Monday, May 07, 2007

Rita Lee Mora ao Lado - Parte 2



1) Vamos começar com algo tipo "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?". Você resolveu escrever RLML por ter colaborado com o Carlos Calado no "A divina comédia dos Mutantes" ou colaborou com ele por já ter farto material de pesquisa que, um dia, se tornaria a biografia dELA?

Minha história com os Mutantes já tem 35 anos. Em 1972, comprei a Guitarra Maldita do Sérgio, aquela que aparece na capa do Tropicália, Mutantes 2, contra-capa do Jardim Elétrico. Conheci então o Cláudio César, o terceiro irmão, que começou a fazer equipamento para minha banda em Ribeirão Preto, chamada então Grupo 17. Durante muito tempo, íamos até a casa dele na Cantareira, isto pouco após a saída da Rita. Muitas vezes, subíamos a serra com o Liminha, e a conversa fluía solta, e à partir daí os bastidores se abriram.
Quando fiquei sabendo que o Calado iria escrever um livro sobre os Mutantes, através de uma amiga fiz contato e disponibilizei todo o material que eu tinha, que eram muitas fitas gravadas nos shows, inclusive a primeira apresentação da Rita com a Lúcia Turnbull, como as Cilibrinas do Éden, feita na abertura do show dos Mutantes na Phono 73. Para o Calado, que nunca tinha visto os Mutantes, foi uma mão na roda, além das histórias que eu sabia.
Isso foi em 1993/95. Em 1998, encontrei o e-mail da Rita, e na verdade eu gostaria de dar a ela a apresentação das Cilibrinas, que provavelmente ela não teria, e principalmente comprovar que elas não haviam sido vaiadas, como Rita costumava dizer, e fato que assino embaixo por estar presente. Daí nasceu uma grande amizade e troca constante de mensagens, já que tínhamos gostos e tipo de humor muito parecidos. Praticamente três anos depois, eu vi que tinha uma infinidade de histórias que ela havia contado, e que seria muito interessante que as pessoas conhecessem.
Ela negou-se terminantemente, dizendo que biografia é coisa de gente morta, e coisa e tal.
Foi neste ponto que tive a certeza que ou eu escreveria, ou ficaria com as histórias só para mim. Quando se vai escrever um livro, temos que tomar certas decisões. Resolvi que ela seria a única fonte, ou seja, eu não ficaria confirmando histórias e nem pegando outros relatos. Então já não seria uma biografia no sentido acadêmico, e como Rita é cheia de personagens, então que uma contasse sua história.

2) Como você definiu esse formato, criando uma narradora fictícia que era vizinha de Rita Lee na infância? Seu nome - Bárbara de Oliveira Farniente. O Farniente é óbvio, uma citação de "Banho de espuma". Por que Bárbara? E por que o parentesco com Dalva de Oliveira?

O formato foi definido como explicado na pergunta anterior. Farniente foi mesmo tirado do "Banho de espuma", e porque quer dizer "nada fazer", ou seja, a personagem não precisou fazer nada para ganhar o papel principal. Bárbara é porque Rita era para ter este nome, mas foi vetado pelo pai Charlie, que não gostava da catolicices, muito embora tenha se esquecido de Santa Rita. Dalva de Oliveira era mesmo amiga da mãe de Rita em Rio Claro, na juventude, e ajudou a dar consistência na trama.

3) Bárbara "pegou" gente à beça nessa história. Até agora, ninguém reclamou? Alguma queixa em relação a apelidinhos carinhosos como Jorge Bengala, para Jorge Ben, ou Nelson Moita, para o Motta?

Estive pessoalmente com o Nelsinho, e ele adorou ser "pego" pela Bárbara e se assumiu o verdadeiro Moita que é na MPB. Acho que o Bengala, digo, Benjor, não deve ter achado ruim ficar tão Ben na fita.

4) Uma percepção minha talvez distorcida. Arnaldo Baptista é quase uma sombra na história. Não esqueço que quem conta a história não é Rita Lee (não mesmo?), mas Bárbara Farniente, que não foi namorada/mulher do homem, não teve contato direto com ele, portanto. Mesmo assim, outros personagens igualmente pouco conhecidos de Bárbara têm um destaque maior que o dele. Ufa! Estou certa? Estou errada? Desculpe a colocação, mas em certo trecho me pareceu que evitar Arnaldo era um jeito de agradar Rita...

Esquecendo um pouco a ficção, como já disse anteriormente, é tudo baseado no ponto de vista da Rita. Assim é fácil concluir que com o girar da roda do tempo, é assim que as pessoas estão configuradas na história da vida dela, para ela. Neste ponto, minha interferência, mesmo fictícia, foi mínima. E em momento algum eu quis agradar, e acho mesmo que Farniente foi muitas vezes dura com sua antagonista branquela e sardenta.

5) Biografia de gente viva é sempre complicado: quando parar? Você me parece ter enfrentado esse desafio sem colocar um ponto final da história de Rita Lee. Ela se dissipa, se funde, vai se amalgamando com a história de Bárbara. A "ficção" que toma conta da história, na parte final da narrativa, é um desejo do que você (Bárbara, eu, todos, essa pessoa só) temos em relação ao futuro de Rita Lee?

O espaço delimitado foram os primeiros 50 anos da Rita, e conseqüentemente da Farniente. E o final é este mesmo, ou seja, a partir dali elas assumiram-se amigas e colaboradoras. O caminho ficou aberto para uma seqüência, que pode vir a demorar mais 50 anos, vai saber.

6) Agora conta, como foi chegar até ELA? ELA assina a orelha do livro, admite ter recebido a história e demorado para ler o amontoado de coisas sobre sua "vidinha vulgar". Quanto foi esse tempo? Quanto você esperou até o e-mail dELA desembarcar na sua caixa de entrada, dando a bênção?

Chegar até ela foi muito fácil. Mandei uma mensagem perguntando se ela era ela mesma. Ela disse que sim, eu duvidei um pouco, depois acabamos nos acertando, isso em uns três dias. Quando pedi a permissão para escrever, eu ia fazendo os capítulos e enviando, até mais ou menos o quinto. A partir daí, ela não viu mais nada, até que terminei a primeira parte, em torno de uns 20 capítulos. Ela adorou, e na verdade a benção já estava dada desde o início. A segunda parte, embora eu já tivesse todo o material, eu demorei um bom tempo para escrever, devido a uma perda familiar repentina que tive, e que me tirou um tanto do ânimo. Mas as coisas na vida, por piores que sejam, sempre se ajeitam, e um ano depois peguei firme e terminei, sem ter contado a ela que o fim seria o que é. Era meu único medo. Quando enviei, ela leu tudo de uma sentada só, me chamou de maluco e disse o "Go, Johnny , go, go...", que agradeço no livro. Na batalha para arrumar uma editora, a grande dificuldade era o medo de não ser autorizada, o que ela ia achar daquilo, coisas assim. Foi então que pedi a orelha, para mostrar que ela sabia muito bem do que se tratava.

7) Seu blog tem inúmeras contribuições dELA e fica claro que hoje vocês se correspondem e, de certa forma, ELA desceu a espada sobre seu ombro e nomeou você mensageiro da rainha. Isso foi anterior ao livro ou nasceu com RLML?

Eu não tive uma irmã, ela não teve um irmão, e é assim que nos tratamos. Fiz o blog para manter um contato diferenciado dela com os fãs e curiosos, e também para ficar treinando a escrita, que é a real função dos blogs, não é mesmo? E a idéia nasceu depois do lançamento do livro. Mas não sou tão mensageiro assim, pois volta e meia levo uns puxõezinhos de orelha, heheheheh... mas, depois de publicado no blog, eu não tiro.

8) E o diário de Rita Lee, que Bárbara vai xeretar e consegue salvar algumas páginas? Aqueles textos de Rita sobre filhos, proteção aos animais, fofoquinhas de artistas, aquilo é real?

Aquilo é ipsis literis texto dela. Eram as coisas que ela me escrevia quando eu perguntava as posições dela em relação a vários assuntos, para ser usado no livro. Não estão nem editados.

9) Para terminar, e não vale copiar a resposta de Bárbara Farniente, uma questão fácil para você: quem é Rita Lee?

Na verdade, o Bárbaro Farniente aqui diz lá no livro o que acha realmente dela, mas posso dizer um pouquinho mais. É bom que se saiba que eu não sou fã da Rita, mas um admirador, e dos grandes. Fico até assustado com o tipo de ligação que os fãs têm com ela. A Rita tem o brilho das pessoas especiais, e não é à toa que é o que é. Ela não fica batalhando as coisas. Tudo vem para o lado dela, e mediunicamente os assuntos vão sendo revelados para o público em geral. A pessoa Rita Lee tem muito medo disso tudo, pois geralmente não se acha merecedora, sabe da responsabilidade que isso traz, mas não foge à luta, jamais. Sabemos que somente aqueles quatro seriam os Beatles, somente aqueles 3 seriam os Mutantes, e vários outros exemplos. A nós da platéia, resta aplaudir e agradecer a contemporaneidade.

E fique à vontade para fazer seu reclame: onde achar o livro, quanto custa, eventos programados. A casa é sua!
O livro está bem distribuido pela Panda Books, e pode ser achado em qualquer site confiável, que venda livros, claro, e nas grandes redes de livrarias. Os preços variam e variam, mas começa em R$39,00.
O próximo evento, é uma feira do livro, em Natal, dedicada à Tropicália, e estarei fazendo uma palestra no dia 04/06, uma segunda-feira, às 19:00.
Mas gostaria muito que todos virassem fregueses do www.bartmoraaolado.blogspot.com que é um adorável ponto de encontro para histórias, fatos e fofocas da vida em geral. E volta e meia ELA passa por lá.

4 comments:

Anonymous said...

Excelente entrevista.
Criatividade lah e cah, nas perguntas e respostas.

Parabens!!!

Anonymous said...

A escrita de Bart é sem cerimônia : "perfeita" ...
Traduzir a mais completa tradução de Sampa era algo até então "impossível" .. mas, com leveza e bom humor "o cara" conseguiu a levada boa como se aquilo tudo fosse uma canção .. daquelas que se escuta o dia todo, em qualquer lugar, sem se cansar ..

Ao ler o livro se confirma a grandeza que é Rita Lee, pois artista e ser humano mas completo que essa Ruiva eu desconheço ..
Rita é a feiticeira moleca que nós leva há delírios secretos, ou nem tanto .. através da música se expressa despindo quem escuta ... e nós só temos que dizer : amém!!

Rita é única .. eterna ..

Salve a Santa de Sampa !!
Adorei a entrevista !!
bjs
fetz

Anonymous said...

Dona Alessandra, muito prazer, sou fanática por Rita Lee desde 1975 e como toda fã doente quero dizer que gostei e não gostei do que li no seu blog, dizer que há compositores e músicos melhores do que ela aos montes, francamente. Eu não vejo artista no mundo à altura de Rita e já passou da hora desse país respeitá-la, nossa compositora mais censurada, ousada... O tom da alegria, da criatividade e do talento no meio daquela caretice ditatorial.
Mas gostei de algumas referências que fez à obra do nosso querido Henrique Bartsch, que realmente merece toda a nossa consideração e respeito.
E eu também lia o Rita Lee mora ao lado em situações inusitadas, a maior delas foi dirigindo para ir ao trabalho, pois sou professora e ralo o dia todo. Mas ler secando o cabelo e na piscina... ulalá... é muito chic.
Se quiser ler meu blog só sobre Rita, no qual conto os shows dela nos quais vou em todo o Brasil, e faço uma espécie de relato à luz de matérias jornalísticas da época e com o auxílio luxuoso da minha pobre memória, acesse:
http://normalima.blog.terra.com.br
E habemus Papisa Santa, dona Alessandra. Viva Rita Lee!

Alessandra Alves said...

joseh: meu bom josé, gracias!

fernanda: é isso aí! viva rita, viva o livro da rita, viva o henrique que nos deu esse presente!

norma: ainda não deu para passar lá no seu blog, mas vou, prometo. ainda bem que você entende minhas opiniões apenas como isso mesmo - opiniões de alguém como você, uma pessoa comum, uma filha de deus. e como bem disse o henrique numa das respostas, blog serve é para isso mesmo, né? para encontrar pessoas, debater, eventualmente discordar. aqui não é o mcdonald´s mas amo muito tudo isso. sim, habemus papisa (incomparavelmente melhor que o ratzinger!).

beijos a todos!