Julio Machado e Isabél Zuaa, em cena de "Joaquim", que estreia dia 20 de abril |
A partir de hoje, meus textos também poderão ser lidos no site "Cinema em Cena", em uma nova coluna chamada "Brasil em Cena", dedicada à produção audiovisual no Brasil. Na primeira coluna, o destaque é o filme "Joaquim", o quinto longa do diretor pernambucano Marcelo Gomes. Entrevistei o Marcelo e dois atores do filme - Julio Machado e Isabél Zuaa. O conteúdo todo está aqui.
Só um trechinho da entrevista com o Marcelo, dando o tom:
Cinema em Cena – Existe um paralelo entre o Brasil Colonial de “Joaquim” e o momento atual do Brasil?
Marcelo Gomes – Acho que os personagens são muito contemporâneos, porque são contraditórios, humanos, têm objetivos muito específicos, pensam neles mesmos, porque estão em um momento salve-se quem puder. A ética da época faz com que Joaquim, mesmo cultivando pensamentos “humanistas”, não ache estranho ter escravos. Mas isso não é muito diferente de agora. A elite brasileira acha normal ter uma pessoa para limpar seu banheiro. Nós ainda precisamos viver um processo de descolonização na nossa cabeça, porque isso está presente até hoje, impregnado. Quando você chega a um edifício, em São Paulo, construído nos anos 70, 220 anos depois desse período, tem dois elevadores, o social e o de serviço, aí você chega na casa e tem duas portas, a social e a de serviço. Um europeu chega aqui e pergunta: o que é isso? É a casa grande e senzala verticalizada. Muda a face, mas no âmago está tudo ali.
Aqui, um trecho da entrevista com Isabél Zuaa:
Cinema em Cena – A mulher negra segue sendo a maior vítima na nossa sociedade?
Isabél Zuaa - No cinema, como na vida, a mulher negra é costumeiramente vista como o final da cadeia alimentar. Ela é vista para servir, ela é a barraqueira, mas por quê? Porque ela usa essas estratégias de resistência, como a Preta faz no filme: ela tem uma força física e uma força psicológica. Ela mata um homem e, diante de tudo que ela sofreu, o espectador se identifica com o gesto porque percebe que aquela foi uma reação, uma legítima defesa. O que a Preta faz com sua própria vida, no filme, é o que a gente chama hoje de empoderamento: é a reação de uma mulher negra em uma sociedade hostil a ela. E essa sociedade hostil continua, para mim. No entanto, eu tenho outros mecanismos para me impor, não precisei matar e fugir, mas eu tenho pessoas na família que precisaram fugir. Meus pais são africanos e passaram por duas guerras, em dois países africanos colonizados por Portugal. As consequências se mantêm: sabe lá o que alguém tirar você da sua terra e te dizer “você não pertence mais a esse lugar”? Isso é de uma violência extrema.
E um pedaço da conversa com Julio Machado:
Cinema em Cena – O protesto que a equipe fez, em Berlim, contra o atual governo no Brasil, traz algum temor em relação ao filme e à sua carreira?
Julio Machado - Nenhum temor! Estar vivo não permite ensaio. As coisas vão chegando e, se isso (um boicote ao filme) acontecer vai ser mais uma oportunidade para se revelar a mesquinharia dessa reação reacionária da nossa sociedade bipolar, que não se conhece. Que se enxerga no americano e no europeu e não se conhece, nunca leu um livro de história e fica tentando fazer discurso político sem conhecer nada. É uma distorção completa. É uma situação que a gente vê no filme como gênese e segue aí. Não tenho temor algum. Eu quero mais é que essas pessoas se revelem, que elas se manifestem, mas não escondidas atrás de um computador.
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