Friday, May 05, 2006

A favela e a arquibancada



Muito prazer, meu nome é Elite e observo a favela daqui do alto, da janela do meu apartamento. Sei que lá tem uma maioria de gente honesta e trabalhadora. Fico chocada com a presença dos chefes do tráfico, sei que eles controlam e amedrontam a maioria, que se cala ou sai de perto. Fiquei em estado de pré-depressão quando conheci a realidade dos meninos do tráfico, naquele documentário que a TV passou. Acho que os criminosos devem ser punidos, que as desigualdades não justificam atos violentos, mas começo a achar que não podemos cuidar só dos efeitos, que precisamos entender e modificar as causas.

Muito prazer, meu nome é Elite e observo a arquibancada daqui do alto, da cadeira numerada. Sei que lá tem uma maioria de gente honesta e trabalhadora. Fico chocada com a presença dos chefes das torcidas organizadas, sei que eles controlam e amedrontam a maioria, que se cala ou sai de perto. Fiquei em estado de pré-depressão quando vi a multidão enfurecida, tentando invadir o gramado. Acho que os criminosos devem ser punidos, que as desigualdades não justificam atos violentos, mas começo a achar que não podemos cuidar só dos efeitos, que precisamos entender e modificar as causas.

que não podemos cuidar só dos efeitos, que precisamos entender e modificar as causas...
que não podemos cuidar só dos efeitos, que precisamos entender e modificar as causas...
que não podemos cuidar só dos efeitos, que precisamos entender e modificar as causas...
que não podemos cuidar só dos efeitos, que precisamos entender e modificar as causas...

28 comments:

Anonymous said...

Bom o seu blog. Voce tem toda a razão, mas com essas cabeças pensantes que estão no govêrno, esquece. Não vai acontecer.

Anonymous said...

é interessante o "jogo de palavras"... o mais triste é que durante o dia ainda achei gente que justificasse o injustificável, que tentasse arrazoar sobre os motivos (querendo dizer-lhes lícitos) da invasão de campo.

mais uma vez, infelizmente, são poucas as vozes que se manifestam com o vigor e repúdio que o fato exige... inclusive na imprensa...

Anonymous said...

Alessandra, não sei se você assistiu ao Sportcenter da ESPN logo depois do jogo, mas o comentário do Antero Grecco resumiu muito bem o que se passou no pacaembu dessa e das outras vezes em que este tipo de comportamento foi visto. São sempre os mesmos animais que tomam este tipo de atitude. Instigam a violência na multidão e se aproveitam da sua condição numericamente favorável para sairem impunes. Estes animais deveriam estar enjaulados, longe do convívio social, porque o que eles estão conseguindo é afastar o bom público, aquele que vai ao estádio para assistir o jogo de futebol, incentivar e vaiar o time quando necessário. A culpa não é da desigualdade social, não no meu modo de ver. A culpa é única e exclusivamente destes animais.

Lia Noronha said...

Gsotei muito de td que li por aqui....talento e criatividade caminham lado a lado no seu blog.
Abraços bem carinhosos.

Anonymous said...

inspirada, ein!
o que fazer? por onde começar? há solução?
a auto estima e o grau de educação escolar, formal, de parte tão significativa dos brasileiros está tão baixa a ponto de que persigam a violência por um simples resultado esportivo adverso? o que ocorreria se a invasão obtivesse sucesso?
quantas de nossas gerações estão perdidas?
este processo educacional massificador, perverso, seletista para privilegiados e excludente para tantos pode ser revertido?
cara! não tenho respostas, só dúvidas. e medo!

Véio Gagá - BH said...

Precisamos entender e modificar as causas. A maldade (ausência do bem) sempre existiu, mas essa ausência do bem, por si só, não é a causa do que vemos. Não consigo achar um único culpado, nem vou culpar a vítima de tudo isso, que é a sociedade. Insisto que o fortalecimento da instituição "família" trará à tona valores já perdidos há tempos - aí aparece a família como culpada; insisto que a educação básica também deve formar ética e moralmente os cidadãos de amanhã - aí o culpado é o governo; insisto que a desigualdade, o preconceito, o desrespeito e a intolerância, levam ao caos social - o culpado somos todos nós; insisto finalmente que também é culpado nosso sistema judicial, como já li numa sentença trabalhista, prolatada por um Juiz em vias da aposentadoria: "...até a justiça é uma merda, pois quando se faz contra o rico, é nula ou parcial e sempre é lerda...", e nem falarei dos Pimenta Neves da vida - aí a culpada é a impunidade.
Tudo e todos somos culpados, e por isso temos que começar a reformar o alicerce: família e escola, para depois consertarmos a sociedade, o governo e a impunidade.
Mário, às vezes fraquejamos frente ao medo, mas ainda antes de reformarmos os alicerces da sociedade, há uma revolução que necessita ser feita urgentemente: a interior, a de mudarmos nós, um a um, em atitudes concretas que - mea culpa - não fazemos, adiamos, "terceirizamos"...
Abraços,

Anonymous said...

é, Alê...

o que dizer de uma situação dessas?

Eu, sinceramente, já não sei mais o que pensar... não me sinto parte desse país, não me sinto parte da sociedade, não vejo uma forma concreta de fazer com que meu comportamento modifique (ou ajude a modificar) a sociedade, pra que possamos ter um país melhor...

Por cenas como a de quinta-feira, no Pacaembu, é que afirmo e reafirmo que eu, honestamente, desisto do Brasil. Aquela confusão não se restringe só ao campo esportivo e social. Envolve uma série de outros fatores que nunca são enxergados pelas autoridades...

Sobre isso falo no meu blog, com mais calma, se interessar, dê uma lida...


Sou teu fã, admiro seu trabalho, e espero um dia ter a competência jornalística que você tem.

Abraços,
Hugo Becker - Guarulhos/SP

Anonymous said...

ah claro, o Blog:
http://thescoundrell.blogspot.com

Anonymous said...

Meus casos, na minha singela opinião, multidões são um aglomerado de problemas...
Sei que isso pode parecer um tanto quanto militar ou facista... hehehehe.... mas existe um fato inegável, quando o homem está numa multidão, ele perde duas coisas que o mantém sob "controle" no dia-a-dia. Primeiro, ele perde a identidade, ele deixa de ser o fulano, e se torna parte integrante dessa massa coletiva, pára de raciocinar e se deixa levar pelo entorno... E essa é uma reação instintiva, pois o ser humano é um animal que busca imitar, quer fazer parte de uma tribo, ter elementos de identificação, e naquele atmo de momento específico, fazer parte da tribo significa copiar o que os outros da multidão estão fazendo... E isso ocorre com a esmagadora maioria das pessoas, inclusive aquelas que se gabam por sempre terem opiniões e pensamentos próprios. Quer um exemplo banal? Quem nunca esteve num show, e apesar de estar achando só legal, aplaudiu efusivamente, gritou e vibrou só porque a galera estava na mesma energia? Pois é... é algo contagiante, e dependendo do tipo de energia e intenção da multidão, extremamente perigoso. E só se quebra esse nível de envolvimento se ocorrer algo extremamente chocante, que vá de encontro aos nossos instintos e valores mais básicos.
A segunda coisa que o ser humano perde, além da identidade, é a culpa. E isso é simples, se a pessoa vai na onda dos outros, copia o comportamente de milhares de pessoas à sua volta, perde a sua identidade e vontade própria, acha que o que aconteceu não foi obra sua, ou pelo menos, não queria que tivesse sido obra sua, e naquele exato momento, no meio da multidão, não pensa no que vai sentir depois, no que os outros irão dizer...
Enfim, multidões são um problema, pois aos olhos de quem as compõem, eles não são mais eles, são só parte integrante do coletivo, e daí surge a merda...

Anonymous said...

Eis a minha homenagem aos seguintes Artistas da Globo-Esfera que amei: Martin Vasques (“Método da Suspicacia”); Carpinejar; Silvia Chueire; Francisco Coimbra; Milton Ribeiro; Idelber Avelar; Leila Couceiro; e Alessandra Alves (por sua “Parábola do Tremoço”!!!). Estou em todos e — em nenhum. Não tenho Blog — pois eu sou Ninguém!


SE O AMOR ME AMAR
by Ramiro Conceição

Se o Amor me perguntar quem sou,
responderei: “A libélula diante do olhar.”
Se continuar curioso, tornar-me-ei formoso.
Mas se me abandonar: quebrarei feito o Mar!
Porém, se o Amor me amar
— juro que do alto do muro —,
farei um poema que inventará
quase todas as leis do Mundo!


TUDO SE DEVE AO MAR
by Ramiro Conceição

E um garçom de Setiba, num bar, me disse:
“É uma honra tê-lo aqui...”
Eu respondi — “Tudo se deve ao Mar!”


SONETO DO MEU ROSTO
by Ramiro Conceição

Na coluna do infinito,
amarrei o meu burrinho,
pra ele não voar.
Numa caixa de fósforos,
guardei o Mar,
pra ele não secar.
Com um laço de vento,
prendi as borboletas
e as coloquei no céu
— lá do lado do Sol,
no varal do meu quintal.
Assim estou a caminhar:
com anjos e demônios
embaralhados no bolso.

É uma confusão — danada! — entre o celeste
e o terrestre!, num soneto estrambótico do rosto.


PEIXES-VOADORES
by Ramiro Conceição

Quando adormecidos na alva areia de Itaparica*, a brandura dos barcos me comove. A “Esperança”, de ventre aberto para o Sol, é a mulher que acabou de engendrar e, ainda molhada, cheirando a sangue quente, descansa...

A “Liberdade” vem chegando — já está quase no quebra-mar—, e, pesada, pejada de peixes e de homens enredados, está: aqueles quase mortos de saudade do Mar; e estes quase mortos, do Amor...

Feito uma cuíca, o “Trabalho” ronca de bruços debaixo do coqueiro que ao vento — feito um pandeiro — balança, batucando num partido-alto...

Mas o “Senado” naufragou!
A “Câmara” naufragou!
A “Justiça” naufragou!
E a “Democracia Brasileira”
tenta desesperadamente voltar à terra firme;
enquanto o “Sinistro” se prepara cinicamente
pra devorar todos os seres — livres!
No seio da ventania,
“Romeu” e “Julieta” se debatem
nos rochedos, no frenesi do amor;
enquanto “Deus” ultrajado parte pro além-mar...

Mas quem vem lá, na linha do horizonte,
repleto de bandeiras? Ah, sim, é a “Arte”
voltando do périplo efêmero pelo mundo!
E quem vem lá, do lado do Sol,
fazendo brincadeiras?
Ah, sim, sempre eles — “Os Poetas”
voando com as nossas nadadeiras!





* Itaparica: praia de Vila Velha (ES).

Alessandra Alves said...

obrigada a todos pelos comentários. desculpem pelo silêncio nos últimos dias, mas o final de semana foi off-blog.

vou tentar retomar pontualmente os comentários.

I: eu realmente não sei em que medida isso é responsabilidade do governo. de qualquer maneira, o governo é produto da sociedade, que o elege.

máximo: confesso que não entendi seu ponto.

cabelo: eu não vi o comentário do grecco naquele dia. concordo habitualmente com as colocações dele, sempre pautadas pela ponderação. e, pelo seu resumo, eu concordo com o que ele diz, sobre o fato de serem sempre os mesmos "animais" que promovem esses atos de selvageria. aliás, é o que meu post deixa entrever, quando falo sobre chefes do tráfico/chefes de torcida organizada. são marginais que merecem punição, mas enxergo-os como mola propulsora de uma conduta que encontra solo fértil numa população habitualmente explorada, marginalizada, excluída. no dia seguinte à barbárie do pacaembu, vi uma reportagem bem interessante, do correspondente da Band na BBC de Londres. ele reportava o controle exercido sobre os hooligans, a custa da medidas radicais da polícia e da justiça da Inglaterra (são as tais punições que eu defendo no post). mas o final da reportagem foi muito revelador, no sentido de reforçar o caráter social desse tipo de vandalismo. dizia o repórter que, para a Copa da Alemanha, as preocupações das autoridades não repousam mais nos hooligans ingleses, devidamente enquadrados (alguns, "enjaulados"), mas o foco agora são as torcidas de países como Polônia e Croácia, que têm causado sucessivos tumultos em seus campeonatos nacionais. não me parece coincidência que o problema venha de locais cuja situação econômica é menos favorável que a de outros países europeus.

tem mais...

Alessandra Alves said...

continuando, ponto a ponto:

lia: obrigada pelas palavras. seja bem vinda e junte-se às nossas animadas conversas!

mario: suas perguntas são inquietantes e também me apavoram um pouco, mas vou me ater a um ponto. não acho que uma turba ensandecida se atraque com a polícia "apenas" por um resultado esportivo adverso. o esporte ali é o pretexto. não nos esqueçamos de que o brasil já assistiu até a revolta contra vacina!

véio gagá: como sempre, sua argumentação é ponderada, consistente e reforça um dos meus pontos de vista mais recorrentes aqui nesse blog. começamos "macro", lá no governo, e vamos descendo até perceber que a responsabilidade maior está no "micro", na nossa casa, na nossa família, nos nossos valores pessoais. talvez seja fácil falar nesses termos para nós, elite com casa, escola e uma série de outros privilégios e supérfluos. sabemos que o fato de termos e cultivarmos valores como respeito e caridade não resolve todas as mazelas da sociedade, nem nos exime de outras responsabilidades.

cultivar e disseminar esses princípios não nos livram de sentir estranheza, desconforto e até certa repulsa por situações e comportamentos de quem não está inserido nesse universo de privilégios. é fácil falar de família quando temos uma. de respeito quando somos respeitados. mas esperar essa mesma valorização por parte de pessoas que nem os têm é quase como falar em outra língua com alguém que não a entende.

hugo: muito obrigada pelas palavras, fico sinceramente tocada. mas não desista do brasil, não. eu já falei uma vez e repito: é como o dia de faxina. parece que a casa está uma imundície, mas ela não está pior do que estava no dia anterior. é só porque as coisas estão mais à mostra. se os jovens desistirem do nosso país, que faremos?

gui, afiada e perspicaz sua análise sobre a multidão. eu tenho grande temor de aglomerações humanas, pronto falei! não sei como gente tão próxima a nós gosta, cultiva e reforça o hábito de se enfiar em muvucas humanas como a rua 25 de março (hahahaha - para quem não é de São Paulo, o maior centro de compras da capital paulista).

ramiro: obrigada pelas contribuições poéticas (e mais ainda pela homenagem. será que valho tanto?)

makely: puxa, Deus te ouça...

Anonymous said...

Alê, foi deprimente a cena. Só que as coisas começam dentro da nossa casa, quando aumentamos a rivalidade e não ensinamos nossas crianças que torcer é diversão e que você não é o time, você o apóia. Se o time perde, você não perdeu, e se um conhecido torce para o time que ganhou do seu, ele não é melhor que você, mesmo que talvez o time dele seja.
O duro é você ver que ainda tem gente que leva crianças ao estádio, na tentativa de fazer um programa familiar que os una em torno de algo em comum, e depois ter que sair correndo e explicar pro seu filho que as pessoas estão se batendo por causa de um jogo.
Acho que a gente só pode fazer uma coisa, que é parar de assistir, mas é muito difícil (o máximo que consegui foi 1 ano), porque eu gosto muito de futebol.
Só mais um coisa: o texto é maravilhoso, você é genial!

Véio Gagá - BH said...

Alê, concordo com você, por isso digo que precisamos é cultivar esses valores numa sociedade que já os perdeu. Como? Em primeiro lugar dando o exemplo, em segundo lugar exigindo - às vezes ensinando - que as coisas sejam feitas de forma correta. enfim, resgatando esses valores - ensinando essa outra língua a quem não a entende. E não há outro modo de fazermos isso, senão como a "pedra na água": um ponto específico que gera uma onda circular maior, e maior, e maior, e maior, e move tudo o que está ao seu redor. O fato de ser fácil ou não falar daquilo que temos - família, educação, respeito - não muda a situação de que tudo deve ser mudado, e já que as pessoas que falam essa outra língua não podem fazê-lo, temos nós é que exigir que isso seja feito. E digo mais: isso não deve ficar restrito à opiniões sobre posts, mas deve ser concretizado. Alguém tem alguma sugestão de como fazer? Porque isso me inquieta, e acho realmente que todos nós fazemos muito pouco.
Abraço,

Anonymous said...

Alessandra,

eu ainda estava sob efeito da indignação e não fui claro...

o que eu queria dizer era que estava decepcionado, pois entre os "leigos" encontrei muitos que ainda queriam explicar os "motivos" da invasão, chegando a ouvir do meu cunhado (cunhado não é parente) que se perdesse pro São Paulo tinha que quebrar tudo de novo...

sobre a imprensa, o que me chocou foi que a cobertura não foi indignada o suficiente - na minha opinião.

exceções honrosas é claro.

Anonymous said...

oi alessandra, que bom que acabou o off-blog!!!!! seu ponto de vista sobre ser o jogo apenas um pretexto, se correto ao refletir a realidade crua preocupa ainda mais, pois, ao invés de termos tido uma orda ensandecida, movida a instintos primevos de selvageria ao expor seu descontentamento com o adverso, teríamos tido o dolo especifico de pessoas movidas pelo ódio ao semelhante, e embuídas do desejo pela destruição. então medo é pouco. vou apertar o botão do pânico!!!!!
veio gaga, seu raciocínio sobre o poder da reforma interior como matriz das ondas de civilidade, somado a valorização dos valores da família, da moral e da ética, como ponto de partida do resgate da identidade nacional que merecemos ter, é, sem dúvidas, muito bom.
hugo, com o devido respeito a suas convicções, não posso deixar de lembrá-lo, que o país somos nós...
Valeu!!!!!!!!!!

Alessandra Alves said...

cynthia e eduardo: acho que o comentário se encaixa no que vocês disseram. é por isso que não frequentamos mais estádios, que evitamos andar a pé pelas ruas, que aos poucos vamos nos excluindo do contato com pessoas. filósofo marcelo yuka e o rappa já disseram (antes, raul seixas também já tinha dito algo semelhante): "as grades do condomínio são pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão".

véio, meu querido véio gagá (acho que podemos ter essa liberdade, né? aliás, continuando dentro dos parêntesis: meu filho viu "sua" foto e adorou a imagem da avestruz! ele tem só seis anos incompletos, não expliquei a fundo o simbolismo que a doce ave encerra...), anyway... sua inquietação é pertitente e também me incomoda. vou relatar um fato ocorrido comigo, para tentar me posicionar a respeito.

eu cheguei a pensar em postar isso, mas desisti porque achei que esse blog estava ficando com cara de blog da madre teresa de calcutá. foi assim: parei em um semáforo no qual habitualmente não há pedintes. naquele dia, havia um aglomerado de meninos lavando os vidros dos carros. quem circula por são paulo sabe que a atitude dos meninos, nessa circunstância, costuma ser incisiva e meio intimidante. o garoto veio e lavou o vidro traseiro do meu carro. quando chegou perto para pedir o trocado, fiz um gesto com as mãos, que para mim queria dizer: "pô, você não vai lavar o vidro da frente, também?!", mas que para ele deve ter soado como "sai daqui, seu moleque, não vou te dar moeda nenhuma" e foi saindo de perto.

abaixei o vidro e, sem refletir direito sobre o que ia dizer, chamei-o com a seguinte frase: "ô, mano! volta aqui! achei que você ia lavar o da frente também." e estendi umas moedas.

véio e amigos: a transformação na fisionomia daquele moleque é algo de difícil descrição. e asseguro: ele desarmou a carranca antes de ver o dinheiro. aquele meu "mano" me pôs falando a língua dele e dos semblantes desconfiados, meu e dele, fizeram-se dois sorrisos cúmplices.

no dia seguinte, eu estava ouvindo rádio quando me deparei com a seguinte dica de um policial, especialista em direção defensiva. dizia ele: "não se desarme no trânsito, não baixe a guarda. aquele vendedor no semáforo não é um vendedor, ele é um assaltante pronto para aproveitar qualquer vacilo seu." a orientação do policial pode ser muito prática. a intenção daquele menino poderia mesmo ser me assaltar, se eu desse um vacilo qualquer. mas tenho certeza de que foi a minha atitude desarmada que desarmou o menino.

e antes que esse caso entre para o rol das minhas atitudes pollyana, informo: já fui assaltada três vezes no trânsito. talvez, não tenha sido a quarta, aquela do "mano" porque entrei na sintonia dele. êita, será?!

Alessandra Alves said...

máximo, minha forma de ser indignada é pensando a sociedade por uma perspectiva ampla. o que não quer dizer que sou contra punição para criminosos.

mario: antes de ligar o botão do pânico, vamos tentar ver os outros mais como "manos" e menos como ameaça? será que conseguimos?

Anonymous said...

Mano, (para quem não sabe, eu chamo ela assim desde muito tempo)

A sua colocação foi provocante agora. Tinha que comentar.

Acho que esta polêmica tem duas grandes esferas para serem colocadas.

A primeira engloba a questão das origens, causas e motivos da sociedade. Acrescentaria um ótimo livro como referência, de FRankiln Foer: "Como o futebol explica o mundo."
O livro é fantástico porque faz um paralelo sobre algum caso real com um aspecto social.
O primeiro capítulo fala da ligação direta entre os Ultra Bad Boys, torcida organizada do Estrela Vermelha, e as tiranas milícias Sérvias durante a guerra civil iugoslava.
Neste aspecto acho que a proibição das torcidas organizadas em entrar no estádio ou simplesmente não existir deve ocorrer. Tenho certeza que os argumentos de alguns especialistas no assunto nos ajudam a tomar uma posição.

A segunda esfera é relativa ao que cada um de nós, como indivíduo, deve fazer.
Se não vamos ao estádio, deixamos o palco apenas para os que não tem medo. Não baixamos o vidro do cara para falarmos com o menino na rua.
Se vamos, corremos o risco.

A minha opinião? Se eu pensasse duas vezes ficava em casa nos Domingos de manhã e não andava de bicicleta.

Véio Gagá - BH said...

Alê, querida Alê, um abraço a seu filho! É exatamente isso que eu acho quando digo que as coisas têm que começar a mudar por nós mesmos, ensinando aos outros essa língua do respeito, da humanidade, etc. Isso vai acabar de vez com a violência? Certamente que não! Vai, sim, é reduzir o que chamamos de violência gratuita, aquela que um "playboy" e um "mano" cultivam só em decorrência da desigualdade: "Quem não é igual a mim é meu inimigo" Não sei se é porque eu sou do interior de SP (S.J. Rio Preto), vindo pra BH com 26 anos, mas mesmo vivendo e sabendo da violência urbana - minha mulher teve o carro tomado de assalto há algum tempo -, ainda não ando com os vidros totalmente fechados, não deixo de conversar com as pessoas que trabalham no sinal lavando vidros, vendendo balas, jornais, etc. Já disse antes que no meu caminho para o escritório eu dou muito pouco dinheiro, mas quase todas essas pessoas que ficam nos sinais vêm conversar comigo. Não que eu não acredite na violência, mas sofro de "otimismotite crônica", ou seja, não acho que quem esteja vendendo balas, lavando vidros, ou mesmo pedindo dinheiro, vá me assaltar. Acho muito mais arriscado parar num sinal onde não tenha ninguém fazendo isso, entende? Talvez o primeiro passo para ensinar a essas pessoas a língua única que queremos falar seja exatamente agindo sem que eles vejam em nós aquele que os oprime, que os odeia. Lá vou eu com outra metáfora: Se estamos no topo (a "elite" - só nós sabemos também como a "elite" sofre...), como a neve no cume de uma montanha, temos que deixar o calor nos aquecer para aí então molharmos, limparmos, regarmos e fazermos brotar tudo o que está abaixo. Desculpe a pieguice, a ilusão utópica. Mas sinceramente eu acho que se não começarmos por aí, não frutificarão quaisquer outras iniciativas. Quanto à pergunta: "Como fazer isso?", que cada um olhe para si e simplesmente faça.

Anonymous said...

Alessandra, há que procurar serenidade nestas horas para ver se alguma ou algumas conclusões são possíveis, bem na linha ensinada por Descartes. Estou relendo-o, ele escreveu: Penso, logo existo. O que leva-me forçosamente a concluir que existências comprovadas mesmo, por enquanto, é a minha e a do Descartes. Por outra, se a torcida corintiana também existe, está mais que óbvio que não sabe invadir campo e portanto, se o Brasil vier a declarar guerra à Bolívia, a fiel não poderá integrar o pelotão de frente, sob pena do Brasil perder a guerra e os pontos, indo pra zona de rebaixamento desta série. Só não sei em que divisão que estamos. Se o pessoal com assento permanente no Conselho de Segurança é a séria A, nós devemos estar na série F ou G, sei lá. O que você acha? Aliás, você também existe? Se sim, seremos três, olha que legal! Você torce pro Corinthians, eu pro Santos, o Descartes lá na dimensão em que está deve torcer pra algum clube, a gente espera surgir mais alguém e vai logo prum quadrangular final.

Véio Gagá - BH said...

Mauro, li uma vez que a tradução correta do pensamento de Descartes é "Penso, logo sou", assim, a questão não fica adstrita a existir, mas principalmente a ser. E aí a conclusão lógica seria "sou o que penso". Mas sou eu quem penso ou alguém pensa por mim? Sou o meu pensamento ou o pensamento de alguém, de uma coletividade (no meio da ira da torcida, também sou um torcedor irascível, ou não?), de uma época, dos meus pais, dos professores, dos amigos, das minhas experiências, ou de tudo isso junto? Tudo isso pra dizer que, num estádio de futebol, dependendo de que lado estamos (no meio de quem está agindo como animais ou no meio de quem está comemorando a vitória), somos movidos pela coletividade que nos cerca a despertar nossos "instintos mais primitivos". Só pra dar uma dimensão desse poder coletivo, em minha cidade, as boates não permitiam que entrassem homens de chapéu de caubói. Sabem por quê? Porque um encontraria outro, e outro, e outro, e formariam um grupo agressivo. Da mesma forma ocorre com as torcidas organizadas. No dia em que forem proibidos os uniformes de torcida organizada, seus gritos de guerra e outros símbolos coletivos, essas ações animalescas vão acabar.

Véio Gagá - BH said...

Complementando o comentário acima, acho que a mesma coisa acontece com os inimigos gratuitos, por exemplo, a favela e o asfalto. Temos preconceitos mútuos motivados às vezes não pelos pensamentos próprios, mas pelo pensamento dos outros, da coletividade, dos amigos, da família e das experiências pessoais. A elite é ensinada a ter medo da pobreza (e conseqüentemente do pobre, porque ele é o reflexo da pobreza) e o pobre é educado a ter medo de ser explorado pela elite. Pronto: criaram-se os inimigos. Somos o que pensamos, afinal.
Em tempo: pra ficar claro o exemplo do "chapéu de caubói", lembro que eu nasci e morava em S.J.Rio Preto, interior de SP.

Alessandra Alves said...

mauro chazanas, desculpe, pulei seu comentário: antes de mais nada, existo, sim! seu looping filosófico foi uma viagem e tanto. fiquei a imaginar descartes em alguma arquibancada do além torcendo - para quem? o Paris Saint-Germain, talvez? - e só mesmo em um devaneio dessas proporções meu corinthians poderia chegar a disputar um quadrangular qualquer (geninho, agora, meu deus!).

mas sua colocação bem humorada me fez lembrar algo que josé miguel wisnik falou em uma entrevista recente, para o blog do idelber avelar (indicado permanentemente neste blog). zé miguel comentou, sem nenhum traço de preconceito, que normalmente quem se interessa por futebol não se interessa por discussões de caráter filosófico, sociológico, antropológico etc. e o mesmo vale para a "elite pensante": em geral, os acadêmicos não gostam de tratar do tema futebol. parece que fazemos parte de uma exceção, não é?

Alessandra Alves said...

véio gagá, o exemplo dos chapéus de cowboy e a correlação com as camisas de torcidas organizadas me remetem a um conceito advindo da teoria lingüística de Saussure, sobre significante (a forma das palavras) e significado (a idéia de cada palavra). As letras c-a-s-a são apenas uma seqüência de sinais gráficos para quem não sabe que "casa" é o lugar onde moramos (quem não fala português, por exemplo). isso se espalha por todas as formas de comunicação. uma placa com a letra E cortada na diagonal só significa que naquele lugar é proibido estacionar se o interlocutor está familiarizado com regras de trânsito.

muito bem, e os chapéus e as camisas nisso?

ora, um chapéu é só um chapéu para mim, mas pode ser "lido" de uma outra forma para quem está inserido em outro contexto, no contexto "oba, aqui tem gente igual a mim, posso me soltar".

mas, ah, sei lá... eu acho meio inócua a idéia da proibição desses signos (que, em lingüística, é a junção do significante com o significado). não pode entrar com camisa de torcida, OK. mas não existem outros signos (visuais ou não) com potencial de aglutinar pessoas e atitudes eventualmente violentos e/ou negativos?

Véio Gagá - BH said...

Alê, sim existem e são muitos. Mas acho que no caso das torcidas organizadas ou dos traficantes, certos símbolos - signos - são mais fortes: Por exemplo, o fato de eu vestir uma camisa de torcida organizada vai além do meu torcer por um time para me incluir como membro de uma gangue inimiga. Da mesma forma quando se vê na favela crianças portando armas de fogo e com a camiseta enrolada na cabeça. Isso quer dizer: Não se meta comigo, sou mau. Especificamente no caso das torcidas, se esses signos fortes forem reduzidos, assim como os gritos de guerra - que afinal são de guerra, mesmo - podemos esperar ao menos uma diminuição da agressividade. Uma coisa é ver um corintiano e um palmeirense só com as camisas dos seus times, outra é ver um "gavião" com um "mancha".
De qualquer forma, há que se acabar com as gangues uniformizadas.

Anonymous said...

uau! hoje serei vocês. se penso, logo sou, saírei, otimista e desarmado (de espírito) com os pensamentos voltados ao compromisso de manter minha mão estendida e o sorriso estampado. estranho, mal acabo estas linhas me sinto eufórico -tal qual sob efeito de endorfina- e a imaginar minha sensação futura -ao fim do dia, no retorno ao lar-, pela alma que espero lavada. o otimismo generalisado que acabou por se instalar no blog, para minha felicidade e espero, a de quem cruze meu caminho, me contaminou. bom dia a todos! valeu!!!!!!!!

Anonymous said...

Gostei muito do seu texto. Simples, direto, tem estilo e faz qualquer pessoa refletir. Isso é importante hoje em dia.

Leio sempre o Globo On Line e acho que você vai gostar desse artigo:

http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/04/20/favela-precisa-deixar-de-ser-uma-mancha-vermelha-para-se-tornar-parte-da-da-cidade-755354880.asp

O que me choca, são os comentários dos leitores sobre o artigo desse geógrafo. Comentários cheios de preconceito, raiva e medo, como "pobre tem que morrer", "favelado tem que ir para campos de concentração", entre muitos outros.

O que mais assusta é que não leitores do Globo e não de um jornal pé de chinelo. Precisamos refletir muito...

Beijos