Wednesday, December 11, 2019

História de um casamento: uma boa novela de Manoel Carlos

Scarlett Johansson (Nicole), Azhy Robertson (Henry) e Adam Driver (Charlie


História de um Casamento": sim, parece novela de Manoel Carlos. Pessoas de elite branca com problemas de elite branca. Sem um grande vilão, os conflitos vêm das situações. Não quer dizer que os problemas não sejam duros, e o diretor é hábil em criar empatia.

O forte do filme são os diálogos mas, no início, é quase tortuoso acompanhar tanta falação, cuja função é clara: situar personagens e seus conflitos. Mas o direitor e roteirista Noah Baumbach é também cuidadoso em pontuar esse falatório com signos visuais fortes.

Portas de armário deixadas abertas, cortes de cabelo, refeições sendo preparadas: o que parece mero cenário, nesse início turbulento, ganha significados diferentes em outros momentos do filme, nos quais os sentimentos dos personagens também são outros. Bela sutileza.

Baumbach também se mostra craque nos enquadramentos que escolhe para situações bem específicas da história. O tom confessional de determinada cena de Scarlett Johansson (Nicole), com a câmera fechada em seu rosto, chega a lembrar a estética de alguns filmes de Godard, como "A Chinesa".

E é admirável como ele desconstrói a ideia de intimidade/verdade do que estava sendo dito ao incluir a fala de uma personagem, até então ausente na cena, e cortar para um enquadramento totalmente diferente, descortinando a farsa montada pela advogada vivida por Laura Dern.

Laura Dern, por sinal uma das atrizes preferidas de David Lynch, é favorita em todas as sondagens para levar o Oscar de Atriz Coadjuvante. Na cerimônia, devem exibir um monólogo em que ela compara as mães à figura da Virgem Maria. Mas Laura faz muito mais que isso no filme.


Laura Dern, a advogada Nora


Sua altivez (realçada pelo figurino, com roupas sempre justas e saltos altíssimos, e pelo enquadramento - de novo! - que a coloca sempre como uma espécie de gigante) encurralam o quase ex-marido da história, Adam Driver, e seu(s) advogado(s).

Uma cena, em particular, materializa esse ato de encurralar a dupla masculina. Alan Alda, o advogado "bonzinho", e Driver estão conversando em uma pequena sala do escritório da advogada. O enquadramento escolhido por Baumbach quase dispensa palavras: estão em um beco sem saída.

Se Dern entrega uma personagem invariavelmente altiva, Driver percorre um caminho muito mais dúbio com seu Charlie. Intelectual, gênio criativo, pai exemplar, ele aos poucos deixa escapar sua natureza mesquinha, egoísta e, por que não dizer, machista. E o faz de forma impecável.

A grande cena de confronto entre Driver e Johansson vem ancorada em um diálogo que começa sob o signo da boa intenção e civilidade, atinge seu ápice com violência verbal e sentimentos terríveis, e termina com uma imagem que, afinal, sinaliza por onde passará a solução do conflito.

Por melhor que fosse o diálogo e o movimento de câmeras que o diretor/roteirista tivesse criado para esse ápice, só dois atores gigantes alcançariam o que Driver e Johansson atingiram ali. (Mas dois atores gigantes também não alcançariam isso se... vocês entenderam).

Meu único senão para o filme fica para a penúltima sequência, que acontece no quarto, com Charlie e o filho do casal. Ainda que seja uma solução de roteiro justificável, amarrando o fim com o começo, a mim soou apelativa, "para fazer chorar". No mais, gostei muito.

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