Quando uma mulher dá à luz, junto com a criança nasce uma
entidade que vai acompanhar essa mãe por toda a vida – a culpa. Talvez exista
algum mecanismo mental que faça com que a mãe se sinta culpada por não poder
manter aquela criatura, que ela mesma produziu, para sempre na segurança do
útero. Choros, cólicas, engasgos, tombos, notas baixas na escola, o vestibular,
desilusões amorosas, multas de trânsito, demissões, dívidas, divórcio, tudo o
que vier pela frente, na vida daquela criança já transformada em adulto,
soará sempre para a mãe como uma falha dela mesma, como se ela pudesse ter
evitado tudo isso, se tivesse prendido aquela criança em suas entranhas. Aquele
pequeno e indefeso ser, no fundo, é um manancial de preocupação eterna, um
pesadelo, um monstro.
Não é à toa que a personagem principal de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” tenha de enfrentar, em uma série de universos paralelos, uma entidade maligna que tem as feições de sua própria filha. Evelyn, a heroína da história, tem claras diferenças com a filha Joy, que se transforma na vilã Jobu Tupaki na realidade paralela. E é significativo que quem apresente essa vilã para Evelyn seja seu marido, Waymond, um sujeito metido a engraçadão que quer se divorciar da esposa porque, aparentemente, ela não o trata com muita gentileza.
Essa relação parece significativa porque, tão frequente quanto a mãe soterrada em culpa após o nascimento de filhas e filhos é a figura do pai carente, que se ressente da falta da esposa pré-parida, que antes só tinha olhares para ele. Erasmo Carlos até fez uma canção sobre isso (“Quando chego em casa, à noitinha, quero uma mulher só minha/ Mas pra quem deu luz não tem mais jeito, porque um filho quer seu peito”).
Mas Evelyn não é apenas uma mãe mergulhada em culpa e ressentimento com a filha que parece frustrar todos os seus planos. Ela é um burro de carga na empresa que administra com o marido e na qual estão encrencados com uma questão fiscal. Ela atende os clientes desse estabelecimento, uma lavanderia que parece ter tido dias melhores, faz a contabilidade do negócio (e naturalmente se complica com isso) e ainda tem de se haver com o pai idoso, um sujeito aparentemente conservador e invasivo. Aparentemente porque, de certa forma, o filme dá a entender que essa prevalência mental do pai sobre Evelyn pode ser uma dramatização excessiva que ela mesma faz do velho. Ou seja, culpa dela.
“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” é bom entretenimento, e cheio de bons momentos, enquanto não tenta amarrar aquele grande delírio mental como produto da instabilidade de uma mulher. Talvez seja fácil para o marido bobalhão pedir a ela que “seja gentil” e resumir as razões do casamento desgastado à brutalidade dela. Talvez seja impossível para ele entender toda a carga de culpa que o modelo de vida contemporâneo despeje sobre uma mulher.
1 comment:
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