Thursday, May 31, 2007

De que lado você estaria (estava, estará...)?

Outro dia, estava conversando com meu "filho" Bruno Vicária sobre o livro "1968, O ano que não terminou", e o papo enveredou por aquele período intenso da história contemporânea.

Apesar de sermos de gerações diferentes, nenhum de nós viveu aquela fase e passamos a conjecturar o óbvio: o que seria de nós se vivos e adultos naquela época. Então comentei sobre a famosa "Passeata da Música Popular Brasileira", que entrou para a história como "a passeata contra as guitarras" e aconteceu em 1967.

A história foi mais ou menos assim: a música brasileira vivia um período de grande fertilidade e seu principal veículo de divulgação era a TV Record, a Rede Globo da época, que abrigava praticamente todas as tendências da música popular em sua grade de programação. Havia aquilo que depois se consolidou como a MPB, nas hostes do programa "O fino da bossa", apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues; havia a Velha Guarda do "Bossaudade", capitaneado por Eliseth Cardoso; estava lá a coqueluche da juventude, a "Jovem Guarda" do trio Roberto, Erasmo e Wanderléa. Em 1967, a Record realizou seu III Festival de Música Popular Brasileira, vencido por "Ponteio", de Edu Lobo e Capinam. Mas a grande novidade desse certame, sem dúvida, foi a inusitada mistura de música popular tradicional com toques de rock, numa salada de chiclete com banana personificada em duas apresentações, a de "Domingo no Parque", com Gilberto Gil acompanhado pelos Mutantes, segunda colocada, e a de "Alegria, Alegria", de Caetano, acompanhado pelo grupo argentino Beat Boys, classificada em quarto lugar.



O terceiro festival da Record teve alguns episódios históricos, como a célebre "violada no palco", quando o cantor Sérgio Ricardo quebrou seu violão e o atirou na platéia, que o vaiava inclemente durante a apresentação da música "Beto bom de bola". Outra marca do festival foi a de segmentar grupos na platéia. Não eram apenas espectadores, mas quase torcidas organizadas que iam ao teatro tanto para aplaudir seus ídolos quanto para vaiar seus desafetos. A rivalidade adquiriu contornos político-ideológicos. A turma identificada com a ala de Elis Regina, Chico Buarque, Edu Lobo, Geraldo Vandré, entre outros, considerava-se engajada, de esquerda, oposição ao regime e rechaçava tudo o que pudesse ser identificado como imperialismo ianque. O grupo tinha até uma líder, invocada e brigona, conhecida como Telé, a puxadora oficial da saraivada de vaias.

E o que poderia ser mais americanizado, alienado, colonizado que o rock rebelde ou as baladas vertidas do inglês da turma da Jovem Guarda? Roberto Carlos participou, sim, do festival, mas cantando uma comportada "Maria Carnaval e Cinzas", de Luiz Carlos Paraná, sem guitarras nem apelo rock´n´roll. Mas era nítido que as guitarras e, principalmente, a atitude associada ao rock estava chegando para ficar. Foi neste contexto que surgiu a tal passeata. Visto de hoje, o panorama de "rivalidade" entre as várias correntes parece até esdrúxulo, senão vejamos. Quem ia à "Jovem Guarda" era proscrito do "Fino da Bossa". No entanto, poucos anos depois de terminada a "guerra", Elis estava gravando Roberto & Erasmo e desafiando solos de guitarras, por exemplo, em "Cinema Olympia", de Caetano Veloso. Mais nonsense ainda era pensar que Gilberto Gil, aquele mesmo, acompanhado de guitarras no festival, marchou junto de Elis e de outras figuras de peso contra... as guitarras!

À luz de quatro décadas passadas, hoje a passeata contra as guitarras soa mais como um evento fomentado pela própria Record para atiçar as rivalidades e fazer subir a audiência do que um movimento realmente popular. No entanto, eu e Vicária ficamos pensando onde estaríamos se estivéssemos naqueles tempos ali, de bobeira, no centro de São Paulo.

Afinada que sempre fui com o pensamento de esquerda, tenho medo de pensar - mas é a mais pura lógica - que eu estaria junto a Elis & cia., clamando pelo fim da alienação e da influência ianque em nossa "música de raiz". Claro que isso soa absurdo visto de hoje, em que me sei entusiasta da revolução tropicalista, do gênio do maestro Rogério Duprat e de seus arranjos mágicos. Que me conheço como admiradora profunda de Mutantes, de Gil, de Caetano, de Gal, e de Beatles, de Secos & Molhados, de Novos Baianos, de Eduardo Dusek, de Itamar Assumpção, disso e daquilo outro. Claro, hoje é fácil, conheci tudo isso muito depois e não me vi em trincheira nenhuma, tendo de escolher entre alguns deles para amar e os outros todos para odiar.

Mas, no fundo, às vezes penso que estaria na marcha. Vicária acha que abraçaria a Tropicália (mas até aí, né, filho, o Gil fez a Tropicália e marchou também...). Concordamos que este camarada e este outro aqui não só seriam os primeiros da fila contra a americanização ianque como eram capazes de duelar para namorar a Telé.

E você, de que lado estaria? E você, se estava lá, marchou ou vaiou? Me conta?

15 comments:

Felipe Atch said...

Esse pra mim é um exercício dos mais complicados, me imaginar em outra época e de certa forma em outra sociedade hoje provavelmente estaria ao lado da "Telé", contra guitarras e tudo mais. Mas pra ser sicero tenho medo desses pensamentos!

Anonymous said...

Que sai justa hein,menina Alessandra!
Só digo que era uma época de homens de coragem.
Todos eles ,da direita e da esquerda ,das quitarras e dos violões.
No auge da querra fria ,inexplicavelmente para os dias de hoje ,ninguém escondia a cara.
Tem uma passagem de Juca Chaves fantastica:
Não sei bem em que ano foi ,mas foi ao vivo.
Em um programa da TV Record,chegara a hora de Juca Chaves entrar e cantar uma de suas apimentadas canções.
Em programas ao vivo ,sempre ficava algum responsavel da censura provavelmente com alguma patente.
Bem, o Chaves entrou ,sentou em um banquinho com seu violão,dá uma risadinha pra cá ,arruma o banquinho ,dá outra risadinha pra lá ,ajeita o violão e pronto ,dá uma meia duzias de notas em seu violão e diz:
- Sabe como Médici um ladrão?
-..........???
- Médici de cima em baixo!

Foi aquela risada e reação da plateia,até cair a ficha do homen da censura a piada já virara historia.
Juca chaves saiu correndo e a Tv Record saiu do ar por alguns dias .
Acho que foi mais ou menos assim.

Mas não conto de que lado estaria.
Nem da musica e nem da politica.

Jonny'O

L-A. Pandini said...

Namorar a Telé? Acho que não...

Pela lógica, eu estaria ao lado dos "anti-guitarra", com certeza. Também com certeza não demoraria muito para me arrepender de ter tomado partido em uma briga tão inócua. Os dois lados faziam boa música, que é o que importa.

Anonymous said...

Complicado... lá fora, tava rolando Led Zeppelin, The Faces, Rod Stewart e Stones em suas melhores fases - sem falar no Beatles, né - e aqui queriam eliminar a guitarra. Complicado...

Naquela época parece que o país não queria aceitar as novidades. Por isso regrediu.

Anonymous said...

Falando mais uma vez no livro do paulo cesar, lá ele relata muito bem essa passeata. Realmente os "anti-guitarras" eram radicalíssimos em suas posições, um grande reflexo daquele momento político/cultural/histórico do Brasil de então.
Mas respondendo sua pergunta, estava em dúvida de que lado estaria até ler o post do bruno viccaria. Aí tive certeza, já seria fã incondicional dos Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd e companhia, por isso, defendendo a guitarra sim! E, mais que isso, defendendo a música, que nunca deve ser olhada com preconceito.

Anonymous said...

Tinha nesta época 13 anos e me lembro bem porque amo musica, já tinha GUITARRA e ensaiaxa em uma banda infanto-juvenil, embora meu instrumento preferido fosse o Baixo. Acho que não preciso dar minha opinião. Adoro Baden, J. Bosco, Chico, Tom...inigualáveis em arranjos, harmonias e em composições (quem toca um viloão sabe disso), mas também adoro Steve Ray, Eric Clapton, Jimmy Page, entre outros. Tudo e qualquer coisa pode co-existir, para isto apenas basta que se respeite os direitos de cada uma, que em tudo na vida termina onde começa o da outra parte e vice-versa. Chico, Caetano (que detesto), Gil, Mutantes, Paralamas, Lupicínio, Noel, Nelson cavaquinho, Villa-Lobos, Aldir e J. Bosco, etc...Todos bons, cada um na sua e se estabeleceram, sem brigas com outras partes.

Alessandra Alves said...

felipe: também acho esse exercício complicado e assustador, porque não deixa de ser um exercício de auto-conhecimento e acho que nem sempre gostamos de ver o que somos (ou seríamos).

jonny´o: sensacional a história do juca chavez, eu não conhecia essa. antes disso, em tempos de democracia, ele já estava barbarizando na sátira política. você deve conhecer "presidente bossa nova", inspirada no juscelino. mas, faz isso não, vai... me conta de que lado você estava...

pandini: você não só estaria na passeata como vaiaria "sabiá" contra "caminhando"!

vicaria, meu filho: falaste tudo!

teo: concordo, sem ressalvas.

caíque: amarrando minha concordância com os comentários anteriores - é bom e saudável que sempre vejamos a arte como ela é, ou seja, com fim em si mesmo. a arte, seja ela música ou qualquer outra, não precisa ser instrumento de nada nem deve, obrigatorimente, ser reflexo de qualquer realidade. recentemente, li uma passagem do pintor henri matisse que achei bem representativa dessa idéia. em uma determinada exposição de suas obras, uma mulher, horrorizada com as formas inusitadas de seus quadros, queixou-se com ele, dizendo: "essa mulher que o senhor pintou tem o nariz amarelo. nenhuma mulher tem o nariz amarelo!", ao que ele respondeu: "minha senhora, isso não é uma mulher, é um quadro."

Cabral said...

Eu estaria na passeata contra os banquinhos. Aliás, eu já ouvi falar da passeata contra os banquinhos, em oposição a passeata contra as guitarras... Mas parece que ela não é tão conhecida...

Anonymous said...

Bem, se a questão é auto-conhecimento, e me conhecendo do jeito que me conheço, tenho certeza de que iria apoiar alguns argumentos dos que eram contra guitarra enquanto estivesse conversando com algum defensor do instrumento, e apoiaria a guitarra enquanto estivesse conversando com alguém da bossa. E, o que é pior, nada disso seria por pirraça. Mas, se fosse pra se posicionar em alguma parte da arquibancada, ficaria com os tropicalistas, porque essa era a turma da provocação.

Alessandra Alves said...

edu: putz, nunca ouvi falar dessa passeata. vou pesquisar e te conto.

davi: ah, entendi! você não era da turma dos contra, dos a favor nem dos muito pelo contrário?! hahaha por acaso você é geminiano? brincadeira! acho muito saudável a posição da contestação, como aliás é o caetano até hoje, né? aquela turma da tropicália juntou um monte de gente com esse espírito. o próprio caetano, zé celso, arnaldo baptista, tom zé. acredito que é gente como eles (como você?) que realmente sacode as estruturas, modifica o pensamento da humanidade. é preciso estar atento e forte!!!

Anonymous said...

Alessandra,
Eu sou Geminiano, por isso meu post faz sentido...

Mestre Joca said...

Vivi intensamente este período (67 a 70)pois fazia política estudantil. Época brabésima, opiniões e posições consolidadas à direita e esquerda. A coisa piorou de vez a partir do dia 13 de dezembro de 1968 - edição do AI-5. Deixavam de existir as mínimas garantias do direito do cidadão. Estavam proibidas greves, reuniões de cunho político; suspensos os habeas corpus, o Estado ditatorial brasileiro podia prender e condenar sem acusação ou culpa, só por mera suspeita. Censura prévia e brava dos meios de comunicação. Juízes, funcionários públicos podiam perder seus cargos e ocupações, sem direito a recorrer à Justiça.Estimulava-se a delação gratuita e fortuita e nos porões a repressão comia à solta. Mesmo assim, foi um período áureo na produção cultural deste país, talvez como a única trincheira de resistência. Período em que certos nomes alçaram-se à sua real grandeza, enquanto alguns incensados foram reduzidos ao seu real tamanho, à tábula rasa. Para alguns que sobreviveram, esta época serviu de marketing pessoal e plataforma política.Outros naufragaram nos porões da tortura ou no refúgio da loucura. Poucos, muito poucos foram aqueles que não lucraram com seu ideal. A estes, meu mais profundo respeito.Aos outros, a História os julgará.

Anonymous said...

Alessandra,

A questão é que os discursos redondinhos geralmente precisam desprezar muitos detalhes para poder manter o acabamento. A preocupação da turma da bossa tinha lá sua coerência, mas querer guiar de modo positivista (partindo da concepção que eles tinham do que era bom para a música brasileira) a evolução da MPB é como ressecar a vida. No entanto, preservar os valores típicos da música brasileira é algo vital quando se pretende ser muito mais do que americanos mal feitos e realizar uma reconfiguração das produções que chegam do exterior.

Grande abraço.

P.S.:Sou capricorniano com ascendente em touro (terra/terra), mas não faço idéia de como isso se traduz na minha vida.

Alessandra Alves said...

joaquim: eu fico verdadeiramente fascinada por esses relatos. não vou chegar ao cúmulo de dizer que tenho inveja de quem viveu aquele período, por esse panorama de exceção a que você se referiu, mas sempre me pego em exercícios de ficção, imaginando como eu seria naqueles anos intermináveis.

uma das coisas que me fascinam deste período é a absoluta dicotomia em que a sociedade brasileira estava mergulhada. por um lado, este panorama que você descreve. por outro, um povo anestesiado e vivendo verdadeiramente feliz naqueles anos de chumbo. falo isso pela experiência da minha família. meus pais se casaram exatamente neste ano de 1968 e a relação mais próxima que tiveram com esses conflitos foi o fato de o meu pai ser mackenzista, engenheiro mecânico formado pela faculdade dos gringos, mas sem nenhum traço de envolvimento político, com nenhum lado. tenho certeza que, se você perguntar para minha mãe (meu pai já morreu) qual foi a época mais feliz da vida dela, ela vai responder que foi de 1968 até 1975, ou seja, exatamente o período mais barra pesada dessa nossa história recente.

mas, joaquim, meu caro, você não disse se marchou!

davi: magnífica sua colocação. mas vamos pensar uma coisa: é bem mais fácil analisar de hoje, né, quarenta anos depois. eu acho que só a minoria teria (teve) essa abertura de pensamento. tanto que a tropicália foi um tremendo de um marco histórico na cultura brasileira, mas não exatamente um sucesso de público. quanto à astrologia, sinto não poder ajudar. eu só perguntei se você era geminiano porque tenho um assim lá em casa, totalmente do contra! de resto, sei pouco do assunto. sou aquariana com ascendente em câncer. só...

Cabral said...

Acho que não vai encontrar nada sobre a passeata contra o banquinho. Eu ouvi isso no programa "Sessão da Tarde", na antiga rádio Brasil 2000. Um dos dois apresentadores declarou ter participado desse protesto e ele citou mais alguns nomes. Vou ver se encontro o nome do cara...

Mas deve ter sido coisa realmente de meia dúzia de malucos sem nenhuma importância e que só gostavam de rock... Não um movimento politizado, como foi essa original.