Sunday, October 29, 2006

Dá tia, tó tia

São Paulo foi feita para enlouquecer forasteiros. Melhor, foi nomeada para tal. Nomes de bairros e logradouros paulistanos seguem lógica nenhuma. Há uma avenida Ipiranga que dista muitos quilômetros do bairro do Ipiranga. A rua Doutor Homem de Mello é travessa da avenida Sumaré duas vezes. Não, ela não faz um “u”, como ocorre com a Ibsen da Costa Manso em relação à Gabriel Monteiro da Silva. A Homem de Mello era uma pacífica rua das Perdizes que, certo dia, viu-se cortada pela monumental avenida, sendo dividida bem onde fazia algumas curvas. Resultado: a Homem de Mello “termina” na Sumaré, mas “continua” mais à frente, vários metros além de onde cortou a avenida. Pensou chegar em São Paulo, sem conhecer a cidade, e ter de se achar só com o endereço na mão?

Mas, se há ruas separadas e, na prática, transformadas em duas, como este caso, há também logradouros únicos que simplesmente mudam de nome. Pense bem, você que conhece a cidade. Existe uma avenida enorme, que liga o Sumaré ao Jabaquara e permite percorrer vários quilômetros sem dobrar nenhuma esquina. Ou seja, é uma avenida só, certo? Capaz... É Doutor Arnaldo, depois Paulista, Bernardino de Campos, Vergueiro, Noé de Azevedo, Domingos de Moraes, até terminar como Jabaquara. Tem mais: a praça 14 Bis não é aquela que ostenta (ou ostentava) uma réplica do avião de Santos Dumont. Não, aquela é a praça Campo de Bagatelle. A 14 Bis não tem avião nenhum. A rigor, não tem nem praça. Resume-se aos baixos do Viaduto Nove de Julho.

Estava eu na Praça Princesa Isabel, divagando sobre essas incoerências paulistanas, admirando a gigantesca estátua que há no meio da praça – claro, não é uma estátua da princesa, mas de Duque de Caxias, só para confundir – quando ele encostou no vidro, maltrapilho, sujo e nervosinho. Cachorro picado por cobra tem medo de lingüiça, e eu aprendi a não andar com nada aparente no carro, depois de alguns assaltos. Vai tudo no porta-malas. Carrego apenas o celular, prosaicamente acomodado entre o banco e minhas costas (na verdade, entre o banco e o bumbum, mas fiquei com vergonha de falar).

O moleque colou a cara no vidro e começou: vai tia, me dá uma moeda. Eu só sacudia a cabeça e falava, olhando para ele, que não tinha nada. E não tinha mesmo, tudo lá atrás. Então vai, tia, abre aquele lixinho ali, quero ver. Abri o lixo do console, vazio. Ele colocou ainda mais o rosto na janela e conferiu o porta-treco na lateral da porta. Pronto, lá se vão minha coletânea dos Beatles, “Muito”, do Caetano, e “Água Viva”, da Gal. Mas que mané CD, quem se importa com CD original nesse universo pirata geral que habitamos?! Demandou a flanela. Então, me dá aquele paninho. Você quer aquela flanela? Te dou, não tem problema.

Sempre olhando para ele, nos olhos dele. Peraí, já te dou. Puxei a flanela, veio junto um paninho de limpar óculos e uma caneta, com o nome de uma marca de carros escrito. Quer esse paninho e a caneta também? Quero. Puxando a flanela, o paninho e a caneta, planejou. Sabe, tia, acho que vou pegar esse pano grande e limpar os vidros dos carros. Boa idéia, arranja uma garrafinha de plástico, um rodinho e detergente. É! E esse paninho, faço o que com ele? Vou limpar a cara, e passava o paninho no rosto sujo. Sorria. Enfiou a mão pra dentro da janela, com a caneta. Tó tia, pega a caneta, você pode precisar. Não preciso, não. Tenho outra. E se foi, rindo e saltitante, sob a sombra da espada desembainhada do Duque de Caxias, que até agora não sei o que faz na Praça Princesa Isabel.

Wednesday, October 18, 2006

O diabo veste vermelho

No ar, mais uma coluna minha no GPTotal. O Rei, Roberto Carlos, não passaria nem do título, pois não menciona palavras ligadas ao Tinhoso. Mas vai lá, são tantas emoções...

Saturday, October 14, 2006

Tom que era Pelé

Em "O futebol", de 1989, Chico Buarque diz:

"Para estufar este filó
Como eu sonhei, só se eu fosse o rei
Para criar efeito igual
ao jogador, qual compositor"

Ou seja, para ser tão bom compositor como Pelé foi jogador, Chico diz que não bastaria ser ele, haveria de ser "o rei". Seria Roberto Carlos?

Em "Paratodos", de 1993, Chico parece dar a resposta:

"O meu pai era paulista,
meu avô pernambucano
O meu bisavô mineiro,
meu tataravô baiano
Meu maestro soberano
foi Antônio Brasileiro"

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Antônio Carlos Jobim. Tom Jobim. Tendo sido seu maestro soberano, Tom parece ser o Pelé da música que Chico almejou ser.

Será?

Estou me esforçando nessa coisa de detetive...

Friday, October 13, 2006

Zico que era Rita

Foi logo depois da Copa de 82 que ele chegou lá em casa. Não me lembro se o fato de meus pais assentirem em termos nosso primeiro (e único) bicho de estimação teve relação com o trauma da desclassificação brasileira. Já falei várias vezes, aqui mesmo, o quanto a derrota do Brasil para a Itália, naquele Sarriá, marcou minha vida. Mas acho que não ficamos, eu e meu irmão, tão abalados que meus pais pensassem em nos compensar com um bichinho.

De qualquer forma, o nome do animal tinha relação estreita com a seleção canarinho. Zico. Acho que não era canário, nunca fui boa para raças de bicho. Aliás, fui sempre tão ruim que até pouco tempo atrás me referia a este quesito como “a marca” de tal animal. Zico veio do Mercado Municipal de Tucuruvi, onde meu pai fazia as compras semanais. Sua gaiola foi levada para o coberto no fundo do quintal, onde eram estendidas as roupas e onde havia muitos vasos de plantas, sobretudo samambaias. Era moda ter samambaias em casa naqueles tempos. Hoje, não as vejo mais. Teriam entrado em extinção?

Não me lembro se Zico era muito cantador, nem se comia muito alpiste ou se bebia muita água. E, a rigor, essas eram as únicas variáveis que tínhamos para observar no passarinho. Coisa triste é animal enjaulado. Triste e enfadonha, para quem está fora e, suponho, pior ainda para o outro lado das grades. Mas eis que Zico nos brinda com uma notícia extraordinária, daquelas de fazer plantão jornalístico espocar no meio da tarde.

Botou um ovo.

Zico botou um ovo, o que nos surpreendeu sobremaneira e nos deu a certeza de que o dono da lojinha de animais do mercado, no mínimo, tinha se enganado. Vendeu-nos um macho, que botou um ovo. Entre as providências urgentes, só uma nos competia. Trocar o nome da ave. O resto, era com ela. Não fazia sentido mudar para Zica, pois a idéia era homenagear um ídolo, daí o galinho de Quintino da seleção ter virado nosso passarinho de estimação. Não havia Zica entre nossos ídolos, mas não foi difícil variar dentro do universo das quatro letras.

Rita. De Rita Lee, meu grande ídolo naquele e em muitos tempos. Não sei dizer quanto tempo levou entre o ovo aparecer e sua casca começar a se quebrar. Foi uma seqüência e tanto de experiências. Depois da troca de sexo, um nascimento ao vivo, no quintal de casa. O filhote era minúsculo e muito feinho. A onipresença do time de Telê era tanta que não esperamos para saber se era macho ou fêmea a cria. Ganho o nome de Oscar, honra ao zagueiro-central. Não sei se no mesmo dia ou no dia seguinte à chegada do rebento, encontramos o filhote no chão, embaixo da gaiola. Evidentemente, não resistiu à queda.

Não tardou a surgir novo ovo na gaiola. E a mesma expectativa plantada. Espera. Quebra a casca. Nasce outro filhote horrorosinho. Este foi batizado como Éder, pelo ponta-esquerda de chute de canhão. Teve o mesmo destino, arremessado pela gaiola. Os entendidos dizem que as fêmeas matam suas crias menos privilegiadas, como instinto de proteção. Tanta feiúra junta podia ser sinal de morbidade, vai saber. Ou vai ver que a Rita, depois de tanto tempo chamada de Zico, desenvolveu alguma patologia psico-emocional que desembocou em dupla depressão pós-parto. Ou o nome influenciou-lhe o comportamento. Era Rita por Rita Lee, a mutante, a ovelha negra, aquele que dizia que essa vida é muito louca e loucura pouca é bobagem.

Monday, October 09, 2006

Ciranda de versos

Há algumas semanas, tivemos uma ótima discussão aqui sob o tema "Ciranda de Livros", na qual propus que todos falássemos sobre seus livros preferidos. Resolvi variar um pouco o foco da ciranda e agora proponho que falemos sobre letras de músicas. A idéia é que cada um aborde letras ou trechos de letras de que gostam ou que marcaram suas vidas de alguma maneira. Vou começar com três versos do meu letrista preferido, Chico Buarque, sempre ele, claro...

"Eu te amo"
Chico Buarque - 1980

"(...) Não, acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora, conta como hei de partir."

Os três versos finais da canção "Eu te amo" significam, para mim, mais do que uma canção dilacerada de amor. Contêm outra mensagem, subliminar: desistam, poetas da música brasileira, ninguém jamais fará versos tão geniais quanto estes.

Meu encantamento com esta parte final da canção tem duplo motivo. Em primeiro lugar, são aquilo que se costuma chamar de "chave de ouro" - o encerramento perfeito para uma letra que, desde o começo, apresenta-se como antológica (para ler a íntegra da poesia, clique nos comentários abaixo). Na gravação original, a música é dueto de Chico com a cantora Telma Costa. A mesma letra, com discretíssimas alterações, presta-se ao eu-poético masculino ou feminino ("Meu paletó enlaça o teu vestido/Teu paletó enlaça o meu vestido"). Tem outros versos inesquecíveis, como "Se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu". Mas o final, ah, o final...

Os três versos que encerram a canção encantam não apenas a mim como admiradora de belas poesias, mas como entusiasta da língua portuguesa. Porque não é nada menos que genial a estratégia de Chico ao usar a palavra "conta". Cumpre-se ressaltar que, na repetição da letra, ao final da gravação, Chico muda para "(...)Não, achos que estás te fazendo de tonta, te dei meus olhos pra tomares conta (...)". Mas vale a pena pensar sobre o uso da palavra "conta" na primeira parte:

Não, acho que estás só fazendo de conta
Aqui, "conta" entra como substantivo, na expressão "fazer de conta", sinônimo de "fazer de brincadeira", "fazer de mentira"

Te dei meus olhos pra tomares conta
Neste caso, "conta" também é substantivo, mas com sentido de cuidado, de atenção

Agora, conta como hei de partir
Finalmente "conta" aqui é verbo, contar, conjugado no imperativo, com sentido de dizer, explicar, informar.

E você, quais são seus versos preferidos?

Thursday, October 05, 2006

O adestrador para presidente

Nos arredores da avenida Paulista, perto dos prédios da Gazeta, da Jovem Pan e da tradicional maternidade Pro Matre, perambula habitualmente um adestrador de cães. Passo de carro por ali, todo dia, na hora do almoço, a caminho da academia. Já o vi com vários animais diferentes. Minha pouca afinidade com os bichos me faz ignorante quanto aos nomes das raças. Há algum tempo, andava com um daqueles que parece uma salsicha, igual ao do antigo comercial da Cofap (ainda existe essa marca de amortecedores?). Nos últimos dias, é um cão corintiano, alvi-negro de pelagem longa, parece a Lessie.

O homem tem aparência simples. Baixinho, moreno, veste sempre uma camiseta com a inscrição “adestrador” no peito. Deve ter orgulho da função e não é para menos. De algum tempo para cá, quando o avisto, já não foco o olhar nele e no cão, mas nas pessoas à sua volta. Invariavelmente, olham-no enternecidas, com bocas de sorriso tímido. Há que ter coragem para sorrir escancarado no centro financeiro-nervoso de São Paulo. Meio sorriso já é um evento.

Em todas as vezes que o observei, atentei menos para a coreografia dos cães e mais para a dinâmica do adestrador. Os bichinhos sentam, deitam, equilibram-se em duas patas, oferecem uma das patinhas, nada que não se tenha visto em programa dominical. Mas o que me encanta é a condução do processo. O homem orienta os cães em voz baixa, não faz gestos abruptos. É um paradoxo dos gigantescos: um homem falando em voz baixa com um cão, a uma quadra dos decibéis enlouquecidos da mais paulista das avenidas.

Ora, dirão os entendidos, o cachorro tem o ouvido melhor que o nosso, escuta mais, por isso não se precisa gritar. Ah, é? E o amor nos olhos daquele homem, que lei da Física explica? E seus gestos brandos, e sua calma, e o respeito que denota a cada nova ordem? Nas minhas observações no entorno, vejo a admiração dos transeuntes. Não sei dizer o que lhes vai na alma. Se mais os impressiona a obediência e a capacidade dos cães em atender as ordens do mestre ou se, como a mim, encanta a eles a delicadeza do adestrador.

Chegou a se agitar em mim um pensamento torto, rebelde, tolamente incendiário: sadismo dessa gente! No fundo, queremos ver um homem dominando um animal, fazendo-lhe submisso. Aquietou-me o bom pensamento: isso é educar, ensinar, incluir no convívio do grupo. Há que fazer isso com as crianças, com os animais domésticos. O educador Paulo Freire já ensinou: mais importante que a educação é a “amorização”.

Sonho com o dia em que todas as relações sejam como as desse homem com seus bichos. Amor, amor, amor. Com amor se ensina, se corrige, se acostuma, se molda, se cresce. É demais sonhar com um país que se paute por isso? Se for demais, sinto muito. “Eu nunca quis pouco.”

Wednesday, October 04, 2006

Dois turnos

Lula é Fernando Alonso? Alckmin é Michael Schumacher? Vai lá no GPTotal e descobre! Depois, me diz o que você acha.