Tuesday, October 28, 2008

Meu GP do Brasil inesquecível



Cheguei em casa no final da tarde, com a roupa molhada, o rosto queimado de sol, alguns passos além da euforia, querendo banho e cama, quase tão cansada quanto feliz. Minha mãe me recebeu em diapasão diferente, ainda tensa com o dia intenso, como se quisesse contar em detalhes tudo o que eu mesma tinha visto, ao vivo. Tinha visto, mas não tinha ouvido. Eu tinha visto a primeira vitória de Ayrton Senna em um Grande Prêmio do Brasil, espremida na arquibancada de alvenaria do Setor A, de Interlagos. Mas não tinha ouvido a narração pela TV, não conhecia o drama que antecedeu a glória.

24 de março de 1991, meu primeiro GP do Brasil. Admito, abri com chave de ouro. Naquela época, indo para o quarto ano da faculdade, eu ainda não era jornalista, embora já arriscasse textos aqui e ali, principalmente em jornais de bairro e do interior. Eu queria, mesmo, ser repórter de Esportes, e estar perto de eventos esportivos - de preferência, dentro - era meu objetivo permanente. Com essa obstinação, e com um conhecido de alta patente na Polícia Militar, fui parar dentro do Autódromo Internacional José Carlos Pace.

A história inteira dessa epopéia será contada no livro "Interlagos, em teu lar", trabalho de conclusão de curso do colega Andrei Spinassé, do Tazio, motivo pelo qual não entro em detalhes, para não "furar" o jovem jornalista.

Relembro, apenas, as últimas voltas dessa dramática vitória de Senna. Quem não assistiu à corrida na época nem teve acesso a seu videotape talvez estranhe a afirmação sobre a dramaticidade da prova. Afinal, se examinar o "volta-a-volta" da prova, verá Senna largando na pole e liderando de ponta a ponta. Onde estaria a tensão? Ah, só quem esteve lá sabe. Ou não.

Eu estava lá. Fui munida de um radinho com fone de ouvido, na vã esperança de escutar a transmissão pelo rádio. Minha boa intenção foi afogada em ruídos de motor lá pela oitava volta. No começo, o pelotão passava todo junto. Quando se afastava, eu conseguia ouvir perfeitamente a transmissão da Rádio Bandeirantes, naquela época com narração de Éder Luiz e comentários de Edgard Mello Filho. Depois, a diferença entre os líderes e os últimos já era tanta que praticamente a todo tempo tinha algum carro passando na minha frente. Não ouvia mais nada, desliguei o radinho e fiquei só olhando para a pista.

Tudo era festa. Senna vinha firme em primeiro. Mansell seguiu-o até a 59ª volta, quando abandonou com problema de câmbio. Patrese assumiu o segundo lugar. Tudo era festa. O escudeiro de Senna, Gerhard Berger, não conseguia acompanhar o ritmo do italiano, mas tudo bem. Senna estava na frente. Tudo era festa. Começou a chover fraco. Ótimo, melhor que Senna, na chuva, não há.

Senna passava. A arquibancada conseguia rezar um Pai-Nosso inteiro antes que Patrese passasse. E lá vinha Berger. E, muito depois, os outros. Senna passava. A gente até percebia que o Pai-Nosso tinha que ser mais rapidinho, para acomodar a diferença para Patrese, que parecia menor. Mas, tudo bem. Tudo era festa. Foram doze voltas nessa toada. A cada passagem, até era possível notar que a vantagem do brasileiro ficava menor, mas ninguém ali seguia os tempos oficiais. Sem rádio, sem cronômetro, tudo era festa. É certo que, na última passagem, mal daria para fazer o sinal da cruz, entre o vruuuuum meio engasgado de Senna e o vraaaaaaaaam potente de Patrese, mas dane-se. Senna venceu pela primeira vez no Brasil. Tudo era festa.

Foi só quando cheguei em casa e vi a gravação da corrida, em VHS, que soube da progressiva quebra de marchas da McLaren de Senna. Que ouvi Galvão Bueno definir, em milésimos segundos, a diferença cada vez menor entre o brasileiro e o italiano. Que ouvi o mesmo Galvão, desesperado, apelar pelo fim da prova para o então diretor do GP, Mihaly Hidasi. Que vi Senna erguer o troféu com um braço meio débil, esgotado.

O meu GP do Brasil inesquecível foi muito menos dramático do que pareceu pela TV. E o seu GP do Brasil inesquecível, qual foi?

19 comments:

Anonymous said...

Lindo texto, especialmente a sua "narração" das voltas finais... hahaha...

Ainda não tive a oportunidade de assistir um GP do Brasil em Interlagos. Não sei... o preço do ingresso é um dos motivos que me afasta de ir até lá, mas... embora eu tenha realmente muita vontade de escutar e ver de perto aqueles carros que são quase um sonho pra mim, não tenho muita vontade de assistir a um GP ao vivo, perder de vista alguns pedaços da volta, algumas ultrapassagens...

Nesse caso, ainda prefiro assistir no aconchego do lar, ou no telão de algum bar...

Unknown said...

Olá Alessandra,
Acompanho seu blog a bastante tempo e tem coisas muito parecidas na minha maneira de pensar e a sua.
Agora termos o mesmo GP como inesquecivel eu não resisti o comentário. Eu também fiz minha estréia na F1 neste GP e apesar da idade mais avançada que a sua e conhecimentos de F1 bem menores que os seus, fico feliz em ter mais esse assunto em comum com você.
Um grande abraço e continue assim, você é demais no que faz.

Anselmo

Anonymous said...

Oi Alessandra, bonito texto, pra variar.
Poxa queria escolher um inesquecível, mas difícil fazê-lo.
Assisti o primeiro em 1990, aos 15 anos com meu padrinho e primo. Eu era fanático por F1 e pelo Piquet, eles por Senna. Vimos da G o exato momento do toque de Senna e Nakajima. Meu piloto preferido completando a corrida naquele lindo carro verde, foi um tipo de satisfação.
Depois em 1997, consegui com um amigo bombeiro, trabalhar nos boxes, controlava as credenciais na entrada da garagem da Jordan, uma emoção sem igual. Ver aqueles pilotos todos, os chefes de equipes; até conversei por uns 15 minutos com um amigo gordinho dos Shumacher´s, depois o Ralf o chamou para dentro dos boxes.
Nem preciso dizer da minha felicidade e emoção por participar de alguma forma daquilo tudo tão de perto. Até ajudei a carregar um bico da Jordan, salvo engano na época tinha uma abelha desenhada no bico.
Meu ultimo GP Brasil foi em 2005, marcante por fazer parte de uma época extremamente difícil da minha vida, a corrida foi a forma que meu amigos encontraram de tentar me animar e de eu fazer algo que gostasse, e mesmo de estarem comigo. Conseguiram.
Bem Alessandra, foram emoções diferentes, desculpe por contar todos-rsss
Grande abraço

Ron Groo said...

Me lembro bem desta corrida e do quanto duvidei da história da quebra das marchas.
Eu, então garoto, fã de Piquet, mas com um respeito absurdo por Senna fiquei com todas as pulgas possiveis atrás da orelha. Como um carro poderia andar naquele ritimo todo, fazer aquelas curvas do miolo do circuito sem algumas marchas?
Depois disseram que a telemetria confirmara a história e Piquet continuava a dizer que não. Que era lorota.
Eu preferi acreditar no que lia sobre a tal telemetria e no que dizia Senna. Afinal ele me parecia integro demais para mentir daquela forma. Coisa que Piquet talvez fizesse...
E no fundo quem ligava para as marchas faltantes? Como você mesmo disse: Tudo era festa!

PS. A corrida no Brasil que mais me mais me marcou, foi aquela vitória do Senna em que ele teve o carro cercado pela torcida ao fim da prova e de repente emerge com os braços erguidos, ainda de capacete, comemorando.
Aquela foi a cena mais linda que já vi após uma corrida de F1.

said...

1993...

O primeiro GP do Brasil que me recordo e o que mais me marcou. Tinha 8 anos na época. Morava no interior e o vi pela tv. LINDO, ESPETACULAR, FANTÁSTICO, GENIAL! Até hoje me lembro da ultrapassagem da Mclaren nº 8 de Senna sobre a Willians nº 0 de Damon Hill. Era o último ano da Mclaren no topo (ao qual só voltaria com Mika Hakkinen em 1998), ainda que não tenha terminado o ano como campeã. Senna tirava leite de pedra e competia de igual para igual com a potente Willians.
Ademais, para mim, é uma daquelas corridas que mostra toda genialidade de Senna, pois foi uma corrida que contou com a presença marcante das águas de março e de tantas outas variáveis, que só Senna ou gênios como ele para vencer, em casa, uma prova imprevisível!

Ainda não tive a oportunidade de ver a F-1 em Interlagos, só pela TV... Quem sabe um dia...

Anonymous said...

Na época foram publicadas matérias explicando como funcionava o sistema do carro de Senna, que permitia andar sem a relação completa de marchas. Mas não me lembro mais como era. E a informação apenas relativizou o "milagre" - o desempenho continuou impressionante.
Mas da sua história consta o episódio de correr com um F3 sem freios - aí não tem tecnologia que compense.
Já a foto do post me desagrada muito. Esse ar de São Sebastião crivado em flechas sempre me incomodou. E fez muita gente acreditar que uma das personalidades mais fortes da F1 era um coitadinho.

Marcos Antonio said...

Tb tenho em minha memória 1993,quando o Senna venceu.Eu sempre torci pra Williams desde moleque,mas naquele dia eu abri um exceção porque a corrida do Senna foi espetacular.A uiltrapassem no Hill,incrível e no final a torcida invadindo e cercando o piloto foi algo inesquecível.Eu era moleque,vi meu pai chorando,minha vó chorando não resisti e chorei também e daria tudo pra estar ali naquela torcida...

Anonymous said...

Pra mim foi o GP Brasil de 1978 ,eu não acreditava !

Volta a volta o Emerson ganhando posições ,o F5A estava mais competitivo do que nunca .

Lembro como se fosse hoje o Emerson quase não conseguindo cruzar a linha de chegada em segundo lugar tamanha foi a invasão na pista !

Essa não dá pra esquecer.

O Rodrigo Mattar ainda vai me arrumar esse GP em DVD.

Ele disse isso pra mim lá... no aniversario do Flávio em interlagos em um dos farneis.

Jonny'O

Anonymous said...

Destaco os seguintes:

- o de 1983, com belíssimas ultrapassagens do Piquet com sua esguia e belíssima Brabham;
- O de 1986, também vencido pelo Nélson, e fazendo dobradinha com Ayrton Senna;
- O de 1988, com uma corrida de recuperção fantástica do Senna, que havia largado dos boxes na sua estréia pela McLaren(se bem que com aquela McLaren muitos outros pilotos meia-sola teriam feito algo semelhante, aparda era mesmo com o francês, o resto era figuração), até que recebeu bandeira preta e foi desclassificado;
- O GP de 1990, com a mancado do super(míope)-Nakajima;
- Os GP's de 1991 e 1993, vencidos pelo Senna, apesar da superioridade das Williams nestas temporadas.
- O GP de 1994, o último com o ayrton Senna;
- O GP de 1995, o primeiro sem ele;
- O GP de 2006, despedida do Schumacher, e bela exibição do Felipe Massa.
- O GP de 2008...Será??? ;>)

sds.

Pedro - Salvador/Ba

Anonymous said...

Hugo, pelo menos do G vc consegue entender a corrida toda. Perde só um trechinho da volta, mas quem se importa? Estar ali é maravilhoso. "È tudo festa!"
Meu único GP in loco foi o de 2006. Baita corrida!!! Maravilhosa. Não tenho palavras por ter visto as ultrapassagens a olho nu do Schumacher em Fisichella e a maravilhosa passada no Raikkkonen. Lembro até hoje dos dois subindo a reta grudados, aí no momento que eles passam na reta dos boxes vc perde a visão por alguns segundos, e a arquibancada inteira olhando pro s do senna esperando os dois surgirem. E o Schumy dando aquele passadão no Kimi, inesquecível pra mim. Da ultrapassagem do Fisichella lembro dele travando tudo e passando reto (na hora eu já disse, schumy amaaçõu e ele perdeu o ponto da freada), o carro dele passando na grama, pulando por cima do logo da shell que estava pintado na grama.
É tudo maravilhoso. Cada detalhe. Não só a corrida. Mas estar naquela pista, viver o clima da corrida, gente por todos os lados... não tem preço. Daria qualquer coisa pra estar lá nesse fim de semana :P Se meus planos se confirmarem a partir do ano que vem não perco mais nenhuma edição da corrida em Interlagos. É maravilhoso demais. Quando vejo algo na tv meus olhos até brilham por vontade de estar lá. ai ai

Anonymous said...

Nota 10 !!!!

parabéns pelo lindo texto !!!

Anonymous said...

1) 1982 com vitória do Piquet – que a FISA roubou dele;
2) 1983 com vitória do Piquet – vitória espetacular no ano do bicampeonato mundial;
3) 1986 com a terceira vitória do Piquet – ultrapassando no Senna;
4) 1993 com vitória do Senna – usando a inteligência e os furos do regulamento da F-1 na época;
5) 2003 com vitória de Giancarlo Fisichella no tumultuado e polêmico GP daquele ano;
6) 2006 despedida com show de pilotagem do Schumacher.

Wallace Michel

Anonymous said...

O meu GP Brasil, Alessandra?
Interlagos 1975, Pace um e Emerson dois.
Acampei já na quinta-feira, curti cada instante, de dia e de noite.
Tenho um filme em Super-8, parece ser uma outra vida. Talvez seja, mesmo. Trinta e tres anos depois parece um sonho.
Posso afirmar que jamais o Templo viverá um dia como aquele. Foi mágico.
Claudio Ceregatti

Fábio said...

Amigos, a minha história é igual a da Alessandra, porém eu estaga no setor G, em frente onde o Ayrton parou o carro após a vitória. As voltas finais foram fantásticas, pois o Patrese estaja chegando e todos no autodromo se perguntava: - O Patrese chega e passa ou não dá tempo. Felizmente não deu tempo, o Senna venceu e com essa vitória começou muito bem o campeonato de 91, onde essa corrida fez parte das 4 vitórias do brasileiro nas 4 primeiras provas o que fez o brasileiro criar uma " gordura " para SER campeão no final do ano no GP do Japão.

Cesar Costa said...

Jonny'O:
Estou com você. O mais emocionante foi o segundo lugar do Emerson no Rio em 78. Um calor de rachar o côco, sol escaldante, nem uma garrrafinha de água pra vender e ninguém arredou o pé. Vou ver se tenho essa corrida aqui em casa...

Anonymous said...

Chuif! só acompanhei pela televisão, e consegui (baita morfético) não assistir as grandes vitórias de Senna na época, pois estava sempre de ressaca (até a tarde??) da noitada anterior - gurizada não tem jeito mesmo - por isso, com muito pesar, não posso eleger nenhum gp especial em Interlagos. Quando coloquei juízo na cabeça, as corridas já estavam batante enfadonhas devido as regras de performance.

Anonymous said...

Alessandra,
Pra mim foi ainda mais drámatico pq nas voltas finais chovia muito na cidade onde morava e devido a um relampago a ernergia eletrica caiu. E lembro-me q qdo voltou a TV já mostrava a multidão q cercava o carro do Senna. Foram minutos de angustia aqueles!

Anonymous said...

Olá Alessandra, há poucos dias descobri este blog e gostei bastante, parabéns! Tenho uma pergunta, como/onde posso ouvir a narração das últimas voltas do GP Brasil F1 vencido pelo Senna espetacularmente!
Obrigado e abraço//Fabio Nardi

Patricia Brito said...

1o.
Meu grande prêmio inesquecível foi exatamente esse. Em família, como de costume, torcendo muito e sofrendo com a dramaticidade da transmissão global! Meus tios gostavam muito, íam ver as corridas e eu sonhava em ir a um GP pra torcer ao vivo.
2o. Mas ligado ao 1o.
Toda família reunida como nós velhos tempos para acompanhar o que poderia ser o primeiro campeão mundial de F1 brasileiro pós Senna em Interlagos. Aí o carro do Timo Glock quebrou e na última volta, última curva.....tristeza! Eu agora era a tia, e nesse dia ensinei muitos palavrões aos meus sobrinhos.

Patrícia