avião, dois.
• No jogo contra o Japão, com o Brasil já classificado e escalado com meio time reserva, o lateral Roberto Carlos assistia à partida deitado no gramado, como se observasse uma pelada (de qualquer tipo) na praia.
• O mesmo Roberto Carlos, por cansaço, distração ou desleixo, arrumava as meias na hora do gol de Henry, o que tirou o Brasil da Copa.

Falta de interesse, de hombridade, de patriotismo. Excesso de dinheiro na conta. Razões não faltam para explicar a postura apática do Brasil nesse e nos outros jogos dessa (Euro)Copa. Vou puxar mais um: globalização. Quantas e quantos campanhas publicitárias e motes corporativos não temos ouvido, nos últimos anos, louvando o século 21 e sua realidade “sem fronteiras”?

É o que mais se ouve, de propaganda de celular a discurso de presidente de multinacional. Analistas de geo-política também rezam na mesma cartilha: não temos mais nações, temos corporações. Faz muito sentido que um analista de marketing brasileiro, nessa altura, esteja feliz por ver a Itália na final, rindo-se intimamente pela desclassificação do Brasil. Faz sentido se esse analista de marketing for um engravatadinho que trabalha na Puma, inimiga juramentada da Nike.

Onde entram os jogadores brasileiros nessa? Ora, pegue 90% desses profissionais: são oriundos da classe pobre, com histórico de infância e adolescência de restrições de toda sorte (na Copa passada, o fanfarrão Vampeta deu uma entrevista que não me sai da cabeça: vivendo no interior da Bahia, ainda criança, reclamava de fome para a mãe e ouvia dela o seguinte conselho: “vai dormir que passa.”). Não soubessem jogar bola – e não tivessem encontrado algum “bom” empresário em seu caminho – poderiam estar no noticiário não pelo fiasco na Alemanha, mas pelo motim em alguma penitenciária. Mas sabem jogar bola, e são catapultados do sono-famélico (ou da fome-sonolenta) para o estrelato, sem escala.

Logo partem para o exterior, onde passam a viver em um país com condições sócio-econômicas infinitamente melhores que o seu, de origem. Enquanto isso, suas famílias ficam no Brasil, viram novos-ricos da noite para o dia, viram alvos de seqüestro, protegem-se em carros blindados, mudam-se para condomínios fechados. Tal e qual qualquer novo rico, classe média alta – grades e grifes por todos os lados. Ronaldo, em pré-ocaso de carreira, já avisou: fica morando em Madrid mesmo, depois de se aposentar. Jogo a primeira pedra? Eu não. Você joga?

OK, a porta está aberta para a contestação mais imediata: então, porque os franceses, os italianos, os alemães, os portugueses, que também jogam, em sua maioria, fora de seu país, ostentam suas camisas pátrias com orgulho? Não será porque representam a França, a Itália, a Alemanha, Portugal, países que se globalizaram depois que já eram fortalecidos como nações? E não são esses países, mais alguns outros do Hemisfério Norte, que mais se locupletaram com essa nova dinâmica mundial (tão diferente e tão parecida com a expansão marítima pós-Colombo?).

Ainda na primeira fase, a imprensa mundial noticiou e, em grande medida, desceu a lenha nos jogadores da seleção de Togo, que ameaçaram não entrar em campo caso não recebessem tal quantia em dinheiro pela participação na Copa. “Mercenários!”. Ah, claro, Togo é uma nação fortíssima, que enche seus habitantes (e atletas) de orgulho. Vistam a camisa de seu país, seus desertores! Então, me (lhes) pergunto: nós, do Brasil, estamos mais perto de Togo ou da França, da Itália, da Alemanha, de Portugal?

Monday, July 03, 2006

Epitáfio, by Parreira

Pouco antes do início da Copa, surgiu a notícia de que o técnico Carlos Alberto Parreira tinha escolhido a música "Epitáfio", composição de Sergio Brito, dos Titãs, como tema da seleção agora eliminada da Copa da Alemanha. Estava na cara que a coisa não podia dar certo. Felipão sacodia sua "Família Scolari", em 2002, com Ivete Sangalo e Zeca Pagodinho, e o Parreira afundava seus depressivos jogadores nessa bela música titânica, bela mas ótima para se tocar naquela cerimônia fúnebre do Crematório da Vila Alpina.

Fechado o caixão, proponho uma versão para a letra original. Em tempo: o refrão deve ser cantado pelo lateral Roberto Carlos que, parece, estava ocupado ajeitando a meia no lance do único gol da França:

Devia ter atacado mais
Contra-atacado mais
Posto o Cafu pra correr
Devia ter arriscado mais
Substituído mais
Deixado os caras com o que sabem fazer
Devia ter percebido que a França não é o Braziliense
Que nem todo afro-descendente tem a pontaria de um ganense
O Dida vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O Dida vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter segurado menos
Teorizado menos
gritado como o Felipão
Devia ter me importado menos
Com recordes pequenos
Ter tomado mais gols
Queria ter colocado o Robinho logo de saída
Pro Gaúcho entrar com ela dominada, driblando o mundo, feliz da vida

O Dida vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O Dida vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter faturado menos
Aparecido menos
Gritado como o Felipão...