Thursday, November 08, 2007

Love to hate you

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Graças a Deus, não nasci a tempo de ter ódio dela. Aliás, nasci em um ano meio estranho. Em 1970, os Beatles se separaram, a Fórmula 1 abusou da morbidez, coroando um campeão morto, o Brasil vivia sob a chibata de Médici. Pelo menos, ganhamos o tri. Ganhamos... Humpf... Para anos depois derreterem a taça...

Graças a Deus, não tenho ódio de ninguém, de verdade. Não haveria de ser dela. Por ela, para ser sincera, sempre nutri uma admiração quase invejosa. Pense bem. Ela foi louvada como poucos seres neste mundo, em canções que se eternizaram. Musa de um dos homens mais famosos do planeta, que não teve vergonha de se expor a ponto de ser ridicularizado.

Juntos, deixaram o cabelo crescer, a ponto de parecerem a mesma pessoa.

Juntos, tosaram as madeixas rente à cabeça, a ponto de parecerem a mesma pessoa.

Juntos, franquearam sua cama de casal para pedir paz. Idiotas? Para mim, honestamente, idiota é quem joga bomba em cima de uma população civil, ou quem tortura até a morte.

Por ela, para ela, John fez-se de feto, como se dela tivesse nascido. Adotou-lhe o sobrenome, como prova de comunhão. Por que ela deveria fazê-lo? Por ele ser o homem? Quem era o homem e a mulher, ali? Por que dividir-se em convenções apenas sociais quando, nitidamente, eles eram um? Um só.

A lenda diz que Yoko não reconheceu John quando ele, no auge da fama, foi ver uma exposição sua. Detratores cospem sorrisos cínicos. "Como não conhecer John Lennon?" Pois eu acredito. Está cheio de pop stars de quem ouço falar mas não seria capaz de reconhecer. Quase não vejo TV, muito do que se fala pouco ou nada me interessa. Há algum tempo, pouco tempo, meu filho ouviu uma conversa minha em que eu citava Pelé. Inocente, perguntou: "Quem é Pelé?". Não pode ser? Pode.

Creditar a Yoko a separação dos Beatles sempre me pareceu simplista demais. É fato que John transformou-se drasticamente após unir-se a ela. Mas Paul, se tivesse tantas reservas assim com Yoko, continuaria freqüentando a casa de John, como o próprio Lennon revelou na última entrevista, concedida poucos dias antes de morrer?

E, quando morreu John, Yoko recolheu-se. Nunca a vi indigna, exibindo-se ou ao filho, Sean, em cenas de lágrimas e desespero. Um totem. Um samurai vencido.

Talvez esta seja a razão do ódio por Yoko. Ela é um samurai, e o mundo esperava dela uma gueixa.

Yoko veio a São Paulo, para uma performance e para abrir uma exposição. Não sei muito de artes plásticas, não sei se ela é uma grande artista ou um embuste. Sinceramente, não me importa. Gosto de gostar de Yoko.

17 comments:

Andréa said...

Alessandra, desde a bíblia todo mundo adora culpar uma mulher, não?! Aquele papinho antigo de "a mulher é o diabo" e tal. Eu também gosto muito da Yoko e acho ela um exemplo a ser seguido. Além disso é uma excelente artista. Já vi algumas apresentações aqui na TV. Adorei esse post.

Anonymous said...

assino embaixo, Alessandra, ótimo post! eu, ao contrário de você, nasci a tempo de ter ódio dela, mas nunca tive; pelo contrário, desde sempre, aprendi a admira-la - não fosse por ela mesma, pelo simples fato de um cara como Lennon a idolatrar. E concordo tb com a andréa n.: muito do ódio contra yoko vem de uma postura machista, preconceituosa; preconceito este que se estende ao fato dela ser oriental e de ser mais velha que o lennon.

Anonymous said...

e me lembrei de uma historinha que o edinho (filho do pelé) contou certa vez. na época áurea do santos f.c., quando o pai mal parava em casa e o tive fazia longas excursões pelo exterior. Na volta de uma delas, assim que o pai entrou em casa, edinho (com 3 ou 4 anos), saiu correndo em busca da mãe e disse:' Mãe, sabe quem tá lá na sala?? O Pelé!!!'

Anonymous said...

Brou,

Tenho 4 mulheres muito especiais da minha vida. Você é uma delas.

A mulher deve ser muito mais valorizada, e isto deveria começar pelas próprias mulheres.

Anonymous said...

Odiar Yoko? Por que alguém o faria? Tá eu sei que tem gente que odeia. Mas penso que é como odiar o tempo. Ele vem e nos faz crescer. Envelhecer, Melhorar ou piorar, mas vem! E faz!
Perguntado sobre o fim dos Beatles e sobre a longevidade dos Stones, Lennon disse mais ou menos que não havia nascido em ninhada. Por isso não precisava andar em bando. Não é que ele tinha razão?
O que Yoko fez, foi amar Lennon, e este a ela. A carreira, o grupo, o resto todo não penso ter influencia dela na forma como foi dirigida. Yoko, segundo Lennon, fez dele uma pessoa melhor.
Só uma queixa tenho desta senhora.
Ela poderia não ter aberto a boca em "Double Fantasy"...
Parafraseando Gessinger: "Não vá dizer que eu estou ficando louco, só porque eu não consigo odiar NINGUÉM!"
Texto bonito...

Celinho Boy said...

Bem, Yoko Ono já conheço um pouco melhor, ao contrário do meu analfabeatlismo funcional. Quando falo sobre o fim dos Beatles sempre procuro dizer "dizem", pois não tenho uma fonte confiável. Até parece que soa como lenda. Aliás, hoje tava vendo no Metrópolis da Tv Cultura uma entrevista dela. Destaque para um fato curioso: ela ligou para uma pessoa para dizer que a amava esta pessoa e que esta teria que fazer para outra pessoa e assim por diante. Aquilo de certa forma me chamou a atenção. Fico pensando que as pessoas poderiam serem um pouquinho mais camaradas com as pessoas. Talvez isso ajude a dar uma melhorada nas pessoas, né? Um abraço alessandra

Anonymous said...

Alê,gostei do texto sobre a Yoko.
Realmente o mundo sempre espera que
as mulheres sejam as gueixas.Mas sera que Lennon teria se apaixonado por uma geixa?
Como saber se eles não teriam se separado mesmo que Yoko não surgisse na vida de Lennon.
Sempre o famoso SE
Por que odiar Yoko?
Mas tem gente que odeia tudo.Algumas dizem que odeiam a guerra e vivem promovendo guerrinhas em suas próprias vidas(e dos outros também).
Essas pessoas tem muita facilidade para odiar qualquer um ,principalmente se alguem tiver projeção na vida ,fizer sucesso ou casar com um homen famoso.Quem da minha geração não se sentiria uma cinderela casando com Lennon?
Viajar o mundo todo, morar em frente ao Cental Park, ter um filho com John Lennon. Mas só ela conseguiu.
Você tem rasão, enquanto as outras tentavam ser geixas. Ela teve a coragem de ser SAMURAI sendo ela mesma.

Zinzinha

Anonymous said...

Se ela tivesse uma beleza nórdica aposto que ninguém comentaria nada na época, mesmo com os experimentalismos meio exagerados da arte dela (que nunca gostei por sinal). Se ela fosse bonita, posando nua na capa do disco com o Lennon os comentários seriam outros também, mas com o perdão da palavra, sendo uma "baranga"....os ataques foram focados nos pontos mais lógicos por assim dizer. Lennon já estava de saco cheio dos Beatles desde help aonde ele comentou que estava gordo, deprimido e realmente pedindo socorro, as apresentações ao vivo tinham ficado para trás e os conflitos eram comuns depois de tantos anos juntos, normal claro. Encontrar uma mulher forte e dominadora (mas amorosa) como Yoko foi a chance de Lennon viver tão intensamente como antes, mas sem o "bando" sempre o cercando, foi todo o processo de ídolo do rock para ativista político e por fim como simples pai e dono de casa....o círculo tinha se fechado e um novo iniciava quando um babaca o assassinou.....pode-se não gostar de Yoko (eu não gosto da arte dela...é de doer), mas não pode se de deixar de admirar uma mulher forte de verdade, que conquistou o amor de um verdadeiro gênio que marcou e influenciou a vida de ao menos um terço do globo, um legado eterno.

Anonymous said...

Não..não...e não!
Definitivamente não é uma Ferrari!

Jonny'O

Alessandra Alves said...

andréa n: adorei sua colocação. até me fez lembrar de uma música do próprio lennon - "woman is the nigger of the world", né? olha que versos poderosos:

We make her paint her face and dance
If she won’t be slave, we say that she don’t love us
If she’s real, we say she’s trying to be a man
While putting her down we pretend that she is above us

marcio: e quanta gente não diz que odeia a yoko apenas porque leu, ouviu, assistiu em algum lugar que ela acabou com os beatles? se algumas dessas pessoas refletissem um pouco, talvez parassem de eternizar um chavão que é só isso mesmo que você falou - fruto de machismo e de preconceito.

adorei a história do edinho, e me lembrei de outra! a bel kutner, filha da dina sfat e do paulo josé, disse que uma vez, ainda pequena, pirou ao ver a mãe na tv, a ponto de ficar assustada mesmo!

a história do meu filho com o pelé tem um componente adicional. você não gosta de corrida e vai odiar, mas é engraçada. depois que ele disse que não conhecia o pelé, coincidentemente o "rei" foi fazer uma homenagem ao schumacher no gp do brasil. claro, estávamos vendo. daí eu mostrei para ele - "tá vendo aquele cara, entregando o troféu para o schumacher? aquele é o pelé!" nonsense total!

gustavo: tenho muito orgulho de ser uma dessas quatro. e também de sempre ter sabido me valorizar, graças aos ensinamentos de uma outra mulher, pertencente a esse quarteto!

ron: obrigada! concordo com você, inclusive na parte dos gritos da yoko!

celinho: pois é. desde que apareceu na mídia, há mais de quarenta anos, a yoko tem se apoiado muito nos gestos simbólicos que, invariavelmente, ligam-se a conceitos como amor e paz. será que não tem nenhum efeito um gesto desses? eu acho que tem, tenho certeza que tem!

zinzinha: é verdade. o mundo está cheio de gente que fala uma coisa - conceitos religiosos, por exemplo - e vivencia outra, alimentando sentimentos ruins, que só fazem mal para si mesmos. yoko é da linhagem das mulheres fortes, que enfrentam o preconceito e o machismo sem medo, como você, por exemplo, que teve coragem de peitar o próprio pai, manifestando o desejo de estudar mais do que ele gostaria!

gustavo m.: muitíssimo bem apontada a questão estética que cerca yoko. o preconceito contra o amor deles era como se o mundo gritasse - "ele pode ter qualquer mulher muito mais bonita que ela!" por que deveria querer? convenções, convenções! eu nunca li, mas consta que o paulo francis se referia a yoko como sendo dona de uma "b... de alicate". pelamordedeus!

jonny´o: não é, mas tem gente que vive uma vida inteira feliz pilotando um subaru vivio. há que respeitar!

L-A. Pandini said...

Lembro-me de uma observação feita pelo Henfil: "Paul casou-se com a herdeira da Kodak e seguiu carreira. John casou-se com a freak japonesa e juntos fizeram protestos pela paz. Qual deles incomodou mais ao sistema?". (Não sei se Linda McCartney era realmente herdeira da Kodak. Nunca li isso em nenhum lugar.)

Fato: depois da separação dos Beatles, Paul continuou gravando um LP por ano, compondo trilhas sonoras, fazendo duetos com, por exemplo, Michael Jackson (quando ainda era negro e fazia coisas interessantes de se ouvir). Em suma, continuou nas paradas de sucesso. (Nenhuma condenação a isso: não consigo ouvir "Live and let die", "Band on the run" e outras músicas de Paul sem ter arrepios e pensar "Puta que pariu, isto é a nata do supra-sumo de um grandissíssimo caralho!"). Linda atuava na banda, sempre à sombra do marido. Um enredo que agrada à maioria, não é verdade?

E John? Depois de 1970, gravou dois ou três LPs, recolheu-se, mandou às favas as convenções de "sucesso" e de "macho provedor". Fez o que achava que tinha que fazer e bancou isso, corajosamente. Yoko deu-lhe apoio, inclusive administrando as finanças do casal. Para muitas pessoas, não é um enredo compreensível ou aceitável. Onde já se viu abrir mão do estrelato, virar "dono de casa" e ainda por cima deixar a mulher assumir certas funções?

É por isso, creio, que Yoko incomoda tanta gente.

Anonymous said...

Pandini: mto bom o que vc escreveu, mas vaí aqui um esclarecimento e uma ressalva. A Linda não era herdeira da Kodak; esse boato surgiu na época, alimentado pelo sobrenome dela de solteira (Eastman) e pelo fato dela ser, originariamente, fotógrafa. Mas não tinha nada a ver com EastmanKodak. E ela tb foi vitima de muito preconceito: por ser mais velha que o Paul, por ter 'colaborado' com o fim dos Beatles, por ser considerada feia e por'se enxertar' na banda do marido sem sequer saber tocar um instrumento. São duas histórias completamente diferentes, a de John/Yoko e a de Paul/Linda. Mas são ambas bonitas histórias de amor. de afirmação e de coragem.

Anonymous said...

Alessandra...sem querer incomodar muito...gostaria de ter uma opinião sua sobre um texto meu no blog...tá lá...se puder obrigado.
/groo

L-A. Pandini said...

Márcio, obrigado pelos esclarecimentos. Talvez meu comentário tenha deixado a impressão de que eu não gosto da Linda, e quero deixar claro que isso não é verdade. Cada casal se completa à sua maneira, certo?

Eu não conhecia essa história, de que a Linda foi responsabilizada pela separação dos Beatles... Ela também? Os boateiros da época, pelo visto, eram piores do que aquele juiz de Minas Gerais que considera inconstitucional a lei Maria da Penha, e que culpa a mulher por todos os males do mundo. Vade retro!

Unknown said...

Belíssimo texto.
Nessa parte: "Por ela, para ela, John fez-se de feto, como se dela tivesse nascido.", me emocionei...de verdade.

Carlos Tavares - Curitiba/PR

Alessandra Alves said...

carlos: obrigada! de verdade, a relação entre john e yoko sempre me tocou muito. essa foto, em particular, sempre me emocionou.

Gabriel Pandini said...

Olá mãe