Monday, February 27, 2006

Crianciocracia

Sou prestadora de serviço em duas das mais importantes maternidades de São Paulo. Sempre que tenho a oportunidade de passar por seus corredores de internação, presto atenção aos enfeites de porta. Nos últimos tempos, tenho me deparado com um tipo de enfeite que me deixa espantada. Um desenho de um menino ou de uma menina (crescidos, não bebês) e uma inscrição: "Nasceu meu irmão Fulano" ou "Meu irmão fulano chegou". Entendi direito? Quer dizer: importante é que o bebê recém-nascido é irmão do filho mais velho? Ou seja, o filho mais velho é a referência máxima da família?
Antes que possa parecer que advogo em causa própria, registre-se: eu mesma sou primogênita. Mais: também sou mãe, e de um único menino, portanto sei o que é ter um filho e ter por ele o maior e mais intenso sentimento de amor que um ser humano pode experimentar. Só que penso também o seguinte: se eu tivesse um segundo filho, ele seria um outro filho, antes de tudo, e não o irmão do meu filho mais velho. Por que os pais têm embarcado tão acintosamente nessa onda de culto à personalidade de seus rebentos?
Eu tenho um palpite, mas antes vou relatar outro tipo de situação muito freqüente. Da mesma maneira que vejo pais e mães fazerem seu mundo girar em torno do do filho, escuto homens e mulheres com crianças pequenas tecerem loas a tal hotel que é "ma-ra-vi-lho-so, porque tem monitores ótimos, você pode deixar a criança brincando o dia inteiro enquanto você joga cartas ou bebe caipirinha na beira da piscina". Ou pais e mães que viajam, vão para o clube ou para o restaurante com a criança e uma babá a tiracolo. Ou pais e mães que se valem a todo o tempo de avós ou o restante da parentela para ficar com a criança enquanto eles viajam ou curtem uma noitada com os amigos, "porque é preciso um tempo só para você, né?".
Fica muito direta a relação, na minha cabeça: o culto à personalidade do filho tem raiz em consciência pesada. Ninguém precisa fazer o mundo girar em torno da criança, basta dar a ela atenção pelo menos nos momentos de descanso da família. Mas me parece que muitos pais e mães, hoje, ainda não se conformam com a inexorável necessidade de amadurecer. Querem continuar "jovens", querem momentos só para si, alijando a criança que se entedia de seus programas de adulto, e com razão torna-se uma figura imprópria para uma balada.
Daí, compensa com esse tipo de simbolismo absurdo, tentando fazer crer que a criança é o centro de todo o resto, protagonista absoluto, até na chegada de um novo ser humano à família.

5 comments:

Véio Gagá - BH said...

Alê, seu comentário é muito pertinente. Como já disse antes, gosto de correr um pouco em algumas praças de BH que têm espaço pra isso e, coincidentemente, essas praças ficam em bairros mais nobres da cidade. Em minhas corridas vejo - e acho um absurdo - casais "passeando" com seus filhos. Onde está o absurdo? No fato de que os casais passeiam com os filhos acompanhados por babás! E isso aos domingos! Certa vez, vi um casal com o homem levando o cachorro pela coleira (esse sim tinha importância), a mulher levando nada e ninguém, e a babá empurrando o carrinho da criança.
Sei que durante a semana o trabalho consome muito tempo (é assim comigo), e por isso os pais têm que deixar as crianças sob os cuidados de alguém responsável, etc. Mas aos domingos?!
Vi outra cena que me causou certo desconforto: uma criança chorou, o pai a pegou no colo, depois a mãe, e somente quando a babá a pegou é que ela parou de chorar.
Será que estes pais não vêem que estão "terceirizando" também as referências emocionais e interpessoais das crianças? Depois organizam festas em buffets faraônicos, compram presentes inúteis e fazem idiotices como a que você mencionou para, como você disse, cultuar a personalidade do filho pra aliviar a consciência.
O resultado disso me parece que será catastrófico, pois os pais que assim agem, e que certamente não exercem qualquer influência realmente positiva na personalidade do filho, no futuro verão seus filhos serem intolerantes, preconceituosos, com dificuldades de relacionamentos, com dificuldades afetivas, sem saber lidar com as proibições que a lei e a sociedade impõem, etc.
E isso já vem acontecendo. Basta ver nas escolas. Coitado do professor que precise dar uma bronca num aluno indisciplinado; tem que pedir ao diretor autorização para fazê-lo, porque os "pais" vão à escola reclamar (daqui a pouco vão mandar também a babá). Sem mencionarmos o fato de que crianças de 4 ou 5 anos já demitem (os pais ratificam a demissão) suas babás porque estas não lhes fazem todas as vontades.
É... essa "crianciocracia" é uma ditadura das mais cruéis. Se os pais deixarem as crianças darem um golpe de estado, irão ao paredão.

PS: Vou ser pai em agosto. Tomara que eu consiga ser um pai de verdade.

Anonymous said...

Olá Alessandra!!! Antes de mais nada vou falar o comum e bacana comentário. Sou fã do que escreve e sempre vejo suas matérias no GPTotal.

Venho através dessa não comentar sobre sua matéria "Crianciocracia" mas lhe fazer um convite. Calma, calma!!! Chegarei lá.

Humildemente peço a você para dar uma pequena entrevista para mim para a uma matéria sobre as mulheres no automobilismo aproveitando o Dia Mundial da Mulher.

Faço segundo ano de Comun. Social pela Uniban e faço matérias para o site F1 na Veia (f1naveia.com) e queremos fazer uma matéria bonita levando o fim do machismo/feminismo para um ode ao igualitarismo dos sexos levando ênfase nesse dia falando de todas as pilotos. Desde a Hélle Nice com que fui conhecer por sua matéria até o dia de hoje com Catherine Legge, Bia Figueiredo, Ana Lima, etc.

Ela pode ser feita como você achar melhor. Desde gravando a matéria, via e-mail, etc. Mas o tempo é curto e peço que entre em contato o mais rápido possível. Sua pessoa é muito importante para nós.

Meu e-mail é alexuberalles@hotmail.com

Desde já agradeço por tudo que você fez pelo automobilismo que tanto aprecio, já que resolvi voltar aos estudos por causa do Pandini, do Edu e de todos do GPTotal.

Muitíssimo obrigado e um grande abraço.

Alexandre Galvão

Alessandra Alves said...

véio gagá, desculpe a demora: pode ter certeza de que o problema que você levantou povoa a mente de muita gente. hoje, em dia, com o casal trabalhando, as alternativas são berçário/escola, babá ou parentes. eu mesma vivo em um esquema misto, com meio período de escola, meio de babá. é claro que a criança desenvolve um laço afetivo com quem está com ela a maior parte do tempo, mas sem dúvida há pais e mães que se deixam dominar pelo conforto de ter alguém fazendo "o trabalho sujo" para eles - dar banho, comida, até bronca! daí a criança só tem referencial na escola, ou na babá, alguns pais piram com isso, outros não estão nem aí, porque é bem mais fácil, né? só que depois cria isso que você comentou: filhos sem vínculos fortes com os pais, que só os vêem como provedores e usam, cedo ou tarde, esses mesmos argumentos de poder de compra contra eles mesmos. quem, afinal, cria esses pequenos tiranos? não são os pais mesmos?
tenho certeza de que sua experiência como pai será bem diferente. parabéns! mande notícias atualizadas!!

L-A. Pandini said...

Mais uma da "crianciocracia". Em São Paulo, vários carros circulam com adesivos do tipo "Huguinho Francisco a bordo" e "Malvina Fredengunda a bordo". Normalmente, os dísticos são acompanhados por um desenho tosco e/ou ridículo.

Anonymous said...

Aujourd'hui je lisais beaucoup sur cette question. http://cgi3.ebay.fr/ws/eBayISAPI.dll?ViewUserPage&userid=acheter-cialis&hc=1&key=acheter-cialis cialis [url=http://cgi3.ebay.fr/ws/eBayISAPI.dll?ViewUserPage&userid=acheter-cialis&hc=1&key=acheter-cialis]acheter cialis en ligne[/url]