Monday, August 17, 2009

"E no curral Del Rey..."



Nos idos de 1986, 1987, eu tinha o hábito de escrever em minha Olivetti portátil enquanto escutava música. Sentava no chão, apoiava a máquina de escrever no degrau mais baixo da escada, bem ao lado do aparelho de som. Às vezes, dava uma esticada nas pernas e uma endireitada nas costas, enquanto olhava pela parede envidraçada, avistando dali a Serra da Cantareira, na zona norte de São Paulo. O hábito perdurou por bastante tempo, pelo menos até o começo de 1991, mas este período em especial (1986/1987) foi uma época em que ouvi muito Milton Nascimento e os demais artistas do Clube da Esquina.

Deve ter sido em "Clube da Esquina", a música, que ouvi falar pela primeira vez na Serra do Curral. Os versos dizem:

E no curral D'el Rey
Janelas se abram ao negro do mundo lunar
Mas eu não me acho perdido
No fundo da noite partiu minha voz
Já é hora do corpo vencer a manhã
Outro dia já vem e a vida se cansa na esquina
Fugindo, fugindo pra outro lugar

Milton, Minas e montanhas são uma tríade inseparável. Aliás, é óbvio falar de Minas e citar seus morros. Milton não foi o único. Drummond também usou e abusou das montanhas ao retratar sua Itabira. Enfim, cantar Minas e não louvar montanhas é como falar da Bahia sem citar o mar. De tanto ouvir Milton, olhando para a Serra da Cantareira, associei aquela minha paisagem doméstica à Serra do Curral.

Neste final de semana, fiquei cara a cara com a paisagem original, a de Minas. Há pouco mais de quatro meses, meu irmão e sua família se mudaram para Belo Horizonte. Eu não conhecia a capital mineira, mas não foi difícil identificar a Serra do Curral, assim que cheguei ao apartamento deles. Não que seja parecida com a "minha" Serra da Cantareira. Na verdade, não tem nada a ver. A "minha" montanha vai subindo suave, coberta de uma vegetação densa e escura. A montanha de Minas, do Milton e, agora, do meu irmão, é um paredão que parece estancar a cidade. Um morro acintosamente íngreme, com vegetação mais rala e muitos claros, provavelmente ocasionados pela seca sazonal.



Em apenas um final de semana, não se conhece uma cidade. Conheci as cercanias do bairro da Savassi, novo endereço do meu irmão, fui ao Parque das Mangabeiras, ao município de Nova Lima, ao Parque Ecológico, à Lagoa da Pampulha. De cara, meu grande respeito aos colegas corredores que treinam em BH. Êita cidade cheia de ladeira, sô! São os morros, os morros de Minas, do Milton, e agora do meu irmão. No Parque das Mangabeiras, uma surpresa e um flashback. Uma placa homenageando o músico Marco Antonio Araújo, morto aos 36 anos, em 1986, em consequência de um aneurisma cerebral. Como disse, eu ouvia muita música mineira na época, fiquei bem triste com a morte prematura, noticiada por meu querido Zuza Homem de Mello. Dedicaram a ele um teatro de arena no meio do parque. E o parque fica pertinho, pertinho da Serra do Curral. A foto que abre este post foi tirada de dentro do parque, mostrando uma das montanhas dessa cordilheira.

Acho que não estive em Santa Teresa, o bairro onde fica a tal esquina que originou o clube. Também não passei na Guajajaras, na Tamoios, na Tapuias, na Timbiras, na Tupis, aquelas ruas "todas no chão", que permeiam a letra de "Ruas da Cidade", do Lô Borges. Não passei nem em frente à sede do Cruzeiro, cujo salão recebeu vários bailes da vida daquele pessoal. Fica para a próxima. Quem sabe não volto lá, para correr a Volta da Pampulha, com seus aprazíveis 18 km?

5 comments:

Gustavo Alves said...

Brou,

Vamos fazer um roteiro completo na próxima visita.

Mas até a prova tem muito tempo para você voltar mais uma vez!

Ron Groo said...

Dizem que quem visita Minas e volta deixa lá um pedaço da alma, que só se refaz totalmente quando voltamos para lá definitivamente.

Quanto à correr em volta da Pampulha penso que ao menos deve ser um exercicio visual lindo.
Correr não é bem a minha, mas naquela paisagem... Quem sabe.

Carlos Martí said...

Não pude deixar de assoviar a melodia enquanto lia o post. Bom poder lembrar que o Brasil da minha juventude tem muita coisa boa.
Abç

Ico (Luis Fernando Ramos) said...

BH é demais!!! Saudades, já sao uns 16, 17 anos q nao passo por lá. Mas adorei cada visita.

@brunnobarranco said...

Em quanto isso dentro de um táxi em BH...

Brunno: Nossa adorei essa cidade, tem paisagens lindas... olha só essa bela vista... olha esse horizonte...
Taxista em tom aspero: Claro... a cidade se chama BELO HORIZONTE!
Brunno: ¬¬

Heheheheeheh