Friday, March 30, 2007

Música nas veias

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Durante todo o primário, o ritual era o mesmo: minha mãe me pegava na escola às cinco da tarde e eu entrava no carro ao som de “Take the A Train”, com a big band de Duke Ellington. É claro que, nessa época, eu não sabia o nome daquela música, nem quem era Duke Ellington. Por muitos anos, aqueles acordes eram para mim apenas “a música do programa do Zuza”, porque logo vinha o locutor informar que “aí vem o Zuza, um programa para quem tem música nas veias”.

Ouvimos todos os lançamentos da fertilíssima MPB daqueles anos 70, entrevistas com vários artistas, análises e histórias saídas do baú privilegiado de Zuza Homem de Mello, pesquisador, crítico musical e escritor que, sem exagero, foi o responsável pela minha escolha profissional. O “Programa do Zuza” fez sua estréia pela Rádio Jovem Pan AM em 1977, o ano em que cursei a primeira série. Eu ouvia o Zuza, naqueles tempos, por osmose, pura influência dos hábitos da minha mãe.

Tanto que, por dois anos, estive distante da melodia de “Take the A Train”. Foi quando passei a estudar de manhã e já não pegava carona no carro da minha mãe. Entre 1981 e 1982, aproveitava o fim de tarde para ficar escutando meus LPs recém-adquiridos, especialmente a coleção de discos da Rita Lee que ia formando. Também aproveitava que eventualmente não havia ninguém em casa – minha mãe continuava saindo no mesmo horário vespertino, para buscar meu irmão – para ensaiar meus momentos de futuro estrelato. Colocava para tocar “Sucesso, aqui vou”, da mesma Rita, e descia a escada do sobrado vislumbrando o palco que nunca pisei. Micos adolescentes: atire a primeira pedra quem não os teve.

Começo de 1983, sétima série, eu tinha de doze para treze anos. Meu pai chega em casa comentando que o Zuza ia passar a fazer um programa por mês inteiramente produzido por um ouvinte, que deveria escolher as músicas e escrever os textos. “Por que você não faz um programa sobre a Rita Lee?”, ele sugeriu. Primeiro, achei que o Zuza não levaria ao ar um programa sobre ela, que estava no auge da fama, fazendo músicas que bombavam nas paradas de sucesso.

O “Programa do Zuza” tocava de tudo, mas tinha um inegável contorno de sofisticação. Depois, achei que o crítico não perderia tempo com os rabiscos de uma garota de treze anos. Mas, sempre me vali da idéia de que o não eu já tenho, se tentar, posso ter o sim. Peguei duas folhas de papel almaço, escolhi as músicas, começando com “Domingo no Parque”, primeira aparição de impacto dos Mutantes, escrevi um textinho para cada música, fechei o envelope, selei, pus no Correio. Alea jacta est.

A sorte estava lançada, mas não pensei muito nisso. Nem passei a ouvir o programa regularmente, por conta do intento, e fiquei mesmo surpresa quando meu pai, de novo, chegou em casa e anunciou: “O Zuza vai fazer seu programa amanhã!”. Fiquei numa pilha só. No dia seguinte, uma quarta-feira, antes das cinco, postei-me ao lado do aparelho de som, fita cassete a postos, o coração aos pulos. Zuza começou o programa anunciando que se tratava de uma contribuição de “uma ouvinte de treze anos”, e repetia essa frase o tempo inteiro. Minha inseparável amiga Cynthia ouviu o programa comigo. Se a maioria das pessoas tem apenas uma vaga idéia de como e quando escolheu sua profissão, eu tenho ano, mês, dia e hora. Foi em 23 de fevereiro de 1983, às 17h, que decidi ser jornalista.



Daí pra frente, Zuza virou minha religião, minha ideologia, meu guia e meu ideal de vida. Eu queria ser Zuza quando crescesse. Todas as quartas-feiras, ele fazia o “Dia do Ouvinte”, lendo cartas e tocando músicas pedidas pela audiência. A última quarta do mês era o “Programa do Ouvinte”, como esse que escrevi e se chamou “Um pouco de Rita Lee”. Entre 1983 e 1988, quando o último “Programa do Zuza” foi ao ar, escrevi dezenas de cartas, quase todas em tons de crítica azeda e violenta. Eu era adolescente, afinal, rebeldia no último volume. Também escrevi mais uns três ou quatro programas completos. A cada programa produzido pelo ouvinte, Zuza ofertava uma fita cassete com a íntegra. Não sei o que me deixava mais feliz: ouvir meu nome no rádio ou ir até a Avenida Paulista, número 807, para buscar a fita das mãos do próprio Zuza.



Há exatos vinte anos, no dia 31 de março de 1987, uma festa oferecida pelo Zuza marcou para sempre a minha vida.

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Naquele dia, o “Programa do Zuza” completava dez anos. Ele organizou um encontro de amigos, incluindo ouvintes, no simpático bar “Inverno & Verão”, no bairro de Santo Amaro. Recebi o convite pelo correio e, claro, pedi para minha mãe me levar. Lembro de tudo: de como o sol batia naquele dia, do lugar em que sentei à mesa, da boca seca de ansiedade. Acho que eu nunca tinha ficado tão empolgada com nenhum acontecimento em meus 17 anos anteriores. Havia artistas de todos os estilos entre os convidados, mas certamente todos os presentes só tinham olhos para uma figura quase mitológica da MPB que também apareceu por lá – Geraldo Vandré.

Conheci pessoalmente os colegas ouvintes que freqüentavam o mesmo espaço das ondas do rádio, como os queridos Chico Nascimento, Nair, Rosinha, gente que parecia fazer parte do meu círculo de amigos íntimos, pela simples irmandade dos que têm música nas veias. Foi nesse dia que conheci Gê Tock, outro da turma, moço de Tietê, bacharel em direito. Mas, de cara, Gê me disse que sua profissão mesmo era músico. Estudava música e era de música que queria viver. Antes de sair, trocamos endereços e telefones. Logo começamos a enviar longas cartas manuscritas um para o outro, fazer eventuais telefonemas, gravar fitas cassetes e enviá-las pelo Correio.

Gê me fornecia rock dos anos 70, muita música mineira da turma do Clube da Esquina e me abastecia seguidamente de um som instrumental que ele mesmo me apresentou, o do guitarrista Pat Metheny. Eu devolvia com MPB das décadas de 60 e 70, Beatles e cantoras de jazz e blues, como minhas preferidas Billie Holliday e Dinah Washington. Um ano depois da histórica festa, nossa festa acabou: em fevereiro de 1988, Zuza apresentou a última edição de seu programa diário. Foi no mesmo mês que passei no vestibular para Jornalismo. A amizade com Gê, no entanto, tinha alçado vôo próprio. Nos anos seguintes, cursei a faculdade, Gê cumpriu o objetivo de viver de música e hoje é professor do respeitado Conservatório Musical de Tatuí, além de guitarrista da Big Band da instituição. Já gravou dois CDs independentes, é excelente instrumentista e compositor, um querido anfitrião nas visitas periódicas a Tietê, foi meu padrinho de casamento. Acima de tudo isso, um amigo querido, dos que têm música nas veias, há exatos vinte anos.

Obrigada, Zuza!

Monday, March 26, 2007

Pais, padrinhos e padrastos

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A relação de alguns pilotos com seus chefes de equipe é o tema da minha coluna de hoje, lá no GPTotal. Vai lá, vai!

Sunday, March 25, 2007

Esfinges

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Ouvindo algumas músicas, dou graças a Deus pelo fato de certos versos não serem esfinges. Se dependesse de decifrá-los, seria devorada.

É fato que nem sempre os poetas quiseram dizer exatamente aquilo que interpretamos. Caetano Veloso, por exemplo, falou certa vez sobre "Enquanto seu lobo não vem", lançada no disco Tropicália (ou Panis et Circensis). Explicou que a letra faz várias referências políticas, mas não mereceu reprimenda da feroz censura da época simplesmente porque os censores não entenderam. Forçou, né, Caetano? "Há uma cordilheira sob o asfalto" seria, segundo ele, uma referência à guerrilha cubana saída da Sierra Maestra e ao fato de Che Guevara ter ido para a Bolívia depois. Ah, claro, bem que eu tinha percebido!

Como este, há uma enorme gama de versos que deveriam vir com manual de instruções. Alguns compositores são especialmente pródigos em letras enigmáticas, como Djavan, Luiz Melodia e o absolutamente hors-concours Carlinhos Brown. Antes que se apressem os julgamentos, nada contra. Sou partidária da idéia de que a música, como toda forma de arte, tem fim em si mesma, não precisa servir a nada. Se as letras servirem para despertar reflexões, isso é lá com o compositor. Antes de qualquer coisa, arte - e música - é pura fruição.

Mas não resisto à tentação...

Vamos brincar de listar os versos mais incompreensíveis da música brasileira?

Eu começo, vocês continuam.

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"Obi Obá, que nem zen, czar, shalom, Jerusalém, s´oiaseau"
(de Obi, do Djavan) - isso faz sentido em alguma língua? Aliás, em que língua?, porque consigo contar pelo menos seis neste curtíssimo extrato.

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"Devo de ir fadas, Inseto voa inseto sem direção"
(de Fadas, do Luiz Melodia) - esta letra é inteirinha Esfinge. Tenho vontade de ouvi-la de trás pra frente para ver se faz algum sentido. Será?

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"Esse ão de são, hei de cantar, naquela canção"
(de "Uma brasileira", Paralamas e ele, Carlinhos Browm) - essa é outra. Esfinge da cabeça aos pés. Não por acaso, os Paralamas convidaram Djavan para cantar na música. OK, não precisa explicar. Eu não iria entender.

Só para esquentar, vamos lá!

Wednesday, March 21, 2007

Parabéns

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O pessoal da Fórmula 1 deve se lembrar que hoje Ayrton Senna faria aniversário, mas não é dele que quero falar. (Não consigo deixar de rir cada vez que ouço/leio fãs dizendo que "se Senna corresse hoje na Fórmula 1 blá-blá-blá...". Pô, se Senna estivesse vivo faria hoje 47 anos!). Que Deus o tenha, como diriam os antigos.

Pois é de um "antigo" que falo. Se meu avô Antonio fosse vivo, hoje faria 89 anos. Muita gente tem avós até mais velhos, hoje em dia, mas não tive esse privilégio. Meu avô José morreu em 1974, aos 81. No ano seguinte, com apenas 57, foi a vez do vô Antonio. Praticamente não me lembro dos dois, embora eu já tivesse duas Copas do Mundo nas costas quando ambos se foram.

Vô Antonio teve uma vida terrestre curta, mas otimizou a oportunidade. Brasileiro, filho de um português com uma espanhola, tinha uma feição meio árabe que denunciava a presença mourisca na Península Ibérica. Magro, ereto, cristalizou-se na minha memória em uma imagem inusitada. Gostava de andar pelo grande e arborizado quintal da casa, no Tucuruvi, segurando um cabo de vassoura com os braços arqueados, atrás das costas. Dizia que fazia bem para a coluna e eu tenho certeza de que estava certo. Lembro sempre da sabedoria do vô quando vejo umas senhoras fazendo coisa parecida na aula de yoga, lá na academia.

O pai, Alípio, acumulou fortuna graças a uma indenização da estrada de ferro Sorocabana, onde perdeu uma perna. A família era grande, meu avô era um dos filhos mais novos e não aproveitou o tempo das vacas gordas, progressivamente fatiadas pela sanha do resto da turma. Cresceu praticamente pobre, no então longínquo bairro do Tremembé. Passava a pé na frente do palacete do Tucuruvi e dizia que um dia aquela casa seria dele. Foi o típico self-made-man, não escolheu trabalho, casou-se jovem com minha avó Elza. Antes dos trinta, já tinham quatro filhos. Antes dos quarenta, cinco filhos e a casa. Aquela casa.

Descobriu a vocação e encontrou solidez nos negócios com imóveis. Construiu, administrou e loteou terrenos, embrenhando-se pela Zona Norte paulistana, chegando a Guarulhos, onde teve atuação tão destacada a ponto de virar nome de avenida. A homenagem veio em parte pelo espírito empreendedor, mas muito pela ação social. Durante vários anos, Vô Antonio realizava uma caprichada festa de Natal para a população carente do município, com Papai Noel e tudo.

Claro que não era um santo. Nenhum de nós é, ou não estaríamos fazendo estágio neste planeta. O fato é que, em menos de sessenta anos de vida, Vô Antonio criou família, prosperou, ajudou parentes como pôde, cativou uma legião de amigos que ainda hoje, quase trinta e dois anos após sua morte, lembra-se de sua presença, de seus animados almoços de quarta-feira, já nos últimos anos de quase aposentadoria, de suas partidas de bocha, do vinho que fazia no quintal.

Aos 57 anos, Vô Antonio partiu por um mal do coração. Talvez tenha sido um daqueles casos, como disse certa vez Rita Lee: "se por acaso morrer do coração, é sinal que amei demais".

Feliz aniversário, vô.

Monday, March 19, 2007

GP da Austrália

Bem, amigos (começou mal, mas vamos assim mesmo), primeiro peço desculpas pela pouca atualização do blog. A correria anda brava, sem muitas perspectivas de sossego por enquanto, então vou postar no método Darcy Ribeiro, ou seja, "aos trancos e barrancos".

Falar sobre o GP da Austrália nesta altura já não é notícia, é história. Meus amigos da imprensa já trouxeram todas as informações, observações e bastidores da corrida de Melbourne. Para ficar só na blogosfera, quem quiser saber mais pode acessar aqui ou aqui e ler tudo a respeito.

Como minha próxima coluna do GPTotal é só na semana que vem, e daí é que não fará sentido mesmo falar da abertura da temporada, seguem alguns ligeiros comentários:

- Já dizia minha avó que o apressado come cru. É cedo demais para alçar Lewis Hamilton ao Olimpo da F-1 e tão cedo quanto para enterrar de vez a carreira de Heikki Kovalainen. Mas como a imprensa tem pressa, o clima já é de "viva Lewis", "morte a Heikki".

- O enterro preococe de Kovalainen justifica-se na medida que o chefe de equipe dele foi o primeiro a pegar a pá. É por essas e outras que considero Flavio Briatore uma escala na evolução da espécie humana. O homo sapiens veio depois.

- Achei Kimi mais magro no pódio. Depois reparei que era o novo macacão da Ferrari, com duas estratégicas faixas brancas na lateral. Pilotos amadores, anotem a dica. Listras na lateral, se não quiserem ficar com aquele visual Teletubbie.

- O carro da Honda, afinal, não se saiu tão mal na transmissão. Se andasse rápido talvez não aparecesse bem a pintura, mas naquele ritmo, tá legal...

- Não acho, mesmo, que a troca de posições entre Hamilton e Fernando Alonso foi estratégia de equipe. Quem viu a corrida notou como o estreante perdeu tempo com retardatários antes da segunda parada. Mas Ron Dennis deve ter adorado o fato. Tudo o que ele não precisa, agora, é um clima estranho entre os dois pilotos. Como foi, ficou tudo de bom para todo mundo: Alonso na frente e Hamilton bonito na foto, em terceiro na estréia. E, de quebra, a McLaren liderando o campeonato de construtores.

- Sinto muito por meu querido Reginaldo Leme, mas não ouço a transmissão da Globo há vários anos. No treino de sábado, não teve jeito, porque minha rádio preferida não estava transmitindo. Mas jurei para mim mesma que daria um murro na TV se aquele locutor chamasse Hamilton de "Robinho" mais uma vez. Tá doendo, viu?

- O vôo do escocês David Coulthard sobre o austríaco Alexander Wurz me fez lembrar os desempenhos de Roberto Carlos e Cafu na última Copa. Um homem deve perceber quando seu tempo já passou, né Rubens?

- A pintura da Renault ainda me causa estranheza, mas aquele leãozinho da placa de "brakes on" é tão fofo que vou acabar me rendendo à nova pintura, patrocinada pela seguradora ING.

- Não, Hamilton ainda não é o grande senhor das pistas, mas ele me fez feliz como no dia em que Guga venceu Roland Garros pela primeira vez e no gol marcado por Ronaldinho Gaúcho contra a Venezuela, seu primeiro pela seleção. Os três demonstraram sua alegria com sorrisos. Estou cansada de punhos cerrados e cenhos franzidos. Estou cansada de tapas raivosos no peito e urros guturais. Alegria, alegria!

Thursday, March 15, 2007

Clássico na Vila

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Nos últimos dias, a principal discussão do futebol paulista girou em torno dos clássicos na Vila Belmiro. O Santos, é claro, quer jogar eventuais clássicos da final do Paulistão em seu estádio. O São Paulo, é óbvio, não quer. Um blá-blá-blá interminável sobre condições do estádio, segurança dentro e fora dele. (Longo bocejo).

Enquanto isso, com a bola rolando, alheios ao nhém-nhém-nhém dos bastidores, os jogadores jogam. E os bons jogadores nos enchem os olhos. O terceiro gol do Santos ontem, pela Libertadores, contra o argentino Gimnasia y Esgrima, não foi propriamente um gol. Foi uma obra de arte. O autor: Zé Roberto.

Ele não perguntou a ninguém se pode ou não ter clássico na Vila. Foi lá e fez um. Um gol clássico, no sentido da perfeição de um Michelangelo. Sim, pode ter clássico na Vila.

Wednesday, March 07, 2007

Sabe, Rita...

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Sabe, Rita, quando você disse que foi a Abbey Road e lambeu as maçanetas do estúdio, só porque John, Paul, George e Ringo tinham segurado nelas, achei que era exagero, que ninguém chegaria a tanto só por amor a seus ídolos. Bem, querida, mais uma vez, você me pegou. Soube que era verdade quando me vi ajoelhada aos pés do Sergio, tomando-lhe a mão para beijar. Ele, com seu sorriso de esquilo, deve ter achado ridículo ou ficou envergonhado, porque logo me ergueu e disse, doce e cavalheiro, que são os homens que devem se ajoelhar por nós, as damas.

Sabe, Rita, o primeiro dos meus abusos não pareceu me conter, porque em seguida eu estava beijando a testa do Arnaldo, abraçando aquele corpo magrinho (que no entanto deu cambalhotas e fez flexões no palco, ninguém me contou, eu vi), segurando-lhe as mãos e repetindo “obrigada, obrigada”, como se ele tivesse me lançado a bóia dos náufragos. Teu ex-companheiro achou graça e, candidamente, soltou vários “eu é que agradeço”, como se eu é que tivesse o colocado de volta em um trem colorido, do passado lóki para o meu presente enlouquecido. Rita, confesso, careta, que eu ontem pirei.

Sabe, Rita, eu ainda hoje fico procurando mensagens pouco cifradas naquelas músicas e fico com pena de você dizendo “eu só quero que você me queira”, imaginando com raiva que ele respondia “eu vou viver mais pra mim, eu vou correndo buscar a glória”. Daí fico achando que ele se arrependia, sentia saudade e dizia “benvinda aos braços meus, você demorou, por onde andou?, fiquei chateado, coitado de mim”, pra você em seguida tripudiar, ameaçando “eu vou sabotar, você vai se azarar”. Ah, Rita, esse amor talvez tenha sido demais, explodiu, desandou, transbordou e todos nos sentimos com direito a morder pedacinhos dele.

Sabe, Rita, quando os astros de 2006 se alinharam, um anjo passou e dissemos amém, eu não tive nem tempo de pensar que você viria também. Não teve Yoko, não teve a bala do Marc Chapman nem o câncer do George, mas eu nunca deixei minha cabeça sonhar que com vocês seria possível, seria diferente. No fim, ele quase se azarou, a glória correu para você, teu 2001 astronáutico também já passou, tua Miss Brasil 2000 está quase coroa. Você poderia ter vindo, mas sempre soubemos que o muro talvez fosse espesso demais, intransponível. Toda mulher quer ser amada, toda mulher quer ser feliz, ele te mandou embora. Ah, eu acho que eu não voltava também.

Sabe, Rita, ajoelhar aos pés do Sergio e beijar a testa do Arnaldo foi a maior travessura que fiz na vida, desde que roubei a plaquinha da porta da minha classe, no 3° Colegial. Não estou à altura de um mutante, eu sei, desculpe o vexame. De você, o máximo que consegui ter até hoje foi só uma imitação da mítica franja. Fiquei depois pensando que mais eu faria se você estivesse lá, também. Sabe, Rita, você não sabe, mas a primeira coisa mais ou menos séria que eu escrevi na vida foi um programa de rádio sobre você, quando eu tinha 13 anos. De lá, vim dar aqui. Se você estivesse lá, não sei, acho que algum circuito ia queimar, um ciclo ia se fechar, tenho medo desses ritos, sem trocadilho.

Sabe, Rita, não tem nada a ver o Vinicius de Moraes com isso, mas sua falta ontem me fez lembrar de uma poesia dele, “Ausência”. O trecho: “... eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz/ Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado”. Serve para todos os amantes condenados a viver à distância, mas serviu para mim ontem. Ah, vocês poetas, pensam que escrevem só para si. Se você estivesse lá, ontem, acho que eu desmancharia no ar.

Sabe, Rita, foi bom, porque ficou parecendo que não terminou. Eu nunca sonhei que seria possível ver Mutantes e me deram esse bônus. Acho que vou começar a acalentar a esperança de um dia, qualquer dia, ter você junto a eles também. Não liga não, é só sonho, posso? Sem pressa, sei que você segue como mutante, no fundo sempre sozinha.

“Ai de mim que sou romântica...”

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Ontem, 6 de março de 2007, uma festa comemorou os 35 anos de Fórmula 1 do jornalista Reginaldo Leme e a 15ª edição de seu anuário Automotor (e eu escrevi a primeira!!!). Os Mutantes deram um show, com 14 músicas, no final do evento, tendo o primeiro-irmão Dinho Leme em sua melhor forma, na bateria. Obrigada, Reginaldo e Dinho, não sei se vocês têm noção do que representou aquilo tudo para gente como eu. Vida longa à família Leme, ao anuário, aos Mutantes!



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Atualização fotográfica, com um agradecimento especial a Carsten Horst, da agência Hyset



Alessandra, Sergios Dias e Bruno Vicaria, do site Grande Prêmio



Alessandra, Arnaldo Baptista e Vicaria



Lance curioso: a platéia, formada por muitos jornalistas ligados ao automobilismo, interrompeu o show várias vezes, gritando "Dinho, Dinho!". Ó ele lá no meio!

Tuesday, March 06, 2007

Virunduns

Não sei quanto a vocês, mas eu a-do-ro colecionar virunduns. Ao lado dos palíndromos, são talvez as duas coisas inúteis que mais me encantam.

Ah, vá dizer que você não sabe o que são virunduns? Nem palíndromos?

Um dia volto aos palíndromos, por enquanto vamos apenas de virunduns.

"Ouviram do Ipiranga..." - pronto, ei-lo. Quantas crianças não se debateram na dúvida sobre o que queria dizer aquela primeira frase do Hino Nacional? Daí surgiu a expressão "virundum", para designar trechos de música que soam de forma completamente diferente do original. O Hino Nacional Brasileiro é praticamente um virundum só. Além de usar palavras pouco usuais, abusa da ordem indireta nas frases. Em resumo, acho que 98% das pessoas que o cantam nunca pararam para destrinchá-lo e finalmente compreendê-lo.

Mas há tantos, tão hilários e saborosos virunduns que existe até um site sobre isso. Se quiser rir, é diversão na certa.

O meu preferido, de todos os tempos, foi o virundum de um professor de francês, que recém-chegado de seu Uruguai natal deparou-se com um sucesso de Elis Regina nas rádios: "... mas é você que é mal-passado e que não vê...". Era o que o pobre entendia, no lugar de "... mas é você que ama o passado...". Clássico e recorrente.

Há algum tempo, no blog do PAS, começamos a falar de virunduns e alguém veio com um outro, igualmente sensacional. De Djavan, que já é um virundum potencial, por tanto hermetismo nas letras: "...mais fácil apedrejar pôneis em Bali...", leitura digamos "alternativa" para "...mais fácil aprender japonês em braile...".

E você, venha, confesse seu virundum. Todo mundo já teve um.

Eu tenho vários, mas gosto mais desses aqui:

Gil cantava "com a cor do veludo, com amor, com tudo..."
e eu entendia "com a cor do peludo, com amor, com tudo..."

Roupa Nova cantava "alçar o vôo livre..."
e eu entendia "All Star, o vôo livre..."

Quem dá mais?

Monday, March 05, 2007

Espelho

Aqueles que se dedicam a administrá-lo, há muito tempo, parecem apenas interessados nos próprios benefícios. Quem já esteve próximo de suas estruturas internas sabe: os que entram lá metem a mão mesmo, é uma farra de caixas dois, notas frias, benesses aos amigos e parentes. Mudam os nomes, a zona é a mesma. Novas moscas, só.

Na primeira oportunidade, aliam-se a gente que já pode ter sido o inimigo de antes ou que tenha achado a reputaçãoe no esgoto, que eventualmente vai continuar a expoliação, mas tudo bem, desde que a sangria venha desaguar nos bolsos de ambos os lados.

Quem fica abaixo deles vira-se como pode. Os que podem mais exercem seus podres poderes, às vezes exacerbando. Os que podem menos abaixam a orelha. E vão tocando a vida, aos trancos e barrancos, às vezes comemorando vitórias fugazes, no mais das vezes amargando a tristeza de ver seu enorme potencial desperdiçado.

Corinthians, Brasil...

O que mais me dói é o quanto insisto em amá-los.

Thursday, March 01, 2007

A Fórmula 1 e o "triple bottom line"

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Na última segunda-feira, a Honda apresentou o carro que vai utilizar no Mundial de Fórmula 1 deste ano. O impacto causado pelos japoneses é justificável: os novos Honda trazem a imagem do planeta Terra, como visto do espaço. Sem nenhum logotipo ou nome de patrocinador (pelo menos, por enquanto), os carros trazem apenas um endereço virtual. Este site tem por objetivo atrair a atenção de outras empresas ou iniciativas para a questão ecológica.

Em tempos de intensos debates sobre aquecimento global e tudo o mais que cerca o tema ecologia, a Honda não poderia ter encontrado melhor forma de mostrar-se ao mundo como empresa engajada. Antes de parecer que é tudo apenas e tão somente marketing, cumpre-se informar que a Honda tem um longo histórico de pesquisa e desenvolvimento de produtos ditos "ecológicos", como aliás outras montadoras asiáticas. Recentemente, um estudo apontou os doze carros mais amigáveis com o meio ambiente. O primeiro colocado foi um modelo Honda (no total, foram nove japoneses e três coreanos - Ásia 10 x Resto do Mundo 0).

Ao utilizar a Fórmula 1 como veículo de conscientização, a Honda transfere para a categoria um princípio largamente difundido entre as empresas nos últimos tempos, a sustentabilidade. Esse conceito se apoia em um termo que consultores e especialistas costumam chamar de "triple bottom line" (ah, as maravilhas da linguagem corporativa e seus termos em inglês...). O nome é pomposo, mas a idéia é simples. Não adianta quererem ganhar dinheiro à custa de explorar pessoas e destruir a natureza, porque pessoas exploradas e natureza destruída geram uma droga de sociedade que não consome nada e não te deixa ganhar dinheiro. Dinheiro, pessoas, natureza. Ecoomia, sociedade, meio-ambiente, eis o "triple bottom line".

Tomara mesmo que a maioria das empresas esteja consciente de que a fórmula é essa. Se não resolver todos os problemas do mundo, pelo menos não atrapalha. Mas tem um dado incontestável nisso tudo. Ser e, principalmente, parecer engajado com esses preceitos é um marketing poderoso. A empresa que investe em responsabilidade social e, sobretudo, divulga isso aos quatro ventos, ganha a simpatia de uma parcela cada vez maior de consumidores. Belo marketing da Honda, ou não?

O Mundial de 2007 já pode ser considerado o campeonato mais socialmente responsável de todos os tempos. Antes que a Honda surgisse com seu eco-carro, a McLaren-Mercedes já havia anunciado a estréia de Lewis Hamilton, o primeiro piloto negro da categoria. Que fique claro: Hamilton não chegou à Fórmula 1 por ser negro, mas por ser bom piloto. De qualquer maneira, a inclusão de pessoas de várias etnias é outra ação bastante valorizada nas corporações globais, promovendo a diversidade (e nesse termo entram também as campanhas de inclusão de mão-de-obra feminina, de portadores de necessidades especiais etc.).

Bom ou ruim para a Fórmula 1 embarcar no marketing do politicamente correto? Patologicamente otimista, acho bom. Ainda que seja mais marketing que ação, não deixa de ser uma ferramenta para despertar pessoas, em todo o mundo, sobre questões relevantes do nosso tempo.