Sunday, March 28, 2010

Chuva ou pista?


Enquanto tomava um café forte e amargo às 2h, pensava que o GP da Austrália seria animado. Não precisa ser Mãe Diná para cravar tal palpite. Melbourne é quase garantia de confusão, faça chuva ou faça sol. Em 2008, só seis carros terminaram a corrida. Em 2009, sensível melhora: onze sobreviventes. Quando cheguei à rádio e soube que estava chovendo em Albert Park, bingo! Vamos nos preparar para o espetáculo.

Foi só café, forte e sem açúcar. Nada de energético, nem outras extravagâncias. Eu estava realmente ligadona na transmissão, mas agora concluo que a cafeína talvez tenha sido menos responsável que a abstinência. Eu estava mesmo era com saudade de transmitir Fórmula 1, e ainda bem que a volta não aconteceu no Bahrein, que poderia muito bem mudar de nome para Borein, de tão bored (enfadonho) que tem sido.

Antes da largada, os tradicionais palpites. Meus colegas foram quase todos de Sebastian Vettel. Eu, na contramão, apostei em Fernando Alonso. Desde a véspera, após o treino classificatório, achei que o espanhol estava na base do bebe-quieto. Em terceiro, atrás das duas Red Bull, parecia à espreita de que algo desse errado com os carros de Vettel e Webber, esperando outra vitória herdada. Todos, os colegas e eu, apostávamos na lógica. Ninguém de nós depositou fichas em Jenson Button e, tenho certeza de que, se algum de nós pensasse em McLaren, pensaria antes em Hamilton, apesar de sua 11ª posição no grid. Button foi do "zero" para o "hero" e quase de volta para o "zero" no intervalo de um ano. Era zebra.

E a lógica pró-Red Bull manteve-se, enquanto meu palpite batia asas na primeira curva, com a rodada de Alonso. Uma imagem onboard do carro de Button mostrou que ele tocou no espanhol. Fernando levou Schumacher de embrulho, ficou na contramão, caiu para a última posição, enquanto o companheiro Felipe Massa fazia uma largada corajosa, irrepreensível, ganhando três posições e pulando para o segundo lugar, com Vettel disparado na frente.

O tempo secando, o trilho começando a se formar e o atual campeão parte para a ousadia. Coloca pneus para tempo seco antes de todo mundo. Parecia cedo demais. Na primeira patinada, Button ouviu gracejos aqui e ali, como se referendasse a impressão que muitos tiveram dele em 2009 - só foi campeão porque tinha um foguete na mão. Mas o inglês estava certo. Logo, todos seguiram o chefe e pararam para trocar suas borrachas.

Ali, Button projetou sua vitória, e a consolidou volta após volta, graças a uma característica sua que, para muitos, é anti-espetáculo. Button sabe poupar o carro, não o faz beber demais (o que é até inesperado, sendo filho de quem é), nem castiga os pneus. Resultado de uma corrida limpa, segura, um papai-e-mamãe rotineiro. Seu McLaren estava pronto para outra ao fim da prova, enquanto o companheiro Hamilton, homem show por excelência, admitia pelo rádio - "Meus pneus acabaram".

É claro que o GP da Austrália de 2010, que terminou com onze heróis da resistência, tornou-se mais divertido pelos erros, quebras e incidentes diversos que povoaram a corrida praticamente durante todo o tempo. O espalha de Alonso na largada permitiu que ele e Schumacher fizessem a tal prova de recuperação, empreendendo ultrapassagens a granel (na comparação com o Bahrein, bota granel nisso). E mais Hamilton, o maníaco do dia, pilotando como um náufrago em busca de água doce. A manobra infeliz de Alonso, mais o acidente entre Kobayashi e Hulkenberg, embaralhou as cartas, jogando para trás dos pequenos muitos dos carros rápidos do grid.

Foi depois dessa ordem desconstruída que lancei a questão pelo rádio e pelo twitter: Melbourne 2010 foi uma corrida empolgante em função da pista ou por causa da chuva? Convido os leitores a responder. E dou minha opinião.

Primeiro, breve análise da pista. Melbourne fica em um parque. É, por assim dizer, uma pista adaptada, sem as enormes áreas de escape que predominam nos circuitos ditos "modernos". Muro perto, qualquer deslize é fria. Acidente, safety car, cartas embaralhadas. Melbourne é osso duro de roer, mesmo seco. Em 2008, lembremos, só seis carros terminaram, e no seco. É uma pista rápida, com vários pontos de ultrapassagem. Last, but not least, tem ondulações no asfalto, fator que sempre pode afetar a estabilidade do carro e, com aquele muro ali do lado, vixe!

Agora, a chuva. Pista molhada é problema. Para quem não sabe correr nela. É momento ideal de separar homens de meninos, destemidos de bundões. Mas certamente vamos nos lembrar de corridas disputadas com chuva que, ainda assim, não foram o deus nos acuda que poderíamos desejar. Itália, 2008, por exemplo, com a primeira vitória de Vettel. Piso úmido todo o tempo, mas nada espetacular em termos de emoção. Em compensação, só para ficar na mesma temporada, Mônaco 2008, que corridaça!

A corrida de Melbourne teve o ingrediente chuva no começo, e talvez tenha sido determinante por ter jogado para trás alguns dos carros mais rápidos do grid, criando a condição ideal para mais ultrapassagens. Mas é fato que a corrida continuou emocionante depois, com piso seco. Na minha opinião, a pista é ligeiramente mais determinante para aumentar a emoção em uma corrida do que o fator chuva. Mas, as duas juntas, como aconteceu no GP da Austrália, é garantia absoluta de corrida movimentada. Que dormir, o quê!!!

E você, o que pensa desta questão?

Sunday, March 21, 2010

O dia em que Senna me fez chorar


Pode parar. Não é 1º de maio, não é Ímola, não tem nada a ver com Tamburello. O dia em questão aconteceu bem antes, em 1991, e meu choro pós-adolescente não teve tanto a ver com o piloto, e mais com meu noviciado no jornalismo.

Eu havia começado a trabalhar na Folha de S.Paulo em maio daquele ano. Entrei para ser redatora e, como tal, escrevia textos sobre vários esportes, atualizava tabelas diversas, fazia notinhas e o detestável IndiFolha, um quadrinho que era publicado sempre no canto esquerdo inferior da capa do caderno e trazia números interessantíssimos, como a média de gols das últimas dez edições do Campeonato Belga. Mas todo mundo na redação do Esporte sabia que, se pudesse, eu escreveria preferencialmente sobre corridas, sempre.

E, naturalmente, foram sobrando umas pautinhas de automobilismo aqui e ali para eu fazer. Às vésperas do GP do Japão, quando Senna conquistou seu tricampeonato, fui escalada para cobrir o embarque do piloto em Cumbica. Sim, crianças, Senna era tão importante que a gente cobria o embarque dele, para todas (eu disse todas) as provas do ano. Diga-se que ele divulgava sempre, por meio de sua assessoria, os horários exatos do seu embarque. Fazia bem esse papel de aparecer muito na imprensa, e talvez tenha sido o primeiro piloto realmente midiático da Fórmula 1.

Seria relativamente fácil se fosse só ir ao aeroporto, seguir a coletiva, voltar para a redação e escrever. Mas a Folha sempre teve suas idiossincrasias, suas reinvenções da roda, suas viagens alucinadas na definição da pauta. Senna indo e o papa João Paulo II vindo. O que uma coisa tinha a ver com a outra? Nada, claro. Mas saí da redação com a seguinte frase ecoando nos ouvidos: "Hoje, queremos que todos os nossos entrevistados falem o que acham da vinda do papa ao Brasil. Pergunte ao Senna."

Era uma ideia impraticável, risível, sem pé nem cabeça. As coletivas do Senna eram uma bagunça, pela multidão de repórteres, assessores, seguranças, fãs. Ele habitualmente se exasperava, respondia algo ríspido as perguntas que não lhe interessavam, guardando o semblante de messias para o momento de gravar para a TV e tudo o que não precisava ser acrescentado a esta balbúrdia era uma pergunta sobre o papa. O papa?

Putz, se eu perguntasse isso na frente dos meus colegas macacos-velhos de outros veículos era capaz de levar uma vaia, de ser motivo de piada até hoje. Não, eu não podia fazer essa pergunta no meio da coletiva.

Mas, franguinha de leite como era, me angustiava com a ideia de não cumprir a ordem da secretaria de redação. Então, esperei a coletiva acabar e fui andando atrás de Senna pelo saguão do aeroporto. Eu, vários seguranças, fãs e... fotógrafos diversos. Consegui me aproximar de Senna e fiz a pergunta mais idiota da minha carreira: "Senna, o que você acha da vinda do papa ao Brasil?". Ele respondeu o óbvio: "Não acho nada." OK, missão cumprida, volto para a redação.

Matéria escrita, jornal fechado, recebo uma ligação do nosso editor à época, Mario Andrada e Silva, que tinha ido ao Japão cobrir essa corrida. Dei um relatório básico de como tinha sido a reunião e, no final da conversa, comentei o pedido esdrúxulo da secretaria de redação. Do outro lado da linha e do mundo, Mario me inquiriu, já respondendo: "Você não perguntou, né?" Admiti que tinha perguntado e, antes que explicasse a condição da pergunta - que eu não tinha passado o carão no meio da coletiva, mas quase no tête-à-tête com o piloto - Mario me fuzilou via embratel. "Você é louca!!! Como vai fazer uma pergunta dessa na frente de toda aquela canalhada da imprensa?! Você vai virar a piada dos setoristas de Fórmula 1!"

Cheguei a perguntar o que deveria fazer em relação ao pedido da alta chefia, mas era óbvia a resposta. Eu deveria saber que Senna não responderia nada relacionado ao papa, claro. Deveria no mínimo argumentar diante do pedido. Ou simplesmente voltar para a redação de mãos vazias, como de fato voltei, sem ter me exposto a fazer uma pergunta tão descabida.

Voltei para casa, abri a porta da sala e caí no choro, assustando meus pais, naturalmente.

No dia seguinte, para coroar meu mico, vejo a capa do caderno de Esportes do Estadão. Senna entre uma multidão, andando por Cumbica. Do seu lado direito, uma jovem redatora, com cara de susto. Mario tinha razão: a canalhada da redação não perdoou. "Olha a Alessandra aqui, de papagaio de pirata do Senna!"

Sunday, March 14, 2010

Indy - Prós e contras



Passei o dia ontem no Anhembi, para comentar a São Paulo Indy 300 pelas rádios Bandeirantes e Band News FM. Aquela sensação ruim de ter duas festas para ir no mesmo dia e precisar optar por uma: não pude assistir à prova de abertura da Fórmula 1, no Bahrein. Ossos do ofício, liguei o modo Indy e segui para o Anhembi.

Peço licença para abrir um parêntesis estritamente pessoal. Moro na Zona Norte de São Paulo, bem perto do Anhembi. Sou sócia do Clube Espéria, vizinho do pavilhão de exposições e do Sambódromo. Circulo na região, portanto, há muitos anos. Não são da minha época as competições de remo no Tietê, que confrontavam as equipes do Espéria, do lado de cá do rio, com as do Clube de Regatas Tietê, do lado de lá. Minha parca experiência unindo esporte e o rio Tietê foram as corridas que fiz pelo Espéria (10 km de Santana) e pela Corpore (Corrida Oral-B), ambas disputadas na região.

Há relatos aqui e ali de atletas aposentados, fotos de um local bucólico e irreconhecível, com um rio margeado de vegetação. Para mim, e para várias gerações, no entanto, o rio Tietê e sua marginal são sinônimos de aborrecimentos, especialmente enchente e trânsito caótico. Foi uma reversão de sentimentos ruins acompanhar uma corrida de carros ao lado da marginal.

Não nublei minha visão: ela continua feia e o rio, poluído. As obras de alargamento das pistas serão paliativos por pouco tempo. Não há faixa adicional em via pública capaz de equacionar uma questão aritmética simples: são mil veículos novos por dia em São Paulo. Não vamos solucionar o trânsito na capital paulista enquanto não se viabilizarem melhores condições para os transportes públicos. Uma prova internacional em plena Marginal do Tietê pode contribuir para que se enxergue a via e o rio com outros olhos.

Se a sociedade quiser ter um rio despoluído, com uma via bem pavimentada ao seu lado, onde se pode até fazer uma corrida de carros, que trabalhe para isso. Que faça as obras com planejamento e que esse cartão postal fake seja real, e para todos. Infelizmente, como dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, o Brasil sempre se moveu aos trancos e barrancos. E acredito firmemente que um evento esportivo desse porte possa servir de estímulo para o questionamento. Não queremos um pedaço da marginal com asfalto melhor. Queremos a marginal inteira. Não queremos um rio de cenário que só serve à TV porque ela não exala seu cheiro.

Li e ouvi vários comentários sobre a eventual falta de infraestrutura para o evento. Concordo que a reta do Sambódromo não poderia ter sido aprontada literalmente da noite para o dia. E quer saber? Não duvido que a Globo, dona do evento do Carnaval, mande repassar o verniz que deixa o piso escorregadio para o próximo desfile, e que a Fórmula Indy tenha de lixar tudo de novo no ano que vem.

Mas a infraestrutura dentro do Sambódromo foi muito mais amigável ao público do que a de Interlagos. Vários banheiros de alvenaria davam conta do recado, sem precisar apelar aos banheiros químicos utilizados habitualmente em eventos. Muitas lanchonetes, barraquinhas e carrinhos com comida e bebida espalhavam-se pelas áreas de arquibancada do Anhembi, ao contrário de Interlagos, que costuma ser um sacrifício quando se trata de enganar o estômago.

E a corrida?

Bem, a corrida foi o que se costuma ver de Fórmula Indy. Há o equilíbrio forçado pela maior padronização dos carros, um cenário completamente distante da tecnologia de ponta da Fórmula 1. Os carros da Indy são robustos, para não dizer toscos. O fulano bate em uma volta, pode entrar e sair do box várias vezes para ir consertando, e o bicho segue andando! Foi o que aconteceu com Helio Castroneves na corrida deste domingo. Em nome de equilibrar ainda mais a disputa, o abuso de bandeiras amarelas. Não há premiação para o piloto que se destaca do pelotão, há castigo. É um desestímulo a se sobressair, na medida em que se sabe que, na primeira oportunidade, vão juntar todo mundo de novo.

Mas, como negar que o resultado é uma corrida muito mais emocionante que a maioria das provas de Fórmula 1? As trocas de posições, o suspense até a última volta criam uma aura de competitividade e surpresa que atrai muitos admiradores. A arquibancada do Anhembi estava cheia, provando essa constatação. Em certa medida, a Fórmula Indy parece aquela família pobre, mas de gente animada e feliz, enquanto a Fórmula 1 muitas vezes dá a ideia de riqueza despregada de alegria.

Por fim, meu registro sobre a foto acima, do excelente Luca Bassani. A brasileira Bia Figueiredo lidera um pelotão feminino, formado pela ótima Simona de Silvestro e pela sofrível Milka Duno. Fatou Danica Patrick na foto, para completar o quarteto que correu em São Paulo. Uma categoria com quatro mulheres no grid já mereceria a simpatia desta blogueira. Fica o desejo para que os contras se ajustem no próximo ano.

Friday, March 12, 2010

Evolução x Revolução


O texto abaixo foi publicado no Tazio, antes dos primeiros treinos livres do Bahrein. Eis minhas expectativas para a Fórmula 1 em 2010.

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É possível que a temporada de 2010 da F-1 nem traga tantas mudanças para a categoria como aconteceu no ano anterior. Aliás, nunca houve um ano como 2009 e provavelmente nunca haverá - com uma equipe estreante campeã que, por sinal, deixou de existir ao fim do campeonato. No entanto, 2010 começa como a temporada de maior expectativa dos últimos anos, por várias razões.

A última grande sacudida na F-1 começou a se delinear em 2008, quando aprovado o novo regulamento técnico que varreu a maior parte dos apêndices aerodinâmicos dos carros para 2009. Uma nova ordem se instalou a bordo dos modelos "clean" e dos polêmicos difusores duplos da Brawn GP (também usados, sem o mesmo brilho, diga-se, por Toyota e Williams). Sem a Honda, sem certezas, a Brawn GP foi à pista em Barcelona ao cair do pano da pré-temporada e deixou a F-1 de queixo caído, ditando no teste coletivo a rotina das sete primeiras corridas da temporada. A F-1 dobrou uma esquina em 2009, começou do zero, embaralhou as cartas. Isso não deve acontecer em 2010.

2009 foi revolução. 2010, evolução. A mudança técnica mais importante para este ano é o fim do reabastecimento, cujo principal impacto na configuração dos carros está no aumento do tanque de combustível. Para acomodar 235 litros, e não mais 120, a distância entre-eixos dos carros também aumentou. Mexe na aerodinâmica, mas não com a relevância do ano passado. Os testes desta pré-temporada não fizeram nenhum queixo cair. A F-1 deve ser mais "conservadora" neste ano, no sentido de manter favoritas as equipes que terminaram 2009 à frente, ou as que praticamente abandonaram o último campeonato antes de seu término e focaram no desenvolvimento dos carros para 2010.

As mudanças mais significativas, no entanto, não se encontram no campo técnico, mas esportivo. A mudança na pontuação vai fundir a cabeça de todos nos primeiros tempos. Aquelas continhas simples, distribuindo 10 pontos, 8, 6, 5, 4, 3, 2 e 1 para os oito primeiros? Esquece. Habitue-se a 25, 18, 15, 12,10, 8, 6, 4, 2 e 1 para os dez primeiros. Confuso, mas sempre pode piorar. Podem voltar os descartes, podem premiar pela pole, pelo maior número de voltas na liderança, por liderar a prova correspondente ao dia do aniversário da mãe de Bernie Ecclestone. Eles não vão sossegar enquanto não nos deixarem chapados diante dos carros, bebendo cervejas e mastigando salsichas, desistindo de fazer contas e projeções, só esperando pela última volta. Mas ainda não chegamos lá. Voltemos.

A nova pontuação foi criada para valorizar a vitória, aumentando a diferença entre primeiro e segundo colocados. Mas, na medida em que o valor absoluto também aumenta (de 10 para 25, de 8 para 18), a diferença proporcional entre as duas posições não é tão significativamente maior. Se a mudança servir para aumentar o arrojo em busca da vitória, objetivo cumprido, não se fala mais nisso. A conferir.

Se os testes coletivos não fizeram soar os alarmes dos plantões jornalísticos, um dado novo chamou a atenção neste 2010 - a estreia das novas equipes. Times admitidos pela FIA no auge da discussão sobre o teto orçamentário deste ano. Times que acreditaram no conto da carochinha de 40 milhões de libras. Times que só faltam remendar seus carros com silver tape na falta de peças de reposição dignas. A diferença entre as equipes tradicionais e as "new comers" deve ser abissal. Situação à qual a maioria dos pilotos atuais não está habituada. Negociar ultrapassagens tendo mais retardatários pelo caminho pode ser um dado interessante para a platéia, e algo aterrorizante para alguns pilotos. Este dado não encobre o desmando na escolha dos novos times. Deixar fora equipes mais tradicionais e com estruturas prontas, como Lola ou Épsilon Euskadi, e escolher a natimorta USF1 apenas revela a política de terra arrasada que Max Mosley imprimiu a seus últimos momentos à frente da FIA.

Se a lógica da nova temporada for da continuidade, e não da ruptura, Red Bull, em ascensão no final da temporada, e Mercedes, seguindo a trilha da Brawn GP, iniciam 2010 como favoritas. É o que acha, por exemplo, Fernando Alonso, que cravou na Red Bull o favoritismo para o Bahrein. Sinceridade ou blefe? Talvez, apenas demonstração de inteligência.

Alonso está em lua de mel com a Ferrari. Em comum, além do sangue latino, equipe e piloto parecem querer esquecer a temporada passada, não sem motivos. A Ferrari não se importou em pagar para Kimi Raikkonen ir dar piruetas no Mundial de Rali. O preço para ter Alonso parecia sem limite. Contrato de cinco anos, motivação nas alturas, testes encorajadores na pré-temporada. Expectativa na estratosfera. Ao negar o próprio favoritismo, Alonso alivia-se da evidente pressão.

Na mesma linha segue Michael Schumacher. O heptacampeão abre mão da aposentadoria para voltar a pilotar pela Mercedes. É difícil imaginar que ele arriscaria seu prestígio e tempo por algo que não fosse certeza - ou, pelo menos, evidência - de sucesso. Mas Schumacher também prefere despir as vestes de favorito (e vestir aquelas camisas horrorosas, credo!).

A Red Bull, que parece o alvo preferencial quando as outras equipes buscam aliviar a própria pressão, não foge da raia. Christian Horner, o chefe do time, acha que a disputa pelo título será eletrizante e coloca sua equipe entre as favoritas. Sebastian Vettel, que terminou 2009 em rota ascendente, parece o pupilo pronto a desafiar o mestre compatriota e quem vier pela frente. E mesmo Mark Webber, que até o ano passado era pouco mais que um leão de treino, começou a cantar de galo neste ano, assinalando que a disputa na equipe dos energéticos pode ser tão acirrada quanto nos domínios da Ferrari, com Alonso e o fiel Felipe Massa, ou na McLaren, com Lewis Hamilton e Jenson Button.

A expectativa é das maiores. Quatro campeões mundiais na disputa, todos em equipes bem cotadas, outros postulantes a campeão com chances reais, um novo desafio a partir do fim do reabastecimento, novo sistema de pontuação, novas equipes embaralhando as posições ao longo da pista. No papel, a temporada de 2010 vai ser ótima. Basta que ninguém dispare a ganhar corridas de maneira inapelável como fez a Brawn em 2009. Basta, como reza a lenda acerca de Garrincha, combinar com o adversário

Monday, February 22, 2010

Casa Grande e Senzala



Nos primeiros tempos, o pai fechou os olhos para a luta fratricida. Um aventureiro lançou mão e, assim, a Williams de Nelson Piquet e Nigel Mansell perdeu o campeonato de 1986 para a McLaren de Alain Prost. No ano seguinte, engalfinhando-se como no anterior, os companheiros duelaram pelo título até o final. Mansell bateu cabeça, literalmente, e Piquet sagrou-se campeão de 1987, conquistando seu terceiro título mundial.

Mas 1987 foi um ano diferente na Fórmula 1. Um período de transição, marcado por um dos inúmeros contenciosos entre a Federação Internacional de Automobilismo (Esportivo, na época, já que as cartas eram dadas pela Fisa, de Jean-Marie Balestre) e as equipes. A queda de braço da vez eram os motores turbos, usados pelas grandes equipes. A Fisa, em vias de bani-los, achou uma maneira de compensar as equipes pequenas, que seguiam competindo com seus motores aspirados. Criou dois campeonatos paralelos - o Troféu Colin Chapman, para construtores, e a Copa Jim Clark, para pilotos.

E foi assim que Dr. Jonathan Palmer, médico formado que trocou o estetoscópio pelo volante, tornou-se campeão em 1987, com sua Tyrrell laureada entre os construtores. É claro que a compensação inventada pela Fisa não mudou a história. O melhor resultado de Palmer naquele ano foi um quarto lugar, na Austrália. Na zona de pontuação, só apareceu mais duas vezes - com dois quintos lugares (Alemanha e Mônaco). Nas outras treze corridas, praticamente só aparecia na imagem da TV levando bandeira azul para facilitar a passagem dos líderes.



Nunca imaginei que diria isso, mas o italiano Jarno Trulli soltou uma frase profética neste início de ano, com a qual concordo. A temporada de 2010 deve abrigar dois campeonatos paralelos. Não formalmente, como aconteceu em 1987, mas pela diferença entre as equipes grandes - especialmente Ferrari, McLaren, Red Bull e Mercedes - das últimas do pelotão. Em relação às últimas, ainda é difícil até imaginar quem estará no grid do Bahrein. A USF1 já pediu licença das quatro primeiras provas, a Campos ainda está passando o boné, a Virgin passou vergonha em Jerez. A Sauber se agarra ao espólio da BMW, a Stefan, se é que vem, vale-se do espólio da Toyota. E a Lotus de Trulli surge como o burguês sem berço que compra o título de nobreza para infiltrar-se no grand monde.

A FIA não vai criar um Troféu Puxadinho para essa turma sentir-se recompensada diante dos esnobes da Casa de Luxo. Mas é evidente que foi a entidade quem gerou, pariu e está nutrindo essas criaturas. Ao abrir as portas da casa para novas equipes, ainda nos tempos do polêmico e depois derrubado orçamento de 40 mil libras, a federação deixou que os pobres entrassem na festa, depois exigindo deles que se exibissem com pratarias e cristais que lhes faltam na dispensa. 2010 tem tudo para ser uma festa estranha, com gente esquisita.

Sunday, February 14, 2010

Quareeeeeeeeeeeeenta


Quem acompanha as transmissões de Fórmula 1 pelas rádios Bandeirantes e BandNews FM conhece o bordão. Quando faltam 40 voltas para o fim da prova, ou quando se completa a volta de número 40, o locutor Odinei Edson instiga o comentarista Fábio Seixas a dizer o número 40, e ele o faz com uma entonação bastante peculiar. "Quareeeeeeeeeeeeeeenta!". A origem, segundo Fábio, é uma rádio da Espanha, na qual o locutar apresenta "las quareeeeeeeeeenta" músicas mais pedidas.

Pois, na sexta-feira passada, completei meus primeiros quarenta anos. Foi um aniversário interessante, especialmente pelas reações díspares que colhi ao longo do dia. "Quarenta? Nossa, foi minha pior crise existencial...", escutei logo cedo. "Ah, quarenta anos... Que idade ótima para a mulher!".

Também escutei muito o indefectível "agora que entrou nos enta, você não sai mais". Para esses, uma resposta padrão: claro que saio, mas só daqui 60 anos, quando chegar aos cem.

Nesses últimos quarenta anos, por várias vezes fiz aniversário no Carnaval ou perto do Carnaval. Eram especialmente divertidos os aniversários passados na "casa da serra", verdadeira casa da sogra mantida por vários anos pela minha família materna. Ficava na Serra da Cantareira, em uma rua de terra, e tinha sido construída pelo meu avô. Só que ele morreu antes de concluída a fase de acabamento e a casa ficou para sempre com um ar inacabado, virando depositário dos móveis, louças e objetos decorativos que já ninguém queria em suas próprias casas.

Passar o Carnaval na casa da Serra era um programa lógico para a família. Chegava-se rapidamente ao local, no município de Mairiporã, de acesso fácil para quem morava na zona Norte de São Paulo. Ou seja, a família inteira. O programa das crianças era ficar na piscina o dia inteiro. O sol de fevereiro castigava a pele branca da maioria de nós. Levávamos bronca das mães, por abusarmos do sol, sofríamos com ombros, narizes e bochechas vermelhas, e nos dia seguinte, fazíamos tudo de novo.

À noite, sempre rolavam pizzas de massa Terra Branca, assadas em quantidade suficiente para sobrar e virar iguaria no café da manhã do dia seguinte. Jogávamos jogos de tabuleiro - Banco Imobiliário, Petrópolis - e também buraco e tranca. Quase sempre tinha briga por causa do jogo, e sempre, indefectivelmente, tinha um grupo animado vendo os desfiles das escolas do Rio. Jamais faltaram frases sobre ver a Mangueira entrar, claro.

Antes da fase "casa da serra", cheguei a pular Carnaval em algumas matinês do Acre Clube. Minha mãe e minhas tias se esmeravam na fantasias das meninas. Numa das vezes, fomos de Carmen Miranda. Em outra, levamos o prêmio de originalidade, todas vestidinhas de empregadas domésticas. Eu não gostava da barulheira nem do pula-pula, mas curtia muito ficar juntando montanhas de confete para jogar para cima. Quase sempre, eu saía do salão com crise de bronquite, por conta de tanto pó. Talvez venha daí meu inexistente entusiasmo por qualquer coisa que se assemelhe a Carnaval.

O gosto de ver os desfiles pela TV, tão cultivado pela turma na casa da serra, foi se esvaindo da minha vida. Mas algo ficou daqueles tempos. Não exatamente do Carnaval, mas do dia seguinte. Posso não ver nenhum desfile, mas adoro assistir as apurações. Se estiver apertada a disputa, ou se houver briga, melhor ainda!

Gosto cada vez menos de Carnaval, mas continuo adorando fazer aniversário. Obrigada a todos que ligaram, mandaram e-mails, torpedos, twitts etc. Vamos para mais quareeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeenta!

Wednesday, February 03, 2010

Treino é treino (?)


Torcedor de Fernando Alonso, ele me liga entusiasmado no começo da tarde, logo depois de chegar da escola e de checar os tempos de Valência.

- Holla, que tal?! As coisas estão ótimas para a Espanha, com Alonso em primeiro, De la Rosa em segundo e Alguersuari em quarto!

Easy, big fellow. Do outro lado da linha, arremessei certa dose de água fria no caliente palpite infantil. Parece não conhecer a máxima futebolística de que treino é treino, jogo é jogo. Digo a ele que muita coisa pode ter levado a esse domínio inexpugnável da Ferrari nos três dias. Pode haver simulacros de toda sorte, da equipe italiana e das outras. No entanto, o entusiasmo tiffoso tem, sim, razão de ser.

A primeira hipótese, sempre levantada pelos lá de trás: andaram com pouco combustível. Se foram a Valência para andar durante três dias com pouca gasolina, fecha a firma. Neste deserto de testes e boas ideias, gastar seis períodos de treino só para fazer figura é demonstração evidente de pouca inteligência. Ainda mais com o fim do reabastecimento e a necessidade de conhecer as reações do carro pesado, parcialmente abastecido e levinho, como nas classificações.

Não. Não acho que a Ferrari gastaria esse tempo só pelo status de estar na frente, ainda que de forma fantasiosa. A torcida apaixonada, que entupiu a via de acesso ao autódromo, poderia justificar um falso brilhante da Ferrari como presente de boas vindas a Alonso. Mas Massa fez quase igual na véspera e na antevéspera. Não é tudo blefe.

E ainda que eu queira baixar a bola da expectativa juvenil - coisa de mãe, para evitar eventuais futuras decepções - não deixo de lembrar da Brawn, em Barcelona, no ano passado. Chegou chegando e praticamente antecipou nos testes o que faria na Austrália, para valer.

Talvez siga nesa linha o raciocínio de Michael Schumacher, que já duvida de suas chances de vencer pela Mercedes logo no início da temporada. Pode ter percebido que a ex-Brawn não é tudo isso neste ano. O velho truque o difusor de dois andares já não é segredo e a equipe "alemã" pode estar mais próxima das outras do que esteve na primeira metade de 2009.

Para o bem da competitividade, eu torço mesmo para que Schumacher tenha um bom carro, competitivo e com potencial vencedor. Mas que não seja o melhor do grid. É muito melhor ver Schumacher em desvantagem, precisando caçar os adversários, como o fez na Malásia/1999 ou no Brasil/2006, do que tê-lo inquestionável lá na frente, quebrando recordes e construindo monotonias.

Que a Mercedes não seja uma Brawn em 2010!

Sunday, January 31, 2010

Arquitetos de obra pronta


Meu parceiro Sergio Brito, um dos mais talentosos editores de arte com quem já trabalhei, costuma definir desta maneira aqueles que, depois de pronto um projeto editorial, começam a tecer comentários óbvios: são os arquitetos de obra pronta. Depois que a coisa já aconteceu, é bem mais fácil teorizar sobre ela. Não querendo ser arquiteta de obra pronta, prefiro apresentar meus palpites sobre as principais equipes de Fórmula 1 deste ano antes que o primeiro motor do primeiro carro ronque em Valência, neste primeiro de fevereiro.

Algumas equipes já apresentaram carros, duplas e novas pinturas. Como era de se esperar, as diferenças entre os modelos de 2010 e 2009 são bem menores do que aconteceu no ano passado, quando uma substancial mudança no regulamento aconteceu e reduziu drasticamente os apêndices aerodinâmicos dos carros. Foi uma revolução. Em 2010, não haverá mais reabastecimento, o que obrigou os projetistas a preverem tanques maiores, impactando na distância entre-eixos dos carros. É uma mudança, não uma revolução.

Discorro sobre a não-revolução como preâmbulo para meu primeiro palpite: apesar de ter amargado alguns desempenhos decepcionantes em 2009, principalmente em pistas nas quais a temperatura era mais baixa, a ex-Brawn, agora Mercedes, me parece favorita justamente pela similaridade entre os pacotes técnicos de 2009 e 2010. As cartas não foram tão embaralhadas desta vez. Quem já vinha bem não tem motivos para ir drasticamente mal.



Seguindo esse mesmo raciocínio, alinho meu segundo palpite: a "bebe quieto" Red Bull briga pelo título em 2010. Os flashes reluziram para Ferrari e McLaren, que apresentaram carros e pilotos paramentados, enquanto a equipe de Vettel, Webber, Christian Horner e, principalmente, Adrian Newey mantém-se na moita. O projeto de Newey para 2009, com seu bico afilado, mostrou-se verdadeiro benchmark da categoria. Tanto que a Ferrari não teve vergonha em copiá-lo neste ano. A incógnita do time dos energéticos segue sendo o motor Renault, grande calcanhar de Aquiles da temporada passada no quesito confiabilidade. A falta de interesse da montadora francesa na categoria pode atrapalhar e fazer da Red Bull mais um exemplar de "por fora bela viola, por dentro pão bolorento". Mas, em 2009, quando motor e carro ajustaram-se bem, foram verdadeiros olés na concorrência - China, Inglaterra, Alemanha, Japão, Brasil e Abu Dhabi.

Isso tudo não quer dizer que considero McLaren e Ferrari coadjuvantes. As duas grandes equipes praticamente desistiram do campeonato passado na metade e passaram a trabalhar com os olhos em 2010. Foi graças a uma decisão desse tipo que a Honda saiu do fundo do grid, em 2008, para se tornar a Brawn GP vencedora dos títulos de Pilotos e Construtores em 2009. É certo que, naquela ocasião, Ross Brawn era mais ou menos como a raposa tomando conta do galinheiro, presidindo a comissão que definiu as mudanças técnicas da categoria para o ano seguinte. Ainda em 2009, a McLaren esboçou uma reação consistente, dando a Hamilton duas vitórias, dois terceiros e um segundo lugar na segunda metade da temporada. O fato de abrigar os dois últimos campeoões da F1 pode detonar outra luta fratricida como se viu recentemente, com o mesmo Hamilton e Fernando Alonso. Ou como Senna e Prost. Quem corre de gosto não se cansa, já dizia minha avó. Se a McLaren encaixar um carro bom e perder novamente para si mesma, por conta de disputa interna, não pode dizer que ninguém avisou.



A Ferrari me parece uma incógnita ainda maior. A vitória de Kimi Raikkonen na Bélgica não serviu para atenuar o ano desastroso, agravado pelo acidente de Felipe Massa na Hungria e pela comédia de erros protagonizada depois pelo simpático, porém bufo, Luca Badoer. A ida de Alonso para Maranello revela um projeto de longo prazo. Cinco anos de contrato, dinheiro de xeque árabe, juras latinas de amor. Massa segue bem na fita com la famiglia. Mas persiste em mim a impressão de que, para a Ferrari, Felipe é o bom. Fernando, o marvado. O bom ganha elogios. O marvado, campeonatos. Segundo a dupla Fê-Fê (Felipe e Fernando) tem falado, os dados do túnel de vento, do simulador, do dinamômetro, enfim, de toda a traquitana tecnológica que serve para supor como o carro será na pista, parece que o bólido tem potencial. No entanto, ambos têm colocado várias condicionais e o jogador Alonso, que adora um pôquer, disse que não apostaria nem um dólar na certeza de que a Ferrari disputa o campeonato. Pode ser aviso para os tiffosi colocarem as barbas de molhos. Alonso, pôquer... Pode ser blefe, também.

No próximo post sobre F1, faço meus palpites sobre o campeonato de pilotos.

Invictus


Fazia muito tempo que a estreia de um filme não me deixava tão ansiosa. Quando ouvi falar de "Invictus", de Clint Eastwood, na mesma hora me programei para assisti-lo assim que estreasse. E o fiz ontem, dia seguinte da estreia em São Paulo. Adorei.

Motivos para a ansiedade: era um filme sobre esporte, sobre Nelson Mandela (uma personalidade que muito me interessa, talvez o líder mais marcante do meu tempo), um filme dirigido por Clint Eastwood (nunca deixei de gostar de um filme dele). Aliás, na primeira vez que fui a um cinema com um namorado foi para assistir a um filme de Eastwood. Era o improvável "Bird", sobre Charlie Parker. Na época, o jovem casalzinho, ambos metidinhos a intelectuais, olhava incrédulo para o cartaz do filme e dizia: "Nunca imaginamos que o primeiro filme que veríamos seria de Clint Eastwood...". Vinte e poucos anos atrás, Eastwood era mais um ator de filmes de ação do que um diretor respeitado.

Cheguei ao cinema em cima da hora. Sobrou-me apenas um assento na segunda fila. Péssima experiência. As cenas de ação, no campo de jogo, demandam certa distância para uma visualização ideal. De qualquer forma, não eliminou outros atributos do filme. O mais evidente e óbvio: o desempenho de Morgan Freeman como Nelson Mandela. Expressões faciais, gestual, sotaque, tudo remete ao líder sul-africano com veracidade inquestionável. Para ajudar, a reconstituição dos fatos reais é extraordinária. Como um atestado de realismo, no fim do filme, Eastwood coloca fotos dos próprios Mandela e François Pineear, o capitão do time de rugby, ao lado dos nomes de Morgan Freeman e Matt Damon. Semelhanças incríveis.

Mas não é só de atuações irresistíveis e reconstituições realistas que se faz "Invictus". Na minha ótica de apaixonada por esportes, vibrei intensamente com as cenas de ação em campo. Eu, que entendo pouco ou quase nada de rugby, me vi torcendo apaixonadamente pelo time da África do Sul contra o da Nova Zelândia. O que é algo praticamente inédito, pois foi a primeira vez que esta corintiana sofreu tão genuinamente por um time de verde jogando contra um time de preto...

Além disso, "Invictus" emociona ao reconstituir parte da vida de Mandela, sem deixar de mostrar seus paradoxos, sua grandeza como líder contrastando com sua solidão e afastamento da própria família. Emociona ao remeter ao poema que dá nome ao filme, embora deixe-o de certa forma no ar, ao não mencionar seu autor. Fui procurar por conta própria e achei este post, com o original e uma tradução para o português. Há cenas que quase resvalam a pieguice, como a do capitão Pineear visitando a cela que abrigou Mandela durante 27 anos. Mas é cinemão americano, afinal, e isso não é necessariamente um defeito.

Pequenos toques de diretor genial que valem o ingresso: as cenas em câmera lenta e o reforço dos sons guturais dos jogadores, que de certa forma reduzem aqueles homens uniformizados a animais, capazes de bater, de ferir, de atacar e de defender como feras ou presas. Capazes de alijar o semelhante de seus direitos, de segregar, de fixar-se a dogmas medievais com justificativas pueris. Ali, o rugby (poderia ser o futebol, a Fórmula 1, o boxe) não é mais um esporte. É metáfora da vida e da imaturidade reinante do ser humano.

Pelo twitter, o leitor Joubert Amaral me informa que o livro, como sempre, é rico em passagens e detalhes que escaparam ao diretor. Conta, por exemplo, que a insistência do capitão, para que o time aprendesse o novo hino sul-africano, é muito mais dramática e transformadora do que o filme apresenta. Boa ideia: vou aproveitar que meu aniversário está chegando e pedir o livro de presente...

Tuesday, January 19, 2010

28 anos


Há 28 anos, Elis Regina assumia de vez a condição de estrela.

Maior cantora do país. E ainda tinha bom gosto para futebol...

Sunday, January 10, 2010

Velha guarda


Em agosto do ano passado, escrevi este post sobre o caso Nelsinho Piquet x Flavio Briatore. O texto usava trechos de músicas da velha guarda da MPB para pontuar os lances da briga pública entre a família Piquet e o ex-chefe da Renault. Na ocasião, usei um trecho de uma música composta por Herivelto Martins e outra, cantada por Dalva de Oliveira, citando brevemente a briga pública entre o ex-casal.

Quem acompanha este blog sabe que gosto de Fórmula 1 e de música, misturando os dois assuntos eventualmente. Gosto pouco de TV, mas acabei me interessando pela minissérie que a Globo levou ao ar na semana passada, sobre a vida de Dalva e Herivelto. Assisti a alguns pedaços de alguns capítulos, o que naturalmente não me credencia nem para fazer a sinopse da história nem para avaliar a produção (acho que nunca vou me sentir gabaritada para avaliar nada em nenhuma produção de TV, especialmente em teledramaturgia).

Quando elogiei a caracterização dos atores, ouvi uma ótima frase da minha mãe sobre o Herivelto de Fábio Assunção. "Ele é bonito demais para fazer o Herivelto." Sim, de acordo. Mas, além de bonito, Fábio pareceu-me verdadeiro no papel. Uma boa maquiagem, com direito a uma prótese que o deixou com protuberante papada, somou-se às expressões corretas do ator. Vendo-o, eu enxergava aquele macho típico do século passado, que se achava no direito de pintar e bordar mas que negava o mesmo direito à mulher.

Mas, na minha opinião, as melhores coisas da minissérie foram a já decantada reconstituição de época que a Globo empreende em produções históricas e a atuação/caracterização da atriz Adriana Esteves. Os demais personagens reais retratados no programa (Marlene, Emilinha Borba, Dercy Gonçalves, Ataulfo Alves, Linda e Dircinha Batista) foram fielmente reconstituídos com atores contemporâneos. Roupas, mobiliário, microfones, auditórios de rádio, tudo parecia em sintonia perfeita com aquela atmosfera anos 30/40.

Adriana Esteves despiu-se da vaidade para abraçar o papel da cantora que apanhou mais da vida que carne de segunda. O cabelo crespo de Dalva, ruim de doer, afastou dela a imagem de loirinha brejeira que tanto grudou à sua figura em papéis anteriores. O gestual de sua Dalva, no palco, era preciso e fiel. A Dalva moribunda deu-lhe chance de exercer o drama e ainda de mostrar umas mãos macilentas de velha doente. Outro ponto para a maquiagem.

O melhor da série, na minha opinião, é levar a história e, principalmente, as músicas daquele período a várias gerações que não conheciam o tema. Mas é duro de aguentar os roteiros espremidos e forçados da teledramaturgia nacional. Contar uma história de décadas em cinco capítulos, com vários números musicais entremeando a sequência, acaba criando diálogos telegráficos e praticamente sem nenhuma profundidade.

Vendo a série, fiquei pensando em outros personagens da velha guarda da música brasileira que renderiam ótimas histórias: Carmen Miranda, Noel Rosa, Assis Valente, Vinícius de Moraes, só para ficar no pessoal da primeira metade do século passado.

E assim, em quase quatro anos de blog, perpetrei um texto elogiando a Globo! Talvez eu só volte a ver algo da teledramaturgia da emissora daqui uns quatro anos. Portanto, não acostumem...

Saturday, January 02, 2010

São Silvestre - ano 4



Faltam trezentos metros para o fim da prova. Olho no cronômetro e vejo 1h30. De longe, meu recorde negativo na São Silvestre. Mas faltam só trezentos metros. Já estou na Paulista, já subi tudo o que precisava, já corri quase 15 km. Mas não me canso de disputar corridas contra mim mesma e lanço-me um último desafio: cruzar a chegada antes que o cronômetro marque 1h31. Eu tinha acabado de entrar na avenida, vencendo a subida da Brigadeiro.

Volte umas nove horas no tempo. Manhã do dia 31/12, nove e pouco da manhã. Recebo uma notícia de morte. "Seu" Miguel havia partido na noite anterior, depois de uma relativamente curta, mas sofrida agonia. "Seu" Miguel foi uma espécie de avô postiço para mim. Sogro do meu tio mais novo, era uma figura engraçada. O mais divertido era assistir aos jogos do Corinthians, seu time, na sua companhia. Sempre escolhia um dos jogadores da partida para Cristo e o xingava do começo ao fim. Um jogador do próprio Corinthians, que fique claro. Se o Corinthians perdia, não demorava a decretar: "Também, com aquele perna de pau, só podia perder mesmo." Se ganhasse, pequena variação no discurso: "Não sei como ganhamos, com aquele perna de pau em campo".

Fui para o velório. Chegando lá, uma das primeiras reações à minha presença. "Ué, o que você está fazendo aqui? Não vai correr a São Silvestre?", disse meu primo Brunno, neto do "Seu" Miguel. Era cedo, ainda, umas 11h. Fiquei até a saída para o crematório e corri para casa. Preparei um spaghetti com legumes em tempo recorde e saí umas 15h15. Desde 2006 vivendo uma espécie de ritual na preparação para a prova, desta vez estava atordoada. No caminho para a Paulista, lembro de ter pensado: "Com que pernas vou correr? E com que cabeça?" Ao contrário do que dizia a música da Vila Sésamo, nem todo dia é dia, nem toda hora é hora.

Pensava e ia. Achava que não correria e seguia. Desanimava e continuava em direção à Paulista. Achei um estacionamento na alameda Jaú. Deixei vintão como pagamento adiantado e segui para o tradicional ponto de encontro da equipe Conexão, na frente do Hotel Maksoud Plaza. Lá, já estavam o Nilton, o Brando e a Alê Carioca. Depois, chegaram o William, o Henry, o Zoca e, surpresa!, nosso técnico Zé Eduardo Pompeu. Tínhamos feito o treino para a corrida no domingo anterior e eu não sabia que Zé correria desta vez. Foi a primeira vez que fiz a São Silvestre com ele e, quando fomos para a Paulista, propus: "Vamos fazer a prova todos juntos?" A ideia era meio absurda, porque é muito difícil correr em grupo em corridas de rua. Cada um tem seu ritmo e, afinal, são 21 mil pessoas na São Silvestre. Abafa o caso, encerro o assunto.

A largada, como se sabe, acontece na frente do Masp. Nós, da equipe, ficamos esperando o início da corrida na esquina da rua Pamplona, a uns trezentos metros. À nossa frente, aquele tradicional mar de cabeças, algumas adornadas por adereços esdrúxulos como vaso de cerâmica, chapéu de viking, coroa de louro, cocar. As fantasias se multiplicam, como sempre. Entre a largada da elite masculina e a nossa passagem pelo marco zero da corrida, mais de quinze minutos. Ao cruzar o portal de largada, olhei de relance para um telão e vi um dos líderes já no Minhocão. É gente demais para passar pelo mesmo pedaço. Há que esperar, não tem jeito.

À medida em que avançávamos, a mesma sensação de edições anteriores. São Silvestre só é corrida para os líderes, para os atletas de elite. Nós, amadores, devemos antes de tudo curtir essa prova como um grande evento, uma celebração. Buscar recorde na São Silvestre só é possível se você conseguir largar muito na frente. E aguentar o tropel de gente e a overdose de cotoveladas. No final da Consolação, continuávamos juntos eu, Brando, Henry e Zé. Depois do primeiro posto de água, na avenida São João, Henry desgarrou-se. Seguimos, os três, por um longo trecho, até o quilômetro nove, quando subimos o viaduto que liga as avenidas Rudge e Rio Branco. Daí para a frente, éramos eu e o Zé.

Então, chegamos de volta do Centro e suas cenas inusitadas. Mendigos encachaçados são outra tradição da São Silvestre. No Largo do Paissandu, um representante da classe juntou-se aos corredores. Uma das mãos levava no alto um ramo de folhagens, qual tocha olímpica. A outra ocupava-se de segurar o calção, que insistia em cair. "Vai, arruda!", "Boa, carqueja!", a multidão encorajava o lunático, que disparou entre os atletas com suas passadas trôpegas, porém rápidas, de chinelo de dedo.

Cheguei à Brigadeiro e, apesar da temida subida, só então consegui desenvolver um ritmo razoável, escalando o morro com relativa facilidade, pois a multidão, naquele ponto, já havia se dispersado bastante. Quase cruzando a Treze de Maio, encontrei o Nilton e, como sempre, fiz uma referência futebolística, já que ele é palmeirense e nunca escapa aos meus comentários alvi-negros. Este ponto, a Treze de Maio, é tido por todo corredor que já fez a São Silvestre como o fim da prova. Explico. Ali está o marco de 14 km. O quilômetro final terá cerca de 300 metros de terreno plano, na Paulista, e outro tanto no final da Brigadeiro. Ou seja, falta pouco, muito pouco para subir. A placa de 14 km, para um atleta amador, é mais ou menos como receber a sinalização de que falta só uma volta para o fim da corrida de Fórmula 1, quando se tem o melhor carro, gasolina no tanque e trinta segundos de vantagem para o segundo colocado.

Escalo a montanha, viro à direita, entro na Paulista. Checo o cronômetro. Já era uma quase tradição, para mim, fazer tempos piores a cada edição. Em 2006, 1h22. Em 2007, 1h23. Em 2008, adivinha? 1h24, claro. Eu já tinha passado muito todas essas marcas, já tinha entregado para Deus. 1h30. Olho o portal de chegada ao longe, pernas pra que te quero, um desesperado sprint final. Ainda ouço de um colega - "Boa, é isso aí, menina" - e aproveito aquele que é meu mais prezado Réveillon. Em 2010, se Deus quiser, estarei aqui novamente. E em todos os próximos anos, os bons, os não tão bons, os excelentes. Cruzo a linha de chegada, zero o cronômetro.

1h31.

Foto: Fernando Pilatos/Gazeta Press

Thursday, December 24, 2009

Feliz Natal



Nem Papai Noel, nem renas. Neste blog, a imagem do Natal é sempre John+Yoko, por várias referências - a música Merry Christmas à frente.

Nestes últimos dias, acabei refletindo um pouco mais sobre o Natal. Já faz alguns anos que procuro em mim o fascínio que o Natal exercia na minha imaginação. Na infância e mesmo depois, já adolescente, eu entrava em férias no final de novembro e dedicava o mês de dezembro inteiro a curtir de fato o Natal.

Confeccionava meus próprios cartões, escrevia-os e os enviava a minhas amigas de escola, folheava a revista Claudia em busca de ideias novas para enfeites (alguém aí se lembra da árvore de macarrão feita sobre um cone de isopor, depois colorida com spray dourado?). Em alguns anos, tinha também a novena de Natal, da qual eu gostava basicamente por dois motivos - pelas músicas natalinas e porque toda reunião invariavelmete terminava com um lanche!

Tinha o LP com músicas de Natal cantadas por um coro (austríaco, eu acho). E tinha um ritual que eu sempre repetia na tarde da véspera do Natal. Um disquinho da coleção Disney chamado "O Natal do Tio Patinhas", versão da história do velho avarento que é visitado pelos espíritos do Natal passado, presente e futuro.

E depois tinha a família chegando cada um com seu prato, com sacolas cheias de bebidas em vasilhames de vidro. Confusão de mulheres na cozinha, esquentando peru, tender, farofa e um detestável arroz com champanhe que, felizmente, só era feito no Natal e que eu odiava com todas as forças, porque a iguaria chique era sempre um arroz todo empapado, e eu detesto arroz empapado.

E, já na adolescência, demos de fazer sempre uma batida de sonho de valsa que virou hit eterno dos meus Natais (hoje, vai ter. É só bater uma lata de leite condensado, a mesma medida de pinga e cinco bombons sonho de valsa.) Na versão sem álcool, é só substituir a pinga por leite, fica bom também.

À meia noite, brinde. Sempre tinha alguém que pedia guaraná para brindar com o champanhe alheio "porque estava tomando remédio". Brinde e lágrimas. Como se chorava em Natal na minha família! Oração, sobremesa, amigo secreto (nove entre dez dos convivas começava sua dissertação acerca do amigo oculto com o indefectível "é uma pessoa muito especial"). Houve um tempo em que o amigo secreto perdeu ibope, ou em tempos de grana curta, sei lá. O genérico da brincadeira era um sorteio feito na hora, e cada um entregava ao outro uma barra de chocolate como símbolo de amizade. Não era incomum o sujeito tirar um papel e devolvê-lo, alegando ter tirado a si mesmo, ainda que outro alguém já o tivesse tirado também, evidenciando que o fulano estava apenas e tão somente selecionando quem queria e, principalmente, quem não queria tirar.

No fim de tudo, o desânimo diante das sobras daquele banquete pantagruélico. Sempre me impressionei muito mal com aquelas carcaças carcomidas, com aquele resto evidenciando o desperdício. E o cansaço tomando conta de todos, e a irritação para fazer caber na geladeira aquelas sobras. Quando criança, eu nem percebia esses bastidores da grande noite. Queria mais era dormir logo, para chegar logo o dia seguinte e poder brincar com os presentes ganhos na véspera.

Pensando bem, não é tão difícil descobrir porque o Natal perde seu charme na vida adulta. E, agora, com licença, que tenho de arrumar espaço na minha geladeira!

Feliz Natal, John. Feliz Natal, Yoko. Feliz Natal!

Tuesday, December 22, 2009

Na contramão



A foto que ilustra o post é manjada. Retrato do artista quando jovem, traz Schumacher em seus tempos de Mercedes, ao lado de Wendlinger e Frentzen, antes de Gachot lançar gás paralisante em um adversário durante uma briga de trânsito e catapultar Michael para a glória. Leio em sites, blogs e no Twitter que o anúncio da contratação do alemão pela equipe neoalemã é questão de horas. Portanto, começo me desculpando se estou falando em hipótese e o fato já está consumado enquanto você lê.

(Em quase quatro anos de blog, nunca fiquei mais de um mês sem escrever. Desculpem pelo abandono. Há alguns meses, lancei-me em um duplo compromisso - escrever mais no blog e retomar meus bons desempenhos nas corridas. E pedi para ser cobrada! Vocês também esqueceram de fazer isso...)

Anyway...

Confesso grande dose de expectativa com a eventual volta de Schumacher. Se eu me inquieto com essa perspectiva, o que dizer de pilotos como Hamilton, Vettel, Kovalainen, Buemi, Kobayashi, Alguersuari, Grosjean? E ainda mais de Bruno Senna, Lucas Di Grassi, Hulkenberg? Há pouco, Di Grassi escreveu no Twitter que, quando Schumacher ganhou seu primeiro título na Fórmula 1, ele (Di Grassi) tinha apenas dez anos e começava no kart. Jovens pilotos, de variados calibres, terão a chance de correr ao lado do maior vencedor da história da Fórmula 1 e isso é coisa para, no mínimo, colocar no currículo. Desafiá-lo e eventualmente vencê-lo certamente são desejos nada secretos dessa moçada mal saída das fraldas quando Schumacher alinhou pela primeira vez, no já distante GP da Bélgica de 1991.

Vem um pouco dessa data parte da minha ansiedade pelo revival do alemão. 1991 foi a primeira temporada que cobri profissionalmente, na retaguarda da Folha de S.Paulo. Já escrevi aqui: quando a Jordan viu-se sem piloto, pela inusitada prisão de Bertrand Gachot, redigi uma nota curta (um módulo 200, como chamávamos na época) sobre o substituto, um tal Michael Schumacher de quem eu, confesso, nunca tinha ouvido falar. As informações estavam em um telex, também bastante curto, evidenciando que Schumacher estava longe de ser um superstar na época. Voltar 19 anos no tempo é algo de um valor quase afetivo, um mergulho no tempo, uma sensação de também estar começando de novo e isso, crianças, por alguma razão, nos revitaliza.

Mas há uma ansiedade esportiva ainda maior a me aquecer neste quesito. Vislumbro um campeonato, como no caso de 2009, com muitas limitações para o desenvolvimento dos carros ao longo da temporada. Testes quase nulos repetem a cantilena do campeonato terminado em novembro: para ser vencedor, o carro precisa nascer bom. Desenvolvê-lo ao longo do ano? Sem testes? Difícil. E a Mercedes parte de um projeto muito bom. Se o modelo de 2010 for uma evolução do carro da Brawn, é certo que teremos Schumacher em um carro candidato ao título. Ou seja, sua volta não terá nada de café com leite. Com o perdão da expressão, ele vai pro pau.

Mas terá uma Ferrari que praticamente recolheu as armas na metade da temporada passada, hibernando para 2010, com uma dupla de pilotos tida, até agora, como a melhor do grid. Difícil imaginar que Maranello fará figuração pelo segundo ano consecutivo. Terá, também, uma McLaren, agora sem Mercedes, mas com outra dupla de pilotos fortes (dois campeões do mundo, afinal). Terá uma Red Bull amadurecida na briga pelo título, com um mini-Schumacher cada vez mais sedento por se firmar no Olimpo da Fórmula 1.

Outro fator que pode pesar a favor da competitividade em 2010. As mudanças aerodinâmicas impostas pelo regulamento em 2009 foram muito mais radicais que as do próximo ano. Na temporada passada, a Brawn acertou a mão, com aquele difusor duplo que tanta vantagem lhe deu no início do ano (e que, dizem por aí, nasceu das informações privilegiadas de Ross Brawn ainda no comando da extinta Honda). As outras literalmente correram atrás. É de se supor que esse desequilíbrio não seja tão grande em 2010. Minha perspectiva - que talvez seja até uma esperança, reconheço - é ver Schumacher em um ambiente muito mais equilibrado do que em seus tempos de Ferrari. Um verdadeiro tira-teima a que um homem de 41 anos vai se impor. Estou louca para ver.

Last, but not least, gostaria de falar da série de decisões dissonantes que envolvem Mercedes e Schumacher neste final de 2009, início de 2010. É a tal contramão que dá nome a este post. A primeira contramão é o próprio reforço da Mercedes em sua permanência na Fórmula 1. Justamente quando as montadoras saíram em debandada da categoria, a empresa alemã reafirmou seus investimentos. A segunda está na própria constituição do time.

Enquanto a maioria das equipes sempre busca mesclar pilotos de estilos e nacionalidades diferentes (até como recurso para atrair diferentes patrocinadores e parceiros), a alemã Mercedes está em vias de investir em dois pilotos alemães. Essa decisão, se confirmada, revela mais que uma opção esportiva. Desnuda uma postura neonacionalista à qual nos desacostumamos em relação à Alemanha do pós-guerra. Equipe alemã, com dois pilotos alemães. Uau! Acho que as feridas finalmente começaram a cicatrizar.

Por fim, a evidente contramão na faixa etária. Em 2010, celebramos mais um recorde de precocidade na Fórmula 1, quando Jaime Alguersuari tornou-se o mais jovem piloto a estrar na categoria. Este rapazinho poderia ser filho do provável (eventual, possível, especulado...)piloto do carro número 4 no ano que vem.

Oh, lord... Falta muito para a temporada de 2010 começar?

Tuesday, November 17, 2009

Procuram-se repórteres


Antes de qualquer coisa, desculpem pelos dias sem atualização. Excesso de trabalho, apenas isso (mas, como prometi alguns meses atrás, continuo me esforçando para não abandonar o blog nem meus treinos de corrida. Well, pelo menos aos treinos eu tenho comparecido...).

Foram dias intensos, com apagão, rodoanel e muitas notícias na Fórmula 1. Compra da Brawn pela Mercedes, namoro sério entre Button e McLaren, anúncio de Timo Glock na Manor.

Assim que li esta última, hoje cedo, pensei a mesma coisa que o Ico: se Glock está confirmado na Manor, e era dado como provável na Renault, será que isso significa a retirada da Renault, como se especulou nas últimas semanas?

O pensamento seguinte me levou à divagação que compartilho com vocês. Este mundo cibernético, online, virtual em que vivemos tem me possibilitado coisas incríveis, como falar frequentemente com meu amigo que mora em Salvador, coisa que seria inviável nos tempos do interurbano. Ou editar, aqui em São Paulo, um jornal que é diagramado, composto e impresso em Erlangen, na Alemanha. Ou, ainda, pedir a meu irmão, que mora em Belo Horizonte, para consertar, de lá, a configuração do computador da minha mãe, aqui em São Paulo.

Se Tia Nastácia visse tudo isso, diria que era assombração, arte do "coisa ruinzinha". Dona Benta, mais antenada, balançaria divertida a cabeça e explicaria à cozinheira que estávamos apenas diante das maravilhas da tecnologia contemporânea.

No mundo cibernético, online, virtual, o universo está ao alcance de um clique. Em segundos, descubro quantos metros tem o circuito de Jerez de la Frontera. Ou a idade de Maximiliano Papis. Ou quantos milhões de dólares a ex-mulher de Bernie Ecclestone arrancou-lhe no divórcio. Em segundos, sigo volta a volta todas as provas de Fórmula 1, acompanhando a cronometragem oficial em qualquer lugar do planeta. Poucos minutos após cada treino ou corrida, tenho acesso a um sem número de fotos de todas as equipes e de todos os pilotos.

A sensação de estar perto de tudo, estando a qualquer distância, é quase palpável. Qualquer um tem elementos para falar com propriedade sobre praticamente qualquer assunto, graças à avalanche de informações que se tem de tudo. Estamos perto de tudo.

Estamos muito preguiçosos, isso sim!

Nas décadas de 70 e 80, havia jornalistas especializados na indústria automobilística que montavam tocaia para flagrar novos modelos em testes. Houve quem fosse perseguido por seguranças de fábrica, chegando a levar tiros por conta dessa atividade de risco. O prêmio para tal ousadia era produzir uma capa de revista com a foto do novo carro, que estaria nas ruas só depois de muitos meses. O prêmio era o orgulho do jornalista por ter dado o que, no nosso jargão, se chama "furo".

Fico me perguntando onde estão os repórteres especializados em automobilismo da Europa. Especula-se que Glock vá para a Renault. Especula-se que a Renault anuncie sua saída no final do ano. Especula-se que a Renault se torne apenas fornecedora de motores a partir de 2010. E não tem um infeliz que se digne a fazer tocaia na porta da fábrica!

A circular por ali durante uma manhã ou uma tarde, nem que seja para ver gente entrando e saindo, caminhões entregando material. Nem um papinho com o vizinho, com o comerciante da esquina. Nem uma frase pescada: "Ah, seu moço, gente entrando e saindo tem sempre, e ontem mesmo saiu um caminhão enorme lá de dentro, levando um troço enorme, que parecia uma turbina de hidrelétrica." Nada. Nessa altura, podem ter desmontado o túnel de vento da Renault que ninguém sabe, ninguém viu.

Tocaia na frente da fábrica? Faz-me rir. Estão todos perto de tudo, à distância de um clique, linkados no universo, longe da notícia, esperando a coletiva oficial, a ser transmitida ela internet, onde todos nos encontramos.

Monday, November 09, 2009

Uni(tali)ban



Geisy foi à faculdade com um vestido curto (?). Hostilizada pelos colegas (?), teve sua imagem divulgada pelo youtube. Confusão generalizada, polícia chamada. Dias depois, a faculdade resolveu expulsar Geisy. Alegou atitudes inadequadas da aluna.

Quais seriam tais atitudes, senhores diretores da Uniban?

Ela usa roupas provocantes habitualmente?
Ela se insinua para seus colegas?
Ela não dá bola para o que acham de seu vestuário?
Todas as anteriores? Nenhuma das anteriores?

Talvez só Geisy sabe o que fez de tão condenável (se é que fez!), e neste caso vale a máxima de que os vândalos que a hostilizaram podem nem saber por que a agrediram, mas ela sabe porque foi humilhada em público.

Nada justifica a atitude anônima de bullying praticada por essa gangue. Machismo, preconceito, desrespeito extremo, independente de quais atitudes condenáveis Geisy tenha tomado (se é que tomou!).

De imediato, pensei que a Uni(tali)ban além de referendar a atitude criminosa de seus alunos, também conduziu muito mal a história, em termos da imagem da instituição. Depois, reconsiderei: será que a universidade está preocupada com sua imagem?

Wednesday, November 04, 2009

O último que sair...


Em um ano, três empresas japonesas anunciaram sua saída da Fórmula 1. Começou com a Honda, continuou com a Bridgestone, culiminou com a Toyota. No meio tempo, os alemães da BMW também puxaram o carro. Há algum tempo, rumores apontam para a revisão dos planos da Renault na categoria. Mas, depois do escândalo de Cingapura 2008, a empresa francesa deve se manter pelo menos para limpar a imagem.

De qualquer forma, uma impressão dos últimos tempos consolida-se como certeza: naufragou clamorosamente o conceito de uma Fórmula 1 transformada em Mundial de Marcas, com as principais montadoras duelando entre si. Bernie apegou-se a essa ideia e quase excluiu os demais times, os chamados garagistas. O pequeno dirigente um dia deve ter olhado para um grupinho formado por Frank Williams, Eddie Jordan, Peter Sauber, Giancarlo Minardi e pensou: "Vocês são pequenos demais para meus planos".

Virou as costas e vislumbrou as sedes da Honda, da Toyota, da Mercedes, da BMW e teve a certeza de que aquela era sua turma. Corporações poderosas, com orçamentos estratosféricos. Bernie elevou os custos da Fórmula 1 ao ponto de praticamente alijar os pequenos da categoria. E deve ter tido a certeza de que havia agido certo durante os primeiros anos desde século. As montadoras entraram com tudo na Fórmula 1, ajudando-o a faturar como nunca na história desta competição!

Só que 2008 varreu o mundo com uma crise econômica brava. As grandes corporações, com orçamentos estratosféricos, perderam dinheiro. Nessas horas, não há boa intenção, compromisso com o esporte blá-blá-blá nenhum que disfarce o sorvedouro de dinheiro que é a Fórmula 1. Uma após a outra, as equipes foram batendo em retirada.

Não deixa de ser intrigante o objeto maior do contencioso entre FIA e Fota no primeiro semestre - o teto orçamentário estabelecido para 2010. A FIA, ainda sob o comando de Max Mosley, insistia na contenção de despesas, tendo em perspectiva a inviabilidade da categoria se a gastação desenfreada continuasse. As equipes batiam o pé: queriam gastar mais e mais. Venceram o duelo. Perderam dois times de lá para cá, e a fornecedora de pneus, já com data marcada para a despedida.

A Fórmula 1 não vai morrer. Pelo menos três times novos já estão inscritos para 2010. E ainda há a nebulosa perspectiva de mais dois. Times com formatos garagistas, sem a opulência das montadoras. Difícil é imaginar que Bernie dará a mão à palmatória, admitindo que sua aventura no mundo das grandes corporações foi um retumbante fracasso.

Mas ele, de fato, não parece estar muito preocupado com isso. No Oriente, nas Arábias, Bernie parece ter encontrado gente disposta a continuar despejando dinheiro na Fórmula 1. Se é que isso ainda pode ser chamado de Fórmula 1.

Monday, November 02, 2009

Fim de feira


Depois de dezoito anos cobrindo automobilismo, reforço, a cada corrida, uma sensação permanente: um autódromo, terminada um GP, é um cenário desolador. Tem ar de fim de festa, fim de feira, uma pré-ressaca. É a sensação que reina em mim hoje, especialmente pelo final do campeonato e pela perspectiva de quatro meses sem Fórmula 1.

A vida é muito mais do que corrida, eu sei. E ergo as mãos para o céus quando lembro que o intervalo entre uma temporada e outra acontece, aqui no Brasil, em pleno verão. Saem os treinos e GPs, entram o sol, o calor, praia e piscina. Amo muito tudo isso e sou daquelas pessoas que não entendem os que preferem o frio.

O GP de Abu Dhabi intensificou a sensação de fim de feira. Corrida chatíssima. Repito o que disse durante a transmissão, pelas rádios Bandeirantes e Band News FM. A corrida me lembrou um episódio familiar: ao ser perguntado sobre do que mais tinha gostado em um circo a que tinha ido, meu primo Lucas pensou e respondeu: "de chutar pedrinhas no estacionamento!". É o que pareceu, para mim, esse circuito fake em cenário fake dos Emirados Árabes. Tem a marina, tem o hotel, tem parque temático da Ferrari, tem até um autódromo, mas todo mundo só falava do pôr-do-sol de Abu Dhabi.

Falarei mais da temporada de 2009. Por enquanto, fica minha homenagem a Kamui Kobayashi, grande sensação das duas últimas corridas. Há quem diga que, na Fórmula 1 atual, não se faz ultrapassagem. esqueceram de avisar ao japonês, que deu show ontem e em Interlagos.

Enquete do Mundial 2009

Como já fez no ano passado, o Saco de batatas convida os leitores a votar nos melhores e piores da temporada. Vai !

Thursday, October 29, 2009

Petrodólares


Primeiro, foi o Bahrein. Ainda assim, resisti. Mas com tantas referências a Abu Dahbi, desisto. A Fórmula 1 definitivamente me fez ressuscitar na memória um jogo de tabuleiro chamado "Petrópolis", que eu jogava com meus primos quando era criança.

Bahrein, Abu Dhabi, Omã... Durante muito tempo, esses nomes eram apenas quadradinhos na minha lembrança. Neles, se tivéssemos alguns petrodólares, podíamos colocar torres de petróleo. Quando tínhamos mais dinheiro ainda, trocávamos as torres por plataformas.

Petrópolis, para quem não conheceu ou não se lembra, nada mais era quem um "Banco Imobiliário" ambientado no ramo petrolífero. A dinâmica era exatamente a mesma. Eu gostava mais do "Petrópolis" que do "Banco Imobiliário" por uma questão estética bem fútil - as torres prateadas e as plataformas douradas do "Petrópolis" me pareciam bem mais bonitas que as casinhas verdes e os hotéis vermelhos do "Banco Imobiliário". Além disso, o tabuleiro do "Petrópolis" era preto, o que fazia um contraste interessante com esses outros elementos.

O jogo, se bem me lembro, era da minha prima Claudia. O quarteto constante em torno do tabuleiro éramos eu, ela, sua irmã Debora e outro primo nosso, o Paulo. "Petrópolis" rendeu histórias inesquecíveis para mim. Claudia pronunciando "Omã" em voz alta e minha tia, lá da cozinha, respondendo: "O que é, Claudia, fala!" Paulo saindo para ir ao banheiro e nós duas - eu e Claudia - nos lançando febrilmente contra o banco, cheinho de petrodólares. Ah, desculpe... O Paulo era muito malaco em qualquer jogo. Nós tínhamos forte suspeita de que ele tinha roubado uma das notas de 500 mil petrodólares, cor de vinho, e não tivemos pudor em repor nosso prejuízo, lançando mão de várias notinhas de 100 mil, as beges.

Abu Dhabi saiu do tabuleiro para o calendário da Fórmula 1. Pelo que li, especialmente nos relatos do Ico, o prateado das torres e o dourado das plataformas espalhou-se e multiplicou-se em opulência naquele emirado. Amanhã, os carros irão para a pista, sem maiores atrativos além de definir quem será o vice-campeão. A tradição do local em automobilismo é nenhuma. Como a do Bahrein, da Malásia, da China, da Turquia. Eles não têm pilotos bons, mas têm dólares. Petrodólares, no caso. Isso, há muito tempo, eu e meus primos sabemos que conta muito.