Sunday, July 13, 2014

Sarriá, Mineirão, razão, coração

Algumas horas depois do 7 x 1 para a Alemanha, meu filho me perguntou se aquela derrota era pior que a desclassificação do Brasil na Copa de 1982, história que me marcou de forma decisiva e que mencionei a ele em várias ocasiões. No impacto da derrota desconcertante, não soube o que responder. Naquele mesmo dia, meu colega Thiago Alves me perguntou algo semelhante via Twitter. Nesse momento, eu cheguei à resposta, mas achei que valia a pena ir um pouco mais a fundo nela.

7 x 1 para a Alemanha: não foi jogo, foi massacre; em 1982, eu assisti a um jogo de futebol


Eu tinha 12 anos na Copa de 1982, a da Espanha, do Naranjito, da seleção extraordinária de Telê Santana, com Zico, Júnior, Falcão, Oscar, Éder e meu ídolo maior, Sócrates. Aquele ano produziu marcas tão profundas na minha vida que, algum tempo atrás, ao preparar uma apresentação para alunos de uma faculdade de Jornalismo, percebi que foi entre janeiro e dezembro de 1982 que não apenas me decidi por ser jornalista como fixei alguns dos valores mais importantes do meu caráter.

Na ordem, o ano de 1982 viveu três acontecimentos de repercussão nacional que me impactaram fortemente: a morte de Elis Regina, em janeiro, a Copa do Mundo, entre junho e julho, e a consolidação da Democracia Corintiana, coroada com o título do Campeonato Paulista pelo Corinthians, em dezembro. Cada um a seu modo, os eventos provocaram em mim a mesma sensação - de querer fazer parte - e a maneira de concretizar isso seria escolhendo uma profissão que pudesse me abrir caminhos entre assuntos tão díspares quanto a cultura e o esporte. Jornalismo, meu filho, é isso: é ser especialista em generalidades. O jornalista vai alargando seu conhecimento sobre tantos assuntos, de forma tão superficial, que chega ao final da carreira sabendo nada sobre todos os temas. Ao contrário dos médicos e advogados, que se aprofundam tanto sobre algo tão específico que se aposentam sabendo tudo sobre coisa nenhuma (essa comparação sempre me faz lembrar da piada do "especialista em direito". Te contei?)

Vínhamos de uma Copa na qual fomos "campeões morais", desclassificados por uma anfitriã que comprou sua presença na final por meio de suborno à seleção peruana. Tínhamos um time magnífico, um técnico genial, afeito ao toque de bola. Começamos com um jogo duro, contra a União Soviética, com Waldir Peres levando um frango, ganhando por 2 x 1 suado, e fomos evoluindo no desempenho, enfileirando duas goleadas (Escócia e Nova Zelândia), para desaguar em uma revanche aguardada e vencida com louvor sobre os argentinos. Eles eram o belzebu das nossas vidas. Passamos por eles, tirando o jovem Maradona de campo, enfezadinho, pronto, a Copa é nossa!

Paolo Rossi passa pelo lateral Júnior na partida que desclassificou o Brasil da Copa de 1982


Na minha cabeça de 12 anos, o pior já tinha passado, a Itália era um pedregulho a ser retirado do caminho, depois de transpor a montanha argentina. Não acho que seja pretensão imaginar que a própria seleção brasileira imbuiu-se desse espírito. Em nenhum momento o time do Brasil menosprezou a Itália, mas manteve-se fiel a seu toque mágico de bola, e talvez tenha cometido seu grande pecado ao ver em Paolo Rossi um jogador comum, o que era plenamente aceitável, posto que esse meu pesadelo eterno, esse delírio dos infernos, esse carcamano sem coração não tinha feito nada na Copa até então. Nada, zero, vácuo. Nenhum gol. E precisávamos só de um empate. 1 x 0. Gol de Rossi. Zico empata, 1 x 1. 2 x 1. Gol de Rossi. Falcão empata, 2 x 2. Aos trinta do segundo tempo, o golpe final, certeiro. 3 x 2. Gol de Rossi. E assim acabou.

Mas foi um jogo, uma disputa, um placar apertado. Os 7 x 1 na semifinal da Copa de 2014 foi um vareio, uma surra, uma demonstração de força inequívoca. Ou uma demonstração de fraqueza absoluta?

No aspecto esportivo, a derrota da seleção brasileira para a alemã, no Mineirão, foi muitas vezes pior que a chamada tragédia do Sarriá.

Mas a goleada história deste ano me pegou com 44 anos, um filho, contas a pagar, compromissos profissionais diversos a cumprir, os treinos de mais uma maratona daqui três meses. Aos doze anos, eu tinha a escola e a Copa. Acabou Copa, meu mundo caiu. A razão me mostra, por todos os ângulos, que o Mineirão foi uma derrota muito pior. O coração me lembra que o Sarriá, que nem existe mais, nunca vai sair da minha cabeça. Maldito Paolo Rossi...


5 comments:

Por Dentro dos Boxes said...

Alessandra,

me identifiquei completamente com seu texto...

tbm vivi a mesma coisa em 82 e concordo com voce: os 7 x 1 para a Alemanha foi muito pior que a 'tragédia do Sarriá'...

fico com a demonstração de fraqueza absoluta...

abs...

André Candreva

Eduardo Trevisan said...

Sofri mais em 82, aquela seleção mereceu respeito até o fim. A gente sofre mais quando é magoado por quem vale a pena.

Alessandra Alves said...

Obrigada, André e Eduardo, por seus comentários. Chega a dar pena de quem não sofreu como nós, em 1982, não é? :)

Ron Groo said...

Me lembro de ter ido chorar debaixo da escada na casa do meu pai no dia que a Itália nos venceu em 82.
Durante anos fiquei achando que a chave para se fazer uma seleção vencedora era a amizade entre os jogadores...
Ai veio o Eder e o Chulapa e disseram que amizade era a única coisa que não tinha naquela seleção... Que até na hora das comemorações dos gols cada um corria para a placa onde estava seu patrocinador pessoal...
Não mudou muita coisa no sentimento que tenho por aquele time.

Esta derrota deste ano, não fiquei sequer triste, aliás, sem mea culpa, gargalhei.

Não dá pra levar a sério um time sem padrão de jogo (bola no Neymar, bola no Neymar), com um centro avante de um time rebaixado: se ele fosse bom o Flu não tinha caído.
Goleiro de liga amadora do Canadá(!) e um monte de garotos propaganda.

Do lado de fora um técnico que nunca foi treinador e sim motivador.
Que preferiu o conceito de "família" ao de "equipe" e foi teimoso e arrogante até o fim.

Sem contar os dirigentes, retrógrados, ultrapassados,amadores e nos quais não se pode ter um grama de confiança.
Marins, Del Neros, Sanchez, Teixeiras...
Sem mudar isto ai, não muda em campo.
E se não mudar em campo, duvido que eu consiga encontrar - de novo - aquela paixão que tinha pelo time amarelo.

Anonymous said...

Por essas e outras o futebol desperta paixão e ódio. Como pode uma seleção tão espetacular ser desclassificado nas quartas de final e uma seleção jogando tão feio como a do Parreira ser campeão?
Mauro