Monday, October 06, 2008

Para gostar de ler - Esta história


Há alguns meses, quando foi realizada a mais recente edição da Festa Literária de Paraty, a Flip, deparei-me com essa obra na Livraria Cultura. Expostos, alguns livros cujos autores estavam em Paraty, para o evento. Entre eles, "Esta história", do italiano Alessandro Baricco.

Eu já havia lido algumas resenhas de livros desse autor de 50 anos, mais conhecido pelo romance "Seda", que também estava na mesa "promocional" da livraria, naquela tarde. No entanto, não havia hipótese de meus olhos não serem magnetizados pela capa de "Esta história", mostrando uma miniatura de um carro de corrida antigo, com piloto a bordo, de capacete e luvas.

De cara, achei o título do livro risivelmente pobre. Ora, "Esta história"... Qualquer livro poderia assim chamar-se. E, depois de lido, persistiu a impressão: de tudo, a pior coisa do livro é justamente seu título. Baricco, nas notas finais, expõe-se com transparência - não transita no mundo da velocidade, pouco parece saber sobre corridas, equipes e pilotos. O que não o impediu de escrever um romance complexo, envolvente e, sobretudo, muito bem escrito, que tem no automobilismo apenas seu pano de fundo.

O livro tem uma estrutura heterodoxa. Cinco longos capítulos, mais uma introdução, aqui chamada de "Ouverture", e um epílogo. Cada um desses trechos é escrito sob a ótica de um eu-narrador diferente. Personagens que vivenciam fases da vida do protagonista, o italiano Ultimo Parri, cuja existência foi marcada, desde sempre, por carros, corridas e circuitos.



A introdução narra uma famosa corrida disputada no início do século passado, em 1903, entre Paris e Madri. Narração algo desconexa, sobreposição de imagens não necessariamente lineares, com o nítido objetivo de criar a sensação de velocidade e vertigem, como se o leitor de tornasse um espectador à beira da estrada, nas precárias condições em que as provas pioneiras eram disputadas.

Nos capítulos seguintes, a história propriamente dita se desenrola, com a infância do protagonista, a decisão de seu pai de vender as vacas leiteiras da família para montar uma oficina - em um lugar onde não havia estradas, muito menos carros. Em um segundo momento, o narrador passa a ser o pai de um colega de Ultimo, morto na Primeira Guerra. É naquele ambiente limite, o front de guerra, descrito pelo pai enlutado, que o protagonista consolida seu sonho de construir uma pista de corrida.

O sonho se realiza algumas décadas depois, quando Ultimo, tornado rico graças a uma inesperada herança, compra uma velha pista de pouso na Inglaterra e ali constrói seu improvável autódromo. Antes de chegar lá, no entanto, envolve-se com a exilada russa Elizaveta, que acaba se tornando o principal fio condutor da narrativa, e a própria conclusão da história, ao empreender anos de sua vida - e páginas da obra - para encontrar a pista de seu antigo amor.

Quem é tarado por corrida, que saiba desde já: não é um livro sobre automobilismo. É um livro diferente, com uma estrutura complexa, com narrativas se sucedendo sem uma lógica linear. Imerso em conceitos do automobilismo, "Esta história" é um livro quase existencialista. A riqueza do texto e a habilidade do autor em lidar com visões tão díspares de uma mesma história valem a leitura.

5 comments:

Daniel Médici said...
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Ron Groo said...

A palavra 'overture' e a descrição do primeiro capitulo me remeteram de imediato ao dvd 1 de Grand Prix.
É certo que depois toma-se caminho muito distinto.
Me pareceu interessante. Do autor eu nunca tinha ouvido falar, o que é bom já que ganhei no momento um volume para procurar nas livrarias.
Agora. Tens toda razão... Que título lamentavel!

Daniel Médici said...

Alessandra,

Bom saber que mais alguém se interessou por este livro. Meu blog não é muito lido, mas, "mais razoável, mais inepto, mais preguiçoso"* que você, postei sobre o Esta História. Sem abrir as páginas dele, mas esperando que ele fosse ao menos mencionado nesse mundinho fechado de fanáticos por automobilismo.

http://cadernosdoautomobilismo.blogspot.com/2008/06/uma-histria-de-carros.html


*Borges, Ficções

Alessandra Alves said...

ron: pelo que já conheço do seu gosto, acho que vai agradar. estou em dívida com você, desculpe. a vida está uma correria brava, mas logo colocamos o assunto do e-mail em dia, OK?

daniel: puxa, rapaz, me desculpe, eu não tinha visto que você também tinha postado sobre o livro. li seu post e concordo com a sua abordagem. aliás, abordagem semelhante vale para "veneno remédio", brilhante ensaio de josé miguel wisnik sobre futebol, provavelmente o próximo da seção "para gostar de ler". funciona mais ou menos assim: quem gosta muito de corrida costuma aprofundar-se mais nas histórias e estatísticas, sendo mesmo refratário a abordagens, digamos, mais complexas. da mesma forma, a chamada intelectualidade costuma desprezar assuntos ligados a esportes. ah, mas isso não me desanima. quem sabe não está aí um belo flanco aberto para gente como nós? ;) se não tinha pensando nisso para seu trabalho de conclusão de curso, think about it!

Anonymous said...

Olá!
Semana passada contei sobre a minha experiência de ouvinte in loco! =)
http://blog.f1girlsonline.com/2008/10/02/um-domingo-bem-diferente-dentro-e-fora-das-pistas/

Abs,

Pit