Lançado nos EUA em junho de 1982, só chegou ao Brasil em dezembro |
No princípio, era o atraso. Os filmes eram lançados no
mercado norte-americano e levavam muitos meses para estrear no Brasil. Não
estou falando de filmes cult, aqueles
que um grupo muito específico de espectadores quer assistir por ser o mais
recente lançamento um diretor tailandês controverso ou de uma performer sérvia.
Blockbuster mesmo, daqueles que estouram nas bilheterias e/ou colecionam estatuetas
no Oscar.
“Guerra nas Estrelas”, por exemplo, foi lançado nos Estados
Unidos em maio de 1977. No Brasil, oito meses depois, em janeiro de 1978. Em
1982, as coisas tinham mudado pouco: “E.T. – o extraterrestre” foi apresentado
ao mundo no Festival de Cannes, em maio. Chegou aos cinemas norte-americanos em
junho. Estreia no Brasil? 25 de dezembro. Havia uma tradicional convenção de
atrelar os lançamentos de blockbusters ao período do Verão, e assim o público
brasileiro esperava, pacientemente.
A mais recente "história Star Wars" estreou no mundo inteiro no mesmo dia |
Quatro décadas depois, a dinâmica mudou completamente. A
mais recente produção da série Guerra nas Estrelas – “Rogue One – Uma história
Star Wars” – estreou no mundo inteiro no mesmo dia, em dezembro de 2016. Tempos
de economia globalizada, de esforços concentrados para gerar alta receita, no
menor tempo possível. Como tudo na vida, essa sincronia trouxe benefícios e desvantagens.
Entre elas, uma espécie de fobia dos chamados “spoilers”.
Não conhece o termo? Sem problema. O dicionário
Inglês-Português resolve: spoiler
significa “destruidor, desmancha prazeres”. É derivado do verbo to spoil (estragar, malograr,
deteriorar). No jargão dos fãs desse tipo de série, “dar spoiler” significa
contar algum detalhe do filme (e nem precisa ser o final). Outra derivação do
verbo é a palavra spoiled, que significa,
em Português, mimado. Poucas associações podem ser tão significativas.
Veja a reação de um fã de alguma dessas séries (vale para as
de TV também) diante da perspectiva de receber um spoiler. Parece uma criança contrariada, mimadinha que, diante da bronca, tapa
os ouvidos e fica emitindo ruídos altos, para não escutar a voz dos pais. Juro
que já ouvi, de um deles: “a pior coisa que uma pessoa pode fazer é dar um spoiler”.
Claro, alguns finais de filmes ou episódios, se revelados,
roubam o elemento surpresa que os realizadores de filmes engendraram na trama.
Saber antes que Bruce Willis também é um (assassino? psicopata? fantasma?) esvaziaria
a grande revelação de “O sexto sentido”. Assim como descobrir que os
personagens de “Lost” estavam todos (delirando? falidos? mortos?). Mas a turma,
às vezes, exagera, como na vez que um crítico de cinema recebeu reclamações por
ter revelado que Adolf Hitler morria (!) no filme sugestivamente intitulado “A
queda – as últimas horas de Hitler” (!!).
Além disso, reduzir toda a obra cinematográfica “ao que
acontece” é atestado de superficialidade. Se tivesse lido, antes de ver o
filme, que o E.T. faz as bicicletas dos garotos voarem em determinada cena, por
isso você teria deixado de se encantar com a poesia das imagens criadas por
Steven Spielberg? Se soubesse antes que a personagem de Jodie Foster conversa
com o espírito de seu adorado pai em “Contato”, ficaria menos emocionado com a
beleza daquele encontro? Um filme não se resume ao que acontece nele, mas em
como isso se apresenta na tela.
Sam Peckinpah: não conhece? Dá um Google e pronto |
A geração que nunca precisou esperar um semestre inteiro
para assistir a um filme já visto no Hemisfério Norte também parece se
ressentir de referências a outras obras em resenhas e críticas de filmes. Já vi
gente reclamando que, em tal texto sobre um filme de Quentin Tarantino, certo
crítico fez referência a Sam Peckinpah. “Nunca ouvi falar desse cara, por que
ele está citado aqui?”
Comumente, esse tipo de referência é lido pela horda de
mimadinhos como exibicionismo do crítico quando, muito provavelmente, ela é um
elemento a mais para a compreensão da obra analisada. Considerando que basta
uma rápida consulta em um site de busca para saber que Sam Peckinpah foi um dos
primeiros diretores a incorporar a violência de forma explícita em seus filmes,
chega a dar pena da preguiça de alguns leitores, que deixariam de conhecer a
fonte de um elemento fundamental na obra de seu cultuado Tarantino.
Lá nos anos 1980, 1990, quando havia uma referência
desconhecida em uma crítica, a alternativa era procurar em livro, revistas
especializadas. Com alguma sorte, encontrar um filme antigo em uma
videolocadora. Hoje, com tudo mais fácil e à mão, descortinando praticamente a
história do cinema em incontáveis conteúdos online, há quem reclame. Eles, os
mimadinhos.
3 comments:
Nossa, essa frescura me incomoda demais.
Certo dia estava lendo uns comentários sobre a série The Tudors, um deles comentava sobre a decapitação de Ana Bolena. Um irritadinho foi reclamar com o autor do comentário pq a morte dela, fato histórico famoso, era spoiler.
Outra situação curiosa q notei recentemente em relação a isso foi uns comentários q li sobre o recém-lançado trailer de Liga da Justiça. Alguns fãs comentaram que o Superman, morto no filme anterior, não deveria aparecer no material promocional do filme seguinte. Ora, um personagem como esse é um ícone e o filme vai vender mais com ele no poster do que sem ele lá. Então, é óbvio que o estúdio responsável vai inseri-lo no marketing, não vão prejudicar a divulgação de seu produto apenas para satisfazer capricho de fã bobo, que representa uma parcela ínfima do público total.
Aliás, falando em materiais de divulgação, as pessoas adoram reclamar que trailers mostram demais e bla bla bla. 1- Ngm é obrigado a assistir. 2 -Acontece que trailers quase sempre fazem um apanhado geral da trama, revelando detalhes importantes, inclusive, como é o caso do primeiro piratas do caribe em 2003 e Vertigo, em 1958. Porém, as pessoas hj tratam isso como novidade e reagem com uma histeria que não possuíam antigamente, qnd o marketing fazia a MESMA coisa.
Carol, muito obrigada pelo comentário. Demorei algumas semanas para me decidir a publicar esse texto, porque eventualmente me parecia um simples choque de gerações, mas a conclusão do seu comentário é um complemento importante na compreensão da dinâmica da divulgação de filmes e séries: SEMPRE foi assim! Obrigada :)
Essa geração mimimi, é um pé no saco. Não se dão ao trabalho de ler a orelha de um livro que alguém comentou. Pedem um "sumariozinho" da orelha!!!! ´"è muito grosso..., vou levar um ano pra ler e por aí vai. Acho fascinante conhecer uma história e assistir um filme baseado nela e conhecer a imaginação do diretor ou roteirista em provocar o climax que já é conhecido...É td para consumo imediato e esquecimento em menos de uma semana. Tenho livros e DVD's que volta e meia, releio ou assisto novamente e sempre se percebe alguma coisa que instiga de alguma forma. As entrelinhas são sempre mais saborosas especialmente para quem aprendeu a pensar e faz, disso motivação pra seguir em frente. Spoiler pra mim, sempre foi um adereço aerodinâmico para carros de corrida. Se usava muito, nos anos 60 e 70.
Aliás, apesar da tecnologia fabulosa , detesto assistir em cinema filmes que fazem pensar. O silencia é ouro e ficar ouvindo neguinho comendo pipoca, conversando, fazendo barulho,sem contar com os celulares tocando alto, ai ai ai.. é pra perder o tesão mesmo.... beijim...
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