tag:blogger.com,1999:blog-216590232024-03-07T04:23:39.350-03:00Alessandra AlvesAlessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.comBlogger532125tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-82999559544541263072023-09-24T12:10:00.000-03:002023-09-24T12:10:06.945-03:00Elis, Tom & a turma do bom-gosto<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgw2moICQZrDtstVMivkr8yZQRupUnoxwW62P5vz49Ogo-xDOCfUPWflcpGa0NI7SxJQYD4xi7MMjEtpxeVJ4Iqw08ZmJO9jLzu_PABrYksSBTpJvOaF5MKJHQ8796mOu0ZR2W2VxnWHMtg1VNzX437bSuazsLV_ZGpiYaxDly3ElzbLNiT4qz8" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="636" data-original-width="450" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgw2moICQZrDtstVMivkr8yZQRupUnoxwW62P5vz49Ogo-xDOCfUPWflcpGa0NI7SxJQYD4xi7MMjEtpxeVJ4Iqw08ZmJO9jLzu_PABrYksSBTpJvOaF5MKJHQ8796mOu0ZR2W2VxnWHMtg1VNzX437bSuazsLV_ZGpiYaxDly3ElzbLNiT4qz8=w227-h320" width="227" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal">É impossível ficar uma hora e cinquenta minutos escutando a
arte de Tom Jobim e Elis Regina e não sair com um sorriso no rosto. O
documentário “Elis & Tom – Só tinha de ser com você” traz imagens da
gravação do disco, lançado em 1974, bastidores dessa gravação, entrevistas
recentes com personagens desse álbum e muita música. Como poderia ser uma
experiência ruim ouvir “Águas de Março”, “Só tinha de ser com você”, “Pois é”,
“Chovendo na Roseira”, “Modinha”, “Por toda a minha vida” e outras? Ouvi-las em
ensaios, nas gravações, nas audições dos próprios artistas, ainda no estúdio,
em vídeos promocionais do disco é puro deleite. E quando se lembra que tudo,
absolutamente tudo ali exposto, é fruto de pura arte, sem recursos tecnológicos
que operam milagres para melhorar a qualidade do som, inclusive afinar vozes, o
deleite vira deslumbramento.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Elis & Tom – Só tinha de ser com você”, no entanto,
persegue a confirmação de uma tese: <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a de
que Elis se tornou uma cantora mais contida, técnica e precisa após a gravação
desse disco. Além da tática “jornalismo declaratório” (se alguém disse, é
verdade), o filme também comprova tal tese com gravações de Elis anteriores ao
álbum gravado com Tom Jobim. Nelas, Elis aparece em performances grandiosas,
soltando a voz em arranjos exuberantes, com muitas cordas e metais.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Elis, de fato, surgiu assim para a grande mídia sudestina,
em 1964, quando se mudou de Porto Alegre para o Rio de Janeiro. Era a cantora
“hot” em um ambiente Bossa Nova incensado como “cool”. Era uma intérprete vibrante,
dramática, que agitava os braços enquanto vencia um festival, cantando
“Arrastão” e ganhando o apelido de “Hélice Regina”. Era a anfitriã de um
programa em horário nobre da mais importante emissora de TV da época. E, em que
pese chamar-se “O fino da Bossa”, a atração trazia Elis e seu colega Jair
Rodrigues embalados em sambas rasgados, em músicas de cunho social (“de protesto”),
em uma efervescência que pouco ou nada tinha a ver com a sofisticação dos
apartamentos refinados de Ipanema onde nasceu a Bossa Nova.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh6QrNtvT-gQutm0MMkWeKTLro7TpeVNA7OLF0ckLhDPKQMsdHT1Pcul-vv3HowffFMZh5bHevNyoWqx6POZPRxlLhrFL3YZcSZB72B3fW5sFgGRdmyMG-yUelPWxaC-VmK2ho_58ut-5OefsQVMlvkLKl3iwO1fWpJQYcNMW4wProp_aqT18yu" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="360" data-original-width="480" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh6QrNtvT-gQutm0MMkWeKTLro7TpeVNA7OLF0ckLhDPKQMsdHT1Pcul-vv3HowffFMZh5bHevNyoWqx6POZPRxlLhrFL3YZcSZB72B3fW5sFgGRdmyMG-yUelPWxaC-VmK2ho_58ut-5OefsQVMlvkLKl3iwO1fWpJQYcNMW4wProp_aqT18yu" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Elis, cantando Arrastão: Hélice Regina</td></tr></tbody></table><br /></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A cantora continuou não sendo “cool” quando deu uma guinada,
no final dos anos 1960, e incluiu Roberto Carlos, Beatles e Tim Maia em seu
repertório, em uma fase de sua carreira que contou com a produção de Nelson
Motto. Elis, também não era contida nem minimalista quando comandou outra
atração de TV, ao lado de Ivan Lins, já no início dos anos 1970.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mas nada foi como antes quando Elis encontrou em César
Camargo Mariano seu mais frequente parceiro na música. Foram nove anos de
conjunção musical (e casamento). O primeiro álbum dos dois juntos, em 1972, configurou
um importante ponto de virada da personalidade de Elis como cantora. Foi
naquele álbum, que contém a primeira gravação de “Águas de Março”, e também
“Atrás da Porta”, “Casa no Campo”, “Nada será como antes”, “Mucuripe”, entre
outras, que Elis despiu-se da grandiloquência dos arranjos e passou a entregar
interpretações muito mais precisas, contidas, diretas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgcfvb-X1i4LJ3NK5bNrv76pArSzSNjV4vVUCPr_z3AIXU59iLV7RBVlIvjAuV48hW2malvSHYIv8cE4I8j6CJtiRJcCLuwjFmhzWn-IShGZO_wzCrv_0-4_1A1-S-8SSqeARkt7OfarAVKXSv4RtwgpHXpuwfuFpLH8xiX3ChLFy-Cp9-r10FM" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="600" data-original-width="593" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgcfvb-X1i4LJ3NK5bNrv76pArSzSNjV4vVUCPr_z3AIXU59iLV7RBVlIvjAuV48hW2malvSHYIv8cE4I8j6CJtiRJcCLuwjFmhzWn-IShGZO_wzCrv_0-4_1A1-S-8SSqeARkt7OfarAVKXSv4RtwgpHXpuwfuFpLH8xiX3ChLFy-Cp9-r10FM=w316-h320" width="316" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O disco de 1972: o ponto dessa virada</td></tr></tbody></table><br /></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Pianista e arranjador, César concebeu para esse primeiro
trabalho dos dois um conceito musical que mesclava as sonoridades do samba e do
jazz, com uma densidade sonora que incluía Elis não como uma crooner, que
habitualmente se estimulava a cantar alto e forte para vencer com sua voz os
instrumentos. Ali, ela passa a ser uma integrante daquele grupo de músicos ao
seu redor. O que parece uma interpretação contida, quase minimalista de Elis, a
partir desse disco, é o resultado de um equilíbrio entre vozes – do piano, da
guitarra, do baixo, da bateria, de Elis.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">O álbum seguinte, de 1973, que trouxe “Ladeira da Preguiça”,
“Meio de Campo”, “Oriente”, “É com esse que eu vou”, entre outras, tem uma
personalidade diferente do disco de 1972, mas continua seguindo a receita da
precisão, do equilíbrio, de uma interpretação contida, afinada e afiada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Por isso, parece incorreta a tese de que “Hélice Regina”
tenha se tornado uma cantora mais sofisticada, precisa e “cool” apenas depois
de gravar com Tom. Antonio Carlos Jobim foi um compositor extraordinário.
Moderno, inventivo, revolucionário até. É correto dizer que, ao gravar com Tom,
em Los Angeles, Elis provavelmente buscava acoplar sua imagem ao prestígio que
o compositor brasileiro já tinha no exterior. Mas essa transmutação veio pelo
menos dois anos antes do histórico álbum Elis & Tom.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Afirmar que Elis tornou-se uma cantora mais refinada depois desse
disco é repetir a visão preconceituosa e elitista que classifica como música “de
bom gosto” apenas o que tem a chancela das eminências pardas da dita MPB.
Inclusive porque essa versão contida e minimalista da intérprete Elis Regina
não se manteve como sua única versão nos oito anos que se seguiram, até sua
morte, em 1982.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Dois anos depois de “Elis & Tom”, ela rasgava a voz em “Como
nossos pais” e “Gracias a la Vida”, e emulava novamente as cantoras do rádio,
como no início de carreira, em “Fascinação”, no também histórico “Falso
Brilhante”. Alguns anos mais tarde, Elis perfilava-se de novo ao lado de
orquestras exuberantes para soltar sua potência vocal em registros como “Cai
Dentro” e “Eu, hein, Rosa”, e duelava prazerosamente com Cauby Peixoto em “Bolero
de Satã”, qual uma nova versão de Angela Maria, uma de suas grandes
referências.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhMyFzm6hqltma5tdYt9_rkZzRtEQSFOF3CCLi3hOfhPKPcjfswnb50XKZlhrIwcT-fiNoQ7jiuWZdNAOuOV0jyXeWpuhq4kQjtAja4NW1T_dX7r2GB0h6ToE_EYlSpKycPss9cv6OJ4sBEgrO0Tnr5xet2_qtIBbw4Wumbhzil0UKgKgfDFXNQ" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhMyFzm6hqltma5tdYt9_rkZzRtEQSFOF3CCLi3hOfhPKPcjfswnb50XKZlhrIwcT-fiNoQ7jiuWZdNAOuOV0jyXeWpuhq4kQjtAja4NW1T_dX7r2GB0h6ToE_EYlSpKycPss9cv6OJ4sBEgrO0Tnr5xet2_qtIBbw4Wumbhzil0UKgKgfDFXNQ=w320-h180" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Cauby e Elis, 1979: soltando as vozes</td></tr></tbody></table><br /></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não bastasse o que veio depois de “Elis & Tom”, convém
parar para ouvir o que Elis produziu no Rio Grande do Sul, ainda adolescente,
quando foi lançada no mercado fonográfico como um genérico de Celly Campello.
Nos discos em que desempenhou esse papel, Elis já era capaz de interpretações
contidas e românticas, porque era o que se esperava de uma cantora cuja
aspiração maior deveria ser embalar o romance dos casaizinhos de sua geração.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhVrYY6bTQ9WJusJ04z0jOdLM7rjINfx12O-koF8LrqWlGL-5dQ91DqHL8kIZGBcW6x6ZprWAJH5dNKr3I-MFvuIo9qZUg4RZMbdEvVasR3IZvzSIs0D6IokOQdcacIjo_zrfGhFc1ADBoQZDNngV8JZhh-tCY503dMzfWmB1QrrVwaZkIoiNC6" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="400" data-original-width="400" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhVrYY6bTQ9WJusJ04z0jOdLM7rjINfx12O-koF8LrqWlGL-5dQ91DqHL8kIZGBcW6x6ZprWAJH5dNKr3I-MFvuIo9qZUg4RZMbdEvVasR3IZvzSIs0D6IokOQdcacIjo_zrfGhFc1ADBoQZDNngV8JZhh-tCY503dMzfWmB1QrrVwaZkIoiNC6=w320-h320" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Elis, aos 16 anos</td></tr></tbody></table><br /></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Elis Regina amadureceu como artista, naturalmente, mas foi
sempre uma cantora incrivelmente versátil, que moldava sua voz e sua interpretação
ao momento que estava vivendo. Talvez, em 1974, quando se uniu a Tom, ela
passou a cantar aquilo que a turma do “bom gosto” esperava dela. O que não quer
dizer que ela não sabia fazer isso antes.<o:p></o:p></p>Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-7590676275037498272023-01-26T21:08:00.001-03:002023-01-26T21:08:14.034-03:00É tudo culpa dela?<p><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjtqboBtal-Vq3rAGCHJ3I6ofQWlx0uQuQ-WUbYLdX8YZs1MZoUt9nLV9CkwCuLIIkd17_4vFS5zM-t8gwMwGIMeNBP02yt8UmFzRiwfQySZlCbe2shrb0YPcjDremntS3vruBJK-1kKnbe_wHivVEgudPE0S4LTM-QyPcwsgW3lIQxrSSGVg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="500" data-original-width="1115" height="196" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjtqboBtal-Vq3rAGCHJ3I6ofQWlx0uQuQ-WUbYLdX8YZs1MZoUt9nLV9CkwCuLIIkd17_4vFS5zM-t8gwMwGIMeNBP02yt8UmFzRiwfQySZlCbe2shrb0YPcjDremntS3vruBJK-1kKnbe_wHivVEgudPE0S4LTM-QyPcwsgW3lIQxrSSGVg=w439-h196" width="439" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal">Quando uma mulher dá à luz, junto com a criança nasce uma
entidade que vai acompanhar essa mãe por toda a vida – a culpa. Talvez exista
algum mecanismo mental que faça com que a mãe se sinta culpada por não poder
manter aquela criatura, que ela mesma produziu, para sempre na segurança do
útero. Choros, cólicas, engasgos, tombos, notas baixas na escola, o vestibular,
desilusões amorosas, multas de trânsito, demissões, dívidas, divórcio, tudo o
que vier pela frente, na vida daquela criança já transformada em adulto,
soará sempre para a mãe como uma falha dela mesma, como se ela pudesse ter
evitado tudo isso, se tivesse prendido aquela criança em suas entranhas. Aquele
pequeno e indefeso ser, no fundo, é um manancial de preocupação eterna, um
pesadelo, um monstro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não é à toa que a personagem principal de “Tudo em todo
lugar ao mesmo tempo” tenha de enfrentar, em uma série de universos paralelos, uma
entidade maligna que tem as feições de sua própria filha. Evelyn, a heroína da
história, tem claras diferenças com a filha Joy, que se transforma na vilã Jobu
Tupaki na realidade paralela. E é significativo que quem apresente essa vilã
para Evelyn seja seu marido, Waymond, um sujeito metido a engraçadão que quer
se divorciar da esposa porque, aparentemente, ela não o trata com muita
gentileza.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Essa relação parece significativa porque, tão frequente
quanto a mãe soterrada em culpa após o nascimento de filhas e filhos é a figura
do pai carente, que se ressente da falta da esposa pré-parida, que antes só
tinha olhares para ele. Erasmo Carlos até fez uma canção sobre isso (“Quando
chego em casa, à noitinha, quero uma mulher só minha/ Mas pra quem deu luz não
tem mais jeito, porque um filho quer seu peito”).</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mas Evelyn não é apenas uma mãe mergulhada em culpa e
ressentimento com a filha que parece frustrar todos os seus planos. Ela é um
burro de carga na empresa que administra com o marido e na qual estão
encrencados com uma questão fiscal. Ela atende os clientes desse
estabelecimento, uma lavanderia que parece ter tido dias melhores, faz a
contabilidade do negócio (e naturalmente se complica com isso) e ainda tem de
se haver com o pai idoso, um sujeito aparentemente conservador e invasivo. Aparentemente porque, de certa
forma, o filme dá a entender que essa prevalência mental do pai sobre Evelyn
pode ser uma dramatização excessiva que ela mesma faz do velho. Ou seja, culpa
dela.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” é bom entretenimento, e
cheio de bons momentos, enquanto não tenta amarrar aquele grande delírio mental
como produto da instabilidade de uma mulher. Talvez seja fácil para o marido
bobalhão pedir a ela que “seja gentil” e resumir as razões do casamento
desgastado à brutalidade dela. Talvez seja impossível para ele entender toda a
carga de culpa que o modelo de vida contemporâneo despeje sobre uma
mulher.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-19663612490757794992022-11-06T11:59:00.000-03:002022-11-06T11:59:02.561-03:00A panela no fogo, Lula e a eterna cobrança<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjly8amZTfMUWTOdXA9u6PVMtLABJA60UgTnSPjXs_Q2iokeWR4PzZjoUrmmr9-Qbr2leEu5IUNioQMasphUk6eg5QhI0Wn7d2UMvQjgWguyn_Rd2-bQU23_fehZjVSU1FJYDji1dAafvwFyzxFiBTUg-cbnU7x-0VmnPivqrSgsMO4yCijbw/s299/panela.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="168" data-original-width="299" height="168" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjly8amZTfMUWTOdXA9u6PVMtLABJA60UgTnSPjXs_Q2iokeWR4PzZjoUrmmr9-Qbr2leEu5IUNioQMasphUk6eg5QhI0Wn7d2UMvQjgWguyn_Rd2-bQU23_fehZjVSU1FJYDji1dAafvwFyzxFiBTUg-cbnU7x-0VmnPivqrSgsMO4yCijbw/s1600/panela.jpg" width="299" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal">A história era contada com tons de anedota: década de 1960,
mulher do interior, mãe de dois filhos e professora. Sempre que o marido
chegava para almoçar e ela estava atrasada no preparo da refeição, colocava
diversas panelas no fogo, tampadas e só com água, para dar a impressão de que a
comida estava em vias de ficar pronta. “Assim, ele olhava de longe e não
reclamava que eu ainda estava começando a fazer o almoço”, e não apenas os
interlocutores riam como a dita senhora reforçava a cena como conselho para as
moças mais jovens.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Adolescente, eu ouvia aquilo com um misto de incredulidade e
tristeza. Aquela mulher, que fazia jornada tripla, precisava lançar mão de um
simulacro bizarro para justificar seu atraso, como se ela estivesse em falta
com a família, mesmo que o suposto atraso tivesse sido causado pelo trabalho na
escola. Afinal, deixar que ela trabalhasse fora era uma enorme concessão do
chefe da casa, já que suas funções prioritárias eram, de fato, cuidar da casa,
dos filhos e, claro, do marido. Como se, de fato, aquele lugar fora de casa não
fosse o seu lugar.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sempre me lembro dessa história quando leio, ouço e assisto
a notícias e análises políticas relativas ao início de um governo de esquerda.
As frases “o PT vai ter que...” e “Lula precisa” estão na mesma chave do
patriarcado escancarado da situação acima. “O PT vai ter que dar garantias de
governabilidade”, “Lula precisa sinalizar ao mercado quem será seu ministro da
Economia” etc.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Da mesma forma que o marido da professora nunca precisava
justificar eventuais atrasos e ausências domésticas, governos capitaneados por
homens brancos doutores ricos não precisam se explicar previamente. Lula, o
operário, duas vezes presidente da república, nas duas vezes alçado ao cargo
com o amparo de nomes chancelados pelo dito mercado, segue precisando e parece
que precisará sempre se explicar.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Hábil negociador, forjado na atividade sindical, que historicamente
sempre teve como primeira finalidade a melhoria financeira da vida do
trabalhador (consumidor?), Lula segue sendo cobrado a se compor com as forças
dominantes de sempre. É a mulher-mãe-professora negociando com o chefe da casa seu
direito de trabalhar, ainda que para isso precise escamotear certas práticas do
dia a dia. Quer trabalhar fora, pois que antes garanta minha refeição quente na
hora devida.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhppitWG9Giw2Q5_8bRXgPmZTDnzCNDlY2YqBNIo1BfmxukWlt-rLh4gqWHtwgYk293bzYy4bruA3uo5SQV7XEX3eECWXarr02OdVtZqo_p74iZHZJvxXdD4zGqzKtVWNtZNLBQ6JSSN2RMvAFG0Qidyar9wRrzQNvFgdwrLpF1WcbyFtqLUw/s700/Lula%20mulheres.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="460" data-original-width="700" height="210" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhppitWG9Giw2Q5_8bRXgPmZTDnzCNDlY2YqBNIo1BfmxukWlt-rLh4gqWHtwgYk293bzYy4bruA3uo5SQV7XEX3eECWXarr02OdVtZqo_p74iZHZJvxXdD4zGqzKtVWNtZNLBQ6JSSN2RMvAFG0Qidyar9wRrzQNvFgdwrLpF1WcbyFtqLUw/s320/Lula%20mulheres.jpg" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Foto: Ricardo Stuckert</div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal">Lula quer aumentar o salário mínimo acima da inflação? Pois
que antes garanta o equilíbrio fiscal. Lula quer incluir povos originários nas
tomadas de decisão? Pois que antes garanta condições para o agronegócio
continuar recebendo linhas de crédito vantajosas. É claro que, fora do ambiente
doméstico interiorano no qual panelas ferviam água para fazer parecer que
estava saindo o almoço, o governo de um país precisa de determinadas condições
ideais para que certas ações possam ser efetivadas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O ponto central dessa reflexão é que essa necessidade
constante de justificativas raramente é exigida de homens brancos ricos
doutores, os preferidos de sempre do mercado e, por extensão, da chamada mídia
hegemônica. Para eles, mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas pretas, operários,
pessoas com deficiências não pertencem ao lugar de poder que, séculos após
séculos, tem sido ocupado pelos mesmos fidalgos de sempre.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A cada vez que um desses representantes de “minorias” ascender
ao poder, a necessidade de explicação vai se instalar com a força de um poder
inquisidor. E é importante que os porta-vozes dessa cobrança institucionalizada
tenham consciência de que esse discurso brota carregado de ódio de classe, de
machismo, de homofobia, de xenofobia. Cobrar de Lula o que não se cobra de um
político “do mercado” é reafirmar que lugar de mulher é na cozinha.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-54613688280458294252022-05-30T13:26:00.005-03:002022-05-30T15:16:28.597-03:00<p> </p><p class="MsoNormal"><b>This is Us – Isto são os Estados Unidos?</b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p>(Este texto contém spoilers da série.)</p>
<p class="MsoNormal">Comecei a assistir à série This is Us quando ela já era um
sucesso e não demorou meio episódio para eu me encantar com ela. A estrutura da
narrativa, desconstruída no tempo, trazia uma história banal. Uma família
norte-americana encarando alegrias e tragédias em diversos períodos do passado
e no presente, avançando no futuro depois de algumas temporadas. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O nome da série imediatamente me remeteu ao filme “Nós”, de
2019, dirigido por Jordan Peele e que, no original, chama-se “Us”. O trocadilho
em inglês não funciona em português, mas a relação me pareceu posta: da mesma
forma que Peele pretendia fazer uma alegoria do país em seu filme de horror (Us
= United States), os criadores de This is Us deviam querer dizer alguma coisa
com essa menção tão explícita no nome da série.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">This is Us, em português, traduz-se como “isto somos nós”,
mas em inglês pode sugerir também “isto são os Estados Unidos”, e desde o
começo eu assisti à série procurando pistas dessa suposta alegoria.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjU6uwtWLnoCjpz7-4yvVBVV6sfkPzvXcuVZ87gEX5x3JKbK6fb3FMou0VBkXlrSvzyOXNZ80PvCCgs9g68KfDueqqXH2NZmRy_FUPtwIsH6pSeZaLUVKOt3Oahr75MqTxyQSRXwzHBnfd8Zyy3QZzgnopCrskahbPDuEisBSWilyP7sFUUQQ" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="800" data-original-width="1200" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjU6uwtWLnoCjpz7-4yvVBVV6sfkPzvXcuVZ87gEX5x3JKbK6fb3FMou0VBkXlrSvzyOXNZ80PvCCgs9g68KfDueqqXH2NZmRy_FUPtwIsH6pSeZaLUVKOt3Oahr75MqTxyQSRXwzHBnfd8Zyy3QZzgnopCrskahbPDuEisBSWilyP7sFUUQQ" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">A família Pearson</div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal">O lar da família Pearson é a cidade de Pittsburgh, na
Pensilvânia, estado que corresponde a uma das treze colônias que deram origem
ao país. Pearson é sobrenome de origem inglesa, anglo-saxônica. Jack Pearson, o
patriarca da família, nesse contexto seria também uma alegoria dos primeiros
colonizadores.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">No entanto, a família Pearson como a conhecemos só se forma
pela união de Jack com Rebecca Malone. Malone é sobrenome de origem irlandesa,
uma das principais correntes imigratórias na formação do povo norte-americano.
Dessa forma, a gênese da família Pearson se assemelha muito à origem do povo
norte-americano, inicialmente formado por colonizadores ingleses, mas logo
miscigenado a imigrantes que chegavam ao país, sobretudo, em busca de trabalho.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiIo8Auxvk6emOPNhkWUOH882almGTOlWLPeASqPjl5fC1eGWnAuuqxnm5W1LqM6nv5p5HrO-o8q1nzkSJfzMyFwOpUiYgkBcsmxDxeF75NBnXjY_YTg9EKMLIzQJa_OVOPWaW9axFMD8BQ_-VkPzozXerYqq7nwu1ZxwI5h-_Dj6-qRnwYCA" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="255" data-original-width="580" height="141" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiIo8Auxvk6emOPNhkWUOH882almGTOlWLPeASqPjl5fC1eGWnAuuqxnm5W1LqM6nv5p5HrO-o8q1nzkSJfzMyFwOpUiYgkBcsmxDxeF75NBnXjY_YTg9EKMLIzQJa_OVOPWaW9axFMD8BQ_-VkPzozXerYqq7nwu1ZxwI5h-_Dj6-qRnwYCA" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Pearson + Malone = ingleses + irlandeses</div><br /><o:p> </o:p><i>KKK</i><p></p>
<p class="MsoNormal">Outro detalhe que me chamou a atenção foi a escolha dos
nomes dos trigêmeos, filhos de Jack e Rebecca: Kevin, Katherine (Kate) e Kyle.
KKK... Kyle não sobrevive. No hospital, quando convence Rebecca a adotar o bebê
negro abandonado na mesma noite em que seus filhos nasceram, Jack entende a
coincidência como uma espécie de chamado. Mas a ideia de “reposição” está
latente, tanto que o bebê segue sendo chamado de Kyle até que Rebecca, ao
conhecer o pai biológico do bebê, decide mudar o nome para Randall.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj6b8-unZ_aXtt7M_3cp0LkhZ9SIcTE5fI9GPs1owFO9oJG1IU9NzJRkVsigRkzKoXJVtz3VZHj90ZU7dRBDaE-FxGU06Zd3w0wL1hEMUE7CFXEgIHDxmrNd421rixaMToSUc_0Q2Yqj-_UJ4ak09CxuUPrksXDB0yyhDYG2Ad3od09E5gIXw" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="899" data-original-width="1200" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj6b8-unZ_aXtt7M_3cp0LkhZ9SIcTE5fI9GPs1owFO9oJG1IU9NzJRkVsigRkzKoXJVtz3VZHj90ZU7dRBDaE-FxGU06Zd3w0wL1hEMUE7CFXEgIHDxmrNd421rixaMToSUc_0Q2Yqj-_UJ4ak09CxuUPrksXDB0yyhDYG2Ad3od09E5gIXw" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Kevin, Kate e Randall</div><br />
<p class="MsoNormal">Aquela família só não teve uma trinca de filhos KKK porque
chegou a ela um novo membro, que pode até ter exercido um papel de substituto
no início (como o povo negro escravizado substituiu a mão de obra imigrante em
diversos contextos). Mas Randall se impõe naquele lar como indivíduo, com outra
história pregressa. Talvez, por essa escolha, a série queira instigar uma
reflexão: teriam os Estados Unidos se tornado uma grande Ku Klux Klan se não
tivessem que se haver com indivíduos diferentes de seus colonizadores brancos e
primeiros imigrantes, também brancos?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><i>Miguel: quem é esse
cara?</i></p>
<p class="MsoNormal">Na mesma linha da “reposição” de pessoas, um dos personagens
mais emblemáticos e, ainda assim, de importância apenas latente até o apagar
das luzes da série é Miguel. A série já está avançada em sua narrativa quando
descobrimos que Miguel, atual marido de Rebecca, era o melhor amigo de Jack. De
origem hispânica, Miguel soa sempre meio escanteado na dinâmica dos Pearson,
tem poucas falas, e a criação de antipatia ao personagem parece meticulosamente
criada pelos autores.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">(Aqui, vou fazer um breve parêntesis para deixar claro que
parte dessa antipatia da audiência me parece originada no fato de que, segundo
essas pessoas, Miguel teria traído o amigo morto ao se envolver com a viúva, um
conceito que, já de princípio, baseia-se no machismo, como se Rebecca não
tivesse, ela mesma, desejos e motivações próprias, sendo mero objeto de uma disputa
desleal entre um homem morto e seu melhor amigo.)</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhyN7ZDwe1rzsGLDzN0TN3acWbC5tfdDLAvMRq973WsH9VJgn2XKoHZDyAXOlWyKHxBxQoxuqt1DOOHvRgge-ykWiaMsljnUL8GYQsD0CxEQg6PBU9CTdJqi748Dnbe7JaggiHxTWh7W6f8epLK0iKHv7xYRB8rw17FA20tzuYc6Cmi9yWWXw" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="1000" data-original-width="2000" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhyN7ZDwe1rzsGLDzN0TN3acWbC5tfdDLAvMRq973WsH9VJgn2XKoHZDyAXOlWyKHxBxQoxuqt1DOOHvRgge-ykWiaMsljnUL8GYQsD0CxEQg6PBU9CTdJqi748Dnbe7JaggiHxTWh7W6f8epLK0iKHv7xYRB8rw17FA20tzuYc6Cmi9yWWXw" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Miguel, que precisou virar Mike</div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal">O elo mais forte entre a presença de Miguel na série e a
história norte-americana está no personagem como alegoria dos imigrantes de
origem hispânica. Reeditando basicamente a mesma saga de todos os imigrantes
que buscaram a “América” na esperança de trabalho e dignidade, a família de
Miguel chega aos Estados Unidos no século 20, período no qual as diversas linhagens
de imigrantes europeus já estão no país há várias gerações e são, portanto,
simplesmente americanos. Miguel busca aculturar-se, entra em conflito com a
própria família, precisa americanizar o nome para enfim conseguir uma chance de
emprego. Miguel não é apenas o homem que veio para tomar o lugar de Jack. É a
mão de obra mais barata que, no subconsciente americano, vem para roubar “nossos
empregos”.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p><i>O Oeste e o trem</i></p>
<p class="MsoNormal">Mais um detalhe que aproxima a família Pearson da história
norte-americana: a atração pelo Oeste. Em seu início de relacionamento, Rebecca
convence Jack a acompanhá-la em uma viagem a Los Angeles, na busca por uma
carreira na música. A tentativa foi frustrada, mas o apelo da Califórnia como
terra de oportunidades e de novos começos se consolida na geração seguinte,
quando Kevin tenta e consegue se estabelecer como ator em Hollywood. E, da
mesma forma que a busca por essa terra prometida tornou-se desilusão para
milhares de norte-americanos que trocaram o Leste e o Meio Oeste pela
Califórnia, encontrando apenas mais um lugar para trabalhar duro, também a maior
parte da família Pearson, em dado momento, abandona Los Angeles e se volta para
o local de origem.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj2PDLFqWJxykd0m-Tv-bW2uy2KhvixbJS8OqUTM3ggcrJToU0AZlu8pKiKT0-C_PJObqtE2EK7AUgJkBXmuTH3UY1e8wUjxYyCrXYRQVM9yscJekpxCY83u7sVrFXRFnzj-mCBwwbD8E0xiAQcXD1fqDr3MOY1qK_yNc_ten08GUjNoQg4hA" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="563" data-original-width="1000" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj2PDLFqWJxykd0m-Tv-bW2uy2KhvixbJS8OqUTM3ggcrJToU0AZlu8pKiKT0-C_PJObqtE2EK7AUgJkBXmuTH3UY1e8wUjxYyCrXYRQVM9yscJekpxCY83u7sVrFXRFnzj-mCBwwbD8E0xiAQcXD1fqDr3MOY1qK_yNc_ten08GUjNoQg4hA" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Rebecca no trem</div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p>Nessa mesma linha de desbravamento do país, surge nas duas
histórias uma figura de importância capital – o trem. Da mesma forma que ele
foi fundamental para a consolidação dos Estados Unidos enquanto nação,
transportando pessoas, colheitas, ouro e tudo o mais, o trem surge como vínculo
fundamental entre Rebecca e sua própria história. Está na lembrança mais doce
da infância, em um dos primeiros momentos de consciência da doença que
desenvolve, e na sua despedida da vida, no penúltimo capítulo da série, que é, literalmente, conduzido em uma viagem de trem.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p><i>Não consigo respirar</i></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p>O grande e mais forte elo entre os Pearson e a história
norte-americana parece estar em Randall. Cercado de amor desde o berço, o filho
adotivo experimentou diversas vezes o sentimento de não pertencer àquele
universo. Na audiência em que se definiria a guarda definitiva do bebê para a
família adotiva, um juiz (negro) prefere deixar o processo, para não decidir
sobre uma questão que ele achava inadequada. Por ele, Randall deveria ser
criado por uma família negra, para ter referenciais negros ao longo da vida.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mas quantas são as famílias negras com recursos financeiros
para adotar crianças? Se a maioria dos muito pobres é formada por negros, não
parece lógico que crianças abandonadas terão melhores prognósticos com famílias
mais abastadas que, em sua maioria, são formadas por brancos? É essa lógica
cruel que parece guiar a juíza que decide pela guarda definitiva de Randall para
os Pearson.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgkaGJztoJ1yNrxZNrWSpAlsyMitQeUAFooF9B2aqEcxpu16EJ1Nc2wAnkHEG6pukODeVVDe0OC59N3ufdJlsw2AkplhDvNJ_ZLzVa27tbwGKMs-WsgFz0Pi7A5s9JrQ3dTk_DYceVrkL7x6W4rqorFAtr2rHMR1AK9bc4GjwadDHzXcH5DNQ" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="391" data-original-width="696" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgkaGJztoJ1yNrxZNrWSpAlsyMitQeUAFooF9B2aqEcxpu16EJ1Nc2wAnkHEG6pukODeVVDe0OC59N3ufdJlsw2AkplhDvNJ_ZLzVa27tbwGKMs-WsgFz0Pi7A5s9JrQ3dTk_DYceVrkL7x6W4rqorFAtr2rHMR1AK9bc4GjwadDHzXcH5DNQ" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Randall: uma alma sufocada</div><p></p><p class="MsoNormal">Ao longo da infância e da adolescência, Randall enfrenta
diversas situações permeadas pelo racismo estrutural e mesmo de ofensas
racistas. De fato, ele não tinha, em casa, uma referência para abordar essas
situações. Uma cena prosaica, vivida na piscina frequentada pela família,
demonstra como uma tarefa cotidiana – cuidar dos cabelos – poderia ter sido
facilitada se Randall tivesse essa referência. Randall estudou em uma boa
universidade, tornou-se um homem bem-sucedido muito provavelmente porque foi
acolhido por uma família de classe média com recursos para prover tudo isso.
Mas não deixou de sentir essa falta de pertencimento em tantos momentos da vida,
que poderia ter sido muito melhor se as mesmas condições que lhe foram dadas
pelos Pearsons estivessem presentes em sua família original. Só que essa
família, como tantas outras, precisou se haver com a pobreza, com a migração
forçada, com a marginalidade, com o desalento.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Na história pregressa de Randall, seu pai biológico,
William, migra de Memphis, no Tennessee, para Pittsburgh, exatamente como
fizeram muitas pessoas que foram escravizadas no Sul confederado, buscando
ambientes menos hostis nos estados do Norte. Randall só parece encontrar seu
eixo, e deixar de sofrer constantes crises de pânico, que o sufocavam, quando
reconstrói a ponte com suas origens.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Em certos momentos, a história de This is Us acolhe fatos
reais, como a pandemia e o assassinato de George Floyd, em Minneapolis, sufocado
pela polícia local. Aqui, as reações de sufocamento de Randall, presentes antes
mesmo do fato verídico se impor à ficção, podem parecer uma mórbida
coincidência, mas é mais lógico constatar que o personagem sufocado por seus
próprios sentimentos, ainda que cercado de amor e segurança, fosse uma metáfora
genérica do povo negro, vivenciando o racismo há várias gerações na América.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhH3dVflnF6RhuV_AcNV2Kh3U46BQN4BTNrx-vNYwMriHWmVZ-WSPjxZnA3H7yqQ4sVTk594N_BO8LPieQdyCLczfa7UjrtzUHd6VLwexWRsjv5skNVmQMYPY56CCQLgfOjQlOw5wSOkgZJtoi0nj5j_Z0muR6f8RNMTpMaaDAUw28O3QqJHw" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="730" data-original-width="1296" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhH3dVflnF6RhuV_AcNV2Kh3U46BQN4BTNrx-vNYwMriHWmVZ-WSPjxZnA3H7yqQ4sVTk594N_BO8LPieQdyCLczfa7UjrtzUHd6VLwexWRsjv5skNVmQMYPY56CCQLgfOjQlOw5wSOkgZJtoi0nj5j_Z0muR6f8RNMTpMaaDAUw28O3QqJHw" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">A cena final: um país que precisa se encarar</div><p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p>A história fictícia parece fazer uma leitura crítica da
própria condição do negro na sociedade norte-americana. Enquanto essa sociedade
não enxergar o povo negro como único, dono de uma identidade própria, com
necessidades e referências específicas e integrado à história do país, esse
grupo de pessoas continuará se sentindo – e sendo – sufocado. Nesse contexto, é
absolutamente emblemático que a última cena de This is Us mostre Jack e Randall
se olhando, como um convite a essa integração ainda a ser feita entre os povos
que habitam aquele país.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-60690454395359310282019-12-28T19:34:00.000-03:002020-01-29T22:41:23.767-03:00Uma mulher alta: traumas de guerra sob o olhar feminino<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYa2TPnpmzlCNRPgrwNLJr7rEPkkZvvnDTzfhGIc5c056iDxI_KNE1dpbt9ikvZjZ-C6sSlQeGmE1ps2ox2JcVpr9bcNT-dcPTC0HIhVz6YJD9L5KDdApxTVSXVvcQZe8_wHbn/s1600/mulher+alta+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="999" data-original-width="683" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYa2TPnpmzlCNRPgrwNLJr7rEPkkZvvnDTzfhGIc5c056iDxI_KNE1dpbt9ikvZjZ-C6sSlQeGmE1ps2ox2JcVpr9bcNT-dcPTC0HIhVz6YJD9L5KDdApxTVSXVvcQZe8_wHbn/s400/mulher+alta+1.jpg" width="272" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pesado, denso, sufocante e, no entanto, fluido e envolvente.
“Uma mulher alta”, dirigido pelo russo Kantemir Balagov, propõe-se a contar uma
história de guerra sob a ótica feminina e termina por mostrar que as sequelas
podem ser tão profundas na alma dos civis quanto em corpos mutilados e
paralisados dos soldados que retornam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A “grandona” do título é Iya (Viktoria Miroshnichenko), uma
enfermeira que trabalha em um hospital de Leningrado repleto de soldados russos
recém-egressos da Segunda Guerra. Traumatizada pelo conflito, ela desenvolveu a
tendência de eventualmente ficar paralisada, incapaz de se mover enquanto
respira com dificuldade. Logo depois de um evento pessoal trágico, ela recebe a
amiga Masha (Vasilisa Perelygina), que volta da guerra e passa a morar com ela.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O jovem diretor Balagov, de 28 anos, demonstra notável domínio
da linguagem cinematográfica ao expressar o contraste entre as duas por meio dos
enquadramentos escolhidos, de seus figurinos, das cores associadas a cada
personagem. Esse talento foi reconhecido no último Festival de Cannes, no qual
o russo foi premiado como Melhor Diretor da mostra Um Certain Regard. Com quase
nenhuma trilha sonora, o filme ainda se mostra ousado ao apostar em diálogos
muitas vezes monossilábicos, reforçando o peso do silêncio naquele universo.
Também é admirável que Balagov adote um ritmo propositadamente lento nos
movimentos de câmera, sendo muito parcimonioso no uso de cortes. O pós-guerra
em um país recém-liberado de batalhas é um tempo de angústia, de insegurança e
de observação, e suas lentes traduzem exatamente esse ritmo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgL-8-KvTwAE-8b-ofP0bDPLByEFywi4iz2KNoGVM0r-_iFscHmNZOM8LZBqy73TNB4v_f9OOKGjWMHetJPPN1hHZhKsu2wkJKHiK5nsJepS6P7JoRslseSwguGvXg9TGkHxDBM/s1600/mulher+alta+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="1198" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgL-8-KvTwAE-8b-ofP0bDPLByEFywi4iz2KNoGVM0r-_iFscHmNZOM8LZBqy73TNB4v_f9OOKGjWMHetJPPN1hHZhKsu2wkJKHiK5nsJepS6P7JoRslseSwguGvXg9TGkHxDBM/s400/mulher+alta+2.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Iya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina): contrastes</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ainda que ligadas por uma amizade genuína, Iya e Masha são
mulheres muito diferentes, a começar pelo contraste de altura, mas sobretudo
pela forma como a guerra impactou a vida e o espírito de cada uma delas. Enquanto
Masha parece sempre disposta a expor o que o horror do conflito lhe impôs, e
buscar soluções imediatas para problemas que ela mesma sabe insolúveis, Iya
tenta a todo tempo escamotear seus traumas, medos e grande culpa, sabendo-se
igualmente impotente diante das evidências de horror que se espalham por sua vida.
Paulatinamente, o filme deixa claro que o livro aberto de Masha no fundo
esconde páginas ainda mais sangrentas, e que o esforço de Iya em fazer seus
próprios problemas desaparecerem em um cenário tão terrível resultam apenas em
mais dor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Baseado na obra “A guerra não tem rosto de mulher”, da
vencedora do Nobel Svetlana Aleksiévitch, “Uma mulher alta” é uma história de
guerra contada sob a ótica feminina. Nela, aos homens cabem basicamente dois
papéis: o de soldados feridos nas batalhas, ou de produtores de esperma. Em sua
obsessão por resolver seu problema insolúvel, Masha será ardilosa a ponto de
usar modalidades diferentes de chantagem (real e psicológica), sem conseguir
esconder, por baixo de gestos e frases enérgicas, a alma despedaçada que passou
a carregar dentro de um corpo igualmente com sequelas. Nesse mundo governado
por homens, que resolvem seus conflitos em guerra, usá-los no que lhes é mais
simbólico de sua virilidade pode não ser minimante eficaz no seu caso, mas termina
por se mostrar altamente catártico.<o:p></o:p></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-61140685787397245932019-12-11T11:28:00.003-03:002019-12-11T11:31:32.459-03:00História de um casamento: uma boa novela de Manoel Carlos<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6gdQmcHXQ_UMKKJgPjFxw-5iJtVKSPaV58aDKwVhw0sgMc76J2OJEGkp6Q0O-L7AYq5dYvGQxwhX_ri0dqnarwywbkOCOSyurGPHryh-SmUq0qjiZbcRQRwtZVm4Qw-3d8ILr/s1600/historia-de-um-casamento.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="832" data-original-width="1200" height="276" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6gdQmcHXQ_UMKKJgPjFxw-5iJtVKSPaV58aDKwVhw0sgMc76J2OJEGkp6Q0O-L7AYq5dYvGQxwhX_ri0dqnarwywbkOCOSyurGPHryh-SmUq0qjiZbcRQRwtZVm4Qw-3d8ILr/s400/historia-de-um-casamento.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Scarlett Johansson (Nicole), Azhy Robertson (Henry) e Adam Driver (Charlie</td></tr>
</tbody></table>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">História de um Casamento": sim, parece novela de Manoel Carlos. Pessoas de elite branca com problemas de elite branca. Sem um grande vilão, os conflitos vêm das situações. Não quer dizer que os problemas não sejam duros, e o diretor é hábil em criar empatia.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">O forte do filme são os diálogos mas, no início, é quase tortuoso acompanhar tanta falação, cuja função é clara: situar personagens e seus conflitos. Mas o direitor e roteirista Noah Baumbach é também cuidadoso em pontuar esse falatório com signos visuais fortes.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Portas de armário deixadas abertas, cortes de cabelo, refeições sendo preparadas: o que parece mero cenário, nesse início turbulento, ganha significados diferentes em outros momentos do filme, nos quais os sentimentos dos personagens também são outros. Bela sutileza.</span><br />
<span style="color: inherit; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; white-space: inherit;"><br /></span>
<span style="color: inherit; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; white-space: inherit;">Baumbach também se mostra craque nos enquadramentos que escolhe para situações bem específicas da história. O tom confessional de determinada cena de Scarlett Johansson (Nicole), com a câmera fechada em seu rosto, chega a lembrar a estética de alguns filmes de Godard, como "A Chinesa".</span><br />
<span style="color: inherit; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; white-space: inherit;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">E é admirável como ele desconstrói a ideia de intimidade/verdade do que estava sendo dito ao incluir a fala de uma personagem, até então ausente na cena, e cortar para um enquadramento totalmente diferente, descortinando a farsa montada pela advogada vivida por Laura Dern.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Laura Dern, por sinal uma das atrizes preferidas de David Lynch, é favorita em todas as sondagens para levar o Oscar de Atriz Coadjuvante. Na cerimônia, devem exibir um monólogo em que ela compara as mães à figura da Virgem Maria. Mas Laura faz muito mais que isso no filme.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIpcCMTKWzEmE-Yn4We9pRtOKz3ITAB0ytTka8MrpDpLjdSHozozJ_S28qPudmlI-1z1CpxVG9UDkYtCy8a3J36CkO4Pg_vvLOB1dnHUA0VIqpQktmy7AilsgmVDZXX0ITDglv/s1600/MV5BNjgzYTkxZWUtNDE0OC00MGE2LWJhNDctZjM4YzU5ODZlNTQ2XkEyXkFqcGdeQXVyNzg0ODMwNDg%2540._V1_SY1000_CR0%252C0%252C1655%252C1000_AL_.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="967" data-original-width="1600" height="241" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIpcCMTKWzEmE-Yn4We9pRtOKz3ITAB0ytTka8MrpDpLjdSHozozJ_S28qPudmlI-1z1CpxVG9UDkYtCy8a3J36CkO4Pg_vvLOB1dnHUA0VIqpQktmy7AilsgmVDZXX0ITDglv/s400/MV5BNjgzYTkxZWUtNDE0OC00MGE2LWJhNDctZjM4YzU5ODZlNTQ2XkEyXkFqcGdeQXVyNzg0ODMwNDg%2540._V1_SY1000_CR0%252C0%252C1655%252C1000_AL_.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Laura Dern, a advogada Nora</td></tr>
</tbody></table>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Sua altivez (realçada pelo figurino, com roupas sempre justas e saltos altíssimos, e pelo enquadramento - de novo! - que a coloca sempre como uma espécie de gigante) encurralam o quase ex-marido da história, Adam Driver, e seu(s) advogado(s).</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Uma cena, em particular, materializa esse ato de encurralar a dupla masculina. Alan Alda, o advogado "bonzinho", e Driver estão conversando em uma pequena sala do escritório da advogada. O enquadramento escolhido por Baumbach quase dispensa palavras: estão em um beco sem saída.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Se Dern entrega uma personagem invariavelmente altiva, Driver percorre um caminho muito mais dúbio com seu Charlie. Intelectual, gênio criativo, pai exemplar, ele aos poucos deixa escapar sua natureza mesquinha, egoísta e, por que não dizer, machista. E o faz de forma impecável.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">A grande cena de confronto entre Driver e Johansson vem ancorada em um diálogo que começa sob o signo da boa intenção e civilidade, atinge seu ápice com violência verbal e sentimentos terríveis, e termina com uma imagem que, afinal, sinaliza por onde passará a solução do conflito.</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Por melhor que fosse o diálogo e o movimento de câmeras que o diretor/roteirista tivesse criado para esse ápice, só dois atores gigantes alcançariam o que Driver e Johansson atingiram ali. (Mas dois atores gigantes também não alcançariam isso se... vocês entenderam).</span><br />
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: #f5f8fa; color: #14171a; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Meu único senão para o filme fica para a penúltima sequência, que acontece no quarto, com Charlie e o filho do casal. Ainda que seja uma solução de roteiro justificável, amarrando o fim com o começo, a mim soou apelativa, "para fazer chorar". No mais, gostei muito.</span><br />
<div class="css-1dbjc4n r-1j3t67a" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-text-stroke-width: 0px; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: black; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; font-family: "Times New Roman"; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; orphans: 2; padding: 0px 15px; position: relative; text-align: start; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px; z-index: 0;">
<div class="css-1dbjc4n r-18u37iz r-thb0q2" data-testid="tweet" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: horizontal; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: row; flex-shrink: 0; margin: 0px -5px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div class="css-1dbjc4n r-1iusvr4 r-16y2uox r-1777fci r-5f2r5o r-1mi0q7o" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-flex: 1; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-box-pack: center; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: flex; flex-direction: column; flex: 1 0 0px; justify-content: center; margin: 0px 5px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px 0px 10px; position: relative; z-index: 0;">
<div aria-label="1 reply, 1 like" class="css-1dbjc4n r-18u37iz r-1wtj0ep r-156q2ks r-1mdbhws" id="tweet-action-buttons" role="group" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: horizontal; -webkit-box-pack: justify; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: row; flex-shrink: 0; justify-content: space-between; margin: 10px 0px 0px; max-width: 425px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div class="css-1dbjc4n r-1iusvr4 r-18u37iz r-16y2uox r-1h0z5md" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-flex: 1; -webkit-box-orient: horizontal; -webkit-box-pack: start; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: flex; flex-direction: row; flex: 1 0 0px; justify-content: flex-start; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div aria-haspopup="false" aria-label="1 Reply. Reply" class="css-18t94o4 css-1dbjc4n r-1777fci r-11cpok1 r-1ny4l3l r-bztko3 r-lrvibr" data-focusable="true" data-testid="reply" role="button" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-box-pack: center; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; cursor: pointer; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; justify-content: center; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; outline-style: none; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: none; z-index: 0;" tabindex="0">
<div class="css-901oao r-1awozwy r-1re7ezh r-6koalj r-1qd0xha r-a023e6 r-16dba41 r-1h0z5md r-ad9z0x r-bcqeeo r-o7ynqc r-clp7b1 r-3s2u2q r-qvutc0" dir="ltr" style="-webkit-box-align: center; -webkit-box-pack: start; align-items: center; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: #657786; display: flex; font: 400 15px/1.3125 system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, "Helvetica Neue", sans-serif; justify-content: flex-start; margin: 0px; min-width: 0px; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; transition-duration: 0.2s; transition-property: color; white-space: nowrap;">
<div class="css-1dbjc4n r-xoduu5" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div class="css-1dbjc4n r-sdzlij r-1p0dtai r-xoduu5 r-1d2f490 r-xf4iuw r-u8s1d r-zchlnj r-ipm5af r-o7ynqc r-6416eg" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border-radius: 9999px; border: 0px solid black; bottom: 0px; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; left: 0px; margin: -8px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: absolute; right: 0px; top: 0px; transition-duration: 0.2s; transition-property: background-color, box-shadow; z-index: 0;">
</div>
<svg class="r-4qtqp9 r-yyyyoo r-1xvli5t r-dnmrzs r-bnwqim r-1plcrui r-lrvibr r-1hdv0qi" viewbox="0 0 24 24"><g><path d="M14.046 2.242l-4.148-.01h-.002c-4.374 0-7.8 3.427-7.8 7.802 0 4.098 3.186 7.206 7.465 7.37v3.828c0 .108.044.286.12.403.142.225.384.347.632.347.138 0 .277-.038.402-.118.264-.168 6.473-4.14 8.088-5.506 1.902-1.61 3.04-3.97 3.043-6.312v-.017c-.006-4.367-3.43-7.787-7.8-7.788zm3.787 12.972c-1.134.96-4.862 3.405-6.772 4.643V16.67c0-.414-.335-.75-.75-.75h-.396c-3.66 0-6.318-2.476-6.318-5.886 0-3.534 2.768-6.302 6.3-6.302l4.147.01h.002c3.532 0 6.3 2.766 6.302 6.296-.003 1.91-.942 3.844-2.514 5.176z"></path></g></svg></div>
<div class="css-1dbjc4n r-xoduu5 r-1udh08x" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; overflow: hidden; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<span class="css-901oao css-16my406 r-1qd0xha r-ad9z0x r-1n0xq6e r-bcqeeo r-d3hbe1 r-1wgg2b2 r-axxi2z r-qvutc0" style="border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: inherit; display: inline; font-family: , , "blinkmacsystemfont" , "segoe ui" , "roboto" , "ubuntu" , "helvetica neue" , sans-serif; font-size: inherit; font-stretch: inherit; font-style: inherit; font-variant: inherit; font-weight: inherit; line-height: 1.3125; margin: 0px 0px 0px 10px; min-width: 0px; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; transform: translate3d(0px , 0px , 0px); transition-duration: 0.3s; transition-property: ,; white-space: inherit;"><br /></span></div>
</div>
</div>
</div>
<div class="css-1dbjc4n r-1iusvr4 r-18u37iz r-16y2uox r-1h0z5md" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-flex: 1; -webkit-box-orient: horizontal; -webkit-box-pack: start; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: flex; flex-direction: row; flex: 1 0 0px; justify-content: flex-start; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div aria-haspopup="true" aria-label="Share Tweet" class="css-18t94o4 css-1dbjc4n r-1777fci r-11cpok1 r-1ny4l3l r-bztko3 r-lrvibr" data-focusable="true" role="button" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-box-pack: center; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; cursor: pointer; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; justify-content: center; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; outline-style: none; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; user-select: none; z-index: 0;" tabindex="0">
<div class="css-901oao r-1awozwy r-1re7ezh r-6koalj r-1qd0xha r-a023e6 r-16dba41 r-1h0z5md r-ad9z0x r-bcqeeo r-o7ynqc r-clp7b1 r-3s2u2q r-qvutc0" dir="ltr" style="-webkit-box-align: center; -webkit-box-pack: start; align-items: center; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: #657786; display: flex; font: 400 15px/1.3125 system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, "Helvetica Neue", sans-serif; justify-content: flex-start; margin: 0px; min-width: 0px; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; transition-duration: 0.2s; transition-property: color; white-space: nowrap;">
<div class="css-1dbjc4n r-xoduu5" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div class="css-1dbjc4n r-sdzlij r-1p0dtai r-xoduu5 r-1d2f490 r-xf4iuw r-u8s1d r-zchlnj r-ipm5af r-o7ynqc r-6416eg" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border-radius: 9999px; border: 0px solid black; bottom: 0px; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; left: 0px; margin: -8px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: absolute; right: 0px; top: 0px; transition-duration: 0.2s; transition-property: background-color, box-shadow; z-index: 0;">
</div>
<svg class="r-4qtqp9 r-yyyyoo r-1xvli5t r-dnmrzs r-bnwqim r-1plcrui r-lrvibr r-1hdv0qi" viewbox="0 0 24 24"><g><path d="M17.53 7.47l-5-5c-.293-.293-.768-.293-1.06 0l-5 5c-.294.293-.294.768 0 1.06s.767.294 1.06 0l3.72-3.72V15c0 .414.336.75.75.75s.75-.336.75-.75V4.81l3.72 3.72c.146.147.338.22.53.22s.384-.072.53-.22c.293-.293.293-.767 0-1.06z"></path><path d="M19.708 21.944H4.292C3.028 21.944 2 20.916 2 19.652V14c0-.414.336-.75.75-.75s.75.336.75.75v5.652c0 .437.355.792.792.792h15.416c.437 0 .792-.355.792-.792V14c0-.414.336-.75.75-.75s.75.336.75.75v5.652c0 1.264-1.028 2.292-2.292 2.292z"></path></g></svg></div>
</div>
</div>
</div>
<div class="css-1dbjc4n r-1mlwlqe r-18u37iz r-18kxxzh r-1h0z5md" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-flex: 0; -webkit-box-orient: horizontal; -webkit-box-pack: start; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: flex; flex-direction: row; flex: 0 0 auto; justify-content: flex-start; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<a aria-haspopup="false" aria-label="View Tweet activity" class="css-4rbku5 css-18t94o4 css-1dbjc4n r-1loqt21 r-1777fci r-11cpok1 r-1ny4l3l r-bztko3 r-lrvibr" data-focusable="true" href="https://twitter.com/alvesalessandra/status/1204760363276877825/analytics" role="link" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-box-pack: center; align-items: stretch; background-color: rgba(0, 0, 0, 0); border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: inherit; cursor: pointer; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; font: inherit; justify-content: center; list-style: none; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; outline-style: none; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; text-align: inherit; text-decoration: none; user-select: none; z-index: 0;"></a><br />
<div class="css-901oao r-1awozwy r-1re7ezh r-6koalj r-1qd0xha r-a023e6 r-16dba41 r-1h0z5md r-ad9z0x r-bcqeeo r-o7ynqc r-clp7b1 r-3s2u2q r-qvutc0" dir="ltr" style="-webkit-box-align: center; -webkit-box-pack: start; align-items: center; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: #657786; display: flex; font: 400 15px/1.3125 system-ui, -apple-system, BlinkMacSystemFont, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, "Helvetica Neue", sans-serif; justify-content: flex-start; margin: 0px; min-width: 0px; overflow-wrap: break-word; padding: 0px; transition-duration: 0.2s; transition-property: color; white-space: nowrap;">
<div class="css-1dbjc4n r-xoduu5" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border: 0px solid black; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: relative; z-index: 0;">
<div class="css-1dbjc4n r-sdzlij r-1p0dtai r-xoduu5 r-1d2f490 r-xf4iuw r-u8s1d r-zchlnj r-ipm5af r-o7ynqc r-6416eg" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; align-items: stretch; border-radius: 9999px; border: 0px solid black; bottom: 0px; box-sizing: border-box; display: inline-flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; left: 0px; margin: -8px; min-height: 0px; min-width: 0px; padding: 0px; position: absolute; right: 0px; top: 0px; transition-duration: 0.2s; transition-property: background-color, box-shadow; z-index: 0;">
</div>
<a aria-haspopup="false" aria-label="View Tweet activity" class="css-4rbku5 css-18t94o4 css-1dbjc4n r-1loqt21 r-1777fci r-11cpok1 r-1ny4l3l r-bztko3 r-lrvibr" data-focusable="true" href="https://twitter.com/alvesalessandra/status/1204760363276877825/analytics" role="link" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-box-pack: center; align-items: stretch; background-color: rgba(0, 0, 0, 0); border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: inherit; cursor: pointer; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; font: inherit; justify-content: center; list-style: none; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; outline-style: none; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; text-align: inherit; text-decoration: none; user-select: none; z-index: 0;"><svg class="r-4qtqp9 r-yyyyoo r-1xvli5t r-dnmrzs r-bnwqim r-1plcrui r-lrvibr r-1hdv0qi" viewbox="0 0 24 24"><g><path d="M12 22c-.414 0-.75-.336-.75-.75V2.75c0-.414.336-.75.75-.75s.75.336.75.75v18.5c0 .414-.336.75-.75.75zm5.14 0c-.415 0-.75-.336-.75-.75V7.89c0-.415.335-.75.75-.75s.75.335.75.75v13.36c0 .414-.337.75-.75.75zM6.86 22c-.413 0-.75-.336-.75-.75V10.973c0-.414.337-.75.75-.75s.75.336.75.75V21.25c0 .414-.335.75-.75.75z"></path></g></svg></a></div>
</div>
<a aria-haspopup="false" aria-label="View Tweet activity" class="css-4rbku5 css-18t94o4 css-1dbjc4n r-1loqt21 r-1777fci r-11cpok1 r-1ny4l3l r-bztko3 r-lrvibr" data-focusable="true" href="https://twitter.com/alvesalessandra/status/1204760363276877825/analytics" role="link" style="-webkit-box-align: stretch; -webkit-box-direction: normal; -webkit-box-orient: vertical; -webkit-box-pack: center; align-items: stretch; background-color: rgba(0, 0, 0, 0); border: 0px solid black; box-sizing: border-box; color: inherit; cursor: pointer; display: flex; flex-basis: auto; flex-direction: column; flex-shrink: 0; font: inherit; justify-content: center; list-style: none; margin: 0px; min-height: 0px; min-width: 0px; outline-style: none; overflow: visible; padding: 0px; position: relative; text-align: inherit; text-decoration: none; user-select: none; z-index: 0;">
</a></div>
</div>
</div>
</div>
</div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-26339532700150642019-12-05T10:48:00.001-03:002019-12-05T10:59:05.443-03:00Charles Chaplin, Buster Keaton, Noel Rosa e a atualidade do cinema mudo<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0vZVnjGX2SL8yIGjQt_nlRibe0ojUaz8-GfLJbNFH52r2Nb9A7wkOtYRPKJxTHAoLtiJb8FnI8AvDzTlqHCOO8ylMyM9CBTKnYesPCwdxN10dd_T2yWzfNfE_0kIMvRHYI5f_/s1600/19887204.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="592" data-original-width="800" height="295" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0vZVnjGX2SL8yIGjQt_nlRibe0ojUaz8-GfLJbNFH52r2Nb9A7wkOtYRPKJxTHAoLtiJb8FnI8AvDzTlqHCOO8ylMyM9CBTKnYesPCwdxN10dd_T2yWzfNfE_0kIMvRHYI5f_/s400/19887204.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Charles Chaplin, em cena de "O garoto"</td></tr>
</tbody></table>
Noel Rosa ficou incomodado com a influência de idiomas
estrangeiros na linguagem popular e compôs “Não tem tradução”. O primeiro verso
já aponta o réu, dizendo que “o cinema falado é o grande culpado da
transformação”. Se estivesse vivo, Noel talvez se sentisse recompensado pela
prevalência da imagem sobre o som no século 21.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não só no cinema, claro. Grandes realizadores do início do
século 20, como Charlie Chaplin e Buster Keaton, provavelmente estariam fazendo
filmes sonoros nos dias de hoje, mas é instigante notar como o desafio de
transmitir ideias só com imagens parece dominar o mundo contemporâneo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Você liga seu computador e clica em cima de um programa ou
de um aplicativo simplesmente ao reconhecer seu ícone na área de trabalho, sem
precisar ler uma palavra sequer. O mesmo para seu celular (um computador
também, afinal). Se quiser “dizer” que está tudo bem para alguém, é só entrar
no aplicativo de mensagens, reconhecido pelo desenho de um telefone dentro de
um balão, e enviar a imagem de um polegar erguido, e ainda que isso se chame
emoticon, é de uma imagem que se trata.<br />
<br />
<o:p></o:p><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-6W_6xqtLnS5CmiEiVzxVfoEW02c78xLYM2HLHxL8LgZUQithuG18FGWBeE-9_ud96VvsEV7V7zKmOKl9s5xHOBuj7ioXG0-fUXOb0iRtmO198NJ6XW85PsPxRvVo4S1C-gXD/s1600/635750549586183942.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="380" data-original-width="615" height="246" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-6W_6xqtLnS5CmiEiVzxVfoEW02c78xLYM2HLHxL8LgZUQithuG18FGWBeE-9_ud96VvsEV7V7zKmOKl9s5xHOBuj7ioXG0-fUXOb0iRtmO198NJ6XW85PsPxRvVo4S1C-gXD/s400/635750549586183942.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Buster Keaton</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Você não precisa mais ligar para ninguém e dizer, com voz
chorosa, que está arrependido de ter feito alguma coisa e quer pedir desculpas.
Taca a imagem do Gato de Botas, aquele do Shrek, olhando para cima com uns
olhos marejados, segurando o chapéu como em ato de contrição. Não chama
emoticon, chama GIF, mas é tudo apenas imagem.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidtG1is-Ff2QSY4XthgncTGKXBomt5_bethcxMdf6-VSbGVRhtHmBWLSNxvk6IFGP5MQSLwgLctYRnPM6KUbUwG225-DrjWcIX8ldEZe3V5xMJsdbxQ1HViEjT5VnxkbdJKHrc/s1600/gatodebotas.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="217" data-original-width="380" height="227" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidtG1is-Ff2QSY4XthgncTGKXBomt5_bethcxMdf6-VSbGVRhtHmBWLSNxvk6IFGP5MQSLwgLctYRnPM6KUbUwG225-DrjWcIX8ldEZe3V5xMJsdbxQ1HViEjT5VnxkbdJKHrc/s400/gatodebotas.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Desculpe..."</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
Nada precisa ser dito, e tem sido cada vez mais recorrente a
queixa em relação a “áudios longos”. Ninguém quer ficar ouvindo uma ladainha de
1 minuto e meio. Manda uma imagem, um GIF. Se não ficar claro, acompanhe as
imagens de um texto curto, uma ou duas linhas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A comunicação interpessoal desembarcou na segunda década do
século 21 como uma recriação do cinema mudo. Ou isso tudo não se resume a “imagens
intercaladas com sucintas cartelas de texto”?.<o:p></o:p><br />
<br />
Mas, pensando bem, Noel não se sentiria feliz. WhatsApp,
emoticon, GIF (que significa Graphics Interchange Format, sabia?): tudo vem em
Inglês e, para a maioria dos usuários, simplesmente não tem tradução.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<br />
<iframe allow="accelerometer; autoplay; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/R1oAs158QPM" width="560"></iframe><br />
<br />
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-36443117594586658572019-11-25T11:35:00.002-03:002019-11-25T14:12:59.370-03:00Ford vs. Ferrari: um filmão, em sentido amplo<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhATOBhktYqxuFhvmMm-aGtOOGMryJjs0HHp6KuVLP1kq5mFBFcWfh659qwee5RuVDltRTggSw-KD177jwQAMl_IKW_mmX18pgAD4uWwZfkN9crXDtHF7LrG4Zxe4JydC4Lhy8k/s1600/damon+bale.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhATOBhktYqxuFhvmMm-aGtOOGMryJjs0HHp6KuVLP1kq5mFBFcWfh659qwee5RuVDltRTggSw-KD177jwQAMl_IKW_mmX18pgAD4uWwZfkN9crXDtHF7LrG4Zxe4JydC4Lhy8k/s400/damon+bale.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Damon (Shelby) e Bale (Miles): heróis na pista contra os monstros da burocracia</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se ocorresse uma catástrofe e a Ford fosse soterrada, daqui
alguns anos os escavadores chegariam às ruínas e teriam a certeza de que se
tratava de uma fábrica de papel com uma imensa frota de veículos. A piada
interna, repetida por várias gerações de funcionários da multinacional
norte-americana, faz eco com uma das cenas da primeira parte do longa “Ford vs.
Ferrari”, dirigido por James Mangold, na qual o personagem principal, vivido
por Matt Damon, critica a burocracia da companhia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Baseado na história por trás da criação de um dos carros de
corrida mais famosos de todos os tempos, o Ford GT40, o filme é centrado na
figura de Carroll Shelby (Damon), um ex-piloto que se notabilizou por vencer as
24 Horas de Le Mans, em 1959, e precisou abandonar as pistas por conta de um
problema cardíaco. O filme mostra Shelby mantendo-se no universo automotivo, negociando carros
e projetando novos modelos, até ser procurado por um executivo da Ford (Lee
Iacocca, vivido por John Bernthal), para liderar a criação de um carro e de uma
equipe que fossem capazes de vencer a então imbatível Ferrari em Le Mans.
Shelby aceita a tarefa e insere o velho amigo Ken Miles (Christian Bale) no
projeto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um dos desafios de transformar uma história real em filme convencional
é a fidelidade aos fatos. Quem conhece a longa história de Shelby (a despeito
do problema cardíaco, ele viveu até os 89 anos, morrendo em 2012), certamente
vai encontrar incorreções no roteiro. O mesmo vale para Miles e, mais ainda,
para a própria Ford Motor Company. Uma reunião na sede, retratada no início
da trama (e mostrando o interior da companhia, com suas características paredes
de madeira) dá a entender que os anos 1960 seriam a estreia da empresa no
automobilismo de competição, o que não é verdade. Mas, como a música dos
Paralamas do Sucesso já ensinou, “a vida não é filme”. E “Ford vs. Ferrari” é
um filmão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Literalmente, inclusive. Filmado em formato scope, preenche
a tela com ação e velocidade, entregando seu cartão de visita enchendo os olhos dos fanáticos por gasolina com cenas de
Shelby ao volante de um Aston Martin, na sua vitória em Le Mans. Introduzindo a fase pós-aposentadoria de Shelby e a intenção da Ford em investir no automobilismo, o filme mergulha em uma longa sequência de cenas que pouco tem a ver com o universo acelerado de seu início. Acentuando a burocracia da montadora, os interesses comerciais de seus
executivos e os processos pouco éticos desse ambiente, “Ford vs. Ferrari” gasta
pelo menos uma hora de seu tempo com poucas cenas de corrida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZvm68fQ7JgqsR62kQaWjCj9_dd186-Hl9QomhDjIcoxbxajE1ZIiCfauq41PKwDH7Jv077Xc6Bkb84WygvvKmqJf4Td_y0WKVxSOvebdY7R4WxuEE8YLf2h7EisgiiD6FJo0J/s1600/bale+jupe.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="568" data-original-width="1365" height="166" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZvm68fQ7JgqsR62kQaWjCj9_dd186-Hl9QomhDjIcoxbxajE1ZIiCfauq41PKwDH7Jv077Xc6Bkb84WygvvKmqJf4Td_y0WKVxSOvebdY7R4WxuEE8YLf2h7EisgiiD6FJo0J/s400/bale+jupe.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Bale (Miles) e Jupe (Peter): relação pai e filho</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas o que pode soar como defeito para amantes da velocidade
é o tempo ideal para o projeto dirigido por Mangold continuar sendo um filmão.
É nesse intervalo entre a Le Mans de Shelby, em 1959, e o desafio da trinca
Shelby-Miles-Ford, no final dos anos 1960, que a história se aprofunda nas
personalidades dos personagens. É aí que o filme laça de vez o espectador para
o lado da dupla Damon-Bale. O Miles de Bale, por sinal, exagera em um sotaque
indefinido entre o inglês e o matuto ianque (Miles, de fato, era inglês), mas
transparece autenticidade ao mesclar certa brutalidade nas falas e nos gestos
com uma quase doçura no trato com a esposa Mollie (Caitriona Balfe) e o filho
Peter (Noah Jupe). O jovem Jupe, que já esteve em “Um lugar silencioso”, “Extraordinário”
e “Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso”, parece crescer junto com seu personagem
no filme, dividindo com Damon uma das cenas de maior força dramática, no final
da história.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É também no espaço “sem corridas” que o roteiro introduz a
Ferrari. A representação da marca italiana, de seu fundador Enzo e de todo o universo
que cerca a mítica fábrica de Maranello passa longe de um eventual maniqueísmo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Estados Unidos x Resto do Mundo</i>. Pelo
contrário: por sua essência, orgulho e amor ao esporte, Enzo Ferrari e sua
trupe parecem bem mais próximos de Shelby e companhia do que o patético Henry
Ford II (Tracy Letts), que afinal "não é Henry Ford", e que o amoral Leo Beebe (Josh Lucas), eleito como o
grande antagonista do filme.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRvivhH_wisEUgpfrkXeukI9Ysjgnz4engjoHDn-uIc87nZOpnYEKGce5CndJTRY9z_Key36PVdlljQpiesEivys9eHid6PbxbwVT9EgAmMVJjm6rHBnNZwppeqdGvyd4mcxqZ/s1600/enzo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="359" data-original-width="640" height="223" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRvivhH_wisEUgpfrkXeukI9Ysjgnz4engjoHDn-uIc87nZOpnYEKGce5CndJTRY9z_Key36PVdlljQpiesEivys9eHid6PbxbwVT9EgAmMVJjm6rHBnNZwppeqdGvyd4mcxqZ/s400/enzo.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Remo Girone (à direita), como Enzo Ferrari: mais próximo de Shelby e Miles que Henry Ford II</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas é na última parte do filme, quando os motores roncam,
que “Ford vs. Ferrari” se torna o grande show desejado por todo fã de corrida.
A largada “estilo Le Mans”, com os pilotos correndo a pé até seus carros, a sensação
de velocidade, com muitas tomadas na altura do asfalto, a reprodução da disputa
Ford x Ferrari na pista, a recriação dos boxes e camarotes, a montagem precisa,
a trilha sonora em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">crescendo</i>, a
sequência de cenas diurnas, noturnas e a volta para a luz do dia colocam o
espectador dentro do universo da mais famosa corrida de longa duração da
história de uma forma que só o longa “Le Mans”, protagonizado por Steve McQueen
em 1971, havia conseguido fazer. Mas, convenhamos, com personagens e com uma
história muito mais envolventes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ao final de 2h32 de projeção, a conclusão de “Ford vs.
Ferrari” surge quase como lamento. Esse filmão no formato, na criação dos
personagens, na condução da história mostra-se também um filme grande em sua
duração, mas não arrastado. Carregado nas tintas em alguns estereótipos e
situações, o filme de Mangold, no entanto, é cirúrgico em mostrar que grandes
corporações entram em competições esportivas por um único propósito: aumentar
suas vendas. Permanecem no negócio enquanto ele se mostrar eficiente para esse
fim. Recolher as ferramentas e fechar a garagem são consequências que se
relacionam muito mais aos cifrões perdidos que a corridas disputadas. Shelby, Miles
e o GT40 ficaram na história da Ford e do automobilismo mundial. A Ford, bem, a Ford continua sendo uma
montadora de veículos, mas a julgar pela transformação pela qual esse mercado
atravessa, talvez no futuro ela esteja fabricando outros produtos. Tomara que
não seja papel.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-33956519840816699832019-09-19T12:06:00.002-03:002019-09-19T12:12:05.022-03:00Bacurau: uma carta para Dra. Domingas<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicoSGojw3w_d804qY9OYz6JITjqVQdyYRPN5N274hU7xPs_74TrIuhoPPcmgXTlTECnHaERRtz_RI5yUP9jtk_sNfo_aXGAbIMKkoTzEtulfMXDbzZcVeGAJklp2o8rMN8hjYI/s1600/bacurau-sonia-braga.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="353" data-original-width="707" height="198" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicoSGojw3w_d804qY9OYz6JITjqVQdyYRPN5N274hU7xPs_74TrIuhoPPcmgXTlTECnHaERRtz_RI5yUP9jtk_sNfo_aXGAbIMKkoTzEtulfMXDbzZcVeGAJklp2o8rMN8hjYI/s400/bacurau-sonia-braga.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Dra. Domingas: "por que vocês estão fazendo isso?"</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal">
No último ato de Bacurau, o alemão Michael (Udo Kier)
encontra-se com Dra. Domingas (Sônia Braga). A médica do vilarejo atacado
violentamente por forasteiros parece tentar um armistício, no que é ignorada
pelo comandante do grupo. “Por que vocês estão fazendo isso?”, pergunta Dra.
Domingas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em um exercício de empatia – abominável, porém necessário – decidi
me colocar no lugar dos gringos (norte-americanos chefiados por um alemão
residente nos Estados Unidos) e tentar responder tal pergunta. Faço isso no
formato de uma carta, que envio para a médica, por meio deste blog.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Prezada Dra. Domingas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Espero que esta carta a encontre bem de saúde e com o ânimo
recuperado depois dos acontecimentos tão intensos vividos em Bacurau. Certa de
que o forasteiro Michael não teve – nem terá – oportunidade de lhe responder o
que havia por trás dos ataques aos habitantes do vilarejo, espero responder por
que, afinal, aquela gente estava fazendo aquilo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Veja, Dra. Domingas, os Estados Unidos são uma nação
beligerante. Desde que assumiu o lugar da Inglaterra no imperialismo ocidental,
o país já se meteu em pelo menos 33 guerras, e estamos falando só do século
passado e deste século 21. A senhora, a quem respeitosamente chamo de
experiente, é também pessoa letrada. Deve ter lido ou ouvido que a Segunda
Guerra Mundial foi vencida pelo soldado soviético, com a colaboração do
operário norte-americano. Claro que os patriotas envoltos em Stars and Stripes
reagiriam rapidamente para lembrar o seu número de mortos no conflito. Foram
muitos, de fato. Cerca de 400 mil. Soviéticos? Quase 11 milhões.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas os operários americanos realmente executaram sua tarefa
com louvor. A partir de 1941, com a entrada dos Estados Unidos na guerra,
surgiram três mil novas fábricas e estaleiros no país. Um assombro: até 1945,
foram 16 milhões de toneladas de armamentos, entre navios, artilharia, tanques
e munição. Não se abandona um negócio pujante assim, do nada, concorda? As
guerras que vieram depois, sempre bem distantes da terra da democracia e da
liberdade, continuaram absorvendo essa fantástica produção. E seria incoerente
brindar tantos países com tão farto material bélico e não aproveitar aquele
imenso mercado nacional, não é mesmo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pois aproveitam. Estima-se que existam quase 270 milhões de
armas nos Estados Unidos. São mais de 50 mil lojas de armas oficialmente
registradas por lá (McDonald’s, veja a senhora, Dra. Domingas, cerca de 14
mil). O ser humano pode ser muito inteligente, mas também tem seus deslizes e
nem todo mundo usa essas armas para caçar veados na Primavera ou para espantar
coiotes que ameacem a criação nos ranchos. Uns doidos varridos começaram a
atirar nas pessoas, a senhora deve se lembrar disso. Só em 2019, foram mais de
250 tiroteios em massa, e esse número que eu estou contando para a senhora
agora foi contabilizado bem antes de o ano terminar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU1ezGDQzz1-MMNSM7pZeXkCVV8LiylkIL0Ldy_7j5efbvhEsptzRAdVP7oEYCDXOLxF3Cx9cHPLEVinTqCeYu8LKQB5Wn3HfAiPJjrAE9S_r4aGJtNfFrwjzHM6s5ISUshPJh/s1600/cropped-Bacurau.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="901" data-original-width="1600" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjU1ezGDQzz1-MMNSM7pZeXkCVV8LiylkIL0Ldy_7j5efbvhEsptzRAdVP7oEYCDXOLxF3Cx9cHPLEVinTqCeYu8LKQB5Wn3HfAiPJjrAE9S_r4aGJtNfFrwjzHM6s5ISUshPJh/s400/cropped-Bacurau.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O alemão Michael e a devoção às armas</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não dava mais, Dra. Domingas. Era preciso fazer alguma
coisa. Mas como evitar que esses incidentes desagradáveis continuassem
acontecendo sem empanar o brilho dessa indústria de armas tão importante para a
economia do país? Puxa, elas geram empregos, contribuem para grandes causas,
financiam projetos importantes e, se eu não me estendo nesse pormenor, a
senhora certamente vai me entender. De mais a mais, Dra. Domingas, se a arma
ficar lá quietinha, não mata ninguém. O museu de Bacurau é prova disso. O que
não dava mais era para passar carão perante o mundo com esses tiroteios. Aquele
pessoal da ONU, da Anistia Internacional, o Papa, todos reclamam. Ou, coisa
pior, criar caso com seguradoras, porque essa gente é osso duro de roer.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi aí que tiveram essa ideia brilhante de criar uma
atividade lúdica, uma espécie de competição que reunisse os melhores jogadores.
Em vez de desperdiçar esses talentos da mira em universidades ou shopping
centers, a esmo, o negócio era levar a turma para lugares distantes, onde
pudessem dar seus tirinhos sem atrapalhar a ordem daquela nação tão civilizada.
Coisa fina, né, Dra. Domingas? Eles têm armas, mas não quaisquer armas. São
artistas do tiro, são adoradores de peças míticas. Idealizaram durante anos a
aventura de portar uma submetralhadora, um fuzil ou uma pistola. Eles são
clássicos, portam drones, mas não qualquer drone, não, senhora. Tudo é vintage
nesse jogo e até esse recurso deles veio com ares de ficção científica dos anos
1960, parecendo um disco voador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAVnE3dFGBbpDD157qJNnSnvqcAnCctabJhh_rP471vU-awXMeXRHHbFsZvsoNPWVyA_R3gQ1OFNoZ3x_K_7GXbLiNXD-0JqXbqdd1b5kDITGRmh-z1ghtuNBOvdN5ileVUIOB/s1600/bacurau+sonia+e+udo.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="533" data-original-width="1280" height="166" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAVnE3dFGBbpDD157qJNnSnvqcAnCctabJhh_rP471vU-awXMeXRHHbFsZvsoNPWVyA_R3gQ1OFNoZ3x_K_7GXbLiNXD-0JqXbqdd1b5kDITGRmh-z1ghtuNBOvdN5ileVUIOB/s400/bacurau+sonia+e+udo.png" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Domingas e Michael, antes do furdunço</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p>Encontrar lugar para a competição também não é tarefa das
mais difíceis. Lembra que eu falei da Segunda Guerra Mundial? Pois naquela
época, embora o governo brasileiro se enrabichasse bem mais para o lado dos
perdedores, acabou entrando na briga junto com os americanos. Dizem que o nome
forró nasceu por essa época, não sei bem, mas que eles fincaram base em Natal,
isso é certeza. Sempre tem um político matreiro para trançar os pauzinhos com
eles. Tony Junior, o ex-prefeito de vocês, é de linhagem tradicional, mas
evidentemente não teve o talento do pai para fazer a coisa de um jeito mais
discreto. Tenho para mim que ele queria esse pedaço de chão de vocês para algum
empreendimento turístico, imobiliário, não sei bem. Aquela serra em torno de
Bacurau é bonita, né? Turismo ecológico, trilha, vai saber.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Além disso, sempre tem uns fornecedores locais
prontinhos para pegar um dinheiro rápido da mão dos gringos, não é mesmo? Eu
acho, Dra. Domingas, que na verdade tem dois tipos bem diferentes de colaboração.
Uma vem dos pobres coitados que vivem nesse interiorzão do Brasil. Vida
precária, muita necessidade. Vem um bacana qualquer, oferece uns caraminguás e
pronto: eles fazem o que for – até entregar caixão sem nem saber para o que vai
ser usado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas tem um tipo bem mais matreiro, que são os que se acham
bacana também. Que se iludem, pensando que os gringos são amigos deles só
porque falam a língua deles. Falar é modo de dizer, né, doutora? Acho bem
engraçado quando vejo um engomadinho branquelo achando que fala língua
estrangeira. Porque, desculpe a distração, mas agora a senhora pense junto
comigo: se um estrangeiro chega no Brasil e nunca, nunquinha, consegue falar “caipirinha
de maracujá” sem se enrolar todo, como é que um sujeito nascido e criado aqui,
só porque frequentou escola de inglês duas vezes por semana, acha que vai falar
daquele jeito que coloca a língua no meio dos dentes e pronunciar as palavras
deles sem sotaque? Capaz...<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibfIn8GSxF6zSu5wj2J-4bfcNfKeEIB57r0N8F2kMvNf8YAnkxgNbhtKmnXWNfn-5Iyt-DqAha-spprfkqiDPRPVvmKbFT-o61RgW5F4th4Hflvu5hkDGIzgb8vAD9FD6rYTgd/s1600/bacurau+se+for+va+na+paz.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="522" data-original-width="1000" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibfIn8GSxF6zSu5wj2J-4bfcNfKeEIB57r0N8F2kMvNf8YAnkxgNbhtKmnXWNfn-5Iyt-DqAha-spprfkqiDPRPVvmKbFT-o61RgW5F4th4Hflvu5hkDGIzgb8vAD9FD6rYTgd/s400/bacurau+se+for+va+na+paz.jpeg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Mas os gringos só estavam lá para matar</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Voltando à explicação que prometi à senhora: virou um
negócio bom para os dois lados, percebe? Os estrangeiros vieram para cá, cheios
das suas armas e parafernálias, jogar seu jogo. O prefeito facilitou as coisas,
vendo a vantagem de limpar a região, para explorar aquelas terras de outro
jeito. Se a senhora lembrar bem, vai rever na sua mente aquele carrão com que o
prefeito chegou depois do furdunço todo. Banco de couro, ar-condicionado, cheio
de umas garrafinhas de água, que deviam até estar geladinhas. É uma chacota, eu
sei. O povo de Bacurau sem água e os gringos, depois que acabassem o jogo
deles, terminando o serviço para o prefeito, iam voltar sei lá eu para onde,
naquele carrão de bacana. E com água gelada ainda!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É, Dra. Domingas... Deu tudo errado para eles, porque eles
não contavam com a união de vocês. União até dentro das divergências. Porque
mesmo nesse sítio tão precário, diante de tanta dificuldade, o ser humano
também faz suas diferenças. Estava lá o Lunga, com os meninos, segregado do
resto do povoado, magoado. A serra de Bacurau não é Sierra Maestra, mas serviu
de esconderijo para esse novo Lampião de vocês. E a senhora, só a senhora,
levantou a voz contra o prefeito, quando ele quis levar Sandra. Bicha, puta...
pouca gente se importa, não é mesmo? Mas na hora que precisou, foi todo mundo
junto para a luta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQlbd0h8MPnwkikeyX3ubgNsUt6N-D_BvEMuB0vzv-NLdyzkx4Ieu38K80hWxvMO0aIQaweoBrBP2uAcSp-8ZrYmLn_4yAw56kP2Smjza1JErmYr3L5cdR0Mb34TMOyfty0vVD/s1600/bacurau+cova.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="652" data-original-width="1086" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQlbd0h8MPnwkikeyX3ubgNsUt6N-D_BvEMuB0vzv-NLdyzkx4Ieu38K80hWxvMO0aIQaweoBrBP2uAcSp-8ZrYmLn_4yAw56kP2Smjza1JErmYr3L5cdR0Mb34TMOyfty0vVD/s400/bacurau+cova.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A cova de Bacurau: Varsóvia?</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p>Eles não contavam que a escola, atacada por eles (naquele
dia e pelos outros, sempre) ia revidar. Não contavam que o museu ia virar um
paiol. Do museu e da escola, Dra. Domingas! Aquele mesmo museu que os
forasteiros metidos a bacanas não quiseram nem entrar. De onde eles nunca
esperavam, nasceu a resistência. Aquele alemão doido deve ter ficado espantado
quando viu o buraco no meio da vila. “Varsóvia?!” Dá até para imaginar que ele
se lembrou de alguma história velha, daquela guerra lá, contada por seu pai ou
por um tio. Eles não contavam que Damiano, esse Panoramix do sertão, tinha uma
fórmula mágica para emprestar força e coragem para aquela gente.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Fazia sentido na cabeça deles, Dra. Domingas. Mas as cabeças
deles a gente sabe o destino que tiveram. Que Deus os tenha. E o Diabo que os
carregue.<o:p></o:p></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-7682357604308500372019-09-13T17:28:00.001-03:002019-09-13T20:47:08.533-03:00No Coração do Mundo<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMqlfPnEuOfgpgxebwnDG5okS1PthOysqqqlsITJwBejMTU7GqCJt-X8PPLNNnQOhg0SuZRWu7TRx7mHkuVP3kQn_744oeL3wpQIEf0uZzQtyHBdO2QVr1z0ILYAeIeZ4ocMhf/s1600/cartaz+No+Cora%25C3%25A7%25C3%25A3o+do+Mundo+%2528em+baixa%2529.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1280" data-original-width="862" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMqlfPnEuOfgpgxebwnDG5okS1PthOysqqqlsITJwBejMTU7GqCJt-X8PPLNNnQOhg0SuZRWu7TRx7mHkuVP3kQn_744oeL3wpQIEf0uZzQtyHBdO2QVr1z0ILYAeIeZ4ocMhf/s400/cartaz+No+Cora%25C3%25A7%25C3%25A3o+do+Mundo+%2528em+baixa%2529.jpeg" width="268" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando Stanley Kubrick resolveu filmar seu primeiro
longa-metragem, em 1953, optou por uma história de guerra ambientada na selva. Classificado pelo próprio diretor como um trabalho amador, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Medo e Desejo</i> foi renegado por Kubrick. Dois
anos depois, de volta aos longas, o diretor nova-iorquino seguiu o conselho de
um amigo e dirigiu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A morte passou por
perto</i>, história de um lutador de box que se envolve com o mundo dos gângsters
de Nova York. Por trás do conselho estava uma senha: aborde um mundo que você
conhece e parte de seus problemas estará resolvida. A familiaridade de Kubrick
com o cenário do segundo longa ajudou a alavancar sua carreira, mas nem por
isso ele se tornou um diretor capaz apenas de fazer filmes de gângster em Nova
York. Kubrick transitou por gêneros tão diversos quanto filme de guerra,
romance, ficção científica e drama psicológico que até hoje, vinte anos depois
de sua morte, vez por outra ainda se aponta um ou outro diretor como possível
herdeiro do norte-americano – e isso quer dizer: fulano sabe dirigir qualquer
gênero.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Gabriel Martins e Maurílio Martins apresentaram seu primeiro
longa-metragem em 2019, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Coração do
Mundo</i>. Como Kubrick, que antes de lançar o primeiro longa também dirigiu
alguns curtas, Gabriel e Maurílio iniciaram carreira nesse formato, com a
diferença de já terem mais de dez anos de experiência. Assistir a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Coração do Mundo</i>, conhecendo a obra
dos dois diretores, é se reencontrar com o mesmo ambiente e com alguns
personagens que já transitaram por outros filmes, especialmente os curtas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Contagem</i> (2010) e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Dona Sônia Pediu uma Arma para Seu Vizinho Alcides</i> (2011). Contagem
não é só nome de filme: é a cidade da região metropolitana de Belo Horizonte onde
os dois diretores cresceram. Como Kubrick, à vontade filmando Nova York,
Gabriel e Maurílio movem-se com desenvoltura em Contagem e essa familiaridade transparece
no filme. O que não quer dizer que serão para sempre cineastas circunscritos à
cidade natal, crivada de carências, nem que sua obra tenha de espelhar essa
precariedade. Aliás, No Coração do Mundo, mesmo sendo o primeiro longa, parece anunciar que ambos já não cabem em
qualquer rótulo que junte as palavras “cineasta” e “periferia”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEuKdIw7IEEn4N5HSan6gfKZMqqM4dl1NMmCJC2AskgoWGHcSaWXYuRANb6poAhzvbL8l0_ulapf3iO9HiAcWIZXP4v8nL_Da_e8_jmpbV6-eQWZu20jC3S27bUhcPhOso9aFY/s1600/no-coracao-do-mundo-06-leonardo-feliciano-1140x630.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="630" data-original-width="1140" height="220" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEuKdIw7IEEn4N5HSan6gfKZMqqM4dl1NMmCJC2AskgoWGHcSaWXYuRANb6poAhzvbL8l0_ulapf3iO9HiAcWIZXP4v8nL_Da_e8_jmpbV6-eQWZu20jC3S27bUhcPhOso9aFY/s400/no-coracao-do-mundo-06-leonardo-feliciano-1140x630.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Selma (Grace Passô), em cena que homenageia Carlos Reichenbach</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Coração do Mundo</i>
é um western urbano e a presença do rap Texas, do MC Papo, logo no início, parece não deixar
dúvidas quanto à intenção do filme em ser reconhecido como um faroeste da
periferia. Não tão rápido. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Coração do
Mundo</i> também é romance e várias situações, estrategicamente engendradas
como poderosos alívios cômicos, permitiriam, sem exagero, identificar ali
traços de comédia romântica. Não só. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No
Coração do Mundo</i> também é drama, suspense, ação, em camadas sobrepostas que
denotam não apenas a evidente cinefilia de seus autores, como a evolução de seu
fazer cinematográfico. Pois, se <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Contagem</i>
e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Dona Sônia</i> estão ali, de alguma
forma (ou de várias), a forma final do longa é uma evolução evidente dos
cineastas que maravilharam o diretor Carlos Reichenbach quando surgiram no
Festival de Brasília de 2009.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Carlão está no filme, homenageado como nome de escola. Lá
atrás, na gênese da dupla, o diretor veterano assistiu a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Contagem</i> em Brasília e, impactado com o trabalho dos dois jovens,
escreveu um artigo em seu blog intitulado “Fez-se a luz em Contagem”. À época, Carlão
exalou encantamento em ver, pela primeira vez, um filme rodado em câmera
digital que a ele parecia feito em película. De lá para cá, os dois jovens
mineiros aperfeiçoaram sua linguagem cinematográfica e sua técnica. A
ambientação da periferia está lá, o hábil processo de criação de empatia com
aqueles personagens está lá. Mas estão também o rigor no corte preciso – apenas
quando essencial – e a obstinação pelo plano, a ponto de construir várias cenas
em planos longos e passagens desafiadoras em planos sequência que vão
sinalizando, ao longo do filme, que Gabriel e Maurílio cresceram. E, cineastas
adultos que são, sabem-se aptos a aumentar o volume, a velocidade e a tensão da
trama a ponto de produzirem sequências de ação irrepreensíveis, coroando o
filme com um desfecho calcado em movimento e violência, elementos abundantes
naquela Contagem que tanto conhecem, ali usados como matéria-prima de uma
narrativa coesa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAyoqerxt6JOSQWZh4OSaoLDYkROhHcoAYfkc6S0CRM8D7wDH8Sp1WGbVJiVxFvpdPcdVs_FLJvgDamrjw1ZE9qZTJUP_Oqzf9ifpT1fnQ4g20zdFSUJWFOWQtrxAbBQ620New/s1600/maurilio+e+gabito.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="350" data-original-width="900" height="155" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAyoqerxt6JOSQWZh4OSaoLDYkROhHcoAYfkc6S0CRM8D7wDH8Sp1WGbVJiVxFvpdPcdVs_FLJvgDamrjw1ZE9qZTJUP_Oqzf9ifpT1fnQ4g20zdFSUJWFOWQtrxAbBQ620New/s400/maurilio+e+gabito.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Maurílio Martins (à esquerda) e Gabriel Martins</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p>Sim, Gabriel e Maurílio cresceram – em um universo pontuado
por mulheres fortes. Na periferia, cineastas filmam em locação menos por
influência de John Ford e mais por falta de recursos. Mulheres tornam-se fortes
menos por serem arianas com ascendente em Leão e mais pela premência de criar
filhos, sustentar a casa, cuidar de pais idosos, muitas vezes sozinhas. As
mulheres de <i>No Coração do Mundo</i> são
diligentes e estão sempre em movimento: Selma (Grace Passô) dirige (e como
dirige!) seu ou qualquer outro automóvel. Rose (Bárbara Colen) planeja uma
mudança de vida tornando-se motorista de Uber. Ana (Kelly Crifer) circula o dia
inteiro como cobradora de ônibus, e ainda que a vida pareça prendê-la em um
feroz carrossel que nada tem de música infantil, ela se move. Os homens, sem
exceção, surgem letárgicos.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ainda que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Coração
do Mundo</i> não se apresente como um filme essencialmente feminista, ele se torna
o retrato de uma comunidade que vive à margem de uma capital de estado, formada
por famílias marcadas pela carência e pela falta de horizonte (belo ou não). E
essas famílias, quase sempre, são guiadas por mulheres. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">No Coração do Mundo</i> é um agudo retrato de um lugar e de um tempo em
que as mulheres continuam sendo “o crioulo do mundo”, como cantou John Lennon. Esse
mundo Gabriel e Maurílio conhecem bem, e o primeiro longa deles deixa isso
muito claro.<o:p></o:p></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-72304317896831422672019-05-21T10:27:00.000-03:002019-05-21T10:27:02.989-03:00Rush, um filme de amor<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE0763VZv7YxpsOkRbGI5TEP1-OgGMCFSHFsnnrYtf6c9sSWDoq2X08a47vSTP8w88J-lsd-zsvo-IJ73ap8o7o36HyBdd1gCdiL5GG4nKlKml3s0wTiu3T-Hr-FDKIvi1POD_/s1600/RTEmagicC_Rush_no_Limite_1.jpg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="459" data-original-width="720" height="253" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE0763VZv7YxpsOkRbGI5TEP1-OgGMCFSHFsnnrYtf6c9sSWDoq2X08a47vSTP8w88J-lsd-zsvo-IJ73ap8o7o36HyBdd1gCdiL5GG4nKlKml3s0wTiu3T-Hr-FDKIvi1POD_/s400/RTEmagicC_Rush_no_Limite_1.jpg.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Daniel Brühl (à esq.), como Lauda e Chris Hemsworth, como Hunt</td></tr>
</tbody></table>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Com a viseira embaçada por uma chuva torrencial, Niki Lauda enxerga menos a pista de Fuji, no Japão, que a imagem da mulher, Marlene, com quem se casara naquele mesmo ano e surge no momento de maior tensão da história para povoar sua mente atormentada. Ao parar no box e desistir do GP do Japão de 1976, logo admite que não há qualquer problema com o carro. Inseguro naquela condição, e depois de quase ter morrido, poucos meses antes, no GP da Alemanha, o austríaco simplesmente abdica da prova. A cena, na parte final de “Rush – No limite da emoção”, de certa forma conclui um diálogo entre Lauda e Marlene, alguns minutos antes. Em lua de mel, apaixonado, o piloto debate-se com a insônia e explica a aflição à jovem esposa, dizendo que o amor era perigoso para um piloto. Teoriza que se torna difícil ir ao limite quando se tem algo a perder.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<span style="border: 0px; font-family: inherit; font-size: inherit; font-stretch: inherit; font-style: inherit; font-variant: inherit; line-height: inherit; margin: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Assim, de forma rasa e linear, é possível para o espectador menos versado no tema concluir que Niki Lauda, interpretado no filme pelo ator Daniel Brühl, perdeu o Mundial de Fórmula 1 daquele ano por amor.</span> Claro que não perdeu. O drama dessa temporada reparte-se em dezenas de detalhes técnicos, esportivos, políticos, comportamentais e circunstanciais que tiraram o título, que parecia certo no início do ano, das mãos de Lauda. Não foi a mocinha sofisticada, que surge em um provocante vestido frente única no início do filme, que lhe impôs a derrota.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Não é o amor de Lauda por Marlene que desencadeia a história dirigida por Ron Howard, longe disso, mas ainda me parece mais apropriado, ainda que soe estranho, definir “Rush” como um filme de amor que rotulá-lo como filme de ação. Não o amor do austríaco pela esposa, nem o de James Hunt (Chris Hemsworth) por Suzy Miller ou por praticamente todas as mulheres (com exceção de Marlene) que surgem na tela ao longo dos 123 minutos do filme. Todas as outras, enfermeira, aeromoça, modelo, alvos óbvios de Hunt, enquadradas no estereótipo “não sei seu nome, mas vou transar com você mesmo assim.”</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
(Tola eu seria se esperasse de “Rush” qualquer coisa longe do chauvinismo. Ainda que se afaste da realidade em diversas circunstâncias, o filme é ambientado na Fórmula 1 e, se ainda hoje as mulheres representam papéis pouco mais do que de objetos decorativos no circo, o que dizer dos anos 1970. Talvez em um ato de rebeldia, Ron Howard criou cenas de sexo entre Hunt e suas garotas que mostram mais o corpo do ator que das atrizes. Se você tinha o desejo secreto de saber como é o traseiro de Chris, aproveite. Que diabos, é o Thor, dos Vingadores, pelado, de costas!).</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Não é desse amor, às vezes feito às pressas, no banheiro do avião, que se gira a história. “Rush” é um triângulo amoroso entre Lauda, Hunt e a vitória (ou a glória, ou a conquista do título ou, em última análise, a Fórmula 1).</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
A vida não é filme, isso todo mundo já entendeu. Para ser filme, há que romancear os fatos, estereotipar os personagens, carregar em algumas cores e empalidecer outras. Como Eduardo Correa escreveu neste mesmo GPTotal, na resenha do filme,“Rush” pinta Niki Lauda como um “coxinha CDF”. É o herói obstinado, disciplinado, estudioso, praticamente uma personificação da ética protestante, pela qual o bom resultado é sempre uma consequência lógica do esforço. Hunt, a seu turno, é o <em style="border: 0px; font-family: inherit; font-size: inherit; font-stretch: inherit; font-variant: inherit; font-weight: inherit; line-height: inherit; margin: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">bon vivant</em>, o hedonista que persegue o prazer como bem maior e, nesse contexto, parece unicamente servir-se de um dom natural, como se seu talento na pista fosse um acidente, não o produto da dedicação e, por que não dizer, do sofrimento para conquistá-lo. Claro que Lauda não era esse poço de virtudes, nem Hunt o campeão acidental que os fatos rasos podem fazer crer. Mas funciona para a ficção e assim está pintado na tela.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
No desenrolar da narrativa, a consagração, a glória, a vitória, o título da Fórmula 1 desempenha o papel da musa desejada que oscila entre o bom moço e o <em style="border: 0px; font-family: inherit; font-size: inherit; font-stretch: inherit; font-variant: inherit; font-weight: inherit; line-height: inherit; margin: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">bad boy</em>. É a Ilsa Lund de Casablanca, indecisa entre o boêmio Rick Blaine e o militante Victor Laszlo. Não que o bar de Rick, o piano de Sam, o “play it again”, os nazistas da história sejam desprezíveis. Mas o foco, em Casablanca, está nos personagens de Ingrid Bergman, Humphrey Bogart e Paul Henreid. Da mesma forma, não é que os outros pilotos, as corridas e os carros possam ser limados de “Rush”. Mas não repousa ali o interesse da história. São pano de fundo para o triângulo formado entre Lauda, Hunt e a consagração final.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
“Rush” é um grande paradoxo. É da estirpe dos filmes “baseados em fatos reais”, o que não é mentira, mas está longe de ser uma reconstituição do que foi o dramático campeonato de 1976. Supor que as cenas de corrida o tornam um filme de ação é outra análise apressada. As excelentes reconstituições de carros percorrendo circuitos da época são elos entre as narrativas que constroem o embate entre Lauda e Hunt. Várias das dezesseis corridas são mostradas como simples legendas, em rápidos registros, formando uma espécie de clip recorrente ao longo do filme.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Nenhum demérito nisso. O recurso foi usado – e às vezes de maneira mais singela – no mítico “Grand Prix”, de 1966, dirigido por John Frankenheimer. Foi difícil, mas consegui escrever 895 palavras sobre “Rush” antes de citar o filme da vida de nove entre dez amantes de Fórmula 1. E, nessa comparação, talvez resida o paradoxo mais evidente de “Rush”: embora seja “baseado em fatos reais”, o filme de Ron Howard é menos real que “Grand Prix”, construído em torno de personagens fictícios. É certo que os personagens centrais de “Grand Prix” foram fartamente inspirados em pilotos reais, mas o cerne na história é mera ficção. Ainda assim, o roteiro filmado por Frankenheimer contribui mais para entender a dinâmica da Fórmula 1 dos anos 1960 do que “Rush” faz com o campeonato de 1976.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Deve ter contribuído para esse realismo de “Grand Prix” o fato de ele ter sido filmado “a quente”, aproveitando as imagens de inúmeras corridas do campeonato de 1966 na peça ficcional. Howard, por sua vez, reconstituiu um cenário de quase quarenta anos, deixando que o olhar em perspectiva molde os personagens a ponto de fazê-los estereótipos encaixados no modelo romanceado que convém a um produto cinematográfico. O desafio era contar uma história que pode soar como improvável pela lógica dos bons romances, afinal, neste caso, a mocinha escolheu o <em style="border: 0px; font-family: inherit; font-size: inherit; font-stretch: inherit; font-variant: inherit; font-weight: inherit; line-height: inherit; margin: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">bad boy</em>. Ver a glória entregar-se ao dissoluto Hunt era como mudar o final de Casablanca e permitir que Ingrid Bergman trocasse o marido circunspecto pelo charmoso Bogart. O recurso para premiar a ética do esforço é conduzir a narrativa pelo sobrevivente.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Depois do épico GP do Japão, no qual Hunt sagra-se campeão com um terceiro lugar que lhe garante o título por apenas um ponto de diferença, os dois rivais voltam a se encontrar. Lauda reforça o discurso moralizante para cima de Hunt. O inglês verbaliza um conceito que o perseguiu praticamente até o fim da vida – a insinuação de que só foi campeão por conta do pavoroso acidente de Lauda – e rechaça a ideia. O austríaco venceu mais dois campeonatos, em 1977 e 1984, sobreviveu ao acidente e ao próprio Hunt, que morreu após um ataque cardíaco fulminante, aos 45 anos. Isso tudo, contado no filme como reminiscência de Lauda, reforça a ideia de que ele pode ter perdido aquela batalha, mas ganhou a guerra. Ilsa Lund hesitou mas, afinal, não ficou com Rick Blaine.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
As peças de divulgação de “Rush” prometem mostrar “a maior rivalidade da história da Fórmula 1”. Outra mão pesada na condução da história. Lauda e Hunt, em que pese a disputa acirrada nas pistas, eram amigos, bons camaradas. À medida que a categoria foi se tornando cada vez mais um negócio altamente competitivo, a partir dos anos 1980, as rivalidades acirraram-se entre pilotos e acho que todos que acompanham Fórmula 1 há algumas décadas concordam que os embates entre Nelson Piquet e Nigel Mansell e entre Ayrton Senna e Alain Prost deixaram o duelo Lauda-Hunt com uma aura de rusga juvenil.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
O documentário “Senna” aprofunda esse contencioso entre o brasileiro e o francês, transformando os eventos vividos pelos dois em uma narrativa novelesca, ainda que totalmente baseada em “fatos reais”. Fico imaginando se, daqui alguns anos, alguém se aventurar a filmar também esse duelo, como Howard fez agora. Melhor vestir logo o ator que fará Senna de branco e dotá-lo de auréola. Prost, em um modelito vermelho, surgirá com chifres e tridente.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Mas, não se influencie por essa leitura crítica: “Rush” é excelente entretenimento. O problema é que nós, que gostamos demais desse troço chamado Fórmula 1, temos a essa história toda na cabeça. E, para aqueles que cultivam o hábito de pensar, então, é impossível assistir ao filme e não rotulá-lo como um bom filme. De ficção.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Por fim, um registro afetivo: terminada projeção, fiquei vários minutos lendo os créditos, em busca de um nome. Finalmente, surgiu na tela, como assistente de Mr. Ron Howard: Gabriel Henrique Gonzalez, filho do colega Wagner Gonzalez. Vi Gabriel, que nasceu em Londres, apenas uma vez. Com uns sete anos, esteve na minha casa e brincou de carrinho no chão da sala. Proud of you, Gabriel!</div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-88610382443622136282019-05-01T20:56:00.002-03:002019-05-01T20:56:25.640-03:00Senna e a bandeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidVbneQtZJOpzx88jExVzY7ZCMYC0ZpWn59EVwCzEd66UsUat_ixO2jlE9QAjum8z1Tgo1U3UsZ1j9cvNhrIdN0-HRtm-33JN5TbvJ5HOsZYxjYEXy0eIMy_hqhyphenhyphenN6BDKiQxu9/s1600/F1_Senna-Brasil-1993.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="563" data-original-width="1000" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidVbneQtZJOpzx88jExVzY7ZCMYC0ZpWn59EVwCzEd66UsUat_ixO2jlE9QAjum8z1Tgo1U3UsZ1j9cvNhrIdN0-HRtm-33JN5TbvJ5HOsZYxjYEXy0eIMy_hqhyphenhyphenN6BDKiQxu9/s400/F1_Senna-Brasil-1993.jpg" width="400" /></a></div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Você aí se preocupando com a inflação de 6% ao ano talvez não saiba, ou não se lembre, que o índice quase atingiu 80% em 1986. E esse número absurdo para os dias de hoje já foi um avanço na comparação com o ano anterior, quando a inflação chegou a estapafúrdios 242% ao ano. 1986 começou com um dos choques heterodoxos realizados na segunda metade da década, com o objetivo de debelar a inflação, o Plano Cruzado. Não deu certo. Em 1987, o índice ultrapassaria os 360%. A economia do Brasil naquele tempo era uma vergonha.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
É certo que o noticiário, em 1986, foi dominado pela economia no início do ano, mas chegou ao final do primeiro semestre tomado pelo interesse na Copa do Mundo, realizada pela segunda vez no México. Nada muito diferente do que já acontecia antes, a cada quatro anos, e voltou a acontecer depois, e sempre. No comando da seleção brasileira, o mesmo Telê Santana tido como arquiteto do futebol-arte derrotado na Copa de 1982. Era evidente que a seleção brasileira que se apresentou no México não inspirava a mesma esperança de quatro anos antes, mas não era fora de propósito renovar a crença e sonhar com um título que já não vinha para o Brasil havia 16 anos.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
No dia 21 de junho de 1986, um sábado, a seleção brasileira entrou em campo para disputar as quartas-de-final contra o time da França, que tinha como principal expoente o jogador Michel Platini, no ocaso de uma bela carreira em clubes, mas sem um título mundial pela seleção de seu país (que, por sinal, só viria em 1998). No tempo regulamentar daquele jogo no estádio Jalisco, 1 x 1. Na disputa de pênaltis, o Brasil saiu derrotado, 4 x 3. Dito assim, parece um jogo qualquer. Não foi. Drama, pênalti perdido durante a partida pelo atacante Zico, que saiu como o grande vilão do Brasil na derrota. Para aumentar a sensação de tragédia, no pênalti cobrado pelo francês Bellone, a bola maliciosamente bate na trave, atinge as costas do goleiro brasileiro Carlos e entra para o gol. Quatro anos depois da derrota no Sarriá, quando o Brasil foi eliminado pela Itália de Paolo Rossi, nova frustração para a torcida. O país cuja economia era uma vergonha passava vergonha também no futebol.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Poucas vezes a expressão “nada como um dia após o outro” fez tanto sentido. No domingo, 22 de junho, aconteceria o GP dos Estados Unidos da temporada de Fórmula 1, no circuito de rua de Detroit, sétima prova daquele campeonato. Uma semana antes, vitória do inglês Nigel Mansell no GP do Canadá. A torcida estava com os olhos voltados para Jalisco e poucos devem ter atentado para o fato de que Ayrton Senna havia marcado a pole position para a corrida estadunidense. Foi a 11ª pole de sua carreira. Logo atrás dele, a dupla da Williams, com Mansell à frente de Nelson Piquet. O francês Alain Prost, que desembarcou em Detroit como líder do campeonato, largava apenas em sétimo.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Logo no início da prova, Senna perderia a liderança para Mansell, recuperando a ponta na oitava volta, quando o inglês começou a enfrentar problemas com os freios. O brasileiro começou a abrir vantagem para os demais, quando foi obrigado a fazer um pit stop por conta de um pneu furado, na 13ª volta. Lá na frente, a liderança sobrava para dois franceses, consecutivamente. Primeiro, com René Arnoux, que se manteve na ponta por apenas três voltas, sendo obrigado a também ir aos boxes para trocar pneus. Depois, com Jacques Laffite. Senna, nessa altura, fazia uma bela corrida de recuperação, passando Michele Alboreto, Stefan Johansson, Arnoux e Prost. Na volta 31, Senna passa Mansell e é beneficiado pela parada de Laffite nos boxes. Nessa altura, o brasileiro já estava em segundo, atrás do compatriota Piquet, e voltou a ser beneficiado por mais uma ida do líder ao box. Com uma parada longa demais, Piquet voltou à pista disposto a recuperar posições, mas acabou batendo e abandonando na volta 42.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Enquanto isso, Senna mantinha a liderança segura na prova, mantendo-se em primeiro da 39ª volta à bandeirada. Depois do acidente de Piquet, praticamente só franceses alternaram-se nas posições que davam direito ao pódio. Arnoux, que também acabaria saindo da prova por acidente, Laffite, terminando em segundo e conquistando o último pódio de sua carreira, e Prost, que se debateu com problemas nos freios mas, ainda assim, garantiu o terceiro lugar. Senna chegava à sua quarta vitória, a segunda no ano, mas o GP dos EUA de 1986 ficaria marcado na memória do público brasileiro menos por essas estatísticas e mais, muito mais, por um gesto de Senna.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Ao garantir a vitória, já na volta de desaceleração, Senna diminui a velocidade, para o carro próximo a um guard rail e faz um gesto para alguém que assistia à corrida. Um homem se aproxima e entrega ao piloto uma pequena bandeira do Brasil, daquelas feitas em plástico, com uma pequena haste. Bandeira de parada militar, eu definiria. Ele terminou a volta segurando e agitando a bandeira, assumindo, depois, que o gesto era uma forma de compensar a frustração do público brasileiro pela derrota no dia anterior. Caiu bem. Caiu muito bem.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
A comparação da bandeira de Detroit com os artefatos utilizados por populares e estudantes em parada militar não foi à toa. Em 1986, o Brasil vivia o segundo ano após o fim da ditadura militar. Durante vinte e um anos, o governo federal sempre procurou associar os símbolos nacionais aos feitos do próprio Estado. Usar verde e amarelo na década de 1970, para o brasileiro médio, era uma forma de expressar patriotismo. Não faltavam oportunidades para isso, mas a apoteose era mesmo o 7 de setembro, quando até fitinhas nas “cores do Brasil” eram distribuídas para serem amarradas nas antenas dos rádios dos carros. Para uma geração como a minha, que cresceu no período, a associação da bandeira do Brasil com o governo militar era direta e, em um determinado momento, começou a se tornar repulsiva.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
De quatro em quatro anos, era como se a seleção brasileira de futebol se apoderasse do verde e amarelo. Depois do “Brasil que vai pra frente” e traz a Jules Rimet definitivamente, uma cacetada após a outra. Em 1974, perdemos o rumo no carrossel holandês. Em 1978, a farsa que deu o título à seleção argentina, no bojo de uma ditadura militar ainda mais recrudescida. 1982 e o grande trauma do futebol-arte que deu em nada. Enquanto isso, o Brasil ia se afundando na “carestia”, desconstruindo o mito de que aquele governo, que nos livrara da ameaça comunista, era o mais competente para garantir uma vida tranquila à população. Os donos da bandeira – governo e seleção brasileira de futebol – estavam por baixo. Empunhá-la era quase um escárnio.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<span style="text-align: center;">Ao empunhar a bandeira pela primeira vez, naquele 22 de junho, caprichosamente à frente de dois franceses, Senna não apenas vingou a derrota do dia anterior, mas reabilitou um símbolo nacional. No lugar de um governo autoritário que progressivamente passou a desagradar a maioria da população ou de jogadores incompetentes, um jovem bem nascido e obstinado pela vitória. Um Brasil que dá certo e dá orgulho. Uma bola dentro, provavelmente surgida da espontaneidade, e depois largamente utilizada como forma de reafirmar a condição de grande herói do povo brasileiro, que Senna exerceu dali para frente, até sua morte.</span></div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
De 1986 para frente, agitar ou empunhar uma bandeira do Brasil tornou-se algo natural e esperado nas vitórias de Senna. No pódio do GP do Brasil de 1991, sua primeira vitória em casa, aquela da sexta marcha, o piloto carrega um bandeira grande, com haste, e exacerba na expressão da dor até para erguê-la, reafirmando a missão de literalmente carregar o Brasil nos ombros. Em 1992, acossado pela ameaça de impeachment, o ex-presidente Fernando Collor jogou a sorte com o apoio popular e suplicou que o brasileiro o apoiasse no domingo seguinte, saindo às ruas de verde e amarelo. A população respondeu com roupas pretas. Perdeu, playboy. Naquele ano, Senna até poderia estar lascado, correndo atrás de uma Williams inalcançável, mas o verde-amarelo era dele.</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Reza a lenda que, dentro do FW 16 que levou Senna ao encontro da morte, repousava uma bandeira da Áustria, homenagem póstuma do brasileiro ao companheiro Roland Ratzenberger, morto no dia anterior. Teria sido bonito. Dois meses depois, quando a seleção brasileira de futebol finalmente voltou a ser campeã, 24 anos depois do “pra frente Brasil”, vários jogadores enrolaram-se em bandeiras brasileiras. As referências a Senna foram evidentes, inclusive com uma faixa exibida por jogadores ainda em campo, na qual se lia: “Senna…aceleramos juntos, o tetra é nosso”. Mais do que homenagear o herói morto, a seleção parecia pedir licença para retomar o símbolo para si. Vinte anos depois, sem títulos na Fórmula 1 há vinte e três anos, sem títulos no futebol há doze, com uma insatisfação pelo país cada vez mais evidente, por motivos diversos, a bandeira respira com esperança de voltar à moda. Vai que é tua, Neymar?</div>
<div style="background-color: #f7f9fa; border: 0px; color: #0a0a0a; font-family: Lato, Arial, Tahoma, sans-serif; font-size: 18px; font-stretch: inherit; font-variant-east-asian: inherit; font-variant-numeric: inherit; line-height: inherit; margin-bottom: 15px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Texto publicado pela primeira vez em maio de 2014.</div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-26739241115195638092018-11-22T20:36:00.000-02:002018-11-23T17:53:54.708-02:00As viúvas: quem roubou de quem?<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiv1N0uRDJZj1VrhcEm-_00onk1ebxxtW7ln2AOAHALt4EBXM8Xby7ow4WY6CnJdEbAFwA-Ri2l6RgZ3m-DLOLrUJtlZYmxq_to6iib8oFH-jnBpCX_Wexm66f1ZRb1K_EAhASu/s1600/viola+widow.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiv1N0uRDJZj1VrhcEm-_00onk1ebxxtW7ln2AOAHALt4EBXM8Xby7ow4WY6CnJdEbAFwA-Ri2l6RgZ3m-DLOLrUJtlZYmxq_to6iib8oFH-jnBpCX_Wexm66f1ZRb1K_EAhASu/s400/viola+widow.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Viola Davis (Veronica): "mulher é o crioulo do mundo"</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal">
Em sua essência, “As viúvas”, novo longa-metragem dirigido
por Steve McQueen, de “Doze anos de escravidão”, é um filme sobre um grande roubo.
Circundando o tema principal, “As viúvas” às vezes tangencia e, em outras,
mergulha tão fundo em tantos assuntos que talvez seja mais correto afirmar que
se trata de um filme sobre racismo, machismo, violência doméstica, xenofobia, classismo,
lugar de fala, corrupção e sororidade, tendo, como pano de fundo, os planos
para um grande roubo, e o roubo em si.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na sequência de abertura, “As viúvas” mostra os personagens
Veronica (Viola Davis) e Harry Rawlings (Liam Neeson) se beijando, deitados na
cama. A cena é cortada por sequências de homens fugindo em uma van, durante um
roubo. Além das cenas de intimidade desse casal, a abertura também mostra
sequências de outros três casais em seus cotidianos, deixando claro que aqueles
eram os homens que seriam mortos durante uma operação criminosa, e elas, suas
viúvas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ambientado em Chicago, o filme desenvolve a trama dessas
mulheres no contexto de uma eleição municipal, que contrapõe os personagens
Jack Mulligan (Colin Farell), sucessor político de seu pai, Tom Mulligan
(Robert Duvall), e Jamal Manning (Brian Tyree Henry), que tenta ser o primeiro vereador
negro eleito no distrito. Manning, que logo se mostra conectado a ações
ilícitas, como evidencia sua relação com o sobrinho Jatemme (Daniel Kaluuya), pressiona
Veronica após a morte do marido, que era o chefe do bando, exigindo que ela termine
a tarefa não concluída pela quadrilha. Ameaçada, ela convoca as outras viúvas
para cumprir a tarefa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjA0lLgwjhxoEnmohHqr8CXaFvQlwcR67ABiqe2JvQypEoJEphP2OBMFeAPD0p2Is-KKdcZU_N3eEUX7FCo8qbVIob_4TxyFhx7IRtSfUgwZaY02Azt4-FUTwCjgRwFxNVwyKH6/s1600/viola+colin+widows.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="560" data-original-width="1366" height="163" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjA0lLgwjhxoEnmohHqr8CXaFvQlwcR67ABiqe2JvQypEoJEphP2OBMFeAPD0p2Is-KKdcZU_N3eEUX7FCo8qbVIob_4TxyFhx7IRtSfUgwZaY02Azt4-FUTwCjgRwFxNVwyKH6/s400/viola+colin+widows.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Viola Davis e Colin Farell</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p>Para contar essa história, com uma daquelas revelações
surpreendentes quase no final, McQueen apoia-se em um roteiro, do qual é
coautor, baseado no livro “Widows”, de Lynda La Plante. Transitando em dois
mundos muito distintos – o dos brancos e o dos negros – o diretor diferencia
esses universos por meio de símbolos visuais e sonoros inequívocos: o comitê
espartano do candidato negro versus o equivalente luxuoso do político branco; o
rap dos negros, o cool jazz dos brancos.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No entanto, para mostrar que aqueles universos aparentemente
tão distantes conviviam praticamente na mesma vizinhança, McQueen lança mão de
um plano sequência que registra uma viagem de carro, paradoxalmente conduzida
pelo lado de fora do veículo. Enquanto se ouvem as vozes de Jack Mulligan e de
sua assessora, de dentro do carro, a câmera passeia pelos bairros de Chicago,
saindo do desprovido distrito pobre, habitat dos negros, para rapidamente chegar ao
endereço elegante dos brancos, com suas casas sofisticadas, cercadas por
grades.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É na personagem Veronica, no entanto, que reside a interseção
dos dois mundos, como uma afronta àquela divisão. Veronica é uma mulher negra e
rica, altiva em uma condição sócio-econômica que logo se revela frágil. Não tão
frágil, no entanto, quanto seu próprio espírito, indelevelmente marcado por uma
tragédia, revelada nos minutos finais do filme, cuja origem não foi outra senão
o racismo. Há outro personagem, o reverendo Wheeler (Jon Michael Hill), um
pastor negro protestante, que também transita entre os dois mundos. Em um
sermão com frases como “Hoje, a ignorância é a normalidade, ou melhor, é a
excelência”, Wheeler tem o salvo-conduto de ser reconhecido como um líder de
espíritos, mentes e votos. Por isso, tem o respeito que Veronica não desfruta
nem entre negros, muito menos junto aos brancos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Basicamente, porque “a mulher é o crioulo do mundo”, como já
cantava John Lennon. O que dizer, então, quando a mulher é negra? No contato
com as viúvas que arregimenta para terminar o serviço dos maridos, Veronica se
porta como chefe. Mas é notável que acabe funcionando como trampolim para a
dignidade da jovem viúva Alice (Elizabeth Debicki), uma loira de origem
polonesa e aparência frágil que apanhava do marido e era humilhada pela própria
mãe. A primeira vez em que Alice consegue levantar a voz não se dá em uma
discussão com o marido agressor, na conversa cercada de hipocrisia com a mãe ou
nos encontros com o novo e egoísta namorado, mas com a mulher negra que a
confronta, mostrando que os esforços de sororidade ainda precisam transpor
muitas barreiras de racismo depositadas ao longo dos séculos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHFJkd5ZuntTChWdgf0DyxzbbjQok6vec1-R-dPY9V9hpLjbrKQWNUbkY5r99NMCEC4IczREeB9G7ghBntFb6630dqYAc3THquUpdH6mOQ6cnpY3BOm6z79jXJGmUvol1qjf6Q/s1600/linda+alice+widow.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1001" data-original-width="1503" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHFJkd5ZuntTChWdgf0DyxzbbjQok6vec1-R-dPY9V9hpLjbrKQWNUbkY5r99NMCEC4IczREeB9G7ghBntFb6630dqYAc3THquUpdH6mOQ6cnpY3BOm6z79jXJGmUvol1qjf6Q/s400/linda+alice+widow.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Michelle Rodriguez e Elizabeth Debicki</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tão arraigada permanece a questão da cor da pele que Alice,
já revestida de uma coragem provavelmente inédita em sua vida, não tem
dificuldade para cumprir a tarefa de comprar armas de fogo para o grupo,
provocando a empatia de uma típica mulher e mãe norte-americana. Fingindo-se
uma esposa ameaçada pelo marido (sabemos onde ela se inspirou para compor a
história), Alice sensibiliza a mulher acompanhada de sua filha a orientá-la
sobre quais revólveres escolher. Diante da frase candidamente repetida pela
menina (“Mamãe, você sempre diz que a arma é a melhor amiga de uma mulher”), o
trio mostra que a sororidade, de fato, existe, mas prolifera melhor entre
iguais no tom de pele.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Contudo, o filme de McQueen não se contém nas dualidades
entre negros e brancos, inserindo-se nas sutilezas de confrontos de outras
naturezas. Imersa em conceitos abertamente racistas e xenófobos, uma conversa
entre o velho Tom Mulligan e seu filho Jack mostra que há embate também no
aspecto geracional. “Não vamos perder esta cidade para pessoas que vieram para
cá ilegais e que não param de ter filhos”, diz Tom a certa altura, diante da evidente
falta de traquejo político do sucessor. No entanto, ainda que o conflito crie
uma relação crispada de ressentimentos e frustrações, ele não parece pujante o
suficiente para mobilizar revoluções, deixando claro que a cartilha continuará
sendo seguida, menos por crença, e muito mais pela normalidade que oferece,
algo que se reforça em uma pergunta do velho: “mudar as coisas para quê?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É admirável que a história ainda consiga se debruçar sobre
questões como a misoginia e até o lugar de fala. A máscara de brinquedo da
filha de uma das personagens inspira as mulheres a transformarem suas vozes no
momento crucial da tarefa. Estariam elas disfarçando suas identidades ou
emprestando um tom masculino às próprias vozes, como busca desesperada por
respeito? E como não se sensibilizar com o comício do candidato branco que
chama ao palanque mulheres negras para dar testemunho de seus empreendimentos,
facilitados por brancos, em um discurso proferido apenas e unicamente pelo homem
branco da cena?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Agudo na construção de seus personagens e conflitos, “As
viúvas” é um exemplar filme “de roubo”, mas, ao final, é impossível não ter a
convicção de que aquelas mulheres (todas as mulheres?) foram e continuam sendo
roubadas nos que lhes é mais caro: a dignidade.<o:p></o:p></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-80509194007730865202018-10-23T18:01:00.001-03:002018-10-23T18:01:35.969-03:00Sua bolsa tá aberta...<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNns9zGuGItnFyeqc_4B02Q3a8QYnqWnR47qRaWLNNEODdTMxwLK_FYpWo7_dtQB2_VjZiYbYqBdyoF22HNS4H_NP1qwmgsPIzBjr8bxtwMVMoTotYcFdc2YgDh5YcRtScIa81/s1600/bolsa+aberta.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="346" data-original-width="476" height="290" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNns9zGuGItnFyeqc_4B02Q3a8QYnqWnR47qRaWLNNEODdTMxwLK_FYpWo7_dtQB2_VjZiYbYqBdyoF22HNS4H_NP1qwmgsPIzBjr8bxtwMVMoTotYcFdc2YgDh5YcRtScIa81/s400/bolsa+aberta.jpeg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A frase quase sempre soa como se um meteoro estivesse
prestes a cair sobre a minha cabeça. É um aviso angustiado, de medo, de ameaça
à espreita. “Cuidado, moça, sua bolsa está aberta!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Geralmente, no metrô ou em algum outro lugar público. Já fiz
troça da frase. “Eu sei, não consigo pegar minhas coisas com ela fechada.” Já
fiz discurso. Já me resignei simplesmente e disse apenas “obrigada”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas é uma frase que me incomoda, me irrita, cutuca minha
consciência, porque revela um pensamento de cunho pequeno-burguês. Uma neurose
pela qual o mundo conspira para tomar o que pertence a esse cidadão de bem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sim, a frase também pode ter simples cuidado com o outro, um
aviso bem-intencionado. Claro que pode. Mas seu cerne é essa certeza de que o
outro está a postos para tomar o que eu conquistei, com o meu suor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
São Paulo, trabalho não falta. Ainda que você passe três
horas do seu dia sacolejando em um vagão, ou no ônibus. Mas, final do mês,
salário na conta. Mexer na minha bolsa? Cuidado, moça, sua bolsa tá aberta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu entendo o trabalhador que saiu do sertão e aqui encontrou
a chance de não morrer de fome, ainda que morra de cansaço um pouco por dia, e
de pressão alta um pouco por ano, e de câncer no pulmão, de vez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Entendo que ele tenha essa neurose, essa frase automática,
esse grito de alerta incontido. Deus o livre levarem seu dinheiro, seu celular,
essas coisas que a gente custa tanto a conquistar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu entendo que ele desenvolva um medo permanente de ser
roubado, e que enxergue na punição exemplar o único jeito de evitar esses larápios.
E se deixe seduzir pela ideia de se armar contra essa ameaça.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Causa e efeito: trabalhei, Deus me ajudou, venci. Calvinismo
puro. Vem aqui me roubar? Te recebo com bala, filho de um cão. É uma pena, mas
não tenho o direito de pedir para ele pensar em programas de inclusão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas há o outro pequeno-burguês, apartamento de 70 metros
quadrados, varanda gourmet, financiado em 30 anos, sedã adquirido em consórcio,
60 parcelas, que vocifera contra a taxação de grandes fortunas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(pausa para o riso)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Aquele que herdou propriedades e rala o mês inteiro,
administrando os dividendos da família enquanto falsifica uma carteirinha de
estudante porque o ingresso nessas novas arenas ficou bem mais caro que no
Pacaembu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Esse pequeno-burguês não anda de metrô, portanto sua bolsa
raramente corre o risco se ficar aberta. Mas nem por isso ele sossega atrás do
sedã com vidro filmado, da grade do condomínio. Deus o livre roubarem suas
coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Esse pequeno-burguês não encontra o pequeno-burguês alarmado
no metrô. Encontrava recentemente, nos aeroportos. Seu sobrinho encontrou
outros deles há algum tempo, na faculdade. Deus o livre, roubaram minhas
coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se o pequeno-burguês do metrô avisasse da bolsa aberta para
o pequeno-burguês do sedã, o pequeno-burguês do sedã olharia com medo para o
pequeno-burguês do metrô.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O medo do pequeno-burguês do metrô é de ladrão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O medo do pequeno-burguês do sedã é de pobre.<o:p></o:p></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-54132461492636500262018-04-16T10:05:00.000-03:002018-04-16T10:05:03.314-03:00Max, o adultescente<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCRgsz0g7-tzc7bG4x6AX1e89lfxb84OhNdC9WxLPGlWWVURadnYokkWyu2alt3T72KCNxjTRY_1J5la-X4sSWdmhcrBRoPOILMDzPtGxbzpqlAsNodaygAO6C4EKcp6kb7XZJ/s1600/verstapen.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="620" data-original-width="960" height="257" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCRgsz0g7-tzc7bG4x6AX1e89lfxb84OhNdC9WxLPGlWWVURadnYokkWyu2alt3T72KCNxjTRY_1J5la-X4sSWdmhcrBRoPOILMDzPtGxbzpqlAsNodaygAO6C4EKcp6kb7XZJ/s400/verstapen.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
"Os 40 são os novos 30." Sempre que vejo alguém reivindicar juventude onde deveria haver maturidade, tento ser condescendente. Afinal, uma das marcas mais significativas das últimas décadas foi a grande mudança demográfica pela qual a sociedade tem passado: estamos ficando mais velhos. Antes, era preciso começar a trabalhar cedo, casar cedo, ter filhos cedo, porque raramente se iria além dos 50 anos. Hoje, chegando e ultrapassando os 80, a visão do tempo mudou. A linha de chegada avançou muitos quilômetros nessa longa estrada da vida, e o ser humano sabe que, com enorme probabilidade, não terá chegado à metade da sua existência quando fizer 40 anos. Sendo assim, o que dizer de alguém de 20?<br />
<br />
O piloto holandês Max Verstappen tem 20 anos. Fez sua estreia na Fórmula 1 em março de 2015, quando tinha apenas 17. Ou seja, podia pilotar um carro da categoria mais importante do planeta, mas ainda não podia dirigir pelas ruas. Foi um assombro: em sua segunda corrida, já conquistou um sétimo lugar. Marcou pontos em outros nove GPs, demonstrando o arrojo típico dos grandes talentos. A bordo de um carro da Toro Rosso, Verstappen cumpria o papel de jovem promessa na equipe que é o time B da Red Bull. Chamou tanta atenção que, no ano seguinte, fez apenas quatro corridas pelo time original, sendo promovido à Red Bull a partir do GP da Espanha. Nessa primeira corrida, justificou a pressa dos patrões em assegurar seu passe, colocando-o fora dos olhos grandes da Ferrari, que parecia cortejar o garoto. Conquistou nessa mesma corrida sua primeira vitória, beneficiando-se da colisão entre os favoritos Lewis Hamilton e Nico Rosberg, da Mercedes.<br />
<br />
Verstappen muito rapidamente virou uma estrela na Fórmula 1. Com duplo apelo - o talento e a juventude - amealhou uma torcida jovem militante em sua causa. A cada prova, essa verdadeira esquadra passou a atuar em bloco nas eleições de "piloto do dia" e o holandês vencia quase sem esforço a sondagem realizada no site da Fórmula 1. No ano da estreia pela Red Bull, Verstappen terminou em quinto no campeonato, confirmando a boa aposta da chefia, ainda que a Red Bull não tivesse o mesmo nível técnico das rivais Mercedes e Ferrari. Em 2017, no entanto, os erros do holandês começaram a se proliferar.<br />
<br />
É certo que ele perdeu muitos pontos por quebras do carro e situações em que sua culpa seria nula ou pelo menos relativa. Mas também é evidente que Max deixou de somar pontos para si (e para a equipe), por excesso de arrojo, como no GP da Hungria, em que uma ultrapassagem forçada pelo holandês tirou da prova Daniel Ricciardo, seu companheiro de equipe. Mas nenhum erro anterior parece tão determinante quanto a sequência estabanada do GP da China de 2018. Verstappen beneficiou-se da estratégia - e da agilidade - da Red Bull, que chamou seus dois pilotos ao box na mesma volta e trocou-lhes os pneus no momento exato em que o Safety Car aproximava os outros carros na pista.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXehMLowgY27TJ1mdq-xF4paNkX8RvOIeXjBkNdfV9kPW0nrEo_MfgHwHTLgH2EJlUw5XJLbK4l0Xcu7KW2P936ugiBUBwWa2OZIE6HKg2IGveEKZpDh1U_AWyld9mGvXoZqC8/s1600/racefansdotnet-20180415-093020-42.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1067" data-original-width="1600" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXehMLowgY27TJ1mdq-xF4paNkX8RvOIeXjBkNdfV9kPW0nrEo_MfgHwHTLgH2EJlUw5XJLbK4l0Xcu7KW2P936ugiBUBwWa2OZIE6HKg2IGveEKZpDh1U_AWyld9mGvXoZqC8/s320/racefansdotnet-20180415-093020-42.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
Só que Max, com excesso de arrojo e falta de paciência, forçou duas ultrapassagens. Primeiro, sobre Hamilton, saindo da pista e sendo ultrapassado pelo companheiro Ricciardo. Depois, sobre Sebastian Vettel, fazendo com que os dois pilotos rodassem e ele mesmo recebesse uma punição de dez segundos. Vettel terminou a prova em oitavo, Verstappen, em quinto, assistindo a uma exibição irretocável do companheiro australiano. Finda a prova, o jovem holandês foi imediatamente pedir desculpas ao alemão, que aceitou e elogiou o gesto de <i>mea culpa</i>.<br />
<br />
Do ponto de vista esportivo, a série de manobras desastrosas talvez ajude Max a aprender com os erros. Com apenas 20 anos, Verstappen pode se tornar um multicampeão no futuro, claro. A título de comparação, vale lembrar que alguns campeões recentes da categoria já estavam lutando e vencendo seus primeiros títulos em suas quartas temporadas (Michael Schumacher, Fernando Alonso e Sebastian Vettel, especificamente). Hamilton, outro caso raro, foi campeão no segundo ano e lutou por ele no primeiro. Schumacher foi campeão, pela primeira vez, com 25 anos. Alonso, com 24 (o campeão mais jovem até então). Vettel, com 23 (batendo o recorde de Hamilton).<br />
<br />
Todos eles, em seus inícios de carreira, cometeram erros em profusão. Normal, esperado até. Em sua quarta temporada na Fórmula 1, Verstappen já tem experiência o suficiente para não poder mais ser considerado uma promessa. Se perder corridas como a da China, por sua própria culpa, já não pode colocar o revés na conta da pouca idade.<br />
<br />
Os erros na China não anulam o enorme talento de Verstappen nem inviabilizam seu futuro promissor. Mas o que parece chocante é acompanhar sua massa de torcedores-seguidores deixando de enxergar a culpa do piloto nas duas manobras desastrosas. No fundo, o choque se desfaz quando voltamos lá para o começo da história e lembramos que um ser humano adulto, hoje, parece ter salvo-conduto para continuar imaturo aos 20 anos. Passando a mão na cabeça desses jovens tão talentosos, voluntariosos e, em muitos casos, privilegiados, estamos criando uma imensa população de "adultescentes".Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-16196051381650058572018-04-05T23:08:00.001-03:002018-04-05T23:16:27.485-03:00Dois cigarros: a transitoriedade de tudo<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCSDjorZnH4xFSrtrED-zlcFItCMfDUnmYcr5dTZz7zD-556ZJ6RjI3U66BRmLnqXoRQ6FXy7EEXRRVU1eaSKvLCGzSHLAD0vTfNgE1ZY72IcUw9MX4w_72T_ZcJh8WPbeISYp/s1600/capa_doiscigarros.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="715" data-original-width="950" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCSDjorZnH4xFSrtrED-zlcFItCMfDUnmYcr5dTZz7zD-556ZJ6RjI3U66BRmLnqXoRQ6FXy7EEXRRVU1eaSKvLCGzSHLAD0vTfNgE1ZY72IcUw9MX4w_72T_ZcJh8WPbeISYp/s400/capa_doiscigarros.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O primeiro romance do jornalista e escritor Flavio Gomes</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
Homens de meia idade costumam ser crianças crescidas, e por
isso mesmo respondem à voz de comando de uma mulher com obediência canina. Talvez
por serem de uma geração acostumada aos mimos de mães e avós zelosas e onipresentes,
de alguma ou de várias formas parecem buscar essa segurança opressora vida afora. Da mesma forma que o instinto do cachorro faz com que ele
aceite as ordens do dono porque vai receber comida depois, o homem entrado em
anos recebe os desígnios da mulher em busca da recompensa carnal que ela
eventualmente irá a ele destinar.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Dois cigarros</i>,
primeiro romance do jornalista e escritor Flavio Gomes, tem um protagonista sem
nome consciente dessa condição. O livro, em primeira pessoa, é um relato de um
homem de quarenta e poucos anos para uma mulher mais jovem. A
relação comandante-comandado fica evidente logo nas primeiras páginas, que
relatam uma viagem do casal a uma hipotética cidade do interior de Minas
Gerais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A jovem guia todos os passos da dupla, determina a dinâmica
entre eles, escolhe dos passeios ao cardápio, passando pelas roupas dos dois.
Ele obedece e se cala, como o cão que senta, deita, rola, vai buscar a bolinha,
volta com a bolinha, abana o rabo porque sabe que, depois, vai ganhar ração.<o:p></o:p></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi48_NdTJAn1Lm2tMtMHfsQLwtfZwYcpkEUWB0oHBvtP0M-rRXoTlK_OASiugxH4kr9jE33VsojnzTyKQB1XO36SXECrlTmTbvcpM3HdKLdR37j9QPTuFtVOp8gKLoISWqZuOqH/s1600/flavio-gomes-01042018154638319.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="360" data-original-width="660" height="217" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi48_NdTJAn1Lm2tMtMHfsQLwtfZwYcpkEUWB0oHBvtP0M-rRXoTlK_OASiugxH4kr9jE33VsojnzTyKQB1XO36SXECrlTmTbvcpM3HdKLdR37j9QPTuFtVOp8gKLoISWqZuOqH/s400/flavio-gomes-01042018154638319.jpeg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Gomes, no lançamento do livro, em São Paulo</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
Só que a moça, além de altiva, é errática. Entra e sai da
vida do tiozinho solitário sem aviso. Como tudo, aliás. Na vida dele. Na vida, apenas. Cada vez que volta, surge a bordo de
ordens e mistérios. O domínio que exerce sobre o pobre macho pode lembrar o
perfil da mulher desalmada de “Travessuras da menina má”, de Mario
Vargas-Llosa. Mas, enquanto o protagonista do escritor peruano é um pobre diabo
revestido de autocomiseração, o arquiteto errante de Flavio Gomes é um ser
resignado. Não há nada de grandioso em sua existência – nem os prazeres, nem as
danações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, se as autoimagens dos dois protagonistas são bastante
diferentes, as visões que ambos têm das mulheres de seu desejo são totalmente
opostas. O peruano ressentido parece sempre disposto a julgar o comportamento
da “menina má”, inclusive como forma de reforçar sua própria miséria. O
arquiteto/barqueiro/garçom de Flavio Gomes tem arroubos de raiva e desprezo
pela jovem que o domina ao nível da paranoia, mas nunca a julga e, ainda que a
ligação entre ambos seja carnal, o romance jamais resvala na descrição dos
encontros físicos entre ambos. Elegância? Mistério? Algum pudor?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não. Porque não é essa ligação física o que move a história.
Um inesperado plot twist coloca <i>Dois cigarros</i> na trilha de uma narrativa em vários
tempos, e é muito mais a vida daquele pobre diabo que passa a interessar o
leitor. Costurada como um labirinto cujos caminhos, de alguma forma, irão se
encontrar, a trama equilibra eventos frenéticos e divagações existencialistas
de forma instigante, saborosa. Flavio Gomes tem um dos melhores textos do jornalismo esportivo brasileiro há quase trinta anos. Não é de se espantar que tenha trazido sua prosa altamente coloquial para o formato romance, legando ao público uma história sobre amor que é também sobre a vida, ou sobre a transitoriedade de tudo, inclusive dos sentimentos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Desavisado, ou mal-intencionado, um leitor crítico poderia
questionar: por que ele está contando para a mulher uma história que ela mesma
viveu? Insignificante, resignado, blasé, aquele homem de meia idade nunca havia
falado de sua (s) vida (s) para ninguém, nem para ela. Contar a história dela
era uma forma de dar significado à existência banal dele. A narrativa o colocou
no controle, porque todo homem de meia idade é uma criança crescida, mas grita
por dentro a necessidade de ser pelo menos um pouco macho alfa.<o:p></o:p><br />
<br />
Sobre o livro, lançado pela Gulliver, acesse <a href="https://gullivereditora.com.br/?product=dois-cigarros" target="_blank">aqui</a>. </div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-55905911371772784792018-04-04T07:48:00.001-03:002018-04-04T08:33:58.502-03:001968, o ano que terminou em abril*<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWJQ3yILtBmu4j1TO-COgNYztQHHwFjmBUOpaGPi-ooxepg98J4hYLA3M6qvzmNx-Bvt89MMsNZDYeUksE-YrebOd2EQCeBoYLw1tJMUwfcsSAZ9zBEDGKY4mE0xK3BxV2-9LC/s1600/clark+hill.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="182" data-original-width="277" height="262" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWJQ3yILtBmu4j1TO-COgNYztQHHwFjmBUOpaGPi-ooxepg98J4hYLA3M6qvzmNx-Bvt89MMsNZDYeUksE-YrebOd2EQCeBoYLw1tJMUwfcsSAZ9zBEDGKY4mE0xK3BxV2-9LC/s400/clark+hill.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Jim Clark e Graham Hill: a batalha que não houve</td></tr>
</tbody></table>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Enquanto você estourava champanhe, pulava sete ondas, comia lentilhas, guardava caroços de romã na carteira, ouvia a mesma história daquele tio pelo oitavo Réveillon seguido ou curava as bolhas ganhas na São Silvestre, a Fórmula 1 registrava quarenta anos da última vitória de Jim Clark, em Kyalami, tornando-se o escocês o maior vencedor da Fórmula 1 até então, com 25 vitórias, superando Juan Manuel Fangio. A informação pode soar estranha – corrida de Fórmula 1 no dia 1º de janeiro?</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Sim, e a estranheza tende a aumentar quando se descobre que a segunda corrida daquele campeonato de 1968 só aconteceria mais de quatro meses depois. Outros tempos, sem o foco da Fórmula 1 ajustado no binômio negócios-espetáculo que passou a nortear os eventos esportivos nos últimos anos. A lógica era simples: escapar o quanto fosse possível do inverno. Assim, era natural ter uma corrida na África do Sul em janeiro, em pleno verão no hemisfério sul, e só retomar o calendário na primavera europeia.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Clark venceu a prova de abertura em 1º de janeiro. Quando a Fórmula 1 desembarcou na Europa, para o GP da Espanha, em 12 de maio, o então líder do campeonato e bicampeão da categoria (1963 e 1965) estava morto. Em 7 de abril daquele ano, Clark perderia a vida em uma etapa do Campeonato Europeu de Fórmula 2, em Hockenheim, na Alemanha. Outro aspecto que, à luz de quarenta anos passados, pode parecer sem sentido. Clark correndo de Fórmula 2 em 1968 seria o mesmo que Fernando Alonso disputando uma prova da GP2 atual. Mais ou menos.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Naquele tempo, era comum ter pilotos da Fórmula 1 disputando provas da Fórmula 2. Desta mesma corrida em Hockenheim, participaram, por exemplo, pilotos do quilate de Graham Hill, companheiro de Clark na Lotus, e também campeão do mundo, e Chris Amon. Não havia nada de extraordinário, portanto, nesse cruzamento de pilotos e categorias. Além do mais, a Fórmula 1 vivia seu longo período de hibernação.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Clark perdeu o controle de seu carro na sétima volta, entrou por um trecho da floresta e bateu de lado, violentamente, em uma árvore, na altura do cockpit, morte instantânea. A vitória do escocês na prova de abertura era um prenúncio da alta competitividade do Lotus 49, o modelo criado por Colin Chapman para aquela temporada. Ao lado de Clark, no pódio, aparecia seu companheiro Graham Hill logo na segunda posição.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="text-align: center;">Após a morte de Clark, Hill venceu as duas corridas seguintes, depois amargou uma sucessão de quebras em quatro provas consecutivas, voltando ao pódio mais três vezes na segunda metade do campeonato. Foi campeão com doze pontos de vantagem sobre Jackie Stewart. É claro que a chance de Clark ter vencido esse campeonato seria enorme. Era um piloto de 32 anos, no auge da forma, com um carro vencedor, gozando de prestígio e, mais do que isso, de amizade junto ao dono da equipe.</span></div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
O ano da morte de Jim Clark, 1968, é considerado um marco da história contemporânea. Tendo morrido em abril, Clark ainda teve tempo de ouvir falar de algumas notícias que mudariam para sempre a face da política e da cultura mundial naquele ano: os primeiros protestos nos EUA contra a guerra do Vietnã, a viagem dos Beatles à Índia, onde se aproximaram da cultura oriental, o assassinato do líder Martin Luther King, três dias antes do acidente fatal com o escocês.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Mas Clark não viu, por exemplo, os estudantes franceses protestando contra o governo reacionário de Charles de Gaulle no famoso maio de 68, não soube do assassinato do senador Robert Kennedy, nem viu os tanques soviéticos invadindo a Tchecoslováquia depois da frustrada “Primavera de Praga”, nem o protesto anti-racista dos Panteras Negras durante os Jogos Olímpicos, no México. Tudo em 1968.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Isso para não mencionar fatos marcantes da história brasileira, que certamente não chegariam aos ouvidos de Clark, como a ação do movimento estudantil, o advento da Tropicália e o endurecimento da ditadura militar, culminando com o decreto do Ato Institucional número 5, o tristemente célebre AI-5.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
O ano de 1968, cujos fatos chegam agora a seu 40º aniversário, significou um momento de rupturas múltiplas. Na ordem política, se por um lado a chamada sociedade civil começava a se mobilizar contra regimes autoritários, por outro, vários países viram recrudescer sistemas anti-democráticos. No âmbito social, floresceram como nunca antes os movimentos feministas, anti-racistas, a luta pela liberdade sexual.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
E, ainda, no campo cultural, multiplicou-se o experimentalismo, a liberdade criativa, a utilização da arte como forma de protesto e engajamento sócio-político. Muito do que se plantou em 1968 continuou dando frutos nos anos seguintes, modificando drasticamente a política, os costumes, a vida no final do século 20. Por essa perenidade e prevalência nos tempos que se seguiram, 1968 foi chamado, pelo escritor Zuenir Ventura, em seu livro lançado em 1987, de “o ano que não terminou”.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Na Fórmula 1, não foi bem assim. A morte de Clark foi um golpe severo para a categoria, ainda que tenha acontecido em um período no qual, afinal de contas, morrer nas pistas não era um evento raro. Clark era uma das principais estrelas da Fórmula 1 naquele tempo, e galgava célere os degraus rumo ao posto de maior piloto da história.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Seu número de vitórias, 25 em 72 GPs disputados, coloca-o ainda hoje em sexto lugar entre os maiores vencedores da Fórmula 1, 40 anos após sua morte. Há quem diga que Clark abandonaria as pistas no final daquele ano, para se casar. Difícil imaginar que, com um terceiro título no currículo, e com a Lotus em seus melhores dias, o escocês abriria mão de tentar ser o maior de todos os tempos. Especular sobre os anos seguintes é temerário, mas não há grande chance de errar sobre o título de 1968.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Clark e Hill na mesma equipe, adversários históricos. Hill foi vice-campeão nas temporadas que consagraram Clark (1963 e 1965), roubou-lhe o título de 1962 e a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis de 1966. À frente da concorrência, a Lotus dominaria amplamente aquele campeonato de 1968, com a promessa de uma disputa acirrada pelo título entre seus dois pilotos. Sobrou só Hill.</div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
Aquela árvore, naquela pista alemã, naquela tarde de abril, na sétima volta encerrou o ano precocemente para a Fórmula 1. 1968 terminou ali<em style="border: 0px; box-sizing: inherit; margin: 0px; padding: 0px;">.</em></div>
<div style="background-color: white; border: 0px; box-sizing: inherit; color: #161616; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<i>*Coluna publicada originalmente em abril de 2008</i></div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-61558455133229979092018-03-25T13:13:00.003-03:002018-03-25T13:13:26.945-03:00Tudo bem no ano que vem<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHfltc-veJrAs5hJZQxR84MWdZ91Xp80BJnEif17h8KEIA7A4sZfLGBq1JxzW17s6FpwRCDMECBIDwCEh6UxgiyLoHJxhreFrlroQi9YO-Zs8rYHW9gpoO342UopY45e73EtIr/s1600/gettyimages-937570858.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1067" data-original-width="1600" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHfltc-veJrAs5hJZQxR84MWdZ91Xp80BJnEif17h8KEIA7A4sZfLGBq1JxzW17s6FpwRCDMECBIDwCEh6UxgiyLoHJxhreFrlroQi9YO-Zs8rYHW9gpoO342UopY45e73EtIr/s400/gettyimages-937570858.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Vettel à frente, Hamilton atrás: 33 voltas de suspense sem ação</td></tr>
</tbody></table>
O frisson pelo início de uma nova temporada de Fórmula 1 parece ter se desmanchado no ar, com o GP da Austrália que aconteceu neste domingo, no Albert Park, em Melbourne. Basicamente, porque a história da corrida foi bastante semelhante com a do ano passado, com Lewis Hamilton e a Mercedes dominando treinos e classificação, para desaguar em outra vitória de Sebastian Vettel a bordo da Ferrari, com uma estratégia melhor e um senso de oportunidade apurado, aproveitando-se da entrada de um safety car.<br />
<br />
O encontro marcado de Vettel com a vitória, em Melbourne, parece reeditar o início da temporada, mas o gostinho amargo de energético light (madrugada, amigos...) ficou por outro motivo. Desde a entrada do safety car (na volta 25, 58) tivemos três ameaças de batalhas que resultaram em nada. Hamilton no encalço de Vettel, Daniel Ricciardo ameaçando Kimi Raikkonen e Max Verstappen crescendo no retrovisor de Fernando Alonso. Ultrapassagem? Zero.<br />
<br />
É certo que esse tem sido um problema recorrente, nos últimos anos na Fórmula 1. Criaram até uma comissão para enfrentar o problema. Inventaram uma asa móvel que facilita o trabalho de quem está atrás - e deixa o piloto à frente mais vulnerável, segundo eles mesmos. Às vezes, resolve. Em Melbourne, não costuma resolver. Neste ano, criaram uma terceira zona para ativação dessa asa, em vez das tradicionais duas. Resultado? Nenhum.<br />
<br />
É lindo e empolgante ver Vettel e Hamilton duelando pela ponta, cada um fazendo sua volta mais rápida como resposta ao desafio proposto pelo adversário, na volta anterior. Mas, diante da ação em suspense, o espectador quer ver o desfecho do filme. A música mais agradável ao ouvido é aquela cuja melodia apresenta um fraseado que se resolve em um harmonioso acorde final. O prazer prolongado vira explosão quando se transforma em orgasmo (tirem as crianças da sala).<br />
<br />
Ninguém aguenta trinta e três voltas de preparação para... nada.<br />
<br />
A cada novo ano, a Fórmula 1 parece o casal de amantes que se encontra uma vez por ano, cheio de expectativas e saudades, para ao final do fim de semana voltar à sua rotina de sempre. Em linhas bem cruas, esse é o resumo da peça "Tudo bem no ano que vem", de Bernard Slate, depois transformada em filme de Robert Mulligan. E se parece cada vez mais com o roteiro da Fórmula 1, nos últimos anos.<br />
<br />
Encontrar os responsáveis por essa situação pode ser uma aventura arqueológica, pela qual se escave o passado da categoria para descobrir, no final, que a Fórmula 1 sempre foi assim. Mas o campeão mundial de 1996, Damon Hill, meteu-se em uma treta saborosa com a Mercedes, ao apontar, feito um <a href="http://www.imdb.com/title/tt5168192/" target="_blank">Daniel Blake</a> no filme de Ken Loach, que a culpa por tudo isso é das corporações. Vale a pena estourar a pipoca e ler<a href="https://br.motorsport.com/f1/news/damon-hill-discute-com-twitter-oficial-da-mercedes-1018627/" target="_blank"> a sequência de alfinetadas mútuas</a>. Estariam certos os arqueólogos da categoria, mas Damon também não está errado. Como sair desse nó? A Liberty Media, que administra a Fórmula 1 atualmente, parece estar tentando, mas também é nítido que, cedo ou tarde, vai ter que se entender (ou se desentender) com essa situação.<br />
<br />
<br />
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-66817565010099437252018-03-18T12:36:00.004-03:002018-04-18T15:27:33.543-03:00Um sopro de esperança<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgE7qv_45pwr1UVE4BEZ5nQOB5xD-UCbd7LukAt_29568-3mNc8knYgMwq1vq4axSQrmu57vWRJ4cOXKQuOO9B5FLv7K2BVa38h7UWdndnD1Tu3FGVkNKPmDRsss142gOvxO7o-/s1600/maria+rita+oba.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1200" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgE7qv_45pwr1UVE4BEZ5nQOB5xD-UCbd7LukAt_29568-3mNc8knYgMwq1vq4axSQrmu57vWRJ4cOXKQuOO9B5FLv7K2BVa38h7UWdndnD1Tu3FGVkNKPmDRsss142gOvxO7o-/s400/maria+rita+oba.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Maria Rita e a orelha de Obá</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
Há algo de novo no samba de Maria Rita. Lançado no final de
janeiro e já transformado em show, o novo trabalho chama-se “Amor e Música”. É
o nome de uma das canções, mas é também um manifesto. No palco do Citibank
Hall, em São Paulo, a cantora explica: “sou fruto do amor e da música, de duas
pessoas que se amaram e eram músicos”. Mas, na leitura de alguns fãs, segundo
ela, amor e música são os elementos de que o Brasil precisa para seguir em
frente, superar esses tempos sombrios. E ela concebeu o show, de fato, como um
rasgo de esperança. Como um sopro de esperança. E são os sopros que parecem
algo de muito novo neste show.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A banda continua enxuta, e exposta no palco. Junto do
teclado, da bateria, do contrabaixo e da percussão, dois instrumentos de sopro
ajudam a encorpar o som ao vivo. Já estão presentes e evidentes no disco.
Trazem um caráter épico, um samba enobrecido, saído do terreiro para a sala de
espetáculo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em alguma medida, “Amor e Música” me traz recordações do
primeiro disco de samba da mãe-mito. Elis entregou seu cartão de visitas de
cantora adulta na forma de um LP chamado “Samba eu canto assim”, em 1965.
Quando Maria Rita lançou seu primeiro disco só de sambas, “Samba meu”, escrevi
sobre as diferenças entre as duas, <a href="http://alessandraalves.blogspot.com.br/2008/03/samba-ela-canta-assim.html" target="_blank">neste texto</a>. Onze anos depois de “Samba meu”,
Maria Rita parece musicalmente muito mais próxima daquela Elis Regina tão jovem
e ao mesmo tempo tão orquestral, dramática, diva. Depois de ter mergulhado na
obra da mãe, em “Redescobrir”, Maria Rita já não precisa se afastar muito menos
se espelhar em Elis. Foi lá e fez do seu jeito. E deixou muito claro: são duas
artistas tão únicas que, a essa altura, confundi-las revela apenas a ignorância
das obras de ambas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Maria Rita abre o show com a música título, Amor e Música. O
som começa, sobe o pano, ela já está lá, no centro do palco, junto a seus
músicos. Sem entrada triunfante, sem suspense e facho de luz. Está lá, membro
da banda, responsável pelo instrumento voz. O espetáculo, como era de se
esperar, está recheado com as músicas do novo disco. Pinçadas, umas poucas
canções de trabalhos anteriores. E centrar o show no disco novo foi atitude
sábia porque o novo álbum é excelente, coeso. Como Elis, Maria Rita
seguidamente apoia-se em dois ou três compositores para escolher o repertório
de seus discos. Completa essa base com poucas canções de outros artistas. E o
resultado é sempre uma obra coerente, que conta uma história.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E a história que Maria Rita parece querer contar, desta vez,
é a de uma gente que resiste, que tem fé e esperança. Há tempos, tenho sentido
muita saudade de Maria Rita cantando MPB e achei, tolamente, que esses tempos
bicudos seriam motivo para ela entoar novos ou velhos Gonzaguinhas, Chicos
Buarques, Miltons Nascimentos, bradando as verdades entaladas nas nossas
gargantas. Tolice e preconceito meu. Maria Rita fez isso cantando samba. É
certo que introduziu “O bêbado e a equilibrista”, João Bosco e Aldir Blanc, o
hino da anistia que a mãe imortalizou. Mas só quem não tiver ouvidos vai deixar
de ouvir as tantas mensagens políticas dos sambas desse espetáculo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez, tenhamos, nós, sociedade, cortado a própria orelha
para não ouvir os gritos dos excluídos. Mas a Obá de Maria não nos deixa
esquecer que a fé brasileira é de matriz africana misturada a santos católicos.
É Iemanjá livrando nossos corpos e mentes de maldades e mal querências. É gira
girando em um palco sofisticado da Zona Sul de São Paulo. É batuque, é guia no pescoço, é oferenda. Dois dias antes, mataram Marielle Franco, no Rio de Janeiro.
Eu, talvez, quisesse que Maria falasse por ela. E falou. Porque, se isso que vi
no palco não é mensagem política suficiente, cortemos a outra orelha também.<o:p></o:p></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkl3StKfvQszdGgGk87pfhW5eEmmLSfv0d_lVJSDWhdlId_IoerqjVyfX5lWIAro59WBr2QUW5VO-11d-2iPgqpI4614NDCe2dkfNcIJTXLEKuIP1x50OcpCl3UMo19DPizQoh/s1600/elis+montreux.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="222" data-original-width="236" height="377" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkl3StKfvQszdGgGk87pfhW5eEmmLSfv0d_lVJSDWhdlId_IoerqjVyfX5lWIAro59WBr2QUW5VO-11d-2iPgqpI4614NDCe2dkfNcIJTXLEKuIP1x50OcpCl3UMo19DPizQoh/s400/elis+montreux.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Elis Regina, em Montreux</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvAL43rGwLhnKoS6VJpSjAIPXwzEfrjNZdtUAc99skzfFgzf2sZ6u5nQCeLokTbHiTRAfm0NwucYRlD10oXNrVJ4Hu1k_V_re0yqDnVtZyl9ayf3pSenbwQjWJLuMd9-ZwvtD2/s1600/maria+rita+amor+e+musica.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvAL43rGwLhnKoS6VJpSjAIPXwzEfrjNZdtUAc99skzfFgzf2sZ6u5nQCeLokTbHiTRAfm0NwucYRlD10oXNrVJ4Hu1k_V_re0yqDnVtZyl9ayf3pSenbwQjWJLuMd9-ZwvtD2/s400/maria+rita+amor+e+musica.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Maria Rita, no espetáculo "Amor e Música"</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em julho passado, Maria Rita comemorou seus quinze anos de
carreira em um espetáculo naquele mesmo palco. Festa grandiosa, convidados de
luxo, mas deu ruim. Sim, faltou voz, mas Maria não deixou calar. Dignamente,
terminou o espetáculo, finado como DVD que não foi. Em 1979, Elis foi para
Montreux, para o festival de jazz famoso. Algo desandou. Irreconhecível em
algumas músicas, deu ruim. Um arrepio percorreu minha espinha quando vi Maria
Rita surgindo com uma saia rodada, o cabelo preso em um coque, em cima daquele
palco do Citibank Hall. Figurino e penteado muito parecidos com os da mãe,
naquele Montreux malfadado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Arrepio de pensar que, depois de um espetáculo que dá ruim, o
show deve continuar, e o povo (Elis, Maria Rita, o Brasil) se supera. Os metais
anunciam. Um sopro de esperança atinge meu rosto. Iremos achar o tom. Fazer com
que fique bom. A gente vai ser feliz. O show tem que continuar.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-32816057606227304832018-02-01T12:44:00.001-02:002018-02-01T12:44:43.415-02:00Grid Girls: uma questão de mercado<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEif8VcwHERuz7kqz63UsJkv44Gtg9vdWWGZ1RAKcbFs2UkwuekePVo1DpQGWOPK7uIXfFtRcoiNymAYlwg12Voyoe1WGb7ChwWv3Lvf4qOAjTQ3u2bLcMMvac0jkxoFc8n5-3yb/s1600/f1-grid-girls-678618.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="413" data-original-width="620" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEif8VcwHERuz7kqz63UsJkv44Gtg9vdWWGZ1RAKcbFs2UkwuekePVo1DpQGWOPK7uIXfFtRcoiNymAYlwg12Voyoe1WGb7ChwWv3Lvf4qOAjTQ3u2bLcMMvac0jkxoFc8n5-3yb/s400/f1-grid-girls-678618.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Entregador de leite, arrumador de pinos de boliche, despertador
humano, cortador de gelo, acendedor de lampiões. Isso para ficar apenas em
profissões, sem contar os carregadores de liteira e as amas de leite, que eram
funções de escravos. A humanidade sempre assistiu à incorporação e ao
desaparecimento de profissões, como sinais dos tempos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando a Liberty, empresa que controla a Fórmula 1
atualmente, informou que estudava a ideia de eliminar as “grid girls” das
corridas, a grita já começou. Nesta semana, a mudança foi anunciada: nada de
mulheres gostosas segurando placas com os números dos pilotos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não foram poucos os comentários sobre o fim de uma profissão
“que não tem mal nenhum em ser exercida”. Concordo. Como não havia mal nenhum
em empregar garotos para levantar pinos de boliche ou submeter trabalhadores ao
sacrifício de cortar gelo. Só que a humanidade se transforma, e não serei tola
em usar a palavra “evolui”. Foram aspectos como o desenvolvimento industrial,
com a automação, por exemplo, que eliminaram esses postos de trabalho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O garoto pobre que levantava pinos de boliche para os
burguesinhos se divertirem nas noites de sábado certamente saiu chutando pedra,
chateado e desgostoso, quando perdeu seu emprego. E foi fazer outra coisa,
simplesmente porque aquela função já não fazia sentido em uma sociedade
industrial.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu adoraria pensar que a decisão da Liberty atende ao anseio
de uma parte cada vez maior de mulheres que não deseja ser um objeto de
decoração em um ambiente badalado, carregado de testosterona. Mas talvez o atendimento
desse desejo tenha acontecido por uma via bem tortuosa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando assumiu a Fórmula 1, a Liberty realizou <a href="https://www.motorsport.com/f1/news/market-research-nielsen-boost-appeal-london-933529/" target="_blank">uma pesquisade mercado</a> junto ao seu público, para mapear quem anda assistindo às provas de
Fórmula 1 e descobriu um público potencial considerável para aumentar sua lista
de fãs do esporte – as mulheres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Além de conquistar o público feminino que ainda não se
interessa pelas corridas, a empresa percebeu que já estava, na órbita da
Fórmula 1, um contingente de mulheres que já assistiam às provas. Faziam isso
para acompanhar companheiros fanáticos pelas corridas, não amavam nem odiavam o
esporte, mas também não se sentiam atraídas por ele. Não se sentiam
representadas em um ambiente no qual as mulheres ocupavam espaço de figura
decorativa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É com olho nesse público potencial que a Fórmula 1 está. (Da
mesma forma que quer cativar as companheiras, a Liberty também está empenhada
em trazer os filhos desses fãs da categoria, porque a tal pesquisa apontou que
a idade média dos fanáticos por corridas ultrapassava os 40 anos, ou seja, F1
em geral se tornou esporte de tiozinho.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em um tempo no qual as discussões sobre empoderamento
feminino ganham repercussão, alinhar-se ao tema já é, por si só, uma forma de
fazer barulho e, no mínimo, atrair a atenção do público que almeja. Tem muito
menos feminismo e muito mais interesse de mercado na decisão da Liberty.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Mas é alentador saber que, como amas de leite ou
levantadores de pinos de boliche, as “grid girls” ficaram para a história.<o:p></o:p></div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-5809131740817385792017-12-28T12:03:00.002-02:002017-12-28T18:36:51.494-02:00Roda Gigante<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRnAdrrwUW3J2m2TMUuOBNwuHMSv79L0d6wxmgvrrNvXtu0e4g9c57tB17gf1ebJ0LWnHq-AE2iyTQYeU84PHBXlWxSUmN2X8xEbdLLf7csVIEvmkcuQUQPg-A9OZ9GEHzcpNr/s1600/roda+gigante+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRnAdrrwUW3J2m2TMUuOBNwuHMSv79L0d6wxmgvrrNvXtu0e4g9c57tB17gf1ebJ0LWnHq-AE2iyTQYeU84PHBXlWxSUmN2X8xEbdLLf7csVIEvmkcuQUQPg-A9OZ9GEHzcpNr/s400/roda+gigante+1.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Kate Winslet: uma Ginny complexa e amoral</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
Algo pode ser menos sutil do que um salva-vidas tornar-se
amante de uma mulher casada e infeliz? Talvez o fato de seu marido trabalhar
como mecânico de um carrossel, emulando uma vida que só gira, sem sair do
lugar? Se for para enumerar os lugares-comuns de “Roda Gigante”, o mais recente
filme de Woody Allen, talvez seja possível preencher vários parágrafos (o
personagem-narrador, a trilha sonora composta por clássicos de jazz, o garoto
desajustado e, não por acaso, fascinado por cinema). Mas enumerar as obviedades
de “Roda Gigante” é um exercício mal-humorado de quem prefere ignorar seus
grandes atributos.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O maior deles: Kate Winslet. Desde o lançamento, a
personagem Ginny tem sido seguidamente comparada à Blanche DuBois de Vivien
Leigh, de “Uma rua chamada pecado”, ou à Jasmine de Cate Blanchett, de “Blue
Jasmine”, do mesmo Woody Allen (e o que seria Jasmine senão uma
homenagem/releitura da própria Blanche?). Complexa e amoral, Ginny é daquelas pedras
brutas que uma atriz como Winslet recebe e transforma em uma personagem indefinível,
um misto de fragilidade e astúcia com a qual é impossível não se identificar.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjV_sYMWhtgkAWCIWHWyK7AKl_3GAotiYGQ2r_yy-rzIJpuVGpCM1eDsnfaaO0p5RJ_tpZIgTvY-sRKy-Xv-7vYhOoxVUbGm9uU7PvRvhBfKtUisfg_mI5SnTMxwWZhiSRa4eR/s1600/roda+gigante+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjV_sYMWhtgkAWCIWHWyK7AKl_3GAotiYGQ2r_yy-rzIJpuVGpCM1eDsnfaaO0p5RJ_tpZIgTvY-sRKy-Xv-7vYhOoxVUbGm9uU7PvRvhBfKtUisfg_mI5SnTMxwWZhiSRa4eR/s400/roda+gigante+2.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Azul de tristeza: as cores falam em "Roda Gigante"</td></tr>
</tbody></table>
<span style="text-align: center;">Imersa em um cotidiano duro e enfadonho, Ginny trabalha como
garçonete em um restaurante na já decadente Coney Island, nos anos 1950. Casada
pela segunda vez com Humpty, um sujeito bruto (Jim Belushi) que ganha a vida cuidando
do carrossel do parque, Ginny é uma ex-atriz que nunca obteve sucesso, casou-se
com um baterista a quem traiu e com quem teve seu único filho, o garoto Richie
(Jack Gore), que tem a estranha compulsão de atear fogo em objetos, e gasta o
tempo que deveria passar na escola... no cinema. O salva-vidas Mickey (Justin
Timberlake) aparece na vida de Ginny e os dois passam a ter um caso, até que
ele conhece a filha de Humpty, Carolina (Juno Temple), recém-separada de um
gângster, e se apaixona por ela.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwjhAYwYgHmq79wcSrflD-0f-y1uvFqoCdNJwafj1VKPFyS4ZL-0BaZtmt31GKihtOujDDDctjoQurk2fCFM0_SbCwhranAl5-jAdyvToAH2JlxtbZS8y6v63uSE21TzMdfVbM/s1600/roda+gigante+3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="449" data-original-width="670" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwjhAYwYgHmq79wcSrflD-0f-y1uvFqoCdNJwafj1VKPFyS4ZL-0BaZtmt31GKihtOujDDDctjoQurk2fCFM0_SbCwhranAl5-jAdyvToAH2JlxtbZS8y6v63uSE21TzMdfVbM/s400/roda+gigante+3.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Carolina: a enteada</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div class="MsoNormal">
Queixando-se de uma enxaqueca que parece eterna, Ginny tem a
expressão torturada pela culpa. Em um cortante monólogo, ela explica como a
traição ao primeiro marido desencadeou a série de infortúnios que a jogaram
naquele universo. Ou, pelo menos, o que parece ser a explicação lógica para ela
de todas as suas mazelas. O texto de Allen, o desempenho de Winslet, a direção,
a fotografia e a direção de arte criaram juntos, neste monólogo, uma das sequências
mais agudas que uma atriz entregou aos espectadores de cinema nos últimos anos.
Ginny laça o espectador de forma tão arrebatadora que não é um risco muito
grande acreditar que a plateia torcerá junta, por ela, por mais amoral que ela
possa parecer.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Roda Gigante” é Kate Winslet, e isso não é demérito para o
filme. Os demais atores parecem se resignar – ou, antes, se orgulhar – por
estar gravitando no mesmo ecossistema daquele monumento de atriz. No entanto, “Roda
Gigante” não é só Kate Winslet. É um filme atormentado de Allen, forjado no
desencanto das relações humanas e na inexorável certeza de que toda história
pode ter algo mais cruel do que um fim: a inércia de continuar.<o:p></o:p><br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggqiwtJzH8aHBbRCkQhjlVqPf-nqYnAj0uS4LoyJlC81xMsjuHaqQ2qVRZ2WSg0qSFpLdtXyj4Spv-oBZ8wpoOlTcYy81C2CNBYGj9_TRhyphenhyphenSQWkgidLeBTPqb8gZ8iEF9HrmOi/s1600/roda+gigante+4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="553" data-original-width="1104" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggqiwtJzH8aHBbRCkQhjlVqPf-nqYnAj0uS4LoyJlC81xMsjuHaqQ2qVRZ2WSg0qSFpLdtXyj4Spv-oBZ8wpoOlTcYy81C2CNBYGj9_TRhyphenhyphenSQWkgidLeBTPqb8gZ8iEF9HrmOi/s400/roda+gigante+4.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O apartamento-vitrine, banhado em vermelho: tudo exposto, tudo oculto</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div class="MsoNormal">
As cores dizem muito no novo filme de Allen. A fotografia do
parceiro habitual, Vittorio Storaro, sustenta-se quase todo o tempo em um tripé
vermelho-azul-amarelo, tons facilmente identificáveis com momentos específicos.
Quase sempre em alta saturação, as cores gritam sentimentos e é quase cortante
a tristeza de Ginny em certos momentos banhados de azul. Fortemente ancorado no
apartamento de Ginny e Humpty, “Roda Gigante” brinca com paradoxos: a casa
envidraçada, praticamente uma vitrine dentro do decadente parque, esconde atos
terríveis e sentimentos destrutivos. E é muito revelador do moto-contínuo da
história que Ginny diga à enteada que o local, antes, costumava abrigar um show
de aberrações.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Usando o cenário como mais um objeto de opressão para
aquelas tristes figuras, Allen vale-se de planos longos nos quais as colunas,
janelas e cortinas da casa marcam as distâncias e barreiras entre os membros
daquela família disfuncional onde o pequeno incendiário parece a figura humana
mais próxima do saudável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Roda Gigante” tem sido apontado como uma alegoria de Allen
para sua própria situação afetivo-familiar, desde que assumiu um romance com a
enteada Soon-Yi Previn, sua esposa desde 1997. Ainda que uma das falas de Ginny
não pudesse ser mais explícita no sentido de acusar Humpty quanto aos reais
sentimentos dele por Carolina, parece meio forçado enxergar na trama qualquer auto
referência, inclusive porque relacionamentos, amores, traições, desilusões são
temas recorrentes na obra de Allen. E enxergar Ginny como resposta misógina de
Allen à ex-esposa Mia Farrow, além de forçado, parece incoerente, porque Ginny
torna-se tão humana que é impossível não se identificar com ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
“Roda Gigante” pode não estar à altura de obras-primas de
Woody Allen, como “Noivo neurótico, noiva nervosa”, “Hannah e suas irmãs” ou “A
era do rádio”, mas a colcha de sentimentos e situações tão cruelmente engendrados
na vida de uma pessoa comum, entregue pelo desempenho tão magistral de Kate
Winslet, vale cada um dos 101 minutos do filme.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-17733631794489398992017-09-20T09:54:00.003-03:002017-09-21T19:17:22.250-03:00mãe!<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmkGLkxYO9mqkudPfUjV74Pbsko3EUozKWoc3URNnIuQuPf8Az1DoO0VoPMJsb2BdjQ5XTtT-Sfuejr1NgXz5A_mzh5zqpNt5-PCr9yuzc7YWDCAZ6nKu2p4_AHmEjnMaGwz_U/s1600/Mae_o-filme-_teaser-trailer-portugues.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="330" data-original-width="630" height="207" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmkGLkxYO9mqkudPfUjV74Pbsko3EUozKWoc3URNnIuQuPf8Az1DoO0VoPMJsb2BdjQ5XTtT-Sfuejr1NgXz5A_mzh5zqpNt5-PCr9yuzc7YWDCAZ6nKu2p4_AHmEjnMaGwz_U/s400/Mae_o-filme-_teaser-trailer-portugues.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É lamentável, embora não totalmente surpreendente, que “mãe!”,
o mais recente filme escrito e dirigido por Darren Aronofsky, tenha sido
recebido com vaias em sua estreia no Festival de Veneza. Também não surpreende
que o primeiro final de semana de exibição, nos Estados Unidos, tenha sido decepcionante
(arrecadou 7,5 milhões de dólares contra 60 milhões de “It – A Coisa”). “mãe!”
só será digerido e eventualmente admirado se o espectador compreender que praticamente
tudo o que está na tela é alegoria, não representação real. O que, convenhamos,
é um exercício pouco habitual para a maior parte das plateias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A própria sinopse já revela o nonsense: o casal
formado por um poeta em bloqueio criativo (Javier Bardem) e sua esposa
(Jennifer Lawrence) mora em uma casa isolada que, certa noite, recebe a visita
de um homem desconhecido (Ed Harris). Mesmo sem saber de quem se trata, o poeta
convida o homem a pernoitar em sua casa para, na manhã seguinte, receber a
esposa desse estranho visitante (Michelle Pfeiffer). A relação entre os dois casais,
a chegada de dois filhos dos visitantes e eventos que incluem violência e morte
tencionam a relação entre o poeta e sua esposa, que se descobre grávida. O
desenrolar da gestação ocorre em paralelo à volta do poeta à ativa, e a
história se encaminha para seu desfecho com o nascimento do filho e o
lançamento do novo poema.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ir além na descrição da história é impossível sem entregar
pontos-chave da trama, algo que só vai estar presente na segunda parte deste
texto, com alerta de spoilers. Também parece coerente certa decepção da plateia
em relação a “mãe!” partindo-se do trailer divulgado nas semanas anteriores ao
lançamento, que apresentava o filme como uma espécie de “O bebê de Rosemary”
revisitado. Os dois filmes, de fato, têm alguns pontos em comum, mas não a
ponto de “mãe!” poder ser considerado uma releitura do filme de Roman Polansky.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Do ponto de vista cinematográfico, “mãe!” oferece diversos
elementos que reforçam a capacidade criativa de Aronofsky, criador de “Cisne
Negro”, “O Lutador”, “Réquiem para um sonho”, entre outros. Estruturado quase
como uma peça de teatro, inclusive nas interpretações, o novo filme exala
claustrofobia em suas primeiras sequências. Imagens em primeiríssimo plano,
fechadas nos rostos dos personagens, acentuam a sensação de aprisionamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Praticamente sem trilha sonora em seus primeiros dois atos,
o filme tem design sonoro preciso, utilizando sons, como de objetos caindo ou
se quebrando (recorrentes no filme) como marcadores de ritmo e criadores de
tensão. À medida que o filme avança para seu segundo ato, os planos começam a
se tornar menos fechados e a câmera, mais ágil. A cena da briga entre os filhos
do casal Ed Harris-Michelle Pfeiffer injeta energia no ambiente sem abandonar o
caráter onírico que permeia praticamente todo o filme. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não é à toa que os personagens sejam aqui descritos sem
nomes, já que é desta forma que eles se apresentam todo o tempo, algo que pode
ser visto como chave para a interpretação daquela história aparentemente sem
nexo. Nesse ambiente impessoal, no entanto, a composição dos dois personagens
centrais – o poeta e sua musa – é irrepreensível, tanto do ponto de vista de
interpretação quanto de direção. Mais que isso: o roteiro de Aronofsky oferece
todos os gatilhos para que o espectador rapidamente se identifique e entenda as
motivações de ambos, chegando ao final da história completamente envolvido por
aquele casal. Se – e somente se – entender a grande alegoria desfiada em
situações tão exóticas nos 121 minutos de filme.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mãe! – uma
interpretação, <b><span style="font-size: large;">com spoilers</span></b><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
"mãe!" é uma obra aberta como poucas têm surgido no cinema
norte-americano nos últimos tempos. A interpretação a seguir é uma
possibilidade, a partir de percepções subjetivas, e o define como uma alegoria do artista em seu processo criativo.
Mas parece evidente que o balaio de “mãe!” comporta múltiplas visões, que têm
se estendido por temas tão diversos quanto ecologia (a “mãe” feita por Lawrence
como representação do planeta Terra) a intolerância religiosa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEismjiLKMRwlbKDmJBqdUHvfxPmkp0Fo26jxsRPV5fzWL_OexkkYMSAp_Y_zi8qHDhnMfhG1OduVPizcsQkwiGo7N_Kregj8C-ptKp6xg8brgkhnw4zuaAxP6BsNow3xwotb4vr/s1600/mae+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="278" data-original-width="645" height="170" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEismjiLKMRwlbKDmJBqdUHvfxPmkp0Fo26jxsRPV5fzWL_OexkkYMSAp_Y_zi8qHDhnMfhG1OduVPizcsQkwiGo7N_Kregj8C-ptKp6xg8brgkhnw4zuaAxP6BsNow3xwotb4vr/s400/mae+1.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em uma das primeiras cenas, o personagem de Javier
Bardem aparece segurando uma pedra, logo identificada como preciosa, pelo lugar
de destaque que ela passa a ocupar em um nicho da sua estante. Também nas
primeiras sequências, o filme introduz a figura da esposa do personagem,
Jennifer Lawrence, a todo instante definida por ele como sua “musa”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Para além da relação de um casal, o filme ganha muito mais sentido se for percebido
como um momento na vida de um artista no qual ele se encontra em bloqueio
criativo e dialoga com suas referências e fantasmas. Sob essa perspectiva, tudo
o que se vê na tela é a mente desse artista debatendo-se com elementos
afetivos, sociais, sexuais, históricos, religiosos (o fogo, o inferno, a culpa,
o apocalipse, está tudo lá) – formadores de sua obra – e agarrando-se ao
aspecto aparentemente mais frágil, intocado e etéreo de todos – sua inspiração.
A personagem de Jennifer Lawrence não seria, sob essa perspectiva, a esposa do
poeta que dá à luz seu filho, mas a inspiração que lhe permite gerar e parir
novas obras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Isolado do mundo, cultivando sua inspiração, o poeta sabe-se
impotente diante da prevalência de tudo que já habitou sua história. O homem
moribundo que lhe bate à porta (Ed Harris) surgiria como a figura do pai – o
seu próprio pai, ou ele mesmo, como pai/criador de sua obra. A morte iminente
do visitante, uma representação da finitude de sua existência. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A esposa desse homem (Michelle Pfeiffer), uma síntese de
figuras femininas, misturando a altivez de uma mãe dominadora com a
sensualidade de uma mulher plena, quase cruel. Enxergando o personagem de
Bardem como um artista/poeta, é quase lógico enxergar nessa visão a fragilidade
de um ser sensível diante de uma figura que transpareça, ao mesmo tempo, segurança
e provocação, ternura e luxúria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj88AdZ-81dzu9_-ZFf8qCmJ65aWlg6P9ud9GFklL0HkuNl9GDXqpr2h840rBPHK984RjbzogD3VxlREbVXfZEPmgrMpeDeJmfaEQFhFD7brftq8xnvzTTEglkLq1IQh_LhQZfX/s1600/life0914_17-696x318.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="318" data-original-width="696" height="182" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj88AdZ-81dzu9_-ZFf8qCmJ65aWlg6P9ud9GFklL0HkuNl9GDXqpr2h840rBPHK984RjbzogD3VxlREbVXfZEPmgrMpeDeJmfaEQFhFD7brftq8xnvzTTEglkLq1IQh_LhQZfX/s400/life0914_17-696x318.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os filhos deste casal – Caim e Abel redivivos – o símbolo de
uma fraternidade que se autodestrói, podendo ser ao mesmo tempo a humanidade
condenada a seus flagelos, pelo pecado original, ou os produtos da mente do
poeta – seus escritos – duelando pela condição de obra-prima.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É quando se desprende dessa herança primária aprisionadora
que o poeta finalmente entrega-se à inspiração (sua musa) e se deixa fundir com
sua seiva. Fecundada, a musa sabe-se pronta a dar frutos (tanto que já não bebe
a poção amarelo-ouro que parece lhe servir como combustível). Grávida, ela
anuncia que o bebê se moveu em seu ventre. E o poeta confirma: são os primeiros
versos nascendo de sua pena. O filho-poema vai crescendo em ambiente de
aparente paz, ainda que a musa-inspiração se depare, vez ou outra, com sinais
inequívocos de que o ímpeto criativo brota por todos os poros daquela casa-cérebro,
que verte sangue pelas paredes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEileFKlMRPCHRLC4JRUL2T2WkGntOG2rOSldMFMoFnkTRH01tSzj7YBdcS_98hGLwOjISKE6e97rCbGtLY0fN7QvaRj7hE67UCv4caTfaMFjxYXFis5U8BqmbFRa_o2a9vK98SP/s1600/mae+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="148" data-original-width="341" height="172" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEileFKlMRPCHRLC4JRUL2T2WkGntOG2rOSldMFMoFnkTRH01tSzj7YBdcS_98hGLwOjISKE6e97rCbGtLY0fN7QvaRj7hE67UCv4caTfaMFjxYXFis5U8BqmbFRa_o2a9vK98SP/s400/mae+2.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Prestes a dar à luz, a musa surge em representação perfeita
de uma deusa grega – e não custa lembrar que o Olimpo contava com nove musas
entre suas divindades. Pressionado por sua editora e por seu público a divulgar
a nova obra, o poeta já não disfarça que talvez sinta tanto prazer e orgulho por
ter escrito o poema quanto por ser idolatrado. Não se furta a deixar que
invadam sua casa-mente para demonstrar sua admiração, sua idolatria, seu
fanatismo, sua cegueira. O bebê-poema que chega ao público cumprirá seu destino
quando for recebido, possuído, consumido pela horda insana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
À musa – produto de sua mente, criada para alimentá-lo com
um amor desmedido (em certo ponto, ela diz: “Você nunca me amou, você amava o
meu amor por você.”) – apenas sobrará o caminho de consumir-se no fogo da
culpa (cristã?) daquela mente. Ela lhe rendeu o diamante que ele lapidou e
transformou em novo poema. Mas ele continuará sangrando o desejo irrefreável de
produzir novamente. Para isso, criará em sua casa em escombros mais um
artifício para alimentar sua alma – outra musa.<o:p></o:p></div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-65348859309058242262017-09-03T23:49:00.000-03:002017-09-04T15:24:49.959-03:00Bingo e a memória afetiva dos anos 1980<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj21yk1DOzR-MWJ664LSGUFxZOYV0da2tzPIV-O8xZk7HxBrM0Dx_0Uoljtq3Ztm3DpgMkZ5iB_2T73890Qe47-se61w7VTMGJO0eBirxyCXMyjobj6eGKJ_jssqHQgUN1S61EJ/s1600/bingo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1001" data-original-width="1509" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj21yk1DOzR-MWJ664LSGUFxZOYV0da2tzPIV-O8xZk7HxBrM0Dx_0Uoljtq3Ztm3DpgMkZ5iB_2T73890Qe47-se61w7VTMGJO0eBirxyCXMyjobj6eGKJ_jssqHQgUN1S61EJ/s400/bingo.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
Eu assistiria "Bingo, o rei das manhãs" mais algumas vezes nem que fosse apenas pela magnífica cena em plano sequência, no primeiro ato do filme. Nela, o protagonista interpretado por Vladimir Brichta caminha por um corredor, acessa um estúdio, adentra o cenário e tem conversas intercaladas com outros dois personagens. Simples, adequada, sem loopings mirabolantes de câmeras, a sequência funciona como uma espécie de marca registrada do diretor, Daniel Rezende.<br />
<br />
Marca registrada? Em um primeiro longa metragem? Espera. Lembra de "Cidade de Deus"? A cena da galinha? A famosa cena da galinha? O que une as duas obras? Ele mesmo, Daniel Rezende, responsável pela montagem de "Cidade de Deus" e de uma extensa filmografia que inclui "Narradores de Javé", "Diários de Motocicleta", "Ensaio sobre a Cegueira", "A Árvore da Vida", entre outros. O domínio da ação e dos movimentos de câmera é evidente em "Bingo, o rei das manhãs", mas está longe de ser sua única virtude.<br />
<br />
O roteiro retrata o ator Augusto Mendes (baseado no verídico Arlindo Barreto, vivido por Brichta), o primeiro palhaço Bozo do programa infantil levado ao ar pelo SBT, nos anos 1980. Filho da também atriz Márcia de Windsor (Márcia Mendes, na trama, interpretada por Ana Lúcia Torre), Barreto mantinha uma pouco notável carreira de ator antes de ser escolhido para viver o palhaço no programa infantil, reprodução local de uma franquia de entretenimento norte-americana. Subvertendo alguns padrões originais, o programa alcançou a liderança da audiência no período da manhã e catapultou Barreto a uma fama "de mentira", já que, por contrato, sua identidade não podia ser revelada.<br />
<br />
"Bingo" é estruturado de forma clássica, em três atos distintos - a frustração do início da carreira, a fama (somada à trinca álcool, sexo e drogas) e o desfecho unindo decadência e redenção. Com roteiro de Luiz Bolognesi, o filme mescla diálogos ágeis e eventualmente cômicos (especialmente pelo contexto) a cenas de grande peso dramático, e a alta saturação de imagens nesses momentos, somada a uma trilha sonora excessivamente tensa, talvez seja o único deslize do filme.<br />
<br />
Já que se trata de um filme sobre televisão, Rezende brinca com a textura das imagens de forma admirável ao longo das quase duas horas de projeção. A imagem límpida captada no estúdio transforma-se na visão granulada dos antigos aparelhos de TV "de tubo", reforçando a dubiedade daquele personagem que se torna uma celebridade, paradoxalmente escondida em uma identidade secreta.<br />
<br />
Para as gerações que cresceram nos anos 1980, "Bingo" é pura memória afetiva: o Opala laranja 4.1 do protagonista, os cabelos repicados no estilo Farah Fawcett, as fitas cassete BASF, a secretária eletrônica, o despacho da Censura que antecedia cada programa de TV, usado aqui para apresentar o filme, no breve crédito de abertura. Méritos para a direção de arte, a cargo de Cassio Amarante, e para o figurino, de Verônica Julian. E, aumentando a sensação de nostalgia dos anos 1980, "Bingo" ainda aposta em uma trilha sonora que mistura Titãs, Echo and the Bunnymen, Gretchen, Metrô, David Bowie, entre outros.<br />
<br />
Se o obscuro Augusto Mendes rapidamente se torna alvo de simpatia do espectador, grande parte do mérito deve-se a Vladimir Brichta, que consegue imprimir no personagem doses generosas de fragilidade, ironia, malícia, astúcia e afeto. E faz isso de forma alternada, com e sem a espessa pintura de palhaço que o transforma em "Bingo". Graças a isso, em um momento é possível ver um ator de cara limpa assumindo expressões histriônicas, como se estivesse no picadeiro, e, em outro, um palhaço entregando toda tristeza no olhar de quem acabou de arruinar o dia do próprio filho.<br />
<br />
Melancólico em seu ato final, "Bingo" ainda brinda o espectador com mais uma sequência longa, francamente inspirada em "Birdman", de Alejandro Iñárritu, retratando a decadência e a redenção do personagem, em um desfecho que pode soar moralizante. No entanto, a habilidade do roteirista, em traçar um paralelo entre arte e religião, revela-se como a solução sagaz para contar o fato, sem deixar de refletir sobre ele.<br />
<br />Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-36296001056716343502017-07-16T22:47:00.000-03:002017-07-17T14:48:40.652-03:00Carros 3: a mulher e o espaço concedido<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnnwlsRG_53ozbvRxBBgpi41WdZwWh9jgACRbjYOER1AyjEjT_3omPxtZlCyDOTRyu24KxIfpXkLdVVOcjroO2smzMhUF5NY1OefdoZkT6ry3xzy2XzZBTLgqNsUkGNwMZbNGs/s1600/carros+3+%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="745" data-original-width="1600" height="186" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnnwlsRG_53ozbvRxBBgpi41WdZwWh9jgACRbjYOER1AyjEjT_3omPxtZlCyDOTRyu24KxIfpXkLdVVOcjroO2smzMhUF5NY1OefdoZkT6ry3xzy2XzZBTLgqNsUkGNwMZbNGs/s400/carros+3+%25281%2529.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O novato Jackson Storm (à esquerda) e Relâmpago McQueen</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
A franquia “Carros” beneficiou-se largamente da evolução das
técnicas de animação no intervalo de onze anos que separa o primeiro filme da
série, de 2006, do terceiro, recém-lançadono Brasil. As cenas de corrida são realistas
a ponto de parecerem transmissões de provas de Nascar, o campeonato
norte-americano mais famoso de carros de turismo. E aparece aí um dos problemas
de “Carros 3”: são poucas cenas de corrida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É certo que, desde o primeiro filme, a franquia “Carros”
apoia-se no automobilismo como pano de fundo para discutir outras questões: a
tradição suplantada pela modernidade, o surgimento
de cidades-fantasma, a desvalorização de pessoas e profissionais mais velhos,
meio ambiente, ganância, lealdade e amizade. Não é diferente agora: “Carros 3” é um filme sobre conflito de
gerações, não sobre corrida. Mas é uma pena que justamente o melhor do longa –
as corridas – ocupe tão pouco espaço, na comparação com as cenas de fundo
moral. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Relâmpago McQueen, o personagem principal da franquia, é
apresentado neste terceiro filme como um veterano multicampeão da Copa Pistão,
vencendo corridas e campeonatos quase “no piloto automático” e vivenciando a
competição com seus pares em clima de camaradagem. Até que uma nova geração de
pilotos – forjada em simuladores de corrida – desembarca na categoria, liderada
pelo novato Jackson Storm, e começa a desbancar os velhos competidores. Na
ânsia por recuperar o antigo posto, McQueen sofre um acidente. Na volta às
pistas, conta com o apoio de um novo patrão, que comprou sua antiga equipe, e a
assessoria de uma preparadora de pilotos, Cruz Ramirez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBcsE4WseXyq5wSpACYiscDwUOE_XODyFX6LEpEYTKJcdopsnhCpvxjlOWct1Z2hG0MLT-697COcMggoxbeSQfaEbyrDii8Cdk5_iqT665iMut_tPl-5vKrjwqw3WBRBKQ7WxY/s1600/carros+3+%25283%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="669" data-original-width="1600" height="166" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBcsE4WseXyq5wSpACYiscDwUOE_XODyFX6LEpEYTKJcdopsnhCpvxjlOWct1Z2hG0MLT-697COcMggoxbeSQfaEbyrDii8Cdk5_iqT665iMut_tPl-5vKrjwqw3WBRBKQ7WxY/s400/carros+3+%25283%2529.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">McQueen e a preparadora Cruz Ramirez</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A ação do filme será toda centrada nessa nova dupla –
McQueen e Ramirez – e é justamente nessa relação que o filme vai se apoiar para
mostrar o choque de gerações. A ideia é contrapor o velho Hudson Hornet, antigo
tutor de McQueen, mostrado em muitas e sentimentais cenas de flashback, a
McQueen e sua jovem preparadora. Um “baby boomer”, um representante da geração
X e um millenial: a reflexão sai das pistas e se aloja em praticamente qualquer
ambiente corporativo.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Essa discussão de valores entre gerações ocupa a maior parte
do filme e compromete enormemente o ritmo de “Carros 3”, ainda que o roteiro
tire da cartola uma exótica prova disputada na terra, em uma sequência com elementos
inusitados de “2001 – Uma odisseia no espaço”, “Kill Bill” e “Clube da Luta”.
É nesta sequência que o filme introduz uma personagem feminina que começa a
delinear a virada da história. Miss Friter, uma jamanta brutamontes, é a
corredora “fêmea” com prazer sádico em derrotar os adversários. Depois dela, o
espectador vai conhecer Louise Nash, uma veterana dos tempos de Hudson Hornet
que diz ter roubado a credencial para poder participar de uma prova, algo
vedado a “mulheres” na sua época.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQ5Xpktv3WqP2vIdk7bsmL6RUBljO3GZGbdDyMBLkvsPXuYaod_nJCPU5f1B_UMZHpFYerBlf1510wGYsbYyg57dUFI1nTjFlRbTdDbGMCanMO9A71htiAXlLUERZDN3Jk7szM/s1600/carros+3+%25282%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="667" data-original-width="1600" height="166" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQ5Xpktv3WqP2vIdk7bsmL6RUBljO3GZGbdDyMBLkvsPXuYaod_nJCPU5f1B_UMZHpFYerBlf1510wGYsbYyg57dUFI1nTjFlRbTdDbGMCanMO9A71htiAXlLUERZDN3Jk7szM/s400/carros+3+%25282%2529.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Miss Friter: jamanta brutamontes sádica</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A inclusão feminina na disputa surge como um alento naquele
universo cheio de testosterona da franquia “Carros”, mas ainda que apareçam
como inspiração para a grande virada da história, em seu ato final, a condução
dessa virada soa frustrante. Ao contrário das antecessoras, a nova competidora
alçará seu posto em um claro movimento de concessão masculina, aplicada como
antídoto à sua evidente insegurança.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
A impressão que fica, ao final de “Carros 3”, é a de que a
Disney conduziu pesquisas junto à audiência que mostraram a necessidade de um
maior protagonismo das mulheres na história. Sabe aquela situação? “Precisamos
falar alguma coisa sobre as mulheres. ” E o excelentíssimo vai lá e fala que
mulher é importante para conferir os preços no mercado. Mais ou menos isso.<o:p></o:p></div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-21659023.post-52510371063257055972017-07-07T00:29:00.001-03:002017-07-07T00:29:32.897-03:00Poesia sem fim: a arte catártica de Jodorowsky<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9C6HmvIxYOGCI3cpl5Q1EoHjBA08LL188qWiOOapFFpxS6a6er1r637SWcHANiZ_M4q5VFqrYjyce8paLnNKmOxQZ8VnkBYLZR7IZdARUqbjc8NDCdorzhaCW8bq41k9gETni/s1600/Poesia+sem+fim+63x93ok+alta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1084" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9C6HmvIxYOGCI3cpl5Q1EoHjBA08LL188qWiOOapFFpxS6a6er1r637SWcHANiZ_M4q5VFqrYjyce8paLnNKmOxQZ8VnkBYLZR7IZdARUqbjc8NDCdorzhaCW8bq41k9gETni/s400/Poesia+sem+fim+63x93ok+alta.jpg" width="270" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Vida passada a limpo pelo crivo da arte</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
“Na velhice, você se desprende de tudo. ” Surgindo como uma
espécie de consciência de si mesmo no autobiográfico “Poesia sem fim”, o
diretor chileno Alejandro Jodorowsky, aos 88 anos, verbaliza ao final de seu
mais recente longa algo que vai se tornando claro ao espectador durante os 128
minutos de filme. Aquele é um exercício catártico, de um homem apaziguado com seus dramas familiares, mas de um artista inquieto, em que pese a idade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O conselho de desprendimento para o jovem artista, vivido
por Adam Jodorowsky (filho do diretor), parece seguido à risca na concepção do
filme. O velho diretor desprende-se inclusive do simulacro que habitualmente cerca
a obra de arte e, logo no início, Jodorowsky menino surge ao lado dos pais em
um bairro que não se pretende outra coisa que não cenário. O recurso vai se
repetir muitas vezes durante o filme, com homens vestidos de preto compondo ou
desconstruindo ambientes, sem cerimônia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2BSXdfuFQKpRsyFwiv6MIeQwkArtEmVt0bdL-cvIoRwEhPQpmfPWaFtrZHePoRU9Sbdb34xH6wY-f3gwHfTaroA3J91A42ugX_u6GC8gVAj3USKYZFT9h8I6pkX0beEwpKGhN/s1600/P1070424__c_Pascale_Montandon-Jodorowsky_01.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2BSXdfuFQKpRsyFwiv6MIeQwkArtEmVt0bdL-cvIoRwEhPQpmfPWaFtrZHePoRU9Sbdb34xH6wY-f3gwHfTaroA3J91A42ugX_u6GC8gVAj3USKYZFT9h8I6pkX0beEwpKGhN/s400/P1070424__c_Pascale_Montandon-Jodorowsky_01.JPG" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="font-size: 12.8px;">O jovem Alejandro (Jeremias Herkovits) e o diretor, enquanto consciência<br /></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
Como em seu longa anterior, “A Dança da Realidade”, primeira
parte dessa jornada autobiográfica, os pais do artista surgem em representações
alegóricas. O pai, vivido por outro filho do diretor, Brontis Jodorowsky, é um
tirano de inclinações nazistas, que oprime inclemente a vocação artística do
garoto. A mãe, uma iídiche mama típica, vivida pela extraordinária Pamela Flores,
canta dramaticamente todas as suas falas, como se estivesse em uma ópera eterna.
Já no início do filme, um elemento visual importante surge na tela: bicicletas,
e elas voltarão à história em momentos cruciais da narrativa.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A ruptura do jovem Alejandro com a família não poderia ser
mais literal. Ao ceifar a árvore no quintal da avó, ele se desprende de sua
genealogia e assume o risco de ser artista, abraçando uma vida que será, em
tudo, diferente da rotina familiar. A paleta de cores do filme acompanha a
mudança. Saem o marrom, o ocre e o vermelho envelhecido da casa paterna para
explodirem as cores vivas dos artistas e das obras que passam a circundar
Alejandro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A presença dramática da mãe permanecerá relevante,
transformada na colossal mulher que se apresenta como a primeira relação amorosa
de Alejandro. Freud explica. E continuará explicando com a presença de espelhos
que se multiplicam na história, como no personagem Enrique Lihn (Leandro Taub),
quase um duplo do jovem poeta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmDPTK_o4MrMEhgbwkBS83csPcCirrOVOMeRczZ3AqbOQU7SUI9m6TBJ1RK14KJWVspQ-j1RMLIvXtetwdwXIivh-0Zt7y933is7XxMj8QjK-dGyKalbpJuFaTx05T4Cm4-_3o/s1600/P1090636__c_Pascale_Montandon-Jodorowsky_01.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmDPTK_o4MrMEhgbwkBS83csPcCirrOVOMeRczZ3AqbOQU7SUI9m6TBJ1RK14KJWVspQ-j1RMLIvXtetwdwXIivh-0Zt7y933is7XxMj8QjK-dGyKalbpJuFaTx05T4Cm4-_3o/s320/P1090636__c_Pascale_Montandon-Jodorowsky_01.JPG" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O espelho: presença recorrente em "Poesia sem fim"</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Com fotografia de Christopher Doyle, “Poesia sem fim” não se
pretende nunca naturalista. Se esta é uma história de vida passada a limpo, ela
chega pelo crivo da arte, como se saída mesmo da mente do artista, em cores por
vezes fortes e contrastantes, em outras, opacas e minimalistas. Os cenários e
as situações são surreais, os diálogos, muito mais idealizados do que realistas.
Cercado de uma trupe de artistas, de novo Alejandro se vê cercado de
bicicletas, como no cabide da casa de Enrique Lihn ou no passeio que leva o
grupo de volta ao bairro da infância do poeta.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O rescaldo da antiga residência revela objetos e lembranças
dos tempos da opressão paterna e da presença ostensiva da mãe. Entre eles, de
novo, a bicicleta, agora queimada, como símbolo da ruptura definitiva, um “rosebud”
às avessas. A cinta da mãe, presa a balões que a elevam para a liberdade do céu,
surge como homenagem àquela figura trágica que talvez tenha sido tão ou mais vítima
do jugo paterno que o jovem Alejandro. O ambiente do país, entregue a um
salvador da pátria fascista, típico das Américas, ancorado na perene luta
contra a corrupção, oferece o argumento definitivo para a partida do poeta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Alejandro segue para a Europa, não sem antes confrontar-se
novamente com o pai, lutando literalmente com o velho tirano, depois de
quebrar... um espelho. Filme ou psicanálise? Freud na veia, de novo. “Ao não me
dar nada, você me deu tudo”, diz o filho já envelhecido para o pai, em uma
conciliação só possível pela arte. Poesia pura, “Poesia sem fim”.<o:p></o:p></div>
Alessandra Alveshttp://www.blogger.com/profile/12909683639408886910noreply@blogger.com0