Saturday, July 26, 2008

Para gostar de ler - Travessuras da menina má


Pensei muito antes de escrever este post - e de abrigá-lo na seção "Para gostar de ler". Fundamentalmente, porque não gostei desse romance de Mario Vargas Llosa, e me pareceu desonesto apresentar a obra como um exemplo que possa inspirar qualquer um a gostar de ler. Mas a reflexão acerca do tema ressaltou um aspecto: o fato de eu não ter gostado do livro não o torna necessariamente ruim, e havia percepções da obra que eu gostaria muito de compartilhar com os leitores, daí sua presença aqui.

Ao contrário dos outros livros da seção, esse não foi degustado recentemente. Li-o em janeiro de 2007, durante uma viagem a Maceió. Antes de falar sobre o livro, admito que não sou grande conhecedora de Vargas Llosa, e tenho razões, digamos, ideológico-sentimentais para isso. Quem se interessa um pouco sobre literatura latino-americana há de saber que existe um antigo contencioso entre o peruano Vargas Llosa, transformado com o tempo em um representante da intelectualidade neo-liberal, e o colombiano Gabriel García Márquez, sempre afeito às forças de esquerda. Quem lê este blog com alguma frequência sabe que García Márquez está entre meus escritores preferidos, talvez o número 1 da lista. Ora, a antipatia por Vargas Llosa nasceu na base do "inimigo do meu amigo". Se gosto de García Márquez e García Márquez não gosta de Vargas Llosa, não gosto de Vargas Llosa.

Até que um dia desafiei-me a ler um de seus romances - "O paraíso na outra esquina" - que na verdade são dois romances escritos em seqüência, numa construção primorosa de dois personagens unidos pelos laços de sangue, afastados pelo tempo e pela geografia, mas umbilicalmente ligados pela ânsia de liberdade. Adorei o livro e me lancei sem medo em "Travessuras da menina má".

Não há como negar, é um livro bem escrito. Vargas Llosa tem uma prosa de fluência invejável e vai enredendo o leitor com elegância. Os fatos encadeados são prosaicos, não há um traço de fantasia exagerada na trama, o que aproxima o leitor daqueles personagens, fazendo-o mais íntimo à medida que a história se desenrola porque, afinal de contas, aquelas situações poderiam ter acontecido com qualquer um.

O enredo é o seguinte: um jovem peruano apaixona-se por uma garota - a menina má do título - na adolescência. Ela exerce um poder intenso sobre ele, de maneira quase cruel, e o abandona. Desiludido, ele se muda para Paris, para trabalhar com tradutor. Anos depois, reecontra a garota, que passa a cruzar novamente sua vida de tempos em tempos, cada vez em uma condição diferente - desertora de um grupo militante em Cuba, depois casada com um francês, depois vivendo com um inglês, depois dominada por um japonês. Ela sempre volta, ele sempre a aceita, e ela sempre o descarta. A história segue nessa toada, que uma hora se torna previsível, até alcançar seu desfecho sob os desígnios do deus-autor, em um ato de ajuste de contas com a personagem-título.

À medida que lia o romance, eu enxergava no protagonista um alter-ego do próprio Vargas Llosa. Embora ele mesmo tenha se mudado para Paris já casado, era impossível dissociar o jovem peruano que domina línguas do autor que também floresceu profissionalmente na capital parisiense. Quando seu destino cruza com a menina má em Tóquio e ele a vê dominada por um empresário japonês sádico, a identificação se ampliou. Eu não apenas via Vargas Llosa em Ricardo, o personagem central, como via o personagem japonês como alegoria do ex-presidente peruano Alberto Fujimori. Vargas Llosa, em sua incursão política, perdeu a eleição presidencial para Fujimori, em 1990.



Passei, então, a ver a menina má não mais como a personificação de uma paixão dilacerada, mas também como uma alegoria do próprio Peru na vida do autor. Ele se afasta dela, vai morar na Europa, mas ela permanece vívida em sua lembrança, e o segue, onde quer que ele esteja - Paris, Londres, Tóquio, Madri. Pois esta não é a referência habitual de todo expatriado? Sentir-se estrangeiro em toda parte, retomando a todo o tempo sua origem? E mais ainda: ao ver a menina má (o Peru?) entregue nas mãos de um japonês sádico (Fujimori?), não está Vargas Llosa purgando seu próprio inconformismo de ver sua garota (seu país?) entregando-se voluntariamente (pela força das urnas?) a alguém que só se compraz em maltratá-la?

Era esta, principalmente, a impressão que eu gostaria de compartilhar com os leitores do blog. Quem aí leu esse livro? Concorda com esta leitura ampliada?

Mas, afinal, preciso explicar por que não gostei do livro, apesar de reconhecê-lo como bem escrito. Basicamente, porque o autor/narrador/personagem toma para si, todo o tempo, uma condição vitimizada. Fica evidente que, no capítulo seguinte, a menina má vai retornar, seduzir e reconquistar o mártir, para depois abandoná-lo. Ele segue nessa rotina auto-punitiva como se preparasse o desfecho, usando a mão de um deus onipotente que recompensa seu sofrimento com a punição irregovável da menina má. Como se ele pudesse, com sua pena, mostrar à menina (ao Peru?) como ela errou ao se entregar nas mãos do japonês pervertido.

13 comments:

Anonymous said...

Bem, não posso confrontar minha leitura com a sua, pelo motivo simples de que ainda não li o livro. Então, o que faz este comentário aqui? É que algumas coincidências me deixam mesmo pensando se o acaso existe.
Comprei este livro, em Dezembro de 2006, para ler nas férias. Mas, li outros e este foi ficando até que acabei esquecendo dele num lugar da estante que é destinado aos "não lidos".
Passou 2007 e 2008 está na metade. Neste período devo ter lido uns 8 ou 10 livros; estranhamente, o único romance, entre eles, foi Memórias de Minhas Putas Tristes. Justamente, do Gabo.
Ontem, me deu vontade de voltar ao romance. Fui ao setor de "não lidos", folheei alguns ao acaso e me veio a lembrança de O Vermelho e O Negro", clássico que ainda não li, mas que tenho em algum lugar; não o encontrei.
De repente deparei-me com "Travessuras da Menina Má".
Comecei e a ler ontem.
Hoje abri seu sítio e aqui está sua coluna.
Tá bom, é bobinha a história, mas, como disse, essas "coincidências" sempre me encantam.

Anonymous said...

Garcia Marquez e Vargas Llosa já foram amigos. Aliás, o peruano escreveu um livro sobre o então amigo: "García Márquez: historia de un deicidio"(1971). De perto, nossos ídolos são bem comuns, com equívocos, vaidades e defeitos como todos os mortais. E se Vargas Llosa acha que o neo-liberalismo é um santo remédio, Garcia Marquez fecha os olhos para o autoritarismo repressor dos amigos generais. E assim caminha a humanidade. Mas se alguém for ler Mario Vargas Llosa pela primeira vez, recomendo "Tia Júlia e o Escrevinhador". É daquelas obras onde diversão e inteligência não se excluem.

Anonymous said...

Bem, gosto é que nem... Bem... Err... Cê sabe né?
Esta questão 'esquerda x direita' fica muito explicita entre os dois escritores mesmo. É só ver um dos ultimos titulos do Peruano para se ter uma ideia do quanto ele é, digamos, neo liberal: "El regresso del idiota" onde ele põe em xeque os governos de esquerda de Chavez, Moralles e até Lula.
Mas como o assunto aqui é literatura e não politica eu devo confessar que não li "Menina má".
Embora seja reputado com um dos bons livros de Llosa, nunca me despertou a curiosidade.
Li, sim, outros livros tais como "A festa do Bode" onde ele destrincha (ops!) o governo sanguinario de Trujillo e seus olhos baços de tão azuis. Sem expressão facil e com um horror incutido em cada gesto. E o maravilhoso "A guerra do fim do mundo" onde finalmente alguém dá voz aos vencidos da Guerra de Canudos. Livro fundamental como complemento d´Os sertões de Euclides da cunha.
Precisou um peruano vir até o sertão baiano para que se tivesse noção do tamanho da guerra fratricida do fim do século passado.
Bem de qualquer forma fica a sujestão, que talvez eu ainda ignore no momento pois o titulo ainda não me chama a atenção.
Parece coisa de cinema americano.

Celinho Boy said...

Se a gente for ler algo, a gente deve evitar (e não é nadica fácil) confundir o ponto de vista ideológico com a técnica dum autor. Quando li 1984, deixei de lado que o autor teria dedurado companheiros comunistas, bem como quando li O Evangelho Segundo Jesus Cristo do Saramago, assim com a esquerda.
Eu não li o livro (ainda), mas gostei muito da tua dessecação sobre o livro. Eu gostei muito da alegoria. O ponto de vista do autor sobre o País e sejamos sinceros, Seu Fuji nunca flor que se cheire: ampliou sua possibilidade de se eleger, amarrou o Judiciário, além de claro, muita corrupção. Será que o Vargas seria um bom presidente? O único escritor conhecido que se elegeu pelo voto direto no poder executivo foi o Graciliano Ramos para prefeito(tem mais gente, além do Sarney, embora ele tenha sido eleito vice do Tancredo?)
Dia desses, vi uma bela entrevista no Futura(xi, nem me lembro mais) com Vargas Llosa, que fala sobre América do Sul, sobre o que mais.. sobre sua saída e sobre Os Sertões.
Nossa, Alessandra! Me deu um apagão literário nestes últimos meses. Nem lendo, nem escrevendo. Embora tenha em minha mochila pronta para ser lida o tal Elogio da Loucura, conheces?
Abraços próximas boas leituras.

Anonymous said...

Olá, Alessandra! Quanto tempo!...
Bem, tenho uma perspectiva alternativa sobre o livro. Um quanto tosca e confessional, massincera.
Acho que o protagonista realmente tem fortes traços do autor, sobremodo o fato de ser corno. Não sei se sabe do episódio, mas a animosidade entre Vargas e Marques teve início por uma mulher. Na época o primeiro deixou a compnheira, e o segundo, digamos,estendeu o papel de amigo além da sala... Foi durante uma seção de cinema que deu-se a quizília: Varguinhas desferiu um direito no olho do Garcia, quando este confessou o deslize.
Portanto, como corno que viveu e vive a mesma situação, tenho arraigado que o livro é um grande desabafo sentimental do autor, ausentes as questões ideológicas, até mesmo porque no imaginário machista latino, japonês não tem bagagem para promover sadismo...rsss
E o final forja o desfecho lúdico de todo aquele que é traído: a destruição do objeto de perdição, que é a única forma de redenção do corno e mais difícil proeza de realizar.
O corno, digo por mim, é um Teseu que após matar o Minotauro, isto é, matar seus instintos para outras mulheres, vê sua Ariadne cortar o fio de lã e deixá-lo preso em seu labirinto sentimental, sempre na dúvida se o fio rompeu-se acidentalmente ou intencionalmente.

Jair Fonseca said...

Olá, Alessandra, vim a conhecer seu bLogos através d'O biscoito fino e a massa, de meu amigo Idelber. E lhe parabenizo pela ótima análise do livro do velho Vargas. Realmente, como em boa parte da literatura latino-americana, a chave alegórica cabe perfeitamente para os entrecruzamentos do (auto)biográfico e do histórico-cultural. No caso do autor, isso já estava no ótimo Batismo de fogo (La ciudad y los perros, se não me engano), que li com espanto logo após do espantoso Cem anos de solidão, do rival do cara, embora àquela época não se imaginava o tanto que a carga de ressentimento iria aumentar, no caso de Vargas...
Parabéns pela inteligência e sensibilidade.
Beijos
Jair

Alessandra Alves said...

amigos, desculpem pelo pouco tempo dedicado a este blog. vou postar sobre fórmula 1 agora, pelo imediatismo dos fatos!, mas prometo retomar e responder um a um. obrigada pelos excelentes comentários!

Anonymous said...

belo blog


Mariana
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Anonymous said...

Eita huahua

Geovana said...

Oi Alessandra

Esses dias li Travessuras da menina má. Assim como vc, faço minhas resenhas porque me forço a pensar sobre o livro (http://bompraler.blogspot.com/2009/04/travessuras-da-menina-ma.html).

O fato é que, no geral, não gostei do livro, mas respeito porque é uma história interessante, embora muitas vezes monótona e repetitiva.

Também já li o seu autor favorito, mas só Memória de Minha Putas Tristes. Achei fraquinho, mas acredito que seja mesmo o livro mais fraco dele, nem livro é considerado.

Bem, se puder passa lá. Deixei um comentário sobre sua resenha.

Abraço.

Anonymous said...

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Anonymous said...

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