Thursday, January 19, 2012

Mais de mim que de você



Passei os últimos dias postando vídeos de Elis Regina no Facebook. Músicas que me falam mais de perto, músicas menos conhecidas, com a pretensão de apresentar Elis para os mais jovens, ou para os que nunca se interessaram por ela. Antes de qualquer coisa, registre-se: é possível que Elis Regina seja não apenas minha cantora preferida, mas minha artista preferida, e coloque aí músicos, compositores, escritores, atores, todo mundo. Digo talvez porque, ombreando-se com ela, surge para mim Gabriel García Márquez. Mas não se trata agora do colombiano, vivíssimo em seus 80 e lá vai pedrada.

Hoje, faz 30 anos que Elis morreu e percebo que falar dessas três décadas pode significar falar mais de mim que de Elis. É só buscar na internet, nos livros. Tudo o que se tinha a falar da Elis artista já foi dito, inclusive por gente que conviveu com ela. Olhando assim, de relance, o tempo parece estar do meu lado. Estou viva, com saúde, tenho uma vida privilegiada e já vivi seis anos mais que ela. E almejo viver muitos mais, e partir desta bem velhinha, sem um milionésimo da comoção que ela causou. E fico achando que, como outros artistas mortos ainda jovens, Elis beneficiou-se do mito. Eu acompanhei a morte dela, com 12 anos incompletos. Foi a maior comoção que presenciei até então. Depois dela, só Tancredo e Ayrton Senna entristeceram tanto o Brasil.

Naquele mesmo 1982, eu vi a seleção brasileira de futebol jogar um futebol lindo e cair aos pés de Paolo Rossi. Ela, não.

Também em 1982, vi a Democracia Corintiana quebrar paradigmas e conquistar seu primeiro título. Ela, que era corintiana, não.

Em 1984, vi o movimento das Diretas Já, chorei sua derrota. Ela, que deu voz ao “hino da anistia”, não.

1985, e vi o primeiro presidente civil ser eleito, ainda que por voto indireto, depois de 21 anos de ditadura. Ela, não.

Em 1989, votei para presidente pela primeira vez, junto com meus pais, estreantes na função. João Marcelo, seu primogênito, imagino que também. Ela, não.

Em 1992, vi o movimento estudantil voltar às ruas, caras-pintadas, um presidente derrubado. Ela, não.

E, assim, vi a seleção brasileira ganhar dois títulos mundiais de futebol, o Brasil conquistar seis títulos de Fórmula 1, vi o Muro de Berlim cair, o socialismo ruir, a internet nascer, um presidente operário se eleger, Maria Rita gravar, o sistema financeiro internacional entrar em parafuso, bancos falirem, um negro virar presidente dos EUA, uma mulher, do Brasil. Ela, não.

E fico pensando – óbvio – se ela virou mito porque morreu cedo, e se estaria hoje grisalha, como Bethânia, ou rechonchuda, como Gal, relegada à condição de diva de um passado não muito distante, mas muito anacrônico para a maioria. Se estaria em paz com seu legado (ainda que não tivesse gravado nada, o legado existe e nos alimenta até hoje) ou se estaria inquieta, procurando gente nova para gravar. Ou reclamando que a MPB morreu.

Passei os últimos trinta anos vendo e vivendo coisas que ela não conheceu. Mas em cada um desses anos, em alguns mais, noutros menos, fiz tudo isso tendo como trilha sonora... Elis.

Friday, December 30, 2011

Manifestante



Vou fazer este post à moda de Caetano Veloso. O objeto do texto é outro mas, como o poeta, vou começar falando de mim. Claro, porque Caetano Veloso é capaz de dedicar uma canção à ex-mulher (Branquinha), tendo ele mesmo como foco da poesia em toda a primeira estrofe (Eu sou apenas um velho baiano, um fulano, um Caetano, um mano qualquer, vou contra a via, canto contra a melodia, nado contra a maré...).

Eu sou apenas uma paulistana da Zona Norte, nascida e crescida em uma família de classe média do bairro de Santana. (Meu colega Eduardo Castro diz, com muita propriedade, que quem tem casa própria, carro e estuda em escola particular é rico. Bem, tive tudo isso desde sempre, talvez eu seja rica, mas cresci ouvindo que era de classe média, então vou me identificar assim). Estudei durante 14 anos em um colégio de freiras, fui aluna exemplar, chamada pela turma de CDF mesmo, do tipo que ficava arrasada se não fechasse todas as matérias no terceiro bimestre. E tão chateada quanto se não tirasse notas igualmente soberbas no quarto bimestre. Em resumo, eu era uma xarope.

Daí que resolvi estudar jornalismo e fui, sem escala, do Colégio Santana, onde não se podia usar meia três quartos abaixada, para a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com uma concentração de malucos menor só que a da FFLCH e de alguns manicômios, nesta ordem. Na semana de integração, fomos recebidos por alunos veteranos que achavam bobagem aplicar trote nos “bichos”, e apenas se juntavam a nós para debates ditos culturais, nos quais falávamos sobre temas relevantes, como a Perestroika, os rumos da educação pública, Escola de Frankfurt etc. Eu ficava inquieta por pensar que, ali, ninguém parecia se interessar muito pelo novo carro da McLaren que, naquele início de 1988, surgia como máquina imbatível. Em determinado ponto do debate, um dos alunos referiu-se a certa professora como “uma puta professora”, e a santanense recém-saída do quase-convento ruborizou-se porque, naquela altura, dizer que alguém era uma “puta professora” equivalia a vários pontos negativos na caderneta, talvez suspensão, certamente admoestação na frente dos pais, quiçá expulsão.

Meu choque de realidades foi, de fato, uma enorme frustração. O desejo de partir de um colégio de bairro, rígido em suas normas de educação e moral, para uma instituição humanista em que se cultivasse a criatividade e se cultuasse a liberdade resultou em anticlímax. A ECA/USP era uma faculdade de burguesinhos que só pareciam diferentes de mim pelos bairros em que moravam. Poucas vagas, um vestibular difícil, fórmula ideal: só os CDFs das “melhores escolas” de São Paulo conseguiam seu lugar lá. Minha vontade de ser rebelde esvaiu-se logo e o máximo de insurreição que eu conseguia era falar de futebol e de Fórmula 1 em um ambiente no qual todos pareciam candidatos a editor da Ilustrada.

Em resumo, my friends, Daniel Cohn-Bendit teria vergonha do meu passado estudantil. Não fui rebelde, nunca participei de manifestação nenhuma.

Isso até 2 de novembro de 2011.




Nesse dia, insurgentes de diversas idades, muitos de nós jornalistas, tomamos a Avenida Paulista para protestar contra a mudança de percurso da Corrida de São Silvestre, esta sim, o objeto deste texto. (Tal suspense nem o Caetano conseguiria. Ou não...).

Foi na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Fundação Cásper Líbero, que ouvi um policial se referir ao nosso grupo como “manifestantes”. Eu sabia que tinha 15 km à frente para vencer, imaginava que nosso protesto tinha pouca chance de reverter a decisão da organização, de tirar a chegada da São Silvestre da Avenida Paulista, mas subitamente me tomei de orgulho e coragem.

Manifestante!

Nosso maio de 68 atraiu cerca de 300 pessoas às 7h da manhã, fazia um frio danado, juntaram-se a nós o mítico José João da Silva, duas vezes vencedor da São Silvestre, e o senador Eduardo Suplicy. Em vez de descer o cassetete nos manifestantes, a polícia nos ajudou a fazer o percurso da “antiga” São Silvestre, interrompendo cruzamentos e isolando faixas nas principais avenidas para corrermos com segurança.

A São Silvestre de 2011, afinal, vai mesmo terminar no Obelisco do Ibirapuera, como tantas outras corridas que fazemos ao longo do ano. Continuo achando um equívoco o percurso atual, cheio de declives perigosos. Vencer a Brigadeiro e ganhar a Paulista não estará entre as glórias dos atletas deste ano. E quem já fez esta prova sabe o que isso significa. São coisas da vida...

A semente dos rebeldes foi plantada, o alerta dos especialistas foi feito. Graças a este movimento, conheci pessoas incríveis e me aproximei de outras, reforcei laços. Todos queremos o mesmo: o bem da nossa maior e mais famosa corrida. Aos amigos que participaram do grupo, tenham certeza: este foi um dos melhores momentos de 2011 para mim.

Ainda que tenha tido pouco efeito prático, com licença, estou em paz. Sou manifestante, mais respeito, por favor. A todos, um feliz 2012. E como já é tradição neste blog, a imagem da aniversariante de 31 de dezembro.


Saturday, December 24, 2011

Feliz Natal



Porque você pode ser de esquerda, de direita ou desqualificar a política.


Porque, sendo paulista, você pode ser corintiano ou torcer pelo outro time (todos os outros porque, de verdade, existem só duas torcidas em São Paulo: Corinthians e Seca Corinthians).


Porque você pode amar o calor ou adorar o frio.


Porque você pode ser vegetariano ou cliente prejúizo em churrascaria rodízio.


Porque você pode ser mulher ou homem. Gostar de mulher ou de homem, seja o que for você.


Porque você pode ser louco por Bossa Nova ou achar João Gilberto um porre.


Porque você pode ser movido a endorfina, viciado em corrida, ou simplesmente sossegado.


Porque você pode achar que a Fórmula 1 deveria durar o ano inteiro, ou nem achar que isso é esporte.


Porque você pode ser e gostar do que for, mas não vai passar nesta vida imune ao amor.


John e Yoko celebraram o amor, romperam paradigmas por ele, mostraram a cara, o corpo e a alma esganiçada em canções por vezes estranhas aos ouvidos caretas.


E desejaram Feliz Natal.


Merry Christmas, John. Merry Christmas, Yoko. Feliz Natal para você.


Friday, November 25, 2011

Land Down Under




Vale a pena ler a entrevista que Gabriel Pandini fez com o australiano Mark Webber, nesta semana de GP do Brasil.

E, antes que me chamem de coruja, leiam lá!

Friday, October 28, 2011



Eu vou! Quem mais me acompanha?

Monday, October 03, 2011

São Silvestre na Paulista: é possível



Chegada da prova é transferida para o Ibirapuera, sob alegação de que a Paulista não tem estrutura para dispersão dos atletas. Especialistas contestam


Realizada há 87 anos na cidade de São Paulo, a Corrida de São Silvestre, pode passar por uma significativa mudança em seu percurso neste ano, tendo sua chegada transferida da Avenida Paulista para a região do Parque do Ibirapuera, obrigando os atletas a seguir pela Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em trecho de descida. A alegação das entidades envolvidas na organização da prova é a suposta falta de estrutura da avenida para a dispersão dos atletas, ao final da corrida. A dificuldade estaria na realização, poucas horas depois, do evento de Réveillon, que tem ocorrido na mesma Avenida Paulista em anos recentes, alguns quarteirões adiante do ponto de chegada.

A decisão de mudar o percurso, alterando uma das maiores tradições do evento, foi anunciada no início de setembro, como uma espécie de continuação de outra polêmica, ocorrida na edição de 2010 da São Silvestre. Na ocasião, a organização da prova entregou as medalhas de participação no kit do atleta, que habitualmente continha apenas o número de peito, o chip e a camiseta da prova. A razão para esta distribuição inusitada de medalhas antes da competição estava justamente na dispersão, pretendendo maior agilidade no escoamento de atletas, para não conflitar com o público do Réveillon.

Embora nem a empresa que organiza a prova, nem a Fundação Cásper Líbero (criadora do evento), nem a emissora que detém os direitos de transmissão para TV, nem a Prefeitura de São Paulo tenham se manifestado publicamente sobre a polêmica gerada com a mudança do trajeto, especialistas de vários segmentos contestam a alegação de que é impossível fazer a dispersão de 25 mil atletas sem comprometer o evento que acontece horas depois.

É fácil reverter o nó da dispersão

Armando Santos, diretor executivo da Corpore (Corredores Paulistas Reunidos, entidade que organiza em torno de 25 corridas de rua por ano) questiona a alegação da organização. "É uma equação extremamente simples: área de dispersão e gente. Se, na chegada, não há largura suficiente para essa dispersão, não há problema. Basta fazer um corredor vertical com grades até um lugar mais largo. A Avenida Paulista permite isso, mas também é possível encaminhar a dispersão para as Alamedas Campinas e São Carlos do Pinhal, que já ficam interditadas, por conta do bloqueio da Avenida Brigadeiro Luís Antônio”, comenta.

Ele acrescenta que a maior agilidade na dispersão pode ser obtida com o aumento do número de pessoas recebendo os atletas, entregando água, isotônico e a medalha. Esta medida, certamente, aumenta o custo do evento. “Talvez esteja aí o problema”, aponta Armando, trazendo exemplos de provas com número maior de participantes que lidam de forma eficiente com o nó da dispersão. “Na Maratona de Nova York, há quase um quilômetro de dispersão, com voluntários impedindo que atletas parem nesse trecho. A Maratona de Berlim, que reúne 40 mil pessoas, não conta com uma área de dispersão gigante, mas tem muita gente atendendo e agilizando a chegada.” O fato de que estas provas são maratonas (42 km) e não uma corrida de 15 km não pode servir de justificativa para inviabilizar a chegada na Paulista. A própria Corpore organizou provas como a Nike 10K, com 25 mil atletas, e um percurso menor que o da São Silvestre, sem registrar qualquer problema na chegada. “Porque controlamos a dispersão. Espaço x gente, eis a equação. Na Paulista, o espaço não é crítico e, mesmo que fosse, bastariam corredores verticais de grades para escoar a chegada", acrescenta Armando. "Uma prova como a São Silvestre precisa de uma área de dispersão de uns 100 metros, que me parece fácil de ter, com cerca de quinze passagens para entrega de medalha e lanche, água etc. Depois da premiação, que acontece logo, poderia ser usada a outra pista da Paulista para a dispersão também. De um modo geral, não faz nenhum sentido dizer que não dá para compatibilizar São Silvestre e Réveillon."

Pior para o ar de São Paulo

Realizar largada e chegada de uma prova em locais distintos é tarefa que requer uma logística diferenciada. João Traven, da Spiridon Eventos, comenta alguns detalhes técnicos utilizados na Maratona do Rio de Janeiro e na Corrida das Pontes, também no Rio, que seguem este modelo.

Em eventos como estes, o guarda-volumes é montado no interior de ônibus, que se deslocam da largada para a chegada antes do início da corrida. “Geralmente, usamos um percurso alternativo ao da prova para evitar mais transtornos”, comenta o dirigente. “A ideia é que os ônibus estejam na chegada antes dos primeiros colocados, mas na Corrida das Pontes tivemos alguns problemas e eles chegaram depois”, completa.

João conta ainda que se calcula um ônibus para 800 atletas, o que implicaria em 31 veículos disponibilizados para a São Silvestre, já que esse ano os organizadores abriram 25 mil inscrições. Dr. Paulo Saldiva, médico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, especialista em poluição atmosférica, critica o novo modelo. “Para levar todos os concluintes da São Silvestre morro acima (do Ibirapuera de volta à Paulista), nós vamos dar uma mensagem equivocada ao espírito do que é a mobilidade ativa”, comenta Dr. Paulo, que utiliza a bicicleta em deslocamentos urbanos e é corredor.

“Quando incentivamos caminhada, corrida e ciclismo como uma forma mais saudável e mais sustentável de movimentação, é contraditório, depois de uma festa que é um marco do esporte e da saúde, colocar um monte de ônibus para levar toda essa gente de volta. Eu corro a São Silvestre, corri no ano passado e é uma pena você acabar a festa e ter que sair de um lugar, onde você poderia sair de metrô, e ter que ir de ônibus”, analisa o médico.

Maior risco de lesões

Se o deslocamento da chegada para a região do Ibirapuera representa um dano ao ar de São Paulo, um risco praticamente igual ronda os atletas que se aventurarem a descer a Brigadeiro. Dr. Henrique Cabrita, médico ortopedista, diretor do Instituto Vita e maratonista, analisa o potencial aumentado de lesões graças ao novo percurso. “A descida da Brigadeiro, em termos de inclinação, é mais íngreme do que a subida. Estudei relatos de lesões esportivas e qualquer tipo de prova que seja em descida representa uma sobrecarga muito grande do aparelho extensor do joelho, ou seja, na parte da frente, da rótula, da patela, do tendão patelar. E uma carga muito maior na região dos calcanhares, também. Tenho levantado artigos sobre lesões em corridas de longa distância e a incidência de lesões em corridas tipo ‘downhill’ (declive) é, em média, 50% maior do que em provas sem desníveis ou com final em ‘uphill’ (aclive).”, informa o ortopedista. “E, se pensarmos que estamos no final de uma prova de 15 km, em que boa parte dos esportistas está completando uma corrida pela primeira vez, é muito provável que vários desses atletas sintam-se encorajados a acelrar o ritmo na descida, aumentando o potencial para lesões ortopédicas no joelho e no calcanhar.”

Como corredor experiente, que já participou de várias edições da São Silvestre, Dr. Henrique testemunha que “a maior emoção é quando a gente chega, faz toda aquela subida da Brigadeiro e vira à direita, na Paulista, tendo aquela visão da chegada, o pessoal incentivando a fazer os últimos metros depois daquela grande subida. Como maratonista, como corredor, sem esta emoção final é uma grande perda. Chegar no Parque do Ibirapuera, como já chegam tantas outras provas, é banalizar a São Silvestre.”

No ano passado, após a polêmica da entrega de medalhas antes da prova – o que foi considerado uma desvalorização do esforço de quem, de fato, completou a São Silvestre – a organização aventou a possibilidade de solicitar nova localização para o palco do Réveillon. O diretor geral da prova e superintendente do portal Gazeta Esportiva.net, Júlio Deodoro, comentou, depois da 86ª edição, que uma alternativa seria deslocar o palco do Réveillon para duas quadras adiante. “Melhoraria para o Réveillon e para a São Silvestre. Poderíamos usar as duas pistas da Paulista na largada e na dispersão, depois da chegada. Nessas condições, seria possível entregar as medalhas no final da prova”, declarou Júlio em dezembro de 2010.

Esta alternativa, no entanto, parece ter sido descartada pela organização, que preferiu impor a mudança do percurso, sem considerar a tradição do evento, o prejuízo ao ar de São Paulo, a conveniência e a integridade física dos atletas e nem do público, que passa a ter de escolher entre assistir à largada ou à chegada da São Silvestre.

*

Este conteúdo foi produzido em conjunto pelo grupo São Silvestre na Paulista, formado por profissionais de várias áreas, todos corredores de rua, empenhados em buscar o diálogo com as entidades organizadoras da Corrida de São Silvestre. Apesar de reiteradas tentativas, nem a organização da prova, nem a Fundação Cásper Líbero, nem a Prefeitura de São Paulo concordaram em dialogar com o grupo sobre o tema. A intenção de buscar a melhor solução para o problema, da nossa parte, continua presente.

São Silvestre na Paulista

Alessandra Alves - Jornalista
Alexandre Koda - Jornalista
Ana Paula Alfano - Jornalista
Bruno Vicari - Jornalista
Cássio Politi - Jornalista
Erich Beting - Jornalistam
Fernanda Paradizo - Jornalista
Harry Thomas Jr. - Jornalista
Henrique Cabrita - Médico
Iberê Castro Dias - Maratonista
Martha Dallari - Vice-presidente da Associação dos Treinadores de Corrida de São Paulo (ATC)
Nelson Evêncio - Presidente da ATC
Ricardo Capriotti - Jornalista
Roberta Palma - Jornalista
Sérgio Xavier - Jornalista
Simone Manocchio - Jornalista
Vicent Sobrinho - Jornalista
Wagner Araújo - Jornalista
Yara Achôa - Jornalista

Wednesday, September 14, 2011

Para que a tradição da São Silvestre seja respeitada

A São Silvestre, corrida com 87 anos de existência, representa o auge da celebração do esporte corrida de rua. Reúne atletas profissionais e amadores de todo o país e do mundo, que comemoram o final de mais um ano correndo pelas ruas da cidade de São Paulo.

É um evento único, com caráter participativo e competitivo. É festivo para as centenas de corredores fantasiados e outros tantos que ali estão pelo prazer de correr e de se superar, ao mesmo tempo em que é uma competição de nível internacional certificada pela IAAF. Une, como nenhuma outra corrida, paixão pelo esporte e performance.

Se entre amadores a SS estimula a busca pela qualidade de vida e o desejo de superação, para os profissionais significa a chance de se destacar. Ela revela talentos do esporte, abre portas para novos atletas e planta o sonho em muitos outros. Vencer a São Silvestre representa estar no Olimpo do atletismo.

Mas São Silvestre é muito mais do que uma corrida de rua, talvez seja o único evento esportivo onde o contemplativo, gratuito, reúne milhares de pessoas no Brasil. Tanto é que a televisão quer transmitir. A história da prova, com grandes atletas, a celebração do fim do ano, os esguichos de água no Minhocão e rua Olga, as pessoas no trajeto são situações exclusivas da SS. Somam muita gente, apoios importantes. Isso também, a nosso ver, é motivo para a preservação de suas características pela municipalidade.

Que outra prova é tão querida e está tão presente no imaginário das pessoas, corredores ou não?

Tudo, claro, é resultado de anos de esforços. Ao longo do tempo, a São Silvestre fez seus ajustes de percursos e horários. Mas conseguiu manter reunidas excelentes qualidades daquilo que há de mais difícil para um evento esportivo: tradição, data fixa de realização (o que permite a organizadores e atletas fazer todo um planejamento), cobertura de mídia e ser um objeto de desejo do consumidor.

Tradição, porém, é uma palavra que está sendo descartada da versão 2011 da prova. Em nome da “modernidade”, da “renovação” e do “conforto”, foi anunciado que a chegada será transferida da Avenida Paulista para o Parque do Ibirapuera. Decisão tomada por parte dos organizadores, sem debate ou qualquer consulta aos verdadeiros donos da prova: nós, os corredores.

Nós, jornalistas corredores e profissionais da corrida, estamos aqui empenhados em fazer com que a tradição seja respeitada e a chegada da São Silvestre seja mantida na Avenida Paulista.

Com argumentos que vão desde a manutenção da tradição, passando por questões de logísticas (somos corredores e conhecemos bem a dificuldade de se largar em um local e chegar em outro, por exemplo) e até sugestões técnicas, estamos abertos ao diálogo.

Se você também é a favor da discussão saudável, tendo em vista a manutenção da tradição da São Silvestre, preservando sua alegria e sua segurança, junte-se a nós.

Comissão de jornalistas e profissionais da corrida

Alessandra Alves, jornalista
Alexandre Koda, jornalista
Ana Paula Alfano, jornalista
Bruno Vicari, jornalista
Cássio Politi, jornalista
Erich Beting, jornalista
Fernanda Paradizo, jornalista
Harry Thomas Jr., jornalista
Martha Dallari, vice-presidente da Associação dos Treinadores de Corrida de São Paulo (ATC)
Nelson Evêncio, presidente da ATC
Ricardo Caprioti, jornalista
Sergio Xavier, jornalista
Simone Manocchio, jornalista
Vicent Sobrinho, jornalista
Yara Achôa, jornalista

Monday, September 05, 2011

Sonata da última corrida


Em São Paulo, as casas duram menos que as pessoas. A frase do escritor Renato Modernell aparece em vários momentos do livro “Sonata da última cidade”, um romance sobre várias gerações de uma mesma família, originária da Itália, vivendo na cidade de São Paulo. A frase recorrente, em cenas diferentes, remonta sempre à mesma conclusão: São Paulo parece ter uma vocação irresistível para destruir o antigo, em uma atitude de autofagia permanente.

Caetano Veloso falou mais ou menos a mesma coisa, em “Sampa”: a força da grana que ergue e destrói coisas belas.

São Paulo, destruir, antigo, grana, belo: 2011 escreve um novo capítulo da autofagia paulistana, ao decretar a mudança do percurso da tradicional Corrida de São Silvestre. A mais conhecida prova de rua de São Paulo, que acontece desde sempre no dia 31 de dezembro, há quase 90 anos, não vai mais terminar na Avenida Paulista, como tem acontecido nas últimas décadas.

A justificativa para a mudança está unicamente em uma decisão da Rede Globo, “dona” do evento nos últimos anos, que alega ser melhor realizar a chegada no Parque do Ibirapuera e não na Paulista, porque as condições para transmissão de imagens a partir de helicóptero seriam mais favoráveis no parque que na avenida.

Desculpem-me, mas não engulo.

Já faz alguns anos que ouvimos boatos de que a chegada da São Silvestre deveria ser enxotada da Avenida Paulista porque, poucas horas depois, realiza-se no mesmo local um show de Réveillon, outro evento da Rede Globo. O Réveillon da Paulista, “tradição” inventada há muito menos tempo e que poderia acontecer em qualquer lugar, como o Sambódromo, começou a se sentir incomodado pela presença dessa velhinha de quase 90 anos. Simples. Tira a velhinha dali.

Desculpe, mas quem propôs isso (e quem aceitou isso) nunca:

...sonhou durante anos em completar uma São Silvestre
...treinou meses a fio para conseguir subir a Brigadeiro correndo
...viajou do interior de São Paulo, de outros estados ou de outros países para fazer essa prova
...fez promessa de completar os 15 km da corrida carregando uma imagem de santo
...pagou aposta de correr fantasiado de super-heroi ou de coqueiro

Fiz a São Silvestre quatro vezes e vivi ou vi gente vencendo esses desafios e loucuras acima. A transmissão da TV, para essa gente louca como eu, pouco ou nada importa. Em todas as vezes que corri, só fui saber o resultado muitas horas depois porque, sinceramente, com todo respeito ao Marílson Gomes da Silva, ao Vanderlei Cordeiro ou a todos os outros valorosos vencedores, aquela prova, aquela subida da Brigadeiro, aquela esquina que leva de volta à Paulista eram mais que uma corrida e mais, muito mais, que uma atração de TV.

Nem era bem uma corrida. Ninguém – tirando os atletas de elite – corre a São Silvestre para marcar seu melhor tempo. É gente demais, é cotovelo demais, é bagunça, e é por isso que essa gente louca como eu sobe a Brigadeiro e vira à direita na Paulista. Para comemorar o final de mais um ano, o início de outro, para agradecer, tirar a zica, encerrar um ciclo. O isotônico do fim da prova, para mim e para essa gente minha, pode chamar de gente louca, era mais que champanhe.

Dane-se, São Silvestre. Curve-se aos desígnios da TV, seja um mero programa vespertino no último dia do ano. Vou ficar com minhas quatro corridas, minhas medalhas suadas.

Escrevi neste mesmo blog os relatos de minhas quatro São Silvestre. Cheguei a dizer para meu filho que, quando eu morresse, queria ser cremada e ter minhas cinzas jogadas do alto de um prédio da Avenida Paulista, durante uma São Silvestre. São Paulo, essa devoradora do antigo, destruidora de tudo que é símbolo, tradição ou minimamente significativo para quem quer que seja, conseguiu destruir até a poesia dos meus funerais.

Sunday, July 31, 2011

Dinastia Vettel



Se o alemão Sebastian Vettel decidir cabular os próximos três Grandes Prêmios de Fórmula 1, na Bélgica, na Itália e em Cingapura, voltará no Japão ainda como líder do campeonato, no mínimo com dez pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Isso se o atual vice-líder, seu companheiro Mark Webber, na Red Bull, vencer as três corridas. A matemática fica ainda mais favorável a Vettel, atualmente com 234 pontos, se o desafiante for Lewis Hamilton, atual terceiro colocado.

A supremacia construída por Vettel na primeira metade da temporada permite que ele seja campeão sem precisar vencer mais nenhuma etapa. Já venceu seis e pode simplesmente administrar as oito corridas que faltam, sem precisar expor-se a riscos. Um segundo lugar aqui, um terceiro ali e a poupança vai aumentando. A última vitória do alemão aconteceu no final de junho, no GP da Europa, na insípida pista de Valência. De lá para cá, três corridas, cada uma com um vencedor diferente – Fernando Alonso na Inglaterra, Hamilton na Alemanha e Jenson Button na Hungria.

Até nisso a atual temporada favorece o reinado absoluto de Vettel. Os postulantes a desafiador alternam-se, repartindo entre si pontos que, canalizados para um único piloto, poderiam significar alguma ameaça ao líder. E o vice-líder, Webber, curiosamente não se juntou a esse grupo, amealhando seus 149 pontos até agora sem conquistar nenhuma vitória neste ano. No entanto, apenas os dois pilotos da Red Bull conseguiram pontuar em todas as provas do campeonato.

O domínio da Red Bull em 2011 deve entrar para a história como outras temporadas que exibiram supremacias absolutas. Ferrari em 2004 e 2002 (nos dois anos, Michael Schumacher campeão, Rubens Barrichello vice), Williams em 1992 (Nigel Mansell campeão, Riccardo Patrese vice), McLaren em 1989 (Alain Prost campeão, Ayrton Senna vice) e 1988 (Senna campeão, Prost vice). A disputa pelo vice-campeonato em 2011 está aberta. Webber tem 149 pontos, mas vê Hamilton bem perto (146) e, colado no inglês, Alonso, com 145. O australiano não tem sido bom o suficiente para vencer no atual campeonato, mas a alternância de vencedores ao longo do ano pode jogar a seu favor, continuando a dividir os pontos e consolidando-o como mais um escudeiro a ladear o companheiro campeão.

Sim, escudeiro. Na lista de domínios incontestáveis acima, só a disputa Senna-Prost entre 1988 e 1989 entra para o rol das exceções, nas quais o título foi decidido na base da disputa aberta entre companheiros de equipe. As demais são demonstrações de força coletiva de equipes muito superiores às demais, nas quais o campeão chegou a esta condição sem jamais ser desafiado por seu vice.

A temporada de 2011 talvez seja o ponto alto de um ciclo iniciado em 2009, quando a Red Bull passou a ter, pela primeira vez na sua história, um carro vencedor. Pode soar estranha essa análise, pois 2009 assistiu ao domínio acachapante de Button e de sua Brawn, em um início de temporada ainda mais agudamente eficiente que o de Vettel, neste ano. Mas não é difícil lembrar dois fatos. O primeiro está ligado a uma solução aerodinâmica inovadora – e inicialmente contestada – da Brawn e de outras poucas equipes: os difusores duplos. Especialmente graças a eles, Button venceu seis das sete primeiras corridas (em 2011, Vettel ganhou “apenas” cinco das sete primeiras). Na segunda metade daquela temporada, algumas equipes diminuíram sua distância em relação à Brawn, e Button conseguiu no máximo somar pontos, conquistando apenas dois pódios a mais e permitindo a aproximação justamente da Red Bull de Vettel, que neste complemento de campeonato obteve três vitórias e mais dois pódios, chegando ao vice-campeonato.

O ano de 2010, embora disputado até a última prova, teve a Red Bull como “o carro a ser batido”. Alonso e Hamilton tentaram e beneficiaram-se, talvez mais do que dos méritos de seus próprios equipamentos, da disputa aberta entre Vettel e Webber na Red Bull. Os dois companheiros de equipe chegaram à última prova, em Abu Dhabi, ambos com condição de levar o título. No entanto, hoje esta proximidade soa como circunstancial. Mais fruto da inexperiência de Vettel, afinal consagrado como o mais jovem campeão do mundo, e de erros estratégicos e operacionais da equipe, do que propriamente da igualdade entre pilotos.

Iniciando 2011 como campeão, mais maduro e com um grupo de adversários que, ainda por cima, lhe faz o favor de alternar-se na condição de desafiante, Vettel vestiu a camisa do líder com propriedade. Não é o caso de afirmar que a equipe lhe dá privilégios. Com sua capacidade de conduzir um carro rápido ao limite, ele conquistou tal condição por méritos. Seu desempenho no treino classificatório em Budapeste ilustra essa capacidade. É certo que ainda carece da dose certa de combatividade nos momentos em que precisa livrar-se de uma condição adversa, ou que cede a pressões de forma talvez decepcionante, como no Canadá. Talvez, sem ter o carro extraordinário que tem hoje, Vettel esteja um degrau abaixo de Alonso e de Hamilton, mas o fato é que a história da ascensão da Red Bull está diretamente ligada a Vettel.

Claro que, por trás desse foguete azul escuro, está o projetista Adrian Newey, como esteve Rory Byrne ao lado de Schumacher, na Ferrari, ou John Barnard, ao lado de Senna. Não são meras circunstâncias que constroem tais domínios. São conjugações de talentos, cada um em sua especialidade. Esta, a de Vettel com a Red Bull, parece ser mais uma.

E, assim, a Fórmula 1 reescreve sua história a cada era, repetindo a máxima de que esta categoria, sempre – e apesar das tentativas esdrúxulas de mudanças de regulamento – vive de ciclos dominantes que se alternam.

Sunday, April 17, 2011

Bravura indômita



O GP da China de 2011 poderia ser daqueles que viram filmes, com todos os ingredientes para uma boa produção de Hollywwod, se Hollywwod desse alguma importância para a Fórmula 1. Drama, ação, suspense, superação, risos e lágrimas no final. Estrelando Lewis Hamilton, Sebastian Vettel, Mark Webber e grande elenco.

Na cena de abertura, mecânicos trabalham freneticamente para sanar um vazamento no carro de Lewis Hamilton, ainda nos boxes. Prosaicos rolos de papel absorvente, daqueles que se usam na cozinha, são utilizados na tarefa. Hamilton sai da garagem faltando menos de trinta segundos para o fechamento dos boxes, alinha na terceira posição e vê a equipe terminar a montagem de seu McLaren já no grid.

Dada a largada, a ação ganha corpo no enredo. Sebastian Vettel larga mal, percebe a aproximação de Hamilton, fecha-lhe a porta e, com isso, abre caminho para Jenson Button. Os pneus entregues pela Pirelli na atual temporada são a antítese da ecoeficiência. Duram pouco, obrigam os pilotos a mais trocas, emporcalham a pista. Tudo o que o KERS soma de ambientalmente amigável, os pneus subtraem de desperdício. As usinas elétricas a carvão, lá na mesma China, sorriem marotas diante de tanto dejeto, como se toda sua poluição subitamente ganhasse salvo conduto na comparação com a borracha esfarelada na pista.

Bom artifício de roteiro, esses pneus. Graças a eles, instala-se o suspense. Duas ou três paradas? Quem lidera agora? Mas vai ter de parar de novo? E esse pneu, aguenta até o final? Nessa ciranda de dúvidas, sucedem-se na liderança Button, Rosberg, Massa, Vettel. Nas duas horas que dura a película, espectadores atentos: qualquer um desse, a rigor, pode ganhar.

Como toda fita que se preza, o filme do GP da China lança mão de coadjuvantes que crescem ao longo da trama. Mark Webber foi o principal deles. Companheiro de equipe na pole, ele em 18º no grid. Tal franco atirador, lançou-se sôfrego na escalada de posições. E conseguiu. Com um carro desses, diriam os mais críticos, não fez mais que a obrigação. Seria como colocar Jack Nicholson para interpretar um malandro sarcástico. Só poderia dar certo.

Mas o duelo da história, claro, estava reservado para os protagonistas, lá na frente. Hamilton, depois do drama da largada, soube gerir bem o entra e sai dos boxes. Previdente, guardou do sábado um jogo de pneus para o dia da corrida. Como suprimento para refugiados, os pneus serão itens de sobrevivência nesta Fórmula 1 de 2011. Como ator afeito ao improviso, pareceu dar de ombros às ordens de seu engenheiro - "espere um pouco mais antes de atacar". O alvo? Vettel. A decisão de Hamilton? Desobediência. Foi para cima do alemão, que ensaiou defesa heróica. Estaria Vettel preparado para vencer de forma diferente, pela primeira vez acossado decisivamente e, ainda assim, mantendo a ponta?

Não. Hamilton tomou-lhe a primeira posição. Talvez menos por sua bravura indômita. Pois ele a tem, ô se tem. Mas eventualmente mais pela artificialidade de pneus que se desmancham como paçoquinha Amor. Ou pela ação algo covarde da asa móvel que anula a vantagem de quem vai à frente (ainda que a ultrapassagem definitiva, a cena de ação máxima, sobre Vettel, tenha sido feita no miolo, e não na zona permitida para o uso da engenhoca). Bravo, aguerrido, indomável, obstinado, inconsequente, lágrimas de emoção ao final. Hamilton foi tudo isso no GP da China de 2011. E a Fórmula 1 atual talvez seja mais roteiro de cinema que competição.

Friday, April 15, 2011

"Eu me adoro cantando"


Jogando baralho com amigos, ela cantarola, ajeita cartas na mão, joga a cabeça pra trás, ouve o som da própria voz em um aparelho de som ao fundo, exclama "ah, eu me adoro cantando", e gargalha. A personagem é Nana Caymmi, o filme, Rio Sonata. Fui vê-lo na quarta-feira passada, em uma sessão especial do Reserva Cultural, provavelmente meu cinema preferido em São Paulo, ao lado do Cine Livraria Cultura, dos poucos que restam com alma, identidade.

Eu não sabia nada sobre o documentário, mas a simples referência a Nana Caymmi me fez vencer um monstruoso congestionamento na cidade (por conta do último show do U2?) e me proporcionou uma das noites mais memoráveis dos últimos tempos. Nana e seu irmão Dori Caymmi estavam lá. E também meu querido Zuza Homem de Mello, que me apresentou ao som de Nana há 28 anos, quando ela lançou o extraordinário álbum "Voz e Suor", que contava apenas com o piano de César Camargo Mariano e a voz de Nana.

O filme foi produzido pelo suíço George Gachot (não consegui descobrir se ele tem algum parentesco com o piloto Bertrand Gachot). Aqueles do copo meio vazio diriam "que pena, precisa vir um estrangeiro para produzir um filme sobre uma cantora como Nana Caymmi". Os do copo meio cheio - incluindo-me entre eles - prefeririam o benefício do olhar estrangeiro, distanciado, capaz de enquadrar Nana em moldura feita de percepções, não de estereótipos.

Porque o estereótipo, o senso comum, a visão estreita tendem a pintar Nana como cantora sofisticada, de elite, difícil. A visão ampliada de Gachot levou à tela uma cantora rigorosa com suas escolhas e, sobretudo, consigo mesma(singela, Nana em dado momento revela que é difícil cantar músicas como "Ponta de Areia" e "João Valentão", e fica evidente que a dificuldade está menos nas músicas e mais no tom desafiador que ela e seus maestros se impõem). Rigor à parte, Nana revela-se realizada em seu ofício, exercendo a profissão de cantar com um hedonismo que transparece em vários trechos do filme, como o "eu me adoro cantando" do animado carteado.

Quando o letreiro anunciou o final do filme, fui tomada de certa decepção e até exclamei: "mas já?". Eu assistiria e ouviria aquele documentário por muito mais tempo. A música de Nana seria suficiente para justificar esse apego, mas a beleza do filme também há de ser destacada. Gachot foi ao ponto: contextualizou Nana em um Rio - sua terra natal - nublado, sombrio, melancólico. O tom de sua voz de lamento, o lamento dos olhares e gestos simples das pessoas retratadas no filme. Porteiros, crianças brincando no subúrbio, donas de casa, camelôs. A Nana de Gachot não é sofisticada, blasé, intangível, difícil.

Sem ser linear, e sem se preocupar em ser documental, o filme vai reconstituindo a história de Nana, mostrando cenas do seu cotidiano, mesclando-as com imagens do passado. A diva que se apresenta ao lado de Tom Jobim no instante seguinte é uma mulher de quase 70 anos à procura dos "óculos para longe", encontrados depois de certo esforço na bolsa enorme. A cantora alçada à popularidade em anos recentes, graças a temas de novelas, ganha depoimentos de gente de várias tribos - do ex-marido Gilberto Gil ao Tremendão; de Milton Nascimento a Mart´nália. E vai falando sobre cantar e amar e sobre cantar o amor, definindo-se uma cantora de Bossa Nova que ninguém nunca assim reconheceu (Milton decifrou-a: na Bossa Nova, cantava-se baixinho, e Nana tem esse vozeirão...). A diva refere-se ao irmão Dori como um de seus compositores preferidos, e o chama de Dorivalzinho, transportando para a tela uma intimidade familiar que não nos pertence, mas que enche o filme de uma ternura que nada tem a ver com a cantora sofisticada que sempre se pintou.

Em uma das sequências mais divertidas do documentário, no que parecem ser os bastidores de um show, Nana, Miúcha e Maria Bethânia improvisam sobre uma canção de Dorival. Bethânia, gestual dramático, altivo, comandante, lança o primeiro verso, dá o tom. Miúcha embala, quase tiete entre as duas prima donas. Nana apodera-se da batuta, baixa o tom da canção, gestual maternal e firme, recoloca em seu lugar a moreninha da sandália do pompom grená da canção de seu pai. Uma brincadeira, quase um duelo de vozes, ou de estilos. Perdoe-me, mana, Nana ganhou.

E o pai - a origem - é quem vem encerrar o filme, em uma sequência bela, inesquecível, recontando a história de "Acalanto", a canção de ninar que fez para Nana, a diva que casou-se cedo, foi para a Venezuela, teve três filhos, separou-se, venceu festival, casou-se com Gil sem nunca olhar para a Tropicália ("não entendi aquilo até hoje, se alguém quiser me explicar..."), e trilhou sua carreira baseada em um princípio básico - o prazer de cantar. Simples assim.

Se eu tivesse essa voz, Nana, eu também iria me adorar cantando.

Sunday, April 10, 2011

Paradoxo


Não esperem de mim análises que terminem com "a corrida foi chata". Já viram aqueles adesivos que propagam a ideia de que um mau dia no surfe é melhor que um bom dia no escritório? Pois para mim funciona assim: um dia com corrida sempre vai ser melhor que um dia sem corrida, seja a corrida como for. Porque, insisto, a corrida da Malásia pode ter sido chata para brasileiros, espanhóis e britânicos. Mas, para os alemães, foi uma corrida fantástica, como fantásticas eram as provas que Ayrton Senna liderava de ponta a ponta. Chatas para os franceses, adoráveis para os brasileiros.

Se nosso automobilismo não foi capaz de produzir um novo campeão nos últimos vinte anos, a culpa provavelmente é menos da F1 e mais da gestão do automobilismo no Brasil. É certo que a FIA esforçou-se por criar regras bizarras que tornaram a categoria por vezes risível, outras ininteligível, outras simplesmente idiota. Mas pilotos continuaram ganhando corridas e campeonatos enquanto isso, e o fato de não serem brasileiros não pode diminuir seus méritos, até por se darem bem na barafunda esquizofrência das mudanças de regras.

Sebastian Vettel provavelmente será bicampeão do mundo, conquistando o título de maneira muito mais tranquila do que o fez em 2010. É admirável ver conjuntos vencedores de piloto e máquina, como foram tantos na história da F1. Só para ficar nos mais recentes: Button e a Brawn, Alonso e a Renault, Schumacher e a Ferrari. É o state of the art em termos de desenvolvimento tecnológico e perícia. Vettel tem uma receita de vitória que leva um dia para a marinada terminar de dar o tempero. Começa no sábado, com a pole. Termina no domingo, depois de liderar a corrida inteira. Fácil é achar que isto é simples. Vê-lo extenuado após a corrida dá uma medida do esforço que é cozinhar esse boi em fogo lento. Mas, desculpe-me jovem alemãozinho, ainda estou esperando sua grande corrida. Porque, mesmo enaltecendo sua capacidade de tirar tudo do carro nas situações-limite, gostamos do embate, da disputa, da refrega. De ultrapassagens, em resumo.

E por mais que a organização da F1 tenha tentado criar condições para mais ultrapassagens, lá na frente não está sendo nada útil. Vettel não precisou ultrapassar ninguém neste ano, ainda. Largou lá na frente e sumiu. No máximo, negociou com retardatários. Não é testemunho para o funcionamento da asa móvel. Nem o KERS da Red Bull, que parece ser o grande - senão único - calcanhar de Aquiles da equipe austríaca está lhe fazendo falta. Vai altivo, soberano lá na frente. Nossa sanha por disputa nos faz desejar um escorregão que seja do alemão e de seu boi voador. Quem sabe assim, acossado pela desvantagem, Vettel faça a corrida que espero e que, de fato, não lhe fez falta nenhuma do ponto de vista prático até agora.

Mas, a despeito do espetacular e modorrento domínio de Vettel, a F1 atual vive uma espécie de paradoxo em relação ao ano passado. Em 2010, a alternância na ponta da tabela à primeira vista poderia sugerir um campeonato eletrizante. E era, porém formado de corridas "chatas". Em 2011, graças principalmente à necessidade de mais trocas de pneus e à ação da asa traseira móvel, tivemos duas corridas movimentadas. OK. Não chegarei ao ponto de dizer "eletrizantes". Mas corridas inegavelmente movimentadas, que provavelmente resultarão em um campeonato "chato".

Para nós. Não na Alemanha.

Friday, March 25, 2011

Boi voador



Os amigos vão me desculpar a demora e a desfaçatez de vir fazer previsões para uma temporada que, afinal, já começou. Mas, como disse no post anterior, apesar da antiguidade, este blog continua sendo espaço de mero diletantismo, e a necessidade de ganhar a vida me empurra sempre para outras atividades menos lúdicas. Vil metal, esse carrasco...

Faltam poucas horas para a largada do primeiro GP do ano, aquele que deveria ser o segundo, mas que acabou com as honras de estreia pela turbulência sócio-política no Bahrein. (Aliás, pouco tem se falado da situações dos países do Oriente Médio, depois da crise na Líbia e, mais ainda, da catástrofe natural no Japão. Países amigos do Ocidente sempre são tratados com complacência pela mídia, habitualmente pautada pelas agências internacionais, quase todas grandes potências de comunicação do Ocidente...).

Mas então a política nos deslocou novamente para a madrugada, e cá estamos, à espera do primeiro GP, novamente em Melbourne. Foi falta de tempo, mas agora vejo que comentar a pré-temporada teria sido... perda de tempo. O suposto equilíbrio entre Red Bull e Ferrari desvaneceu-se na parte final do treino classificatório da Austrália. Não só a Red Bull fez seus pilotos voarem, mostrando que havia passado o inverno europeu escondendo o leite, ou o energético. Também a McLaren parece ter gasto a temporada fazendo cara de paisagem, para depois colocar seus dois carros na duas primeiras filas.

Mas, ora direis, uma única volta rápida seria parâmetro para toda a temporada?

É claro que não. Os carros da Red Bull têm sido os mais rápidos há muito tempo. Não só em 2010, mas desde a segunda metade da temporada de 2009. No entanto, os bois voadores pularam miudinho até a última prova do ano passado, graças ao deperdício de pontos causado ora por erros de seus pilotos ora por estratégias inadequadas da euipe. Pode acontecer de novo. Ainda mais em uma temporada com uma gigantesca mudança de caráter técnico - a já tão comentada estreia dos pneus Pirelli.

Não foi à toa que a Pirelli desenvolveu compostos aparentemente bem menos resistentes que seus antecessores. O cliente - a FOM (Formula One Management), no caso - sabe que as corridas têm se decidido basicamente nos pit stops. Pneus mais frágeis, mais pit stops, mais chance de embaralhar as posições na corrida. Mas a fabricante de pneus parece ter se empolgado na tarefa de criar pneus que se desmancham no ar. Ainda que alguns pilotos tenham se declarado confiantes em relação ao tema, após os treinos em Melbourne, apontando que os pneus não são tão descartáveis assim, a imagem da TV foi nítida, ao registrar os pneus de Lewis Hamilton com partes que mais pareciam chicletes mastigados (bleargh!).

Talvez o ponto mais destacável dessa história não sejam exatamente os pneus, mas como os pilotos vão se haver com eles. Hamilton é o exemplo bem acabado do papa-borracha. Seu estilo de pilotagem, agressivo e afeito a subir nas zebras, sempre o levou a desgastar os pneus mais do que os companheiros de equipe. O que dirá em uma situação como esta, em que os compostos já são menos resistentes.

É possível imaginar que o conjunto carro-piloto que consuma menos pneus será capaz de fazer menos paradas, ganhando enorme vantagem. Mas é claro que isso só valerá para carros minimamente competitivos. Os franco atiradores do pelotão de trás que se agarrarem a esta teoria nem por isso vencerão corridas. Há que ter um mínimo de velocidade e técnica para locupletar-se da eventual parada a menor. Meus colegas comentaristas já levantaram a lebre: nesse contexto, olho vivo em Jenson Button, com sua condução limpa. Pode ser, mas não é só.

A mudança nos pneus já seria suficiente para bagunçar o coreto, mas a Fórmula 1 quis mais. Inventou a tal asa móvel que, em corridas, só pode ser usada em uma determinada "zona de ultrapassagem". Bem, como isso ainda não foi visto, não vou entrar no clima de "não vi e não gostei", mas que tem tudo para ser uma baita confusão, isso tem. De qualquer forma, a tal asa é outro efeito desestabilizador do carro. Vai se dar bem quem dominá-la melhor. Durante o treino, já deu para perceber como alguns pilotos ainda não aprenderam a reagir ao verdadeiro coice dado pela ação aerodinâmica da asa. Rodadas são esperadas. Em corrida, não costuma terminar bem. Mas não deixo de ficar otimista com o fato de que dois itens do carro tornam a ação do piloto mais determinante que antes.

Para terminar, "una palabra por la unidad de la America Latina". É frustrante ter apenas dois brasileiros no grid, e que apenas um tenha mais chances de brigar por vitórias. Mas meu coração latino-americano alegra-se ao ver mais dois representantes da América entre os inscritos. Pastor Maldonado e Sergio Perez - como todos os outros - garantiram suas vagas na Fórmula 1 graças à injeção de recursos. Não estão lá apenas por seus resultados anteriores, mas pelo dinheiro de empresas (a maior empresa pública da Venezuela, no caso de Maldonado). É a regra do jogo, e talvez ele nem valham os cobres despositados em seus ombros, mas não me peçam para ficar indiferente a dois hermanos correndo na Fórmula 1.

Pena que ainda falta uma mulher.

Boa temporada a todos e reforço o convite para acompanhar a transmissão das provas pelas rádios Bandeirantes AM e BandNews FM, com a equipe formada por Odinei Edson, Fábio Seixas, Jan Balder, Luiz Fernando Ramos e eu. Até lá!

Monday, March 21, 2011

PVAPF

O sempre divertido Mauro Chazanas - divertido e obstinado - resolveu fundar nesta segunda-feira o Partido Volta Alessandra Por Favor. Tal como em "Geni", posso dizer que "foram tantos os pedidos, tão sinceros, tão sentidos", que resolvi tomar vergonha na cara e retomar o blog, depois de três meses de ostracismo.

Cumpre, digníssimo presidente do PVAPF, informar que este blog é exercício puro de diletantismo. Jamais recebi um mísero cobre pelas linhas traçadas neste espaço, lá se vão cinco anos. Se a grita já é grande quando alguém abre os cofres para Bethânia blogar, que poderia eu esperar desse universo virtual?

Minha lida é árdua, capinando em outras roças, correlatas ao jornalismo. Mas chega de desculpas. Aproveitando a volta da Fórmula 1, anuncio para logo meu post de previsão da temporada. E um outro sobre música, afinal, vossa excelência Chazanas transita mais pelos sustenidos e bemóis que por motores e pneus.

"Pode ir armando o coreto e preparando aquele feijão preto, eu tô voltando".

Friday, December 24, 2010

Feliz Natal



Ainda me enternece um cenário cheio de neve, feições rosadas pelo frio, o trio gorro, luva e cachecol. Ainda me comove o disquinho do Tio Patinhas, coleção da Editora Abril, revivendo a história dos três espíritos no Natal - passado, presente, futuro. Mas outras tradições vão se somando ao meu Natal, como o passeio pela Avenida Paulista com meu filho na hora do almoço do dia 24 de dezembro. Comprinhas de última hora, uma passada pela banca de jornal.

E a foto de John e Yoko aqui no blog.

Porque John e Yoko fizeram a música de Natal definitiva para mim, aquela que evoca os sentimentos que deveríamos mesmo cultivar, e no ano todo, na vida toda, para além das religiões, evocando conceitos de diversidade racial, de justiça social, de desejo utópico (?) de igualdade. Porque John e Yoko despiram-se literalmente, escancararam suas paixões, conflitos, crises e reconciliações. Romperam rótulos masculino/feminino, ocidente/oriente, oprimido/opressor.

Este é o meu desejo de Natal, de um feliz Natal para todos vocês.

"Merry Christmas, John
Merry Christmas, Yoko"

Monday, November 15, 2010

Nada do que foi será...



A singela "Como uma onda", de Lulu Santos e Nelson Motta, é uma espécie de hino existencialista com a humildade de quem se sabe só poeta raso, e não filósofo. Mas, no embalo zen de um surfista hedonista, tem estes versos que prenunciam a revolução: "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia/ tudo passa, tudo sempre passará".

O título de Sebastian Vettel em 2010 me acendeu a esperança de que, talvez, uma revolução esteja em marcha. Nós, macacos velhos da Fórmula 1 (27 anos nas costas, no meu caso), passamos os últimos anos repetindo o mantra de que o jogo de equipe é tão antigo quanto a categoria. Sim, é verdade. Durante o GP do Brasil, conversei bastante com o ex-piloto francês Jacques Laffite, que correu entre 1974 e 1986, e hoje é comentarista da TV francesa. Laffite se mostrou totalmente convencido de que a Ferrari havia agido de maneira correta ao inverter as posições entre Felipe Massa e Fernando Alonso, no GP da Alemanha. Perguntei ao francês se, em sua carreira, ele havia passado por uma situação parecida com a de Massa. Com aquele charme parisiense, deu um sorriso maroto e respondeu: "Não, eu sempre era o Alonso da minha equipe."

A vitória de Vettel foi cantada em prosa e manchetes como o triunfo da ética sobre a armação, da verdade sobre a hipocrisia. Como alguns colunistas escreveram brilhantemente por aí, a postura da Red Bull, neste final de temporada, foi também uma extraordinária ação de marketing. Ao optar pelo não-favorecimento de nenhum de seus pilotos, a Red Bull uniu-se ao coro dos descontentes com a decisão ferrarista em Hockenheim. Ainda que a mesma Red Bull tenha enchido de descontentamento o veterano Mark Webber ao sacar de seu carro uma asa especial, e colocá-la no de Vettel, na corrida anterior a esta da Alemanha.

Mas, se a vitória de Vettel parece um divisor de águas, a corrida de Hockenheim também o foi. Aqui, no twitter, na academia, no cabeleireiro, escutei um quase uníssono de vozes, clamando pela luta aberta, pela não-armação. E fico pensando que talvez seja hora de nós, os símios anciões, pararmos de dizer que "sempre houve jogo de equipe na Fórmula 1, por isso temos de aceitá-la." Ora, sempre houve uma porção de coisas que hoje não queremos que continuem existindo. No nível da civilização, não aceitamos mais o racismo, a misoginia, a homofobia, a degradação do meio ambiente. Muitos destes conceitos foram aceitos durante parte da história da humanidade, mas resolvemos que seria melhor mudar.

A corrida de Abu Dhabi não trouxe nenhuma situação em que o jogo de equipe pudesse assumir o papel de protagonista. Se Vettel estivesse em primeiro, com Webber em segundo e Alonso em terceiro, o alemão abriria mão da vitória, para dar o título ao companheiro australiano? Jamais saberemos. Vettel chegou a dizer, em entrevistas anteriores, que cederia o espaço, de forma voluntária. A fala do jovem alemão, somada à opção declarada do dono da equipe, Dietrich Mateschitz, que disse preferir perder o título de forma limpa, a ordenar uma troca de posições, era por si só um jogo de cena perfeito. A Red Bull mantinha o discurso da disputa liberada, a equipe garantiria o título para Webber e Vettel assumiria o papel de esportista que sabe competir pelo time, mas por uma opção pessoal, não imposta. Mas este cenário esteve longe de acontecer, e saiu melhor do que a encomenda para a Red Bull, com Vettel campeão, sem troca de posição alguma.

Para a imagem da Fórmula 1, foi melhor assim. Como foi melhor para a Fórmula 1 que a McLaren não ganhasse o título de 2007, depois de confirmado que a equipe havia espionado segredos da Ferrari. Premiar a McLaren, naquela ocasião, ou a Ferrari, neste ano, seria dar um atestado de idoneidade para criminosos condenados.

Talvez, a via tortuosa pela qual o título terminou nas mãos de Vettel seja pedra fundamental para um novo tempo na Fórmula 1. Quero acreditar nisso. Quero ter certeza de que todos pensaremos desta mesma forma - prefiro perder o título a encenar um simulacro de corrida diante do público. Se todos estivermos de acordo que é melhor ver nosso ídolo sem troféu, mas com ficha limpa, então estarei ainda mais feliz por continuar amando este esporte.

Wednesday, November 10, 2010

Palpite e torcida


Sem mais delongas, uma enquete, duas perguntas:

1) Quem você acha que será campeão do Mundial de Fórmula 1 de 2010?
2) Para quem você está torcendo?

Votem e, se quiserem, justifiquem suas escolhas. Valendo!

Saturday, November 06, 2010

GP do Brasil, sábado

Neste dia histórico, com a primeira pole da carreira de Nico Hulkenberg, um breve álbum de flagrantes do sábado em Interlagos.


Gabriel Prado, repórter da Bandeirantes, e eu, com o cabelo vencido pela chuva (de novo!)


Odinei Edson narra, Cacá Bueno comenta; ao fundo, Sergio Patrick


Velhos companheiros: Emerson e Jan Balder


O fã da Ferrari manda um recado à equipe: deve ser torcedor do Massa, concordam?

Sunday, October 31, 2010

31 de outubro de 2010

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida....

(Obrigada, Mauro Chazanas)


Sunday, October 24, 2010

Manual de autoajuda Fernando Alonso


Terminado o GP da Coreia do Sul, escrevi a seguinte frase no Twitter: "Como é largo esse Fernando Alonso". De fato, à primeira vista, a vitória do espanhol pareceu uma sequência de lances de sorte. Primeiro, o acidente de Mark Webber. Depois, o motor estourado de Sebastian Vettel. E, assim, Alonso saiu da Coreia como líder do campeonato. Mas faço minha penitência já: não pode ser creditada só à sorte a jornada vitoriosa do espanhol no primeiro grande prêmio disputado naquele país.

E nem vou me ater às questões de perícia do bicampeão. Alonso pode ser manhoso, dissimulado, amoral até, como dizem alguns, mas é um extraordinário piloto. Nada de novo nisso. Manter-se íntegro em uma prova com condições adversas pode ser tudo, menos um golpe de sorte, ou vários. Mas queria analisar um aspecto mais, digamos, esotérico deste final de semana.

Abri minha participação na transmissão, aliás, falando sobre isso. Depois do treino classificatório, no sábado, li a seguinte frase de Alonso, no Tazio: "E mais uma vez foi o nosso máximo potencial hoje, o que é, de certa forma, muito bom, porque a classificação não é nosso ponto mais forte do fim de semana. Aqui, estamos próximos da Red Bull, então a situação parece boa para amanhã."

É uma frase corriqueira, em linha com o discurso quase sempre vazio que esportistas costumam proferir nos pré-eventos. Mas pesquei um ardil na sentença. No ar, pelas rádios Bandeirantes e BandNews FM, comentei que a fala de Alonso tinha um tom de ameaça, como se ele dissesse para Vettel e Webber: "aproveitem enquanto estão na frente, porque amanhã será pior."

A diferença astronômica da Red Bull para as demais, que se consolidou em pistas como Mônaco e Malásia, parece ter ficado no passado. Na Coreia, Alonso classificou-se com um tempo muito próximo ao de Vettel e de Webber e, na corrida, conseguiu manter a distância na casa do confortável e administrável. Alonso tinha motivos concretos para acreditar que, mais uma vez, os carros mais rápidos no treino não necessariamente levariam tal vantagem para a corrida.

Mas a fala de Alonso foi mais do que análise cartesiana. Teve ali um componente de dupla serventia. A um tempo, o espanhol plantou em si mesmo a perspectiva de ser melhor hoje do que havia sido ontem. E, também, semeou em Vettel e em Webber a desconfiança, a cisma, o trauma de algo, afinal, repetido outras vezes nesta mesma temporada. Alonso plasmou a vitória de hoje em sua mente.

Os nomes variam - pensamento positivo, energia, vibração - mas o conceito é o mesmo. Está em livros esotéricos e em manuais de autoajuda o conselho que Alonso pareceu seguir nas terras orientais. Fixou-se a uma imagem alvissareira para o domingo e se manteve na rota para alcançá-la. É cada vez mais recorrente esta faculdade entre esportistas. No futebol e em outros esportes coletivos, fica cada vez mais evidente que o papel do técnico está tão ou mais relacionado a motivar e instigar a equipe do que necessariamente no reforço dos fundamentos técnicos ou em armações táticas. Que o diga o DJ Luiz Felipe Scolari e seu repertório de músicas motivacionais.

Alonso não venceu só na pista, venceu na cabeça. A duas corridas do final, a fortaleza psicológica pode ser uma arma letal.