Friday, December 24, 2010

Feliz Natal



Ainda me enternece um cenário cheio de neve, feições rosadas pelo frio, o trio gorro, luva e cachecol. Ainda me comove o disquinho do Tio Patinhas, coleção da Editora Abril, revivendo a história dos três espíritos no Natal - passado, presente, futuro. Mas outras tradições vão se somando ao meu Natal, como o passeio pela Avenida Paulista com meu filho na hora do almoço do dia 24 de dezembro. Comprinhas de última hora, uma passada pela banca de jornal.

E a foto de John e Yoko aqui no blog.

Porque John e Yoko fizeram a música de Natal definitiva para mim, aquela que evoca os sentimentos que deveríamos mesmo cultivar, e no ano todo, na vida toda, para além das religiões, evocando conceitos de diversidade racial, de justiça social, de desejo utópico (?) de igualdade. Porque John e Yoko despiram-se literalmente, escancararam suas paixões, conflitos, crises e reconciliações. Romperam rótulos masculino/feminino, ocidente/oriente, oprimido/opressor.

Este é o meu desejo de Natal, de um feliz Natal para todos vocês.

"Merry Christmas, John
Merry Christmas, Yoko"

Monday, November 15, 2010

Nada do que foi será...



A singela "Como uma onda", de Lulu Santos e Nelson Motta, é uma espécie de hino existencialista com a humildade de quem se sabe só poeta raso, e não filósofo. Mas, no embalo zen de um surfista hedonista, tem estes versos que prenunciam a revolução: "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia/ tudo passa, tudo sempre passará".

O título de Sebastian Vettel em 2010 me acendeu a esperança de que, talvez, uma revolução esteja em marcha. Nós, macacos velhos da Fórmula 1 (27 anos nas costas, no meu caso), passamos os últimos anos repetindo o mantra de que o jogo de equipe é tão antigo quanto a categoria. Sim, é verdade. Durante o GP do Brasil, conversei bastante com o ex-piloto francês Jacques Laffite, que correu entre 1974 e 1986, e hoje é comentarista da TV francesa. Laffite se mostrou totalmente convencido de que a Ferrari havia agido de maneira correta ao inverter as posições entre Felipe Massa e Fernando Alonso, no GP da Alemanha. Perguntei ao francês se, em sua carreira, ele havia passado por uma situação parecida com a de Massa. Com aquele charme parisiense, deu um sorriso maroto e respondeu: "Não, eu sempre era o Alonso da minha equipe."

A vitória de Vettel foi cantada em prosa e manchetes como o triunfo da ética sobre a armação, da verdade sobre a hipocrisia. Como alguns colunistas escreveram brilhantemente por aí, a postura da Red Bull, neste final de temporada, foi também uma extraordinária ação de marketing. Ao optar pelo não-favorecimento de nenhum de seus pilotos, a Red Bull uniu-se ao coro dos descontentes com a decisão ferrarista em Hockenheim. Ainda que a mesma Red Bull tenha enchido de descontentamento o veterano Mark Webber ao sacar de seu carro uma asa especial, e colocá-la no de Vettel, na corrida anterior a esta da Alemanha.

Mas, se a vitória de Vettel parece um divisor de águas, a corrida de Hockenheim também o foi. Aqui, no twitter, na academia, no cabeleireiro, escutei um quase uníssono de vozes, clamando pela luta aberta, pela não-armação. E fico pensando que talvez seja hora de nós, os símios anciões, pararmos de dizer que "sempre houve jogo de equipe na Fórmula 1, por isso temos de aceitá-la." Ora, sempre houve uma porção de coisas que hoje não queremos que continuem existindo. No nível da civilização, não aceitamos mais o racismo, a misoginia, a homofobia, a degradação do meio ambiente. Muitos destes conceitos foram aceitos durante parte da história da humanidade, mas resolvemos que seria melhor mudar.

A corrida de Abu Dhabi não trouxe nenhuma situação em que o jogo de equipe pudesse assumir o papel de protagonista. Se Vettel estivesse em primeiro, com Webber em segundo e Alonso em terceiro, o alemão abriria mão da vitória, para dar o título ao companheiro australiano? Jamais saberemos. Vettel chegou a dizer, em entrevistas anteriores, que cederia o espaço, de forma voluntária. A fala do jovem alemão, somada à opção declarada do dono da equipe, Dietrich Mateschitz, que disse preferir perder o título de forma limpa, a ordenar uma troca de posições, era por si só um jogo de cena perfeito. A Red Bull mantinha o discurso da disputa liberada, a equipe garantiria o título para Webber e Vettel assumiria o papel de esportista que sabe competir pelo time, mas por uma opção pessoal, não imposta. Mas este cenário esteve longe de acontecer, e saiu melhor do que a encomenda para a Red Bull, com Vettel campeão, sem troca de posição alguma.

Para a imagem da Fórmula 1, foi melhor assim. Como foi melhor para a Fórmula 1 que a McLaren não ganhasse o título de 2007, depois de confirmado que a equipe havia espionado segredos da Ferrari. Premiar a McLaren, naquela ocasião, ou a Ferrari, neste ano, seria dar um atestado de idoneidade para criminosos condenados.

Talvez, a via tortuosa pela qual o título terminou nas mãos de Vettel seja pedra fundamental para um novo tempo na Fórmula 1. Quero acreditar nisso. Quero ter certeza de que todos pensaremos desta mesma forma - prefiro perder o título a encenar um simulacro de corrida diante do público. Se todos estivermos de acordo que é melhor ver nosso ídolo sem troféu, mas com ficha limpa, então estarei ainda mais feliz por continuar amando este esporte.

Wednesday, November 10, 2010

Palpite e torcida


Sem mais delongas, uma enquete, duas perguntas:

1) Quem você acha que será campeão do Mundial de Fórmula 1 de 2010?
2) Para quem você está torcendo?

Votem e, se quiserem, justifiquem suas escolhas. Valendo!

Saturday, November 06, 2010

GP do Brasil, sábado

Neste dia histórico, com a primeira pole da carreira de Nico Hulkenberg, um breve álbum de flagrantes do sábado em Interlagos.


Gabriel Prado, repórter da Bandeirantes, e eu, com o cabelo vencido pela chuva (de novo!)


Odinei Edson narra, Cacá Bueno comenta; ao fundo, Sergio Patrick


Velhos companheiros: Emerson e Jan Balder


O fã da Ferrari manda um recado à equipe: deve ser torcedor do Massa, concordam?

Sunday, October 31, 2010

31 de outubro de 2010

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida....

(Obrigada, Mauro Chazanas)


Sunday, October 24, 2010

Manual de autoajuda Fernando Alonso


Terminado o GP da Coreia do Sul, escrevi a seguinte frase no Twitter: "Como é largo esse Fernando Alonso". De fato, à primeira vista, a vitória do espanhol pareceu uma sequência de lances de sorte. Primeiro, o acidente de Mark Webber. Depois, o motor estourado de Sebastian Vettel. E, assim, Alonso saiu da Coreia como líder do campeonato. Mas faço minha penitência já: não pode ser creditada só à sorte a jornada vitoriosa do espanhol no primeiro grande prêmio disputado naquele país.

E nem vou me ater às questões de perícia do bicampeão. Alonso pode ser manhoso, dissimulado, amoral até, como dizem alguns, mas é um extraordinário piloto. Nada de novo nisso. Manter-se íntegro em uma prova com condições adversas pode ser tudo, menos um golpe de sorte, ou vários. Mas queria analisar um aspecto mais, digamos, esotérico deste final de semana.

Abri minha participação na transmissão, aliás, falando sobre isso. Depois do treino classificatório, no sábado, li a seguinte frase de Alonso, no Tazio: "E mais uma vez foi o nosso máximo potencial hoje, o que é, de certa forma, muito bom, porque a classificação não é nosso ponto mais forte do fim de semana. Aqui, estamos próximos da Red Bull, então a situação parece boa para amanhã."

É uma frase corriqueira, em linha com o discurso quase sempre vazio que esportistas costumam proferir nos pré-eventos. Mas pesquei um ardil na sentença. No ar, pelas rádios Bandeirantes e BandNews FM, comentei que a fala de Alonso tinha um tom de ameaça, como se ele dissesse para Vettel e Webber: "aproveitem enquanto estão na frente, porque amanhã será pior."

A diferença astronômica da Red Bull para as demais, que se consolidou em pistas como Mônaco e Malásia, parece ter ficado no passado. Na Coreia, Alonso classificou-se com um tempo muito próximo ao de Vettel e de Webber e, na corrida, conseguiu manter a distância na casa do confortável e administrável. Alonso tinha motivos concretos para acreditar que, mais uma vez, os carros mais rápidos no treino não necessariamente levariam tal vantagem para a corrida.

Mas a fala de Alonso foi mais do que análise cartesiana. Teve ali um componente de dupla serventia. A um tempo, o espanhol plantou em si mesmo a perspectiva de ser melhor hoje do que havia sido ontem. E, também, semeou em Vettel e em Webber a desconfiança, a cisma, o trauma de algo, afinal, repetido outras vezes nesta mesma temporada. Alonso plasmou a vitória de hoje em sua mente.

Os nomes variam - pensamento positivo, energia, vibração - mas o conceito é o mesmo. Está em livros esotéricos e em manuais de autoajuda o conselho que Alonso pareceu seguir nas terras orientais. Fixou-se a uma imagem alvissareira para o domingo e se manteve na rota para alcançá-la. É cada vez mais recorrente esta faculdade entre esportistas. No futebol e em outros esportes coletivos, fica cada vez mais evidente que o papel do técnico está tão ou mais relacionado a motivar e instigar a equipe do que necessariamente no reforço dos fundamentos técnicos ou em armações táticas. Que o diga o DJ Luiz Felipe Scolari e seu repertório de músicas motivacionais.

Alonso não venceu só na pista, venceu na cabeça. A duas corridas do final, a fortaleza psicológica pode ser uma arma letal.

Wednesday, August 18, 2010

Kleiton e Kledir


Nestes tempos de férias da Fórmula 1, aproveito um tempo raro para escrever novamente sobre música. A motivação, ora vejam, partiu do esporte. Liguei a TV na segunda-feira no programa "Bem, amigos", apresentado pelo Galvão Bueno, e lá estava a dupla de cantores e compositores gaúchos Kleiton e Kledir. Nossa, que sequência de flashbacks!

Antes que o conceito de dupla, na música brasileira, fosse imediatamente associado ao gênero sertanejo, os irmãos Ramil fizeram muito sucesso, mas por poucos anos. A carreira começou no meio dos anos 1970, como integrantes de um grupo de rock batizado de Almôndegas, que chegou a ter uma de suas músicas ("Canção da meia noite")incluída na trilha sonora da novela global "Saramandaia". Quando o grupo acabou, os irmãos resolveram continuar a carreira como dupla.



Em 1979, o primeiro grande sucesso - "Maria Fumaça", que disputou o Festival da TV Tupi daquele ano. O trenzinho acelerado de Kleiton e Kledir puxou as vendas do primeiro disco, que tinha outras músicas ótimas - "Vira, Virou", com participação do Ivan Lins, "Fonte da Saudade", "Roda da Fortuna", que também foi tema de novela (quem se lembra desta? "Cavalo Amarelo", da TV Bandeirantes) e até uma canção em tupi-guarani, chamada "Tassy".



No ano seguinte, a vocação para festivais dos gaudérios voltou a se manifestar. Inscreveram a bela "Navega, coração", que era apresentada com o auxílio luxuoso dos vocais do grupo Céu da Boca. Não ganharam. O prêmio ficou para a pobre Lucinha Lins, dona de uma das mais traumatizantes vaias de que se têm notícia, coitada. A música "Navega, coração" foi lançada no segundo LP da dupla, que tinha igualmente ótimas canções, como o mega sucesso "Deu pra ti", "Lagoa dos patos", com participação do MPB-4, "Paixão" e uma música ao estilo duelo de trovadores, não por acaso chamada "Trova", música que me divertia, principalmente pelo verso "eu não sou de perder trova pra gaúcho bunda mole". Nossa, eu achava aquilo tão corajoso e transgressor. Não tenho certeza nem consegui informações para confirmar, mas acho que "Trova" foi censurada na época, e talvez fosse por "tanta grossura", como diz a letra, mas também poderia ter sido pelos versos "daqui a pouco, se ofendemos de filho da ditadura, o homem pode engrossar, e fecha a tal da abertura".

Fui assistir Kleiton e Kledir no Palácio das Convenções do Anhembi. Havia shows lá praticamente toda semana e, como eu morava relativamente perto, lá vi Caetano, Rita Lee, Milton Nascimento, Eduardo Dusek, Ney Matogrosso, era uma festa. Quem não é daquela época ou não se lembra pode achar estranho que uma dupla de cantores e compositores gaúchos, que fazia música moderna mas de forte influência sulista, cantava com sotaque e incluía sons de violino e sanfona em seus arranjos fosse extremamente popular. Mas eram, inclusive com as crianças, provavelmente ainda pelos ecos de "Maria Fumaça".

Não sei ao certo se eu me apaixonei pelo Kledir nesse show ou se já fui a ele gamada no moço. Depois do Oscar e do Éder, da seleção brasileira de 1982, Kledir ganhou todos os meus suspiros entre os anos de 1983 e 1984. O show comendo solto e uma pequena multidão de crianças se esbaldando na frente do palco. Pois os gentis cantantes convidam a petizada a subir no palco. Estava eu entre eles? Claro que não! Eu tinha 13 ou 14 anos, e naturalmente já me achava fora da turma dos baixinhos. Mas meu irmão estava! E acabou ganhando um aperto de mão do Kledir, para minha inveja trepidante.

Era uma família toda musical, essa Ramil. Além dos dois, o irmão caçula, Vitor Ramil, revelou-se também um compositor extraordinário, depois virou escritor, como aliás também o é o próprio Kledir.



O terceiro disco da dupla não teve o brilho dos dois anteriores, na minha opinião. E também fez menos sucesso, mas não escapou da censura, tendo a faixa "O analista de Bagé" proibida para divulgação pública. Mas nesse disco, Kleiton e Kledir gravaram uma versão em português para "Bridge over troubled water", de outra dupla conhecidíssima - Simon & Garfunkel. Esta versão, batizada em português de "Corpo e Alma", celebra justamente a amizade entre irmãos, sejam eles de sangue ou de afinidade. Foi uma das músicas escolhidas pelo meu pai, ao lado de "Imagine", de John Lennon, para tocar em sua cerimônia da cremação.

Sunday, August 01, 2010

Uma tarde em 2010



Quem me dera, agora, eu tivese a viola pra cantar. Mas, a viola foi quebrada e jogada na plateia.

A piada contada por Roberto Carlos, nos bastidores do III Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, é uma das singelas revelações trazidas pelo documentário "Uma noite em 67", de Renato Terra e Ricardo Calil. O filme, de fato, não se presta a fazer revelações. É uma reconstituição de um acontecimento artístico fartamente documentado, referência para temas tão diversos quanto vaias, Tropicália, guitarras elétricas, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Sérgio Ricardo, Roberto Carlos cantando samba e além.

"Só queríamos fazer um bom programa de televisão, e que desse tudo certo", diz o produtor Solano Ribeiro logo no início do filme. Alheios a esse propósito simples, os atores desse programa acabaram fazendo uma revolução na música. Talvez Renato Terra e Ricardo Calil quisessem apenas fazer um documentário, mas promoveram um encontro histórico de gerações nas salas de cinema do Brasil.

Fui ver "Uma noite em 67" hoje à tarde com a minha mãe, frequentadora de vários daqueles espetáculos da TV Record. Ela não chegou a ver nenhum dos festivais in loco, pois conseguir ingressos para eles não era tarefa fácil. Mas viu vários programas como "O fino da Bossa" e "Bossaudade" sentada na plateia do Teatro Paramount, na avenida Brigadeiro Luiz Antônio. E assistiu a todos os festivais da Record pela TV. E torceu por Chico Buarque e Nara Leão, em 1966, defendendo "A banda", e manteve a aposta em Chico, em 1967, com "Roda Viva".



Já escrevi aqui e aqui que reverti meu sentimento quanto à nostalgia de um passado que não vivi. Mas o documentário "Uma noite em 67" me fez balançar do conformismo. É bom fruir a produção cultural daquela época com o filtro dos anos. É bom, sobretudo, não ter de tomar partido em uma circunstância tão esdrúxula quanto a passeata contra as guitarras elétricas mas, que diabos!, eu queria muito estar naquele teatro (ou, pelo menos, à frente de uma TV) naquele dia 21 de outubro de 1967!

Não vou me alongar na relevância dos festivais dos anos 1960. Zuza Homem de Mello já escreveu tudo o que precisava ser escrito sobre o tema no livro "A era dos festivais - Uma parábola". Também é inútil teorizar sobre o motivo pelo qual os festivais nunca mais foram como aqueles. O formato festival apenas reuniu em um mesmo palco, e com os ingredientes agudos da disputa, a extraordinária geração de artistas que surgiu naquele tempo.

O documentário "Uma noite em 67" torna-se indispensável para conhecer o tema por um conjunto de atributos. Em primeiro lugar, a reprodução das apresentações originais, e com as músicas exibidas integralmente. Depois de tanto videoclip, de tanta edição nervosa de imagens, de colagens e descontruções de narrativas, como é bom assistir a um filme que respeita o tempo das coisas - músicas, falas, a respiração do entrevistado. Apresentações no palco, entrevistas nos bastidores: está feita a reconstituição do festival. Ali, está o passado, contado e delimitado.

Mas "Uma noite em 67" não se limita a exibir imagens raras. A costura, também muito simples, é feita pelos depoimentos atuais daqueles mesmos personagens - Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Sérgio Ricardo, até Roberto Carlos falou. E ainda Paulinho Machado de Carvalho, um dos proprietários e diretor da Record, o próprio Zuza, consultor do filme, Nelson Motta, Sergio Cabral. E esta costura de depoimentos, ao mesmo tempo que traz à tona informações encobertas, parece ajudar esses mesmos personagens a mergulhar em si mesmos. Tocantes, auto-reflexivas, algumas falas desses artistas expõem o quanto aquela noite de outubro de 67 foi o marco zero de várias revoluções.

Ainda que Chico diga que raramente pensa naqueles tempos e que nem se lembre mais da letra de "Roda Viva".

Ainda que Caetano preferisse ter sua imagem descolada de "Alegria, Alegria".

Ainda que Gil revele o pânico sentido naquele dia e o compare, em nível de angústia, ao que sentiu ao ser preso.



Pois Chico revela que, depois daquilo tudo, acabou se sentindo sozinho, isolado como figura conservadora, o bom moço da MPB.

Pois Caetano localiza naquele evento, na reversão que fez da plateia - da vaia ao aplauso - o momento de se sentir forte para ir além e organizar o movimento.

Pois Gil, olhos a um piscar de derramar lágrimas, admite que ali percebeu a viabilidade de sua ideia libertária de música.

Sorte de quem viveu naqueles anos 1960. Sorte de quem assistir "Uma noite em 67".

Saturday, July 31, 2010

Para embalar este sábado à noite

"Oi Alê, tudo bem?!

Por favor, a hora que vc. puder, dê uma olhada nesse vídeo que fiz! É uma composição nova, quer dizer, já tem uns 7 anos, mas estará presente no próximo CD!"

Este, meu amigo Gê Tock, um dos personagens principais deste post. Um dos meus queridos amigos.

Ele pede minha opinião, mas como sou suspeita, peço também a de vocês. Aproveitem!

Sunday, July 25, 2010

Não aprenderam, não?


"Alonso está mais rádpido que você. Entendeu?" A frase, dita para Felipe Massa pelo rádio, parecia pronunciada em letras de forma, de tão clara e pausada. Veio em inglês macarrônico, daqueles gostosos de ouvir, por serem tão fáceis de entender. Na volta seguinte, Alonso passou e assim venceu o GP da Alemanha de 2010.

Na coletiva, Alonso, Oscar de ator, disse não saber o que aconteceu a Felipe. "Seu carro estava mais lento e eu o passei." Massa não disse que sim ou pelo contrário. "Não tenho nada a falar sobre isso", no melhor estilo depoimento de CPI.

Gente, vamos parar de hipocrisia? Todos nós? Você aí na Ferrari e nós aqui, o mundo. Todo mundo sabe que este é o modus operandi da Ferrari, com regra da FIA ou não, para não haver ordens explícitas de equipe. Vocês acham que nós ainda não aprendemos? Tanto já foi dito e escrito sobre a opção permanente da Ferrari em trabalhar por um de seus pilotos, e fazer o outro de escudeiro. Eu mesma, neste blog, escrevi isto aqui, certa vez. E o fato relatado tem quase trinta anos. Foi assim, depois, nos anos Schumacher/Barrichello.

Se Rubens Barrichello e Massa optaram por aceitar essa condição - a de segundo piloto - é decisão deles. A Ferrari ganhou muitos campeonatos com esta fórmula, e a Red Bull provavelmente vai perder o atual por não fazê-lo e deixar o banana verde do Sebastian Vettel e o esforçado porém limitado Mark Webber brigarem livremente pelo título.

O que me incomoda enormemente na história é a postura pública dos pilotos que são segundos pilotos, mas posam para suas torcidas como primeiros. "Estou na luta pelo título", "Vou correr para ganhar", "Tamo junto, vamo nessa". Não, não vamos nessa, porque a opção da sua equipe é por seu companheiro, não por você. Se você, segundo piloto, aceitou fazer este papel porque isso lhe é conveniente (dinheiro, money, tutu, pilas, verdinhas), good for you. Mas não vou engolir que você está lutando pelo título. Eu já aprendi.

Guardadas as devidas proporções, é o mesmo sentimento que tenho em relação a determinados veículos de imprensa, que são partidários desta ou daquela corrente político-ideológica, mas posam de imparciais. Não discuto a posição. Discuto a mentira. Mentir é feio e faz mal para quem o faz. A verdade às vezes pode ferir, pode até prejudicar quem a diz, mas traz uma leveza de alma que compensa.

Sai do armário, Massa, seja um segundão feliz.

Thursday, July 22, 2010

Dzi Croquettes



“Não somos homens nem mulheres, somos gente”.

Dita logo no início do documentário Dzi Croquettes, a frase acima resume o tom andrógino, revolucionário, libertário e inovador da trupe teatral que marcou o cenário artístico brasileiro nos anos 1970. Há alguns meses, vi uma reportagem sobre o filme, no Canal Brasil, e fiquei muito interessada, principalmente por poder conhecer uma história sobre a qual eu tinha poucas informações.

Outro motivo para minha curiosidade em relação ao Dzi Croquettes estava em seu integrante mais famoso – Lennie Dale. Sua figura surgiu para mim no dia do enterro de Elis Regina (de novo...). Me impressionou muito a figura do homem à beira do túmulo, chorando em desespero. “Quem é que vai cantar pra gente agora?”, ele dizia. Fiquei sabendo que era Lennie Dale, nome que eu já tinha ouvido algumas vezes, sem saber exatamente o que fazia. Definido habitualmente como bailarino e coreógrafo, Lennie era mais que isso. Era um artista completo, um one-man show. Anos depois, lendo “Eis aqui os bossa-nova”, do crítico e meu querido amigo Zuza Homem de Mello, entendi que Lennie Dale não foi só um bailarino, coreógrafo ou homem de cena, mas também uma figura importantíssima da Bossa Nova, seja pelo baú cheio de discos que trouxe para o Brasil quando veio dos EUA, seja pelo profissionalismo que impôs aos shows do “Beco das Garrafas”, templo da música brasileira nos anos 1960, seja pela inventividade harmônica que introduziu nos arranjos em seus espetáculos.



Eu sabia que Lennie Dale tinha a ver com o Dzi Croquettes, mas não sabia que ele não tinha sido seu único criador. Para falar a verdade, eu pouquíssimo conhecia dos outros artistas que fizeram parte do grupo e fiquei até surpresa ao saber que Claudio Tovar, consagrado ator, diretor de teatro e, last but not least, marido da atriz e cantora Lucinha Lins, tinha feito parte da trupe. E, cá entre nós, pela minha idade e pelo meu interesse na cultura brasileira, acho que deveria saber mais. Minha percepção reforça a motivação dos diretores do documentário – Tatiana Issa e Raphael Alvarez. Sócios em uma produtora de Nova York, eles decidiram filmar “Dzi Croquettes” porque perceberam que as novas gerações não conheciam a história do grupo. Bingo, queridos diretores. Se eu, que nem sou tão nova assim, vi o documentário como uma sequência de revelações, imagino os mais jovens.

Coeso e linear, o filme tem muitos méritos, além do resgate da história do grupo. É muito bem editado, mescla imagens da época, fotos e entrevistas recentes de maneira coerente e dinâmica. Gostei, particularmente, da edição de um trecho extremamente emocionante, quando o diretor Amir Haddad fala sobre a morte de Wagner Ribeiro, fundador do Dzi Croquettes. A voz do entrevistado vai se tornando embargada, ele faz pausas. Nas pausas, outros trechos de entrevistas, com outras fontes, preenchem os vazios, complementando o mesmo assunto.

Mas, quem sou eu para avaliar um documentário do ponto de vista técnico... O que me fez sair extasiada do cinema foi a emoção de “Dzi Croquettes”: as cenas do período da ditadura, o contexto autoritário e retrógrado em que os rapazes decidiram levar seu desbunde para um palco no Rio de Janeiro, a absoluta transgressão de corpos semi-nus (que mané semi-nus, o quê?! Peladões, só com tapa-sexo e olhe lá!), o entusiasmo e a devoção de artistas consagrados, como Liza Minelli, Betty Faria ou Ney Matogrosso, ou nascentes na época, como Miguel Falabella, Jorge Fernando e Claudia Raia, os tristes desfechos cercados de AIDS e assassinatos da maioria de seus integrantes. E tudo costurado com o depoimento da própria diretora, filha de um “agregado” do grupo, o iluminador Américo Issa, morto em 2001. Ou, como ela diz, “transformado em purpurina”.



Ao ver aqueles corpos magérrimos, só músculos e ossos, e aquelas caras pintadas, impossível não associar a imagem do “Dzi Croquettes” ao fenômeno “Secos & Molhados”, origem do próprio Ney. Estranhei o fato de não haver nenhuma ponte sobre isso no filme. Quem teria influenciado quem? Se alguém souber (Tatiana? Raphael? Mais alguém?), gostaria de saber.

Muitas vezes, quando vejo cenas de um tempo que não vivi, prevalece a frustração. “Não sou deste tempo, nasci em época errada, quem me dera ter visto isso ao vivo...” Com o passar do tempo, passei a ter outra visão sobre o tema. Até porque, não adianta mesmo: o DeLorean do “De Volta para o Futuro” só funciona no filme. Por vezes, fico pensando que é melhor conhecer alguns ícones do passado com o filtro dos anos, com o distanciamento das décadas. Algumas coisas foram inovadoras demais, transgressoras demais. Será que eu, com minha formação classe-média-católica-paulistana teria sintonia com uma produção cultural tão rompedora como foram os “Dzi Croquettes”? Morro de medo de pensar que eu estaria do outro lado, achando aquilo tudo uma “pouca vergonha”. Como escrevi certa vez, aqui, é fácil olhar a revolução com os olhos de hoje e se posicionar a favor dela. Mas, será que estaríamos todos prontos a abraçá-la?

Sunday, July 18, 2010

The man


Dois pilotos lutando pela liderança da prova. Jorge Lorenzo e Dani Pedrosa. E não apenas disputam o primeiro lugar na etapa da Alemanha da MotoGP. São, também, os dois primeiros colocados na temporada. Lorenzo larga na pole, mas o compatriota Pedrosa coloca-se melhor e assume a ponta. Lorenzo dá-lhe o troco algumas voltas depois. Essa ultrapassagem, meus amigos, ninguém sabe, ninguém viu. Sabem por quê?

Porque o diretor de imagens da TV estava preocupado em mostrar a disputa pelo quinto lugar. Simplesmente porque a disputa pelo quinto lugar envolvia Valentino Rossi. Seis semanas atrás, Rossi sofreu um acidente sério, quebrou a perna em dois lugares, inclusive com fratura exposta. Cirurgia, pinos, fisioterapia, uma bengalinha charmosa, e Rossi recebeu autorização dos médicos para voltar na prova deste domingo.

Escrevi isso no Twitter, na hora da corrida, e repito aqui: Valentino Rossi, provavelmente, é o maior piloto de qualquer coisa que já vi na vida. Alia características que costumamos ver divididas entre vários profissionais do volante (ou do guidão). Técnica apurada, velocidade, audácia, capacidade de desenvolvimento da máquina, lealdade, carisma, simpatia e uma habilidade incomum para lidar com a imprensa, com os fãs e com tudo o que envolve o evento MotoGP.

Em um mata-mata com Schumacher, uma analogia previsível até por serem contemporâneos, voto em Rossi, principalmente por superar o alemão no quesito esportividade/lealdade. Já vi Rossi fazer manobras espetaculares, corajosas e extremas. Não me lembro de nenhuma que pudesse ser considerada desleal. Se os leitores lembrarem de alguma, fiquem à vontade para refrescar minha memória. Já Schumacher...

Comecei muito bem o domingo, assistindo à volta de Rossi às pistas. Welcome, The Doctor. Você, definitivamente, é the man.

Tuesday, July 13, 2010

Cuca legal


O primeiro parágrafo deste post é uma confissão púbica. Quando consegui meu primeiro emprego, fui trabalhar em um local que mantinha o péssimo hábito de cancelar minhas folgas de maneira muito arbitrária. Sempre fui dedicada, CDF de dar nos nervos, mas uma hora me enchi e resolvi parar com a brincadeira. Ligavam do jornal, eu atendia e dizia, simplesmente: “Sinto muito, ela não está, não sei a que horas volta.” Se me perguntassem quem estava falando, respondia impávida: “É a mãe dela, pode deixar, eu dou o recado.” O segredo manteve-se enterrado por tantos anos por uma razão desconcertante de tão simples – minha voz é idêntica à da minha mãe. Nunca pretendi ou precisei imitar a voz da minha mãe. São iguais, apenas isso.

Isto posto, marco desde já minha posição em relação àqueles que se referem a Maria Rita como uma “imitadora de Elis Regina”. Genética, minha gente. A voz da filha é igual à da mãe, como igual é seu sorriso que deixa ver tanto dentes quanto gengiva, e espreme os olhinhos a ponto de virarem dois risquinhos chineses acima das bochechas protuberantes. Já escrevi sobre Maria Rita neste post, quando ela lançou o terceiro CD, Samba meu. Na época, não fiquei tão encantada com o disco, como havia ficado com os dois primeiros, mas depois fui vencendo o preconceito e curti muito várias faixas daquele disco. Nesta segunda-feira, fui ver Maria Rita pela primeira vez em carne e osso, em um espetáculo “íntimo e intimista”, como ela mesma definiu, no Tom Jazz.

Flashback rápido. Em 1980, eu era leitora por tabela da revista Claudia, comprada mensalmente pela minha mãe. A revista (quem se lembra?) tinha um encarte fixo, em papel jornal, com notas curtas, tipo notícia mesmo, sem a profundidade das matérias sobre comportamento, moda e beleza, que formavam a piéce de resistance da publicação. Notas, por exemplo, sobre espetáculos. Lembro de ler sobre “Saudade do Brasil”, espetáculo da Elis em cartaz, na época, no Canecão, Rio de Janeiro. O texto era mais ou menos assim: “Além de ver o show, você pode beber uma cerveja e beliscar batatinhas fritas enquanto isso.” Achei um descalabro: como alguém pode mastigar uma porção de fritas engorduradas enquanto Elis Regina canta “Conversando no bar”?! Respirar no mesmo recinto já é quase uma afronta, quanto mais comer e beber enquanto o milagre se processa ali, na sua frente. Enfim, nunca gostei de lugares onde se canta, se toca e se come ao mesmo tempo. Música, para mim, não é pano de fundo, é centro das atenções. O Tom Jazz é uma casa onde se canta, se bebe, se come e se toca, tudo ao mesmo tempo. Sempre vou preferir teatros, mas não nego a vantagem de estar em um local com essa configuração “intimista”: a mulher fica logo ali, a poucos passos de distância. Quem quiser comer e beber, paciência. Eu fui para ouvir. Oh, boy... E como ouvi.

Acústica excelente e músicos idem. Tiago Costa no teclado, Sylvinho Mazzuca no contrabaixo e Cuca Teixeira na bateria, aquele formato jeans-e-camiseta que Maria Rita vestiu nos primeiros shows e discos. E que este figurino fique apenas no sentido figurado, porque a moça está glamourosa que só ela, sequinha dentro de um vestido reto, curto e justo de paetê grená, cabelão poderoso. A sensação de pocket show termina ao primeiro acorde. O som dos três instrumentos preenche a casa de shows como uma massa musculosa de timbres bem definidos. E quando Maria Rita surge, sem alarde, o quarto instrumento se instala e a jam session começa. Músicos, meio brincando, meio dizendo a verdade, às vezes caçoam de cantores, chamando-os de canários, como se fosse mais fácil “apenas” moldar a voz à melodia do que dedilhar cordas, ou espalmar as mãos em acordes virtuosos sobre o teclado. Que isso valha para certa classe de cantores, mas não para músicos-cantores como é Maria Rita.

Eu imaginava que ela tinha essa característica, tive a certeza vendo-a ao vivo. “Há canções e há momentos, eu não sei como explicar, em que a voz é um instrumento que eu não posso controlar”, canta Milton Nascimento em “Canções e momentos”. Maria Rita, cantora, é a quarta instrumentista do grupo. Canários reproduzem a melodia, instrumentistas não se contentam. Reinventam. Por isso é tão recompensador ouvir Maria Rita cantar músicas que outros já gravaram. Ela subverte um rock em balada, transforma foxtrot em jazz. Foi o que fez, neste show, com “Só de você”, de Rita Lee, gravada com participação especial de César Camargo Mariano, pai de Maria Rita, no já longínquo ano de 1982. Maria Rita pegou a canção, confabulou com os colegas músicos e fez da deliciosa baladinha pop um jazz poderoso.

Foi na mesma linha com “A história de Lily Braun”, do espetacular LP “O grande circo místico”, gravada originalmente por Gal Costa, naquele mesmo período, início dos anos 1980. Neste caso, a releitura transcende a própria música. Maria Rita parece subir uma montanha enquanto canta a saga da cantora de cabaré que arrebata um fã. O fascínio, o flerte, a conquista, a paixão, a Lily Braun de Maria Rita vai subindo ao céu enquanto se consuma o encantamento com o homem dos seus sonhos. Mas eis que a cantora da história sucumbe ao pedido de casamento, abdicando do palco, da trupe, da turnê. Neste momento, Maria Rita vai além da interpretação afinada e irrepreensível de Gal. Ela – e seus músicos, claro – depois de atingirem o céu com a paixão de Lyly Braun, parecem começar a descer uma ladeira imaginária. “Nunca mais romance, nunca mais cinema, nunca mais drink no dancing, nunca mais cheese, nunca uma espelunca, uma rosa nunca, nunca mais feliz”. Cantora, instrumentista, atriz. Maria Rita contou e viveu a história de Lily Braun, transpirando na voz e na expressão corporal o contraste de sentimentos da personagem.

Maria Rita conta que escolheu o repertório deste espetáculo com base em “músicas que gosta de cantar”. Termina com sua interpretação arrebatadora de “Minha alma”, d´O Rappa, que já defini outras vezes como “o ouro de não-tolo do século 21”. Raul Seixas nos deu “O ouro de tolo” na época do milagre, um retrato da classe média acomodada com seus valores de pequeno burguês. O Rappa desnudou o inconformismo diante dos valores segregacionistas da elite que se esconde atrás das grades do condomínio. Maria Rita termina o show com esta canção-manifesto, entregue ao esforço vocal que impôs à música com sua interpretação intensa. Termina extenuada, para depois voltar e arrematar com “Encontros e despedidas”, de Milton e Fernando Brandt, e mais uma vez, “Cara valente”, do hermano Marcelo Camelo.




Quando Milton Nascimento deu “Encontros e despedidas” para Simone gravar, em 1982, senti o gesto como uma invasão. Ora, Simone parece ser uma pessoa doce, uma cidadã engajada, uma mulher de enorme valor. Mas, perdão, “Encontros e despedidas” evidentemente era uma canção feita para Elis. Milton sempre disse isso. Compôs a vida inteira para Elis, antes que ela gravasse sua primeira música, “Canção do sal”, continuou compondo por muitos anos, e seguiu pensando na voz dela, para suas canções, mesmo depois que ela morreu. Ao ouvir “Encontros e despedidas” na voz de Simone, pela primeira vez, levei um choque. Nunca deixei de ouvir esta e várias outras músicas pensando como ficariam na voz de Elis. Durante algum tempo, tive um sentimento ambíguo por Elis Regina. Amava devotadamente sua obra, mas não conseguia absorver sua morte, precoce, sofrida, estúpida, evitável, chocante. Elis, como observou a própria Gal Costa, certa vez, era capaz de vivenciar a emoção de suas músicas de uma forma quase incompreensível até mesmo para cantoras. Quem a viu cantar “Atrás da porta”, aos prantos, sabe do que estou falando. Cantava, chorava, sofria verdadeiramente com a letra, e não saía do tom! Elis não cantava apenas, Elis sentia as canções.

Por isso, nesta segunda-feira, vendo Maria Rita segura, altiva, absoluta em uma carreira que é dela, não de sua mãe, tive a sensação de que Elis estaria satisfeita. Porque é impossível pensar que ela cantava que queria “a esperança de óculos, e meu filho de cuca legal”, sem ter certeza de que ela não só cantava, mas vibrava intimamente por isso. Aquela cantora-instrumentista-atriz que eu vi no palco do Tom Jazz é a filha de cuca legal com que uma mãe pode sonhar.

Thursday, June 17, 2010

A primeira Copa

A pedido do meu amigo Alexander Grunwald, escrevi no blog Formula Grun sobre o tema "A primeira Copa". Abaixo, reproduzo o texto.



Serei óbvia. Tenho quarenta anos, nasci no ano do Tri mas, como qualquer pessoa da minha geração, tenho a Copa de 82 como marco fundamental da minha relação com o futebol. Mas vou a ela depois.

(Talvez, adiando falar sobre ela, eu ainda me iluda de que o resultado possa mudar.)

Se nasci no ano do Tri, naturalmente minha primeira Copa foi a de 1970. Minha mãe conta que corria a tapar meus ouvidos na hora do foguetório. E esta é a única referência pessoal que tenho daquele torneio. Já de 1974, as lembranças são mais agudas. Lampejos de memória, mais exatamente.

O que me marcou, definitivamente, foi o contraste das camisas cor de abóbora da Holanda contra o gramado verde. Foi a primeira Copa transmitida em cores para o Brasil, e meu pai deve ter sido um daqueles que se embalou no apelo de comprar uma TV colorida para ver os jogos.

O lampejo de memória remete ao jogo da Laranja Mecânica contra o Brasil. Eu e meu pai sentados na sala, montando cidadezinhas com os blocos Pequeno Engenheiro, tomando suco de abacaxi Maguary. Minha mãe aproveitava os jogos do Brasil para ir ao mercado, e voltava feliz da vida pela ausência de movimento no local. Na Copa seguinte, o mercado passou a fechar as portas na hora dos jogos da seleção brasileira, e meu pai brincava com ela, dizendo que só fechavam para ela não inventar de ir bem na hora da partida.

A Copa da Argentina marca presença com três cenas. O jogo do Brasil contra a Argentina, 0 x 0, especificamente por um lance de reclamação do volante Batista. O locutor soltou um “Cala a boca, Batista”, que era bordão de um programa humorístico da época, “Planeta dos Homens”, e eu me lembro de cair na gargalhada. Eu e meus primos. Estávamos na casa de uma tia, enquanto o resto da família acompanhava o enterro de uma parenta. Consta que o filho desta, um palmeirense doente, impacientava-se na cerimônia, ávido para correr para casa e ver o jogo. É bem provável.

A outra cena é a decantada goleada da Argentina contra o Peru. Eu não estava assistindo ao jogo, mas acompanhava do quintal a contagem dilatada do placar. Lembro que não entendi direito a dramaticidade contida naquele resultado, nem que a vitória massacrante da Argentina tirava o Brasil da final. Mas lembro bem da terceira cena, no dia seguinte, na escola. Dona Irene, minha professora da segunda série, balançando a cabeça grave e tristemente, decretando que, “infelizmente, foi marmelada”.

Eu já era corintiana naquela Copa. Menos de um ano antes, havia sido arrebatada depois da conquista do título paulista, contra a Ponte Preta. Nos quatro anos que separaram a Argentina da Espanha, fui me afeiçoando cada vez mais do futebol, principalmente pela influência dos meus tios Edgar e Edson, já que meu pai era torcedor da Portuguesa de Desportos e teve a grandeza d´alma de não impor sua sina nem a mim nem a meu irmão. Não era muito natural uma menina gostar de futebol, mas não era só de futebol que eu gostava. Tinha esporte na TV, eu estava ligada.


Os músculos do ponta-esquerda Éder


A Copa de 1982 me pegou em cheio na virada da adolescência. Corpo em transformação, hormônios, oscilações terríveis de humor. Vinte e oito anos passados, hoje penso que minha fixação na Copa da Espanha tem muito a ver com o futebol daquele time tão cultuado, mas muito também, e talvez mais, com a minha própria história.

Assim, mais do que o futebol arte, mais do que o calcanhar do Sócrates, os gols do Zico, os passes cirurgicamente precisos do Júnior, a Copa de 1982 talvez seja para mim – desculpem, rapazes – o conjunto de músculos do ponta-esquerda Éder e o porte altivo do zagueiro Oscar. Não sei dizer por qual dos dois, de verdade, mas acho que foi na Copa de 1982 que me apaixonei pela primeira vez.

Sim, o futebol era mesmo tudo aquilo. Quem não viu, que procure vídeos da época. A seleção brasileira jogava o fino, todos os titulares eram dotados de habilidade, não se falava em futebol força. Éder, aliás, destacava-se naquele grupo por seu físico definido, coisa ainda pouco preconizada na época. Olhando à luz de décadas passadas, penso que muita da identificação da torcida com o time vinha do fato de estarem praticamente todos aqui, atuando no Brasil. Eram jogadores do Flamengo, do Corinthians, do São Paulo, do Atlético Mineiro. Tirando Falcão, recém-vendido para a Roma, ninguém jogava em times como Chelsea, Werder Bremen ou Panatinaikos. Eu, aliás, acho que nem conhecia esses nomes, e eu já lia muito sobre futebol!

Se a Copa de 1970 é um vazio na memória, se a de 1974 são lampejos e se a de 1978 é bem menos que um trauma, a Copa de 1982 é até hoje minha lembrança mais forte em se tratando dessa competição. O dia 5 de julho de 1982 permaneceu como dia de luto por muitos anos, como muita gente tem o 1º de maio de 1994. O jogo, na hora do almoço, foi acompanhado de nhoque ao sugo e pão italiano. Achei que a provocação não deu sorte, passei anos sem comer nhoque e pão italiano, e culpei meus pais pela escolha desastrada do cardápio. Culpei meus pais porque adolescentes, especialmente nessa virada hormonal assustadora, culpam os pais por tudo. Mas também sobrou para o Toninho Cerezo, para o Telê que não mandou o time recuar, e para o juiz, que não marcou um pênalti de Gentile sobre Zico. Ou aquela camisa rasgada do Galinho, em plena área, era efeito de tecido puído?

Até hoje, carrego muito mais bronca da Itália que de qualquer outra seleção. É sério: perco com menos raiva da Argentina que da Itália. Na Copa de 1994, mantive-me serena até o jogo final. Eu nem ligava tanto de não ganhar aquela copa, mas quando se definiu o adversário da final, resgatei o entusiasmo. Ainda assim, não compensou. Acho que nunca vou me conformar com aquela derrota estúpida por 3 x 2, embora meu amor ao futebol tenha se solidificado de vez depois daquela que é chamada “a tragédia do Sarriá”. A Copa de 1982, com meus hormônios e minhas primeiras paixões, foi a minha primavera. E eu queria que ela terminasse em flor, consagrada com o título, e não nos pés do Paolo Rossi.

Sunday, May 30, 2010

Assim é, se lhe parece



"GP foi chato."

"Foi uma corrida meio sem graça."

Abro o noticiário do Tazio e leio assombrada as duas declarações acima. Eu até as engoliria se descrevessem o GP da Espanha, em Barcelona, ou mesmo a corrida de Mônaco, duas semanas atrás, embora eu mesma tenha um modo particular de definir o que é uma corrida chata. Mas isso não vem ao caso agora. O que assusta é saber que as duas definições foram dadas por Felipe Massa, a primeira, e por Rubens Barrichello, a segunda, sobre o GP da Turquia, encerrado algumas horas atrás.

No entusiasmo pós-bandeirada, ouvi e/ou falei frases como "foi a melhor corrida do ano" ou "a melhor prova dos últimos anos". Andávamos carentes, é fato. E como a fome é o melhor tempero, ouvi até quem pronunciasse a prova como a melhor dos últimos quinze anos. Estômagos saciados, provavelmente vamos rever tanto afã. Mas duvido que a maioria dos espectadores, em todo o mundo, não tenha ficado na ponta do sofá ao ver a disputa entre Lewis Hamilton e Jenson Button, pelo primeiro lugar, no final da corrida. De prender a respiração, de arregalar os olhos, de lembrar por que, afinal de contas, amamos automobilismo.

Para nós, aqui fora, foi tudo isso. Mas, let me tell you something about... pilotos.

Que gente...

Não faz tanto tempo assim, víamos Michael Schumacher ganhar provas modorrentas, largando na pole, mantendo a ponta todo o tempo, saindo do carro socando o ar de alegria, enquanto espectadores sonolentos em todo o mundo tentavam enxotar a terrível sensação de bode depois de tanta monotonia. Schumacher recebia o troféu, dava um salto acrobático ainda no pódio, levantando as pernas para trás, e ia para a coletiva da FIA dizer que a corrida tinha sido fantástica. Do seu ponto de vista, tinha mesmo: barba, cabelo e bigode feitos, havia levado o binômio piloto-equipe ao estágio da perfeição. Problema nosso se não havia disputa. Nosso e da concorrência. Para ele e para a Ferrari, estava ótimo, perfeito, fantástico daquele jeito.

Encaixotado entre Mercedes, Renault e até uma Force India, Massa tem todo o direito de achar que a corrida foi chata. Aquela que já foi sua pista, mais do que de ninguém, tornou-se neste domingo um fardo. Não é ilegítimo que Massa tenha tido como único desejo recorrente nesta corrida que ela simplesmente terminasse, para ele esquecer este sétimo lugar enfadonho.

Ainda mais desalentado, Barrichello praticamente só viu equipes nanicas atrás das Williams em Istambul. Terminando em décimo quarto, esteve distante até da zona de pontos. As disputas pela ponta nesta prova, nos dois duelos fratricidas, só fariam parte de sua biografia se ele quisesse assumir o papel de coadjuvante retardatário, já que Rubens cruzou a linha uma volta atrás de Hamilton.

Que graça o GP da Turquia pode ter tido, de fato, para estes dois?





"Acho que, se vocês olharem as imagens, estava claro que tinha a parte de dentro da pista. Fui por dentro, estava à frente e me focando no ponto de freada e, honestamente, vocês podem ver que ele tocou minha roda traseira direita e eu saí da pista."

Sincera e objetiva, esta foi a análise do alemão Sebastian Vettel sobre a batida com o companheiro de equipe Mark Webber. No ar, pelas rádios Bandeirantes/BandNews FM, discordei do jovem Vettel antes de ouvi-lo, responsabilizando-o pelo acidente. É certo que a curva seguinte, à esquerda, exigia uma ligeira guinada à direita para fazer a trajetória. Só que, à direita, estava Webber. Que simplesmente não abriu para o alemão passar. Vettel achou que ele abriria. Mas ele não abriu. É um risco, mas não há regulamento esportivo que o obrigue a mudar sua trajetória.

Sob seu ângulo, Webber fez outra análise. "Ficamos lado a lado em alta velocidade e talvez ele [Vettel] tenha virado muito rápido para direita e acabamos nos tocando. É uma coisa que pode acontecer."

Felizmente, a FIA entendeu o mesmo que Webber, eu e todo mundo que aprecia disputas em alta velocidade aceita como regra pétrea dessa modalidade - acidentes são inerentes às corridas - e não puniu nenhum dos dois pilotos que, afinal, já se puniram mutuamente ao assumir o risco de manobras tão arriscadas.





E eis que a corrida termina com o primeiro lugar de Lewis Hamilton, inglês que conquista sua primeira vitória na atual temporada. Hamilton, que já havia dado shows inócuos em outras provas, e carregava o mundo da McLaren nos ombros, pressionava-se em relação ao companheiro Button, vencedor duas vezes em 2010.

Cachorro picado por cobra tem medo de linguiça. Antes da colisão caseira entre Vettel e Webber, a McLaren ordena que Hamilton não parta para cima do alemão. Ele parece ignorar o rádio e tenta tomar o segundo lugar de Vettel. Não consegue a ultrapassagem, esboça conformar-se com um lugar no pódio. Depois da saída de Vettel e do atraso de Webber, inesperadamente, Hamilton torna-se líder da corrida. E traz consigo o companheiro Jenson Button que, percebendo-se em igualade de condições, tenta tomar-lhe a ponta.

Segue-se uma das disputas mais lindas, limpas e ousadas dos últimos tempos. Um toma lá dá cá no limite, com os dois pilotos dosando arrojo e sabedoria em doses ideais. Uma disputa diferente da que envolveu Vettel e Webber. Talvez porque a briga entre os pilotos da Red Bull tenha acontecido entre um piloto que ainda não é outro que, provavelmente, nunca será. A disputa entre Button e Hamilton foi uma luta de campeões.

E, lá vou eu, dando a cara para bater mais uma vez: a evolução da McLaren e a maturidade de Jenson Button estão me levando a apostar no inglês para o bicampeonato em 2010.

Mas por que, afinal, Hamilton parecia tão desanimado no pódio e na coletiva? Estaria chateado com o time, por tê-lo advertido na disputa contra Vettel e deixado Button partir para cima dele no final da prova? Pode ser.

Mas atenho-me à sua frase de abertura na entrevista, dedicando a vitória a seu pai, que completa 50 anos nesta semana. Hamilton e o pai estão estremecidos, ou rompidos, não sei com detalhes. Anthony Hamilton sempre foi empresário do filho, era uma espécie de mãe de miss do piloto, presente e guiando seus passos. A relação parece ter desandado em função do relacionamento de Lewis com a cantora Nicole Scherzinger, que por sinal estava em Istambul hoje.

Talvez esta corrida emocionante, que nos fez ter a sensação de que não faltou nada, possa ter reforçado um sentimento de perda em Hamilton. Talvez ele quisesse os três lá: a vitória, Nicole e o pai. Talvez Anthony Hamilton, com toda boa intenção de pai, preferisse que o filho se focasse mais na carreira e menos na moça. Talvez Anthony Hamilton nunca tenha sofrido por amor e não entenda. Do ponto de vista dele, de Massa, de Barrichello, de Vettel, de Webber, do meu e do seu, algumas coisas não são fáceis de entender.

Monday, April 19, 2010

Verde, maduro, passado

Muitos sites, blogs, fóruns e twitters de gente ligada a automobilismo estão, desde ontem, discutindo a manobra estranha de Fernando Alonso para cima de Felipe Massa. Como os dois, mais o chefe Stefano Domenicalli, resolveram colocar panos quentes na situação, prefiro centrar minha análise do GP da China em outros três personagens: Sebastian Vettel, Jenson Button e Michael Schumacher.



Vettel saiu de Xangai como chegou: à sombra da McLaren. O domínio da equipe inglesa nos treinos livres parecia brilhareco de sexta-feira, coisa para inglês ver, depois que Vettel e o companheiro Mark Webber deram o bote no final do treino classificatório. Na corrida, ambos decepcionaram. Já disse isso nas transmissões da rádio e reafirmo: ainda estou esperando a grande corrida de Sebastian Vettel. Suas vitórias, desde a primeira, lá em 2008, com a improvável Toro Rosso, foram domínios absolutos de um piloto que larga na frente e sustenta a posição até o final. Se as condições da pista mudam, se ele e a equipe precisam tomar decisões rapidamente, o angu desanda. Vettel, talvez jovem demais, ainda precisa melhorar sua performance em condições adversas. Vai ser campeão um dia - talvez neste ano mesmo - mas ainda mostra sinais de imaturidade. É o Neymar da Fórmula 1: ambos serão os melhores do mundo no que fazem brevemente, mas assim como o atacante santista, que a conselho do técnico Dorival Júnior ainda precisa melhorar fundamentos como o cabeceio, Vettel precisa melhorar em situações nas quais tem de reverter uma desvantagem.



Button, quem diria, saiu da equipe em que foi campeão no ano passado para assumir uma condição meio duvidosa na McLaren. Dividir o espaço com o compatriota Lewis Hamilton, que manda prender e manda soltar na equipe desde que chegou por lá, em 2007, parecia uma aposta arriscada. No entanto, quatro corridas e duas vitórias depois, o atual campeão mantém a autoridade e lidera a tabela atual. Nas duas vitórias em 2010 - Austrália e China - balanço perfeito entre condução segura e estratégia acertada. Em ambas, Button locupletou-se da sabedoria na hora de trocar pneus. Vence corridas sem dar grande espetáculo, até meio distante das imagens da TV, poupando o carro com sua pilotagem sustentável (ah, eu sabia que, um dia, ainda iria usar essa palavra tão adorada no ambiente corporativo bem aqui, para falar de Fórmula 1!). Enquanto isso, o companheiro Hamilton coleciona ultrapassagens, dá show e... devora pneus como um Garfield diante de uma travessa de lasanha. Hamilton, menos que Vettel, não é um piloto totalmente maduro, no ponto, como esse Button revelou-se ao, finalmente, ter um equipamento confiável nas mãos.



Schumacher, por sua vez, passou do ponto. Vá lá que não tivesse um desempenho notável nas primeiras provas. Mas já se passaram quatro. Tudo bem que a Mercedes não estivesse no nível de Red Bull, McLaren e Ferrari, como se vislumbrava no início do ano, mas uma comparação direta se faz necessária: Nico Rosberg, o companheiro de equipe, ostenta 50 pontos no campeonato e é vice-líder. Schumacher, com dez pontos, é o décimo. O fato de liderar o Torneio Masters de F1 (competição criada por este blog, reunindo os pilotos com mais de 35 anos do grid atual) não pode servir de consolo. Schumacher ressuscitou de outra Fórmula 1. Vale lembrar que ele deixou uma categoria que contava com ferramentas como o controle de tração, e pegou outra, bastante modificada. A disputa entre ele e Hamilton, na prova de ontem, foi empolgante, mas o fato de Schumacher virar presa fácil, a ponto de se formar uma lista de pilotos que o ultrapassaram na prova, mostra que ele pode até não ter perdido a forma definitivamente, mas ainda não a encontrou. Tá passado.

Sunday, April 04, 2010

Conforme queríamos demonstrar...



Às vésperas do início do Mundial de F1 deste ano, escrevi neste blog meus palpites para a temporada. Sob o conceito Evolução x Revolução, bati na tecla de que o campeonato de 2010 era menos revolucionário em relação ao anterior do que foi o de 2009. Por isso, uma aposta na continuidade era a expectativa mais prudente. A continuidade em relação a 2009 apontava o seguinte cenário: a Red Bull em ascensão, a Mercedes (ex-Brawn) alguns segundos atrás, e McLaren e Ferrari tentando recolocar-se entre os líderes, após um ano desastroso para as duas equipes.

Na época ainda chamei a atenção para um problema crônico da Red Bull em 2009, provavelmente seu maior desafio a ser vencido - a confiabilidade. O GP da Malásia deste domingo confirmou esta tese. Tivemos a Red Bull disparada na frente, a Mercedes de Nico Rosberg segura no papel de primeiro coadjuvante, e McLaren e Ferrari lutando entre si. As duas primeiras provas - Bahrein e Austrália - também reforçam a tese. Em ambas, a Red Bull perdeu para si mesma, enquanto McLaren e Ferrari dividiram os resultados.

Ao final da transmissão, vendo o abraço caloroso entre o chefe da equipe Red Bull, Christian Horner, e o projetista, Adrian Newey, ocorreu-me um pensamento perverso: será que o dono da equipe, o magnata da bebida energética, está mesmo feliz com esta performance? Tenho minhas dúvidas. Senão vejamos.

Após três corridas, a Red Bull viveu a seguinte situação: ou se viu diante do fiasco de seu principal piloto, Sebastian Vettel, abandonando as duas primeiras provas quando liderava, ou acabou ficando quase o tempo todo longe das câmeras, na prova malaia. De tão despregados do pelotão, os Red Bull sumiram. Sumiram mesmo, das lentes da TV. Destaque para valer, muito mais em Hamilton, Button, Alonso, Massa e até Sutil. Dietrich Mastechitz, o dono da Red Bull, teve de contentar-se com a excelente exposição obtida pelo espanhol Jaime Alguersuari, que conquistou seus primeiros pontos na Fórmula 1 pelo time B da Red Bull e também ganhou destaque nas imagens da TV.

É um pensamento perverso, mas sendo a Fórmula 1 hoje uma grande vitrine de marcas, eu não duvidaria de uma reação nesta linha. "E aí, chefe, gostou da nossa dobradinha hoje?", perguntaria Horner ao patrão. Como resposta, um indiferente "Mais ou menos, os meninos poderiam ter aparecido mais na TV."

Sunday, March 28, 2010

Chuva ou pista?


Enquanto tomava um café forte e amargo às 2h, pensava que o GP da Austrália seria animado. Não precisa ser Mãe Diná para cravar tal palpite. Melbourne é quase garantia de confusão, faça chuva ou faça sol. Em 2008, só seis carros terminaram a corrida. Em 2009, sensível melhora: onze sobreviventes. Quando cheguei à rádio e soube que estava chovendo em Albert Park, bingo! Vamos nos preparar para o espetáculo.

Foi só café, forte e sem açúcar. Nada de energético, nem outras extravagâncias. Eu estava realmente ligadona na transmissão, mas agora concluo que a cafeína talvez tenha sido menos responsável que a abstinência. Eu estava mesmo era com saudade de transmitir Fórmula 1, e ainda bem que a volta não aconteceu no Bahrein, que poderia muito bem mudar de nome para Borein, de tão bored (enfadonho) que tem sido.

Antes da largada, os tradicionais palpites. Meus colegas foram quase todos de Sebastian Vettel. Eu, na contramão, apostei em Fernando Alonso. Desde a véspera, após o treino classificatório, achei que o espanhol estava na base do bebe-quieto. Em terceiro, atrás das duas Red Bull, parecia à espreita de que algo desse errado com os carros de Vettel e Webber, esperando outra vitória herdada. Todos, os colegas e eu, apostávamos na lógica. Ninguém de nós depositou fichas em Jenson Button e, tenho certeza de que, se algum de nós pensasse em McLaren, pensaria antes em Hamilton, apesar de sua 11ª posição no grid. Button foi do "zero" para o "hero" e quase de volta para o "zero" no intervalo de um ano. Era zebra.

E a lógica pró-Red Bull manteve-se, enquanto meu palpite batia asas na primeira curva, com a rodada de Alonso. Uma imagem onboard do carro de Button mostrou que ele tocou no espanhol. Fernando levou Schumacher de embrulho, ficou na contramão, caiu para a última posição, enquanto o companheiro Felipe Massa fazia uma largada corajosa, irrepreensível, ganhando três posições e pulando para o segundo lugar, com Vettel disparado na frente.

O tempo secando, o trilho começando a se formar e o atual campeão parte para a ousadia. Coloca pneus para tempo seco antes de todo mundo. Parecia cedo demais. Na primeira patinada, Button ouviu gracejos aqui e ali, como se referendasse a impressão que muitos tiveram dele em 2009 - só foi campeão porque tinha um foguete na mão. Mas o inglês estava certo. Logo, todos seguiram o chefe e pararam para trocar suas borrachas.

Ali, Button projetou sua vitória, e a consolidou volta após volta, graças a uma característica sua que, para muitos, é anti-espetáculo. Button sabe poupar o carro, não o faz beber demais (o que é até inesperado, sendo filho de quem é), nem castiga os pneus. Resultado de uma corrida limpa, segura, um papai-e-mamãe rotineiro. Seu McLaren estava pronto para outra ao fim da prova, enquanto o companheiro Hamilton, homem show por excelência, admitia pelo rádio - "Meus pneus acabaram".

É claro que o GP da Austrália de 2010, que terminou com onze heróis da resistência, tornou-se mais divertido pelos erros, quebras e incidentes diversos que povoaram a corrida praticamente durante todo o tempo. O espalha de Alonso na largada permitiu que ele e Schumacher fizessem a tal prova de recuperação, empreendendo ultrapassagens a granel (na comparação com o Bahrein, bota granel nisso). E mais Hamilton, o maníaco do dia, pilotando como um náufrago em busca de água doce. A manobra infeliz de Alonso, mais o acidente entre Kobayashi e Hulkenberg, embaralhou as cartas, jogando para trás dos pequenos muitos dos carros rápidos do grid.

Foi depois dessa ordem desconstruída que lancei a questão pelo rádio e pelo twitter: Melbourne 2010 foi uma corrida empolgante em função da pista ou por causa da chuva? Convido os leitores a responder. E dou minha opinião.

Primeiro, breve análise da pista. Melbourne fica em um parque. É, por assim dizer, uma pista adaptada, sem as enormes áreas de escape que predominam nos circuitos ditos "modernos". Muro perto, qualquer deslize é fria. Acidente, safety car, cartas embaralhadas. Melbourne é osso duro de roer, mesmo seco. Em 2008, lembremos, só seis carros terminaram, e no seco. É uma pista rápida, com vários pontos de ultrapassagem. Last, but not least, tem ondulações no asfalto, fator que sempre pode afetar a estabilidade do carro e, com aquele muro ali do lado, vixe!

Agora, a chuva. Pista molhada é problema. Para quem não sabe correr nela. É momento ideal de separar homens de meninos, destemidos de bundões. Mas certamente vamos nos lembrar de corridas disputadas com chuva que, ainda assim, não foram o deus nos acuda que poderíamos desejar. Itália, 2008, por exemplo, com a primeira vitória de Vettel. Piso úmido todo o tempo, mas nada espetacular em termos de emoção. Em compensação, só para ficar na mesma temporada, Mônaco 2008, que corridaça!

A corrida de Melbourne teve o ingrediente chuva no começo, e talvez tenha sido determinante por ter jogado para trás alguns dos carros mais rápidos do grid, criando a condição ideal para mais ultrapassagens. Mas é fato que a corrida continuou emocionante depois, com piso seco. Na minha opinião, a pista é ligeiramente mais determinante para aumentar a emoção em uma corrida do que o fator chuva. Mas, as duas juntas, como aconteceu no GP da Austrália, é garantia absoluta de corrida movimentada. Que dormir, o quê!!!

E você, o que pensa desta questão?

Sunday, March 21, 2010

O dia em que Senna me fez chorar


Pode parar. Não é 1º de maio, não é Ímola, não tem nada a ver com Tamburello. O dia em questão aconteceu bem antes, em 1991, e meu choro pós-adolescente não teve tanto a ver com o piloto, e mais com meu noviciado no jornalismo.

Eu havia começado a trabalhar na Folha de S.Paulo em maio daquele ano. Entrei para ser redatora e, como tal, escrevia textos sobre vários esportes, atualizava tabelas diversas, fazia notinhas e o detestável IndiFolha, um quadrinho que era publicado sempre no canto esquerdo inferior da capa do caderno e trazia números interessantíssimos, como a média de gols das últimas dez edições do Campeonato Belga. Mas todo mundo na redação do Esporte sabia que, se pudesse, eu escreveria preferencialmente sobre corridas, sempre.

E, naturalmente, foram sobrando umas pautinhas de automobilismo aqui e ali para eu fazer. Às vésperas do GP do Japão, quando Senna conquistou seu tricampeonato, fui escalada para cobrir o embarque do piloto em Cumbica. Sim, crianças, Senna era tão importante que a gente cobria o embarque dele, para todas (eu disse todas) as provas do ano. Diga-se que ele divulgava sempre, por meio de sua assessoria, os horários exatos do seu embarque. Fazia bem esse papel de aparecer muito na imprensa, e talvez tenha sido o primeiro piloto realmente midiático da Fórmula 1.

Seria relativamente fácil se fosse só ir ao aeroporto, seguir a coletiva, voltar para a redação e escrever. Mas a Folha sempre teve suas idiossincrasias, suas reinvenções da roda, suas viagens alucinadas na definição da pauta. Senna indo e o papa João Paulo II vindo. O que uma coisa tinha a ver com a outra? Nada, claro. Mas saí da redação com a seguinte frase ecoando nos ouvidos: "Hoje, queremos que todos os nossos entrevistados falem o que acham da vinda do papa ao Brasil. Pergunte ao Senna."

Era uma ideia impraticável, risível, sem pé nem cabeça. As coletivas do Senna eram uma bagunça, pela multidão de repórteres, assessores, seguranças, fãs. Ele habitualmente se exasperava, respondia algo ríspido as perguntas que não lhe interessavam, guardando o semblante de messias para o momento de gravar para a TV e tudo o que não precisava ser acrescentado a esta balbúrdia era uma pergunta sobre o papa. O papa?

Putz, se eu perguntasse isso na frente dos meus colegas macacos-velhos de outros veículos era capaz de levar uma vaia, de ser motivo de piada até hoje. Não, eu não podia fazer essa pergunta no meio da coletiva.

Mas, franguinha de leite como era, me angustiava com a ideia de não cumprir a ordem da secretaria de redação. Então, esperei a coletiva acabar e fui andando atrás de Senna pelo saguão do aeroporto. Eu, vários seguranças, fãs e... fotógrafos diversos. Consegui me aproximar de Senna e fiz a pergunta mais idiota da minha carreira: "Senna, o que você acha da vinda do papa ao Brasil?". Ele respondeu o óbvio: "Não acho nada." OK, missão cumprida, volto para a redação.

Matéria escrita, jornal fechado, recebo uma ligação do nosso editor à época, Mario Andrada e Silva, que tinha ido ao Japão cobrir essa corrida. Dei um relatório básico de como tinha sido a reunião e, no final da conversa, comentei o pedido esdrúxulo da secretaria de redação. Do outro lado da linha e do mundo, Mario me inquiriu, já respondendo: "Você não perguntou, né?" Admiti que tinha perguntado e, antes que explicasse a condição da pergunta - que eu não tinha passado o carão no meio da coletiva, mas quase no tête-à-tête com o piloto - Mario me fuzilou via embratel. "Você é louca!!! Como vai fazer uma pergunta dessa na frente de toda aquela canalhada da imprensa?! Você vai virar a piada dos setoristas de Fórmula 1!"

Cheguei a perguntar o que deveria fazer em relação ao pedido da alta chefia, mas era óbvia a resposta. Eu deveria saber que Senna não responderia nada relacionado ao papa, claro. Deveria no mínimo argumentar diante do pedido. Ou simplesmente voltar para a redação de mãos vazias, como de fato voltei, sem ter me exposto a fazer uma pergunta tão descabida.

Voltei para casa, abri a porta da sala e caí no choro, assustando meus pais, naturalmente.

No dia seguinte, para coroar meu mico, vejo a capa do caderno de Esportes do Estadão. Senna entre uma multidão, andando por Cumbica. Do seu lado direito, uma jovem redatora, com cara de susto. Mario tinha razão: a canalhada da redação não perdoou. "Olha a Alessandra aqui, de papagaio de pirata do Senna!"

Sunday, March 14, 2010

Indy - Prós e contras



Passei o dia ontem no Anhembi, para comentar a São Paulo Indy 300 pelas rádios Bandeirantes e Band News FM. Aquela sensação ruim de ter duas festas para ir no mesmo dia e precisar optar por uma: não pude assistir à prova de abertura da Fórmula 1, no Bahrein. Ossos do ofício, liguei o modo Indy e segui para o Anhembi.

Peço licença para abrir um parêntesis estritamente pessoal. Moro na Zona Norte de São Paulo, bem perto do Anhembi. Sou sócia do Clube Espéria, vizinho do pavilhão de exposições e do Sambódromo. Circulo na região, portanto, há muitos anos. Não são da minha época as competições de remo no Tietê, que confrontavam as equipes do Espéria, do lado de cá do rio, com as do Clube de Regatas Tietê, do lado de lá. Minha parca experiência unindo esporte e o rio Tietê foram as corridas que fiz pelo Espéria (10 km de Santana) e pela Corpore (Corrida Oral-B), ambas disputadas na região.

Há relatos aqui e ali de atletas aposentados, fotos de um local bucólico e irreconhecível, com um rio margeado de vegetação. Para mim, e para várias gerações, no entanto, o rio Tietê e sua marginal são sinônimos de aborrecimentos, especialmente enchente e trânsito caótico. Foi uma reversão de sentimentos ruins acompanhar uma corrida de carros ao lado da marginal.

Não nublei minha visão: ela continua feia e o rio, poluído. As obras de alargamento das pistas serão paliativos por pouco tempo. Não há faixa adicional em via pública capaz de equacionar uma questão aritmética simples: são mil veículos novos por dia em São Paulo. Não vamos solucionar o trânsito na capital paulista enquanto não se viabilizarem melhores condições para os transportes públicos. Uma prova internacional em plena Marginal do Tietê pode contribuir para que se enxergue a via e o rio com outros olhos.

Se a sociedade quiser ter um rio despoluído, com uma via bem pavimentada ao seu lado, onde se pode até fazer uma corrida de carros, que trabalhe para isso. Que faça as obras com planejamento e que esse cartão postal fake seja real, e para todos. Infelizmente, como dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, o Brasil sempre se moveu aos trancos e barrancos. E acredito firmemente que um evento esportivo desse porte possa servir de estímulo para o questionamento. Não queremos um pedaço da marginal com asfalto melhor. Queremos a marginal inteira. Não queremos um rio de cenário que só serve à TV porque ela não exala seu cheiro.

Li e ouvi vários comentários sobre a eventual falta de infraestrutura para o evento. Concordo que a reta do Sambódromo não poderia ter sido aprontada literalmente da noite para o dia. E quer saber? Não duvido que a Globo, dona do evento do Carnaval, mande repassar o verniz que deixa o piso escorregadio para o próximo desfile, e que a Fórmula Indy tenha de lixar tudo de novo no ano que vem.

Mas a infraestrutura dentro do Sambódromo foi muito mais amigável ao público do que a de Interlagos. Vários banheiros de alvenaria davam conta do recado, sem precisar apelar aos banheiros químicos utilizados habitualmente em eventos. Muitas lanchonetes, barraquinhas e carrinhos com comida e bebida espalhavam-se pelas áreas de arquibancada do Anhembi, ao contrário de Interlagos, que costuma ser um sacrifício quando se trata de enganar o estômago.

E a corrida?

Bem, a corrida foi o que se costuma ver de Fórmula Indy. Há o equilíbrio forçado pela maior padronização dos carros, um cenário completamente distante da tecnologia de ponta da Fórmula 1. Os carros da Indy são robustos, para não dizer toscos. O fulano bate em uma volta, pode entrar e sair do box várias vezes para ir consertando, e o bicho segue andando! Foi o que aconteceu com Helio Castroneves na corrida deste domingo. Em nome de equilibrar ainda mais a disputa, o abuso de bandeiras amarelas. Não há premiação para o piloto que se destaca do pelotão, há castigo. É um desestímulo a se sobressair, na medida em que se sabe que, na primeira oportunidade, vão juntar todo mundo de novo.

Mas, como negar que o resultado é uma corrida muito mais emocionante que a maioria das provas de Fórmula 1? As trocas de posições, o suspense até a última volta criam uma aura de competitividade e surpresa que atrai muitos admiradores. A arquibancada do Anhembi estava cheia, provando essa constatação. Em certa medida, a Fórmula Indy parece aquela família pobre, mas de gente animada e feliz, enquanto a Fórmula 1 muitas vezes dá a ideia de riqueza despregada de alegria.

Por fim, meu registro sobre a foto acima, do excelente Luca Bassani. A brasileira Bia Figueiredo lidera um pelotão feminino, formado pela ótima Simona de Silvestro e pela sofrível Milka Duno. Fatou Danica Patrick na foto, para completar o quarteto que correu em São Paulo. Uma categoria com quatro mulheres no grid já mereceria a simpatia desta blogueira. Fica o desejo para que os contras se ajustem no próximo ano.

Friday, March 12, 2010

Evolução x Revolução


O texto abaixo foi publicado no Tazio, antes dos primeiros treinos livres do Bahrein. Eis minhas expectativas para a Fórmula 1 em 2010.

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É possível que a temporada de 2010 da F-1 nem traga tantas mudanças para a categoria como aconteceu no ano anterior. Aliás, nunca houve um ano como 2009 e provavelmente nunca haverá - com uma equipe estreante campeã que, por sinal, deixou de existir ao fim do campeonato. No entanto, 2010 começa como a temporada de maior expectativa dos últimos anos, por várias razões.

A última grande sacudida na F-1 começou a se delinear em 2008, quando aprovado o novo regulamento técnico que varreu a maior parte dos apêndices aerodinâmicos dos carros para 2009. Uma nova ordem se instalou a bordo dos modelos "clean" e dos polêmicos difusores duplos da Brawn GP (também usados, sem o mesmo brilho, diga-se, por Toyota e Williams). Sem a Honda, sem certezas, a Brawn GP foi à pista em Barcelona ao cair do pano da pré-temporada e deixou a F-1 de queixo caído, ditando no teste coletivo a rotina das sete primeiras corridas da temporada. A F-1 dobrou uma esquina em 2009, começou do zero, embaralhou as cartas. Isso não deve acontecer em 2010.

2009 foi revolução. 2010, evolução. A mudança técnica mais importante para este ano é o fim do reabastecimento, cujo principal impacto na configuração dos carros está no aumento do tanque de combustível. Para acomodar 235 litros, e não mais 120, a distância entre-eixos dos carros também aumentou. Mexe na aerodinâmica, mas não com a relevância do ano passado. Os testes desta pré-temporada não fizeram nenhum queixo cair. A F-1 deve ser mais "conservadora" neste ano, no sentido de manter favoritas as equipes que terminaram 2009 à frente, ou as que praticamente abandonaram o último campeonato antes de seu término e focaram no desenvolvimento dos carros para 2010.

As mudanças mais significativas, no entanto, não se encontram no campo técnico, mas esportivo. A mudança na pontuação vai fundir a cabeça de todos nos primeiros tempos. Aquelas continhas simples, distribuindo 10 pontos, 8, 6, 5, 4, 3, 2 e 1 para os oito primeiros? Esquece. Habitue-se a 25, 18, 15, 12,10, 8, 6, 4, 2 e 1 para os dez primeiros. Confuso, mas sempre pode piorar. Podem voltar os descartes, podem premiar pela pole, pelo maior número de voltas na liderança, por liderar a prova correspondente ao dia do aniversário da mãe de Bernie Ecclestone. Eles não vão sossegar enquanto não nos deixarem chapados diante dos carros, bebendo cervejas e mastigando salsichas, desistindo de fazer contas e projeções, só esperando pela última volta. Mas ainda não chegamos lá. Voltemos.

A nova pontuação foi criada para valorizar a vitória, aumentando a diferença entre primeiro e segundo colocados. Mas, na medida em que o valor absoluto também aumenta (de 10 para 25, de 8 para 18), a diferença proporcional entre as duas posições não é tão significativamente maior. Se a mudança servir para aumentar o arrojo em busca da vitória, objetivo cumprido, não se fala mais nisso. A conferir.

Se os testes coletivos não fizeram soar os alarmes dos plantões jornalísticos, um dado novo chamou a atenção neste 2010 - a estreia das novas equipes. Times admitidos pela FIA no auge da discussão sobre o teto orçamentário deste ano. Times que acreditaram no conto da carochinha de 40 milhões de libras. Times que só faltam remendar seus carros com silver tape na falta de peças de reposição dignas. A diferença entre as equipes tradicionais e as "new comers" deve ser abissal. Situação à qual a maioria dos pilotos atuais não está habituada. Negociar ultrapassagens tendo mais retardatários pelo caminho pode ser um dado interessante para a platéia, e algo aterrorizante para alguns pilotos. Este dado não encobre o desmando na escolha dos novos times. Deixar fora equipes mais tradicionais e com estruturas prontas, como Lola ou Épsilon Euskadi, e escolher a natimorta USF1 apenas revela a política de terra arrasada que Max Mosley imprimiu a seus últimos momentos à frente da FIA.

Se a lógica da nova temporada for da continuidade, e não da ruptura, Red Bull, em ascensão no final da temporada, e Mercedes, seguindo a trilha da Brawn GP, iniciam 2010 como favoritas. É o que acha, por exemplo, Fernando Alonso, que cravou na Red Bull o favoritismo para o Bahrein. Sinceridade ou blefe? Talvez, apenas demonstração de inteligência.

Alonso está em lua de mel com a Ferrari. Em comum, além do sangue latino, equipe e piloto parecem querer esquecer a temporada passada, não sem motivos. A Ferrari não se importou em pagar para Kimi Raikkonen ir dar piruetas no Mundial de Rali. O preço para ter Alonso parecia sem limite. Contrato de cinco anos, motivação nas alturas, testes encorajadores na pré-temporada. Expectativa na estratosfera. Ao negar o próprio favoritismo, Alonso alivia-se da evidente pressão.

Na mesma linha segue Michael Schumacher. O heptacampeão abre mão da aposentadoria para voltar a pilotar pela Mercedes. É difícil imaginar que ele arriscaria seu prestígio e tempo por algo que não fosse certeza - ou, pelo menos, evidência - de sucesso. Mas Schumacher também prefere despir as vestes de favorito (e vestir aquelas camisas horrorosas, credo!).

A Red Bull, que parece o alvo preferencial quando as outras equipes buscam aliviar a própria pressão, não foge da raia. Christian Horner, o chefe do time, acha que a disputa pelo título será eletrizante e coloca sua equipe entre as favoritas. Sebastian Vettel, que terminou 2009 em rota ascendente, parece o pupilo pronto a desafiar o mestre compatriota e quem vier pela frente. E mesmo Mark Webber, que até o ano passado era pouco mais que um leão de treino, começou a cantar de galo neste ano, assinalando que a disputa na equipe dos energéticos pode ser tão acirrada quanto nos domínios da Ferrari, com Alonso e o fiel Felipe Massa, ou na McLaren, com Lewis Hamilton e Jenson Button.

A expectativa é das maiores. Quatro campeões mundiais na disputa, todos em equipes bem cotadas, outros postulantes a campeão com chances reais, um novo desafio a partir do fim do reabastecimento, novo sistema de pontuação, novas equipes embaralhando as posições ao longo da pista. No papel, a temporada de 2010 vai ser ótima. Basta que ninguém dispare a ganhar corridas de maneira inapelável como fez a Brawn em 2009. Basta, como reza a lenda acerca de Garrincha, combinar com o adversário