Thursday, February 01, 2018

Grid Girls: uma questão de mercado


Entregador de leite, arrumador de pinos de boliche, despertador humano, cortador de gelo, acendedor de lampiões. Isso para ficar apenas em profissões, sem contar os carregadores de liteira e as amas de leite, que eram funções de escravos. A humanidade sempre assistiu à incorporação e ao desaparecimento de profissões, como sinais dos tempos.

Quando a Liberty, empresa que controla a Fórmula 1 atualmente, informou que estudava a ideia de eliminar as “grid girls” das corridas, a grita já começou. Nesta semana, a mudança foi anunciada: nada de mulheres gostosas segurando placas com os números dos pilotos.

Não foram poucos os comentários sobre o fim de uma profissão “que não tem mal nenhum em ser exercida”. Concordo. Como não havia mal nenhum em empregar garotos para levantar pinos de boliche ou submeter trabalhadores ao sacrifício de cortar gelo. Só que a humanidade se transforma, e não serei tola em usar a palavra “evolui”. Foram aspectos como o desenvolvimento industrial, com a automação, por exemplo, que eliminaram esses postos de trabalho.

O garoto pobre que levantava pinos de boliche para os burguesinhos se divertirem nas noites de sábado certamente saiu chutando pedra, chateado e desgostoso, quando perdeu seu emprego. E foi fazer outra coisa, simplesmente porque aquela função já não fazia sentido em uma sociedade industrial.

Eu adoraria pensar que a decisão da Liberty atende ao anseio de uma parte cada vez maior de mulheres que não deseja ser um objeto de decoração em um ambiente badalado, carregado de testosterona. Mas talvez o atendimento desse desejo tenha acontecido por uma via bem tortuosa.

Quando assumiu a Fórmula 1, a Liberty realizou uma pesquisade mercado junto ao seu público, para mapear quem anda assistindo às provas de Fórmula 1 e descobriu um público potencial considerável para aumentar sua lista de fãs do esporte – as mulheres.

Além de conquistar o público feminino que ainda não se interessa pelas corridas, a empresa percebeu que já estava, na órbita da Fórmula 1, um contingente de mulheres que já assistiam às provas. Faziam isso para acompanhar companheiros fanáticos pelas corridas, não amavam nem odiavam o esporte, mas também não se sentiam atraídas por ele. Não se sentiam representadas em um ambiente no qual as mulheres ocupavam espaço de figura decorativa.

É com olho nesse público potencial que a Fórmula 1 está. (Da mesma forma que quer cativar as companheiras, a Liberty também está empenhada em trazer os filhos desses fãs da categoria, porque a tal pesquisa apontou que a idade média dos fanáticos por corridas ultrapassava os 40 anos, ou seja, F1 em geral se tornou esporte de tiozinho.)

Em um tempo no qual as discussões sobre empoderamento feminino ganham repercussão, alinhar-se ao tema já é, por si só, uma forma de fazer barulho e, no mínimo, atrair a atenção do público que almeja. Tem muito menos feminismo e muito mais interesse de mercado na decisão da Liberty.


Mas é alentador saber que, como amas de leite ou levantadores de pinos de boliche, as “grid girls” ficaram para a história.