Quando o piloto alemão Sebastian Vettel conquistou seu
quarto título mundial de Fórmula 1, no GP da Índia de 2013, os ouvintes das
rádios do grupo Bandeirantes devem ter percebido minha voz embargada, no último
comentário. De fato, eu me emocionei ao nível das lágrimas, depois de ver o
alemão largar na pole, liderar a maior parte da corrida e vencer a prova,
sagrando-se o tetracampeão mais jovem da história. Não que eu seja torcedora de
Vettel. O que me encantou ali foi testemunhar como um grupo de seres humanos
foi capaz de produzir um carro extraordinário, pilotado com competência incomum
por outro ser humano, produzindo juntos uma demonstração de eficiência próxima
da perfeição.
E, assim, começo este texto emulando Caetano Veloso, que é
capaz de compor uma canção em homenagem à então esposa gastando os primeiros
versos para falar de si mesmo, e não dela. (“Eu sou apenas um velho baiano/Um
fulano, um caetano, um mano qualquer/ Vou contra a via, canto contra a melodia/
Nado contra a maré/ Que é que tu vê, que é que tu quer, Tu que é tão rainha? / Branquinha...”). Pois esse texto não
é sobre mim ou sobre Sebastian Vettel, mas sobre o livro que li na minha semana
de férias, neste início de ano: “Os filmes da sua vida têm muito mais para
contar”, do escritor e crítico de cinema Pablo Villaça, diretor do site Cinemaem Cena.
A longa introdução justifica-se porque me lembrei dessa
passagem, no rádio, quando li o seguinte trecho da crítica sobre o filme “A
origem”:
“(...) E é neste momento que Christopher Nolan e o
montador Lee Smith orquestram um momento tão magnífico que, confesso, fui
levado às lágrimas durante a projeção simplesmente por admirar a beleza da
carpintaria dramática da sequência: para que possam retornar ao primeiro nível
dos sonhos (e, daí, para o mundo “real”), os heróis são obrigados a sincronizar
os “chutes” em cada andar para que estes ocorram milissegundos antes dos
“chutes” que virão no nível seguinte, levando-os, assim, de volta ao início.
Para isso, usam a música cantada por Piaf como aviso sonoro que penetra em
todas as camadas, permitindo que coordenem suas ações – e vê-los despertando em
sequência em cada “andar” foi algo que me comoveu de maneira inesperada
justamente em função da inteligência e da elegância da estrutura da narrativa.
(...)”
A correlação entre os dois momentos de emoção inesperada –
a minha, na corrida, e a dele, no filme – me forneceu mais uma pista de por que
o Pablo se tornou meu crítico de cinema de referência, nos últimos anos. Vou
chegar lá, porque antes trago outras, bem mais evidentes: os textos
extremamente bem escritos, lógicos e fundamentados, fugindo à regra de que
texto para internet tem que se curto; o enorme conhecimento sobre cinema; a
sensibilidade diante de detalhes como cores, sons, enquadramentos, aspectos que
nem sempre o sentido menos treinado tem capacidade de perceber, mas que, depois
de destacados, provocam aquela reação incontrolável de ler o texto e ficar
repetindo “isso, isso, isso mesmo!”.
E, claro, uma característica que quem lê suas críticas e
o segue nas redes sociais já conhece: em nenhum momento, ele teoriza sobre
qualquer coisa como se fosse verdade absoluta. Há opinião, claro, ele é um
crítico, mas essa opinião é sempre sustentada por argumentos e, ainda que possa
chegar à mesa do leitor mais apressado como prato feito, sempre contém uma instigação para que
o filme ou o tema do filme seja refletido, não simplesmente digerido.
O escritor e crítico de cinema, Pablo Villaça |
É possível que eu já tivesse lido a maioria das críticas
contidas no livro no próprio site, mas reuni-las em material impresso foi uma
grande sacada da editora Rio Escrito. Primeiro porque enobreceram o conteúdo. E também porque a edição das críticas foi primorosa, seguindo uma
lógica simples, mas muito eficiente, ao reunir textos que se relacionam, de
alguma maneira. E, de uma forma muito apropriada, como se fosse ele mesmo um
filme, o livro avança para o final encaixando peças que permitem ao leitor
entender um pouco como o próprio crítico Pablo Villaça se moldou.
A emoção que a sequência de “A origem” provocou nele não é o único rasgo de humanidade nos
textos reunidos. Pelo contrário, quem conhece o trabalho dele pode até dizer
que ela é regra e há um capítulo no livro dedicado a textos francamente
direcionados para esse aspecto (Capítulo 11 – O homem na crítica). E é ali, no
terço final da obra, que se chega à crítica de “Life itself”, documentário sobre o crítico norte-americano Roger
Ebert, reconhecido pelo próprio Pablo como um dos responsáveis pela sua escolha
em seguir a mesma profissão. O texto é dos mais tocantes do livro (não vou
entrar em detalhes. Compre o livro!), mas destaco um trecho, que (enfim) fecha
a lacuna que abri três parágrafos acima:
“(...) Como Roger
costumava dizer, citando Robert Warshow, ‘um homem vai ao cinema e o crítico
deve reconhecer que é aquele homem’ – o que, na prática, implica no
reconhecimento de nossa bagagem pessoal e de nossa subjetividade diante da Arte.(...)”
Os profissionais da minha geração, que vivem de escrever
(ou de atuar em outros veículos de comunicação), foram forjados no conceito da
imparcialidade, que eu sempre questionei por considerá-lo no mínimo uma
idealização perigosa (ou, como os anos me mostraram, uma fraude criminosa).
Deparar-me com essa abordagem honesta que o Pablo exerce no seu ofício tem sido
uma experiência libertadora. Naquele GP da Índia, eu ainda me senti um tanto
constrangida com a minha emoção e tentei conter a voz. Na próxima, talvez eu
chore de soluçar.
O caminho mais curto para comprar o livro “Os filmes da sua vida têm muito mais para contar” é acessando o site Cinema em Cena. Se você
também gosta de cinema, siga o Pablo Villaça nas redes sociais. No twitter,
@pablovillaca e, no Facebook, curta a página dele.
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