Thursday, May 24, 2007

"Pois sem você, meu tesão..."

Fui falar de Eduardo Dussek e de seu surgimento no Festival MPB 80, da Globo, que a coisa escapou do controle. O elétrico Rodrigo Mattar logo replicou com um post sobre o festival seguinte, o MPB Shell, e então fiquei sem alternativas neste agradável duelo. É preciso falar do “Festival dos Festivais”, competição lançada também pela Globo, em 1985.

A pretensão do nome, vá lá, justifica-se. Para organizar o certame, a Globo chamou Solano Ribeiro, responsável pelos históricos festivais da Record da década de 1960 e fomentou um número impressionante de inscrições – mais de dez mil. O desejo de tornar o evento um acontecimento nacional foi reforçado pela descentralização das eliminatórias, quatro ao todo, realizadas em Recife, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, cada uma com a apresentação de 12 músicas. As duas semifinais e a finalíssima aconteceram no Rio, no ginásio do Maracanãzinho.

Para garantir que o festival fosse o sucesso esperado pela Globo, Solano cercou-se dos bons e velhos amigos. Por exemplo, chamou para compor a comissão de pré-seleção o pianista e arranjador César Camargo Mariano, que por sua vez resolveu contar com a ajuda do então rapazola João Marcello Bôscoli, seu enteado, primogênito de Elis e hoje presidente da gravadora Trama. A função de João Marcello, no processo, era colocar para tocar as milhares de músicas enviadas em fitas k-7 para a equipe de notáveis ouvir.

Não foi por falta de músicas nem de empenho da equipe que o Festival dos Festivais foi chocho feito ele só (justiça seja feita: outros poucos festivais o sucederam e conseguiram ser ainda piores, mas isso é outra história, que eu não pretendo contar!). Apesar da sofrível qualidade musical apresentada, a competição teve bons momentos.



A começar pela “revelação” da intérprete da canção vencedora, “Escrito nas Estrelas”. A sul-matogrossense Tetê Espíndola sustentava uma tímida carreira comercial desde o fim dos anos 1970, tornando-se no começo dos ´80s um dos nomes de maior destaque da chamada “Vanguarda Paulista” (bem lembrado, um dia falo dessa vanguarda paulistana capitaneada por um paranaense, um tieteense, uma sul-matogrossense etc.). Tetê era underground à beça e causou espanto para quem a conhecia ao surgir na Globo cantando uma baladinha convencional, vestindo uma roupa de crochê nada convencional e usando um penteado doidaço.

A música podia até ser qualquer nota, mas tinha alguns traços de originalidade. A começar pelo autor da letra, Carlos Rennó, que era também crítico de música, uma bela saída do armário, de pedra a vidraça. E um verso daqueles “vamos celebrar o fim da Censura” (lembrando: em 1985, José Sarney – gostemos ou não – assumiu como o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar, decretando, entre outras medidas, o relaxamento da Censura). O verso era justamente o título deste post – “Pois sem você, meu tesão...” – que Tetê cantava exacerbando no agudo, sua marca registrada, e fazendo uma cara de malícia bastante compatível com aquela roupa cheia de buracos.

Em segundo lugar, ficou a indígena “Mira Ira”, de Lula Barbosa e Vanderley de Castro, cantada pela desaparecida Miriam Mirah, uma canção com um refrão indecifrável, mas que levantava a galera. Algo assim: aná-ná-ira-ira-ira-ná-ná-tupi.

E em terceiro, talvez aquela que tenha sido a mais perene das obras inscritas no festival, “Verde”, de Eduardo Gudin e Costa Netto, interpretada por Leila Pinheiro, que recebeu o prêmio de revelação do festival. E um registro final para competidora premiada como a melhor letra – “A última voz do Brasil”, do irreverente grupo Joelho de Porco, capitaneado por Zé Rodrix.

E para não dizer que não lembrei: o prêmio para a melhor canção foi entregue por ela, Rita Lee.

15 comments:

L-A. Pandini said...

"Verde" é simplesmente maravilhosa! Emocionante, altíssimo astral até hoje e ainda mais naquela época em que o país ainda tateava em busca de sua democracia política.

Para quem não sabe: a idéia da música surgiu durante um comício pelas Diretas Já.

Capelli said...

Eu adorava Mira Ira.

"Ananá ira
Mira ira ananá tupi
ananá ira
ananá ira
mira ira"

E detestava "Os Abelhudos". Apesar da música deles - "O Dono da Terra" - ser bonitinha.

valeriaterena said...

Eu tenho o disco (LP) do Festival dos Festivais. Preciso arranjar alguém pra passar alguns dos meus lps pra cd antes que eu perca alguns registros preciosos.

Adorei as músicas citadas, especialmente Verde.

"verde as águas do mar
ver de perto ver..."

Anonymous said...

Boa lembrança, Alessandra. Minha mulher na época fazia parte do júri e fomos pro Rio acompanhar a final, com toda a mordomia hehe... Me lembro que foi difícil pro júri chegar a um consenso, mas decidiram-se enfim por premiar a Tetê e o Rennó, pelo que ambos representavam em termos de 'vangarda paulista' e pela voz única, inusitada da intérprete, que era muito simpática ao júri, por seu histórico ao lado de Arrigo, e pelo ótimo disco que ela havia lançado há pouco (que trazia a cantora nua à beira de uma cachoeira, em foto belissima). Isso apesar dos jurados concordarem que Verde era melhor como musica, mas tinha a desvantagem de ser muito convencional, quadradinha, careta. Pena que esse momento de glória tenha sido, também, o início da decadência da Tetê. Depois disso, coitada, ela nunca mais 'se achou'...

Anonymous said...

Outro que merece um belo post é o Joelho de Porco. Neste festival, quem fazia algumas reportagens de bastidores, era a Leila Cordeiro, ainda antes do Eliakim Araújo. Logo após a apresentação da "Voz do Brasil", ela juntou o grupo para aquelas entrevistas bestas que não interessam nem a pergunta nem a resposta "como voces estão se sentindo...". Tinha Zé Rodrix (que eu não considero lá um Joelho), David Drew Zing (acho tb convidado), Próspero Albanese (este sim) e o agora finado Tico Terpins (este sim, o pai da idéia). Naquela conversa mole, Tico que estava sentado, primeiro tentou fazer com que Leila sentasse no colo dêle. Ela ficou arisca e sem graça. Na sequëncia do papo, eles estavam todos de smoking, e em plena globo, para todo o Brasil, Tico enfiou a mão no bolso, tirou um pinto de borracha e deu na mão da Leila. Foi uma das coisas mais engraçadas que vi, e para mim justificou a existência deste festival. Ah, o corte para os estúdios demorou um pouco para acontecer, pois ninguém esperava por aquilo. Salve Tico, Salve Joelho. Mardito Fiapo de Manda/Preso no maxilar/Inferior...

Anonymous said...

OH-Oh...saiu digitado errado...Mardito fiapo de Manga...sorry

Andréa said...

Eu, que sou super saudosista, adorei o revival! Beijo.

Rodrigo Mattar said...

E dessa vez, o chato Oswaldo Montenegro, que cantou "Condor", com um coral mais chato ainda, não levou nada! Eu, não sei porque, gostava de uma música chamada "Caribe, Calibre, Amor". Mas perdoem minha ignorância musical na época, eu só tinha 14 anos - embora gostasse muito do nascente rock brasileiro.

Felipe Atch said...

Posso ser saudosista de algo que não vivi?

Alessandra Alves said...

inspirado pelo post, o pandini escreveu um sobre "verde", vale a visita. mas ainda me pergunto: se a música foi inspirada nas diretas, não deveria se chamar "amarelo"?

capelli: não tô falando? a galera se acendia com mira ira. acho até que era a favorita do público.

eu, nessa época, já tinha 15 anos e o firme propósito em me tornar jornalista e crítica musical um dia. portando, vi o festival arrogantemente como "técnica", não como "torcida". mas confesso que gostei da vitória da tetê, por essa coisa da vanguarda paulistana que ela representava.

valéria: eu também tenho esse lp em algum lugar. vou procurar, vai ser um flashback e tanto. tem uma música legal à beça que fala de boi, nem lembro direito.

marcio: obrigada pelo testemunho de quem "sabe porque esteve lá". realmente, a tetê sumiu do mapa depois daquilo. estive olhando no site dela, parece que ela tem feito algumas coisas, mas tudo muito apagadinho.

henrique: nooooosa, eu não lembro disso. que coisa mais "pânico", hein? eu lembro bem da apresentação do joelho de porco, eles hiper debochados naqueles fraques. e também só me lembrei do david drew zing depois que você citou. engraçado o zé rodrix, né? ele não era bem joelho de porco, para mim ele também não era bem sá, rodrix e guarabyra. o que seria ele, então? um grande autor de jingles? (sem demérito, por favor).

andréa n.: enjoy it!

mattar: o coro do oschato montenegro nem sabia no palco, lembra? essa "caribe, calibre, amor" era legalzinha mesmo. intragável mesmo era a música que o emílio santiago cantou, em homenagem a elis. quem lembra dela?

felipe: poder, pode, mas, na boa, se você quiser ser saudosista de alguma festival, esse é pouco indicado. aliás, já que estamos falando de festivais, quem se interessa pelo tema deve ser "a era dos festivais - uma parábola", de meu mestre zuza homem de mello. só que ele pára nos fic da globo. acho que alguém deveria escrever um livro sobre os festivais dos 80s. será que tem? vamos escrever nós, mattar?

Anonymous said...

E depois - ou será que foi antes
? - ainda teve o Festival da Tupi, aquele vencido pela ótima 'Canalha' do Walter Franco, e que tinha tb Caetano cantando uma do JorgeBen e o Fagner cantando não me lembro o quê. Nos bastidores, assim que foi anunciado o resultado (Walter em 1o. e Fagner em 2o), Caetano dizia entre gargalhadas: "Ganhou o canalha do Walter Franco e o canalha do Fagner...". HAHAHAHAHA!!!!!!!!!

Celinho Boy said...

Alessandra, boa! Foi boa a atua atitude em "rememoriar" o Festival dos Festivais. Me parece que foi neste festivakl que o Bial recitou um verso e se me lembro tem no You tube. Sobre a música vencedora, teve muito apelo popular, tem gente que canta até hoje. Sinceramente me soa estranho, parece mais uma música comum, mas tudo bem, meu bem.

por falar em festivais, te lembras do festival da MPB de 2000? Aquele foi o último festival promovido pela Globo. Com uma regra interessante, eles nao viram quem era o autor da música na hora da seleção. Até uma música de Lenine ficou de fora. E entre as finalistas tinha até uma que falava em caroço de abacate, te lembras? Ah, me lembro que entre os intérpretes estavam o grupo Tia Anastacia(morte no escadão) e a Ná Ozzeti(granhadora como melhor intérprete) e Monica Salmazo e sua Estrela do amanhã. Mas o grande vencedor foi um rock a jovem guarda chamada "Tudo bem, meu bem". Como em todo festival, não foi uma unanimidade e recebue vaias. Foi uma frustrada tentativa da Globo em trazer de volta a magia dos festivais. E o pior que agora a plim plim exibe especiais musicais na hora do corujão, tipo o Som Brasil Caetano.
Se to lembrado a Cultura também tentou o mesmo em 2004 sem o mesmo sucesso.
Beijos Alessandra e tudo de bom pra ti

Ismar said...

Algumas correções:

Valéria - a letra de Verde está incorreta. O correto é:
"Verde, as matas no olhar..."
confira o vídeo: http://br.youtube.com/watch?v=Sap_8oe4oEc

Marcio Gaspar - no Festival 79, da Tupi a vencedora foi "Quem me levará sou eu", interpretada por Fágner, ficando "Canalha" do Walter Franco em segundo...

PS. - A música que falava sobre boi no Festival dos Festivais se chama "Tempo certo", de Ubiratan de Souza, com o grupo Casinha da Roça...

No youtube postei vários vídeos do Festival dos Festivais...

Anonymous said...

Amigos, ha tempos estou interessado em obter copia em video ou em audio da ïnterpretacao da musica Quem me levara sou eu,como cantada na final por Fagner e vencedora do festival de 79.Estou tambem interessado pelo show de Fagner que por 2 vezes foi exibido na TELEVISAO ,show em que participam:cauby Peixoto, Nara Leao, ZiZi Possi etc. com o nome de ¨Raimundo Fagner Candido Lopes¨.Obrigado.Sou colecionador de Fagner e estou disponivel para ceder algum material.

Anonymous said...

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