
Cheguei em casa no final da tarde, com a roupa molhada, o rosto queimado de sol, alguns passos além da euforia, querendo banho e cama, quase tão cansada quanto feliz. Minha mãe me recebeu em diapasão diferente, ainda tensa com o dia intenso, como se quisesse contar em detalhes tudo o que eu mesma tinha visto, ao vivo. Tinha visto, mas não tinha ouvido. Eu tinha visto a primeira vitória de Ayrton Senna em um Grande Prêmio do Brasil, espremida na arquibancada de alvenaria do Setor A, de Interlagos. Mas não tinha ouvido a narração pela TV, não conhecia o drama que antecedeu a glória.
24 de março de 1991, meu primeiro GP do Brasil. Admito, abri com chave de ouro. Naquela época, indo para o quarto ano da faculdade, eu ainda não era jornalista, embora já arriscasse textos aqui e ali, principalmente em jornais de bairro e do interior. Eu queria, mesmo, ser repórter de Esportes, e estar perto de eventos esportivos - de preferência, dentro - era meu objetivo permanente. Com essa obstinação, e com um conhecido de alta patente na Polícia Militar, fui parar dentro do Autódromo Internacional José Carlos Pace.
A história inteira dessa epopéia será contada no livro "Interlagos, em teu lar", trabalho de conclusão de curso do colega Andrei Spinassé, do Tazio, motivo pelo qual não entro em detalhes, para não "furar" o jovem jornalista.
Relembro, apenas, as últimas voltas dessa dramática vitória de Senna. Quem não assistiu à corrida na época nem teve acesso a seu videotape talvez estranhe a afirmação sobre a dramaticidade da prova. Afinal, se examinar o "volta-a-volta" da prova, verá Senna largando na pole e liderando de ponta a ponta. Onde estaria a tensão? Ah, só quem esteve lá sabe. Ou não.
Eu estava lá. Fui munida de um radinho com fone de ouvido, na vã esperança de escutar a transmissão pelo rádio. Minha boa intenção foi afogada em ruídos de motor lá pela oitava volta. No começo, o pelotão passava todo junto. Quando se afastava, eu conseguia ouvir perfeitamente a transmissão da Rádio Bandeirantes, naquela época com narração de Éder Luiz e comentários de Edgard Mello Filho. Depois, a diferença entre os líderes e os últimos já era tanta que praticamente a todo tempo tinha algum carro passando na minha frente. Não ouvia mais nada, desliguei o radinho e fiquei só olhando para a pista.
Tudo era festa. Senna vinha firme em primeiro. Mansell seguiu-o até a 59ª volta, quando abandonou com problema de câmbio. Patrese assumiu o segundo lugar. Tudo era festa. O escudeiro de Senna, Gerhard Berger, não conseguia acompanhar o ritmo do italiano, mas tudo bem. Senna estava na frente. Tudo era festa. Começou a chover fraco. Ótimo, melhor que Senna, na chuva, não há.
Senna passava. A arquibancada conseguia rezar um Pai-Nosso inteiro antes que Patrese passasse. E lá vinha Berger. E, muito depois, os outros. Senna passava. A gente até percebia que o Pai-Nosso tinha que ser mais rapidinho, para acomodar a diferença para Patrese, que parecia menor. Mas, tudo bem. Tudo era festa. Foram doze voltas nessa toada. A cada passagem, até era possível notar que a vantagem do brasileiro ficava menor, mas ninguém ali seguia os tempos oficiais. Sem rádio, sem cronômetro, tudo era festa. É certo que, na última passagem, mal daria para fazer o sinal da cruz, entre o vruuuuum meio engasgado de Senna e o vraaaaaaaaam potente de Patrese, mas dane-se. Senna venceu pela primeira vez no Brasil. Tudo era festa.
Foi só quando cheguei em casa e vi a gravação da corrida, em VHS, que soube da progressiva quebra de marchas da McLaren de Senna. Que ouvi Galvão Bueno definir, em milésimos segundos, a diferença cada vez menor entre o brasileiro e o italiano. Que ouvi o mesmo Galvão, desesperado, apelar pelo fim da prova para o então diretor do GP, Mihaly Hidasi. Que vi Senna erguer o troféu com um braço meio débil, esgotado.
O meu GP do Brasil inesquecível foi muito menos dramático do que pareceu pela TV. E o seu GP do Brasil inesquecível, qual foi?