Monday, December 24, 2012

Feliz Natal


Uns escolhem Papai Noel, outros, figuras religiosas. Meu jeito de desejar Feliz Natal é sempre com uma imagem de John Lennon e Yoko Ono.

Porque eles perceberam a força do amor que os uniu e aceitaram brigar por ele.

Porque saíram dos padrões, quebraram paradigmas e exibiram como os preconceitos são ridículos.

Porque não se importaram em parecer ridículos ao expor seus protestos e pensamentos.

Porque usaram sua fama para dar voz à liberdade do pensamento.

Porque ousaram e inspiraram.

Porque ensinaram que as ideologias são cubos de legos que podem e devem ser desmontados, reconstruídos, modificados.

Porque faziam tudo isso para pregar o amor e a paz.

É o que almejo e desejo.

Feliz Natal, John. Feliz Natal, Yoko.

Feliz Natal.


Saturday, December 22, 2012

Mamãe Coragem

Maria Rita, a voz e o barrigão


Na segunda vez em que fui assistir ao espetáculo “Redescobrir”, no qual Maria Rita homenageia sua mãe, Elis Regina, tive o privilégio de ser gentilmente recebida pela cantora, no camarim, depois do show. Disse a ela que 2012 estava sendo um ano maravilhoso para mim: completei minha primeira maratona, o Corinthians fora campeão da Libertadores e, depois de esperar 30 anos, eu a tinha visto cantar as músicas de sua mãe. Rimos e eu dei a ela um pequeno pin, com uma foto de Elis por volta de 1979, que eu comprei e guardei comigo desde 1984.

Bem, o ano ótimo conseguiu melhorar. O Corinthians foi campeão da Copa do Mundo de Clubes da FIFA, no Japão, e chegaram ao mercado o CD e o DVD com a gravação da íntegra dos shows da Maria Rita. Eu tinha me debulhado em lágrimas na primeira vez que vi, em agosto. Fui mais contida na segunda ocasião, no final de setembro. Mas, ouvindo o CD pela primeira vez, no trânsito da Marginal Tietê, enxuguei várias lágrimas, várias vezes.

Por que choro ao ouvir Maria Rita cantar as músicas da sua mãe? Difícil resumir a uma explicação única. Choro de saudade da Elis. Choro de raiva, por não ter podido ouvi-la cantar tantas canções que ficariam maravilhosas na voz dela. Choro de inconformismo, por ela não ter visto o Brasil, onde ela foi porta-voz da anistia, agora redemocratizado. Choro de tristeza, de lembrar Elis morta, vestida com a camiseta censurada, que trazia as palavras “Elis Regina” no lugar de Ordem e Progresso, na bandeira do Brasil. Choro de aperto no peito de lembrar Maria Rita tão pequena e eu sofrendo, de longe, “meu Deus, essa menininha não tem mais mãe...”. Mas, claro, também choro de saudade da minha adolescência embalada pelos LPs da Elis, dos planos que fazia naqueles tempos, da inocência e das ilusões.

Já faz muito tempo que não consigo “ouvir” Elis nas interpretações da Maria Rita. No primeiro disco, vá lá. Alguns fraseados da filha lembravam bastante a mãe. Dali para frente, descolei uma interpretação da outra e passei a achar as vozes bastante diferentes também. Assim, quando finalmente fui ouvir Maria Rita cantando Elis, ouvi uma cantora homenageando outra, não imitando. Há quem pense diferente, e isso é altamente subjetivo, claro. Respeito. Pouco antes do lançamento do CD e do DVD, uma frase da Maria Rita pelo Twitter me chamou a atenção: ela dizia algo como “sei que minha voz pode não estar entre as melhores” ou coisa do gênero. Fiquei surpresa. Tenho todos os seus CDs e já a vi ao vivo algumas vezes. Acho Maria Rita uma cantora excelente, com uma voz afinada e potente. Como assim, não estar entre as melhores???

Logo depois, ouvi o CD. E acho que entendi o que ela quis dizer. Quem conhece bastante a obra da Elis também entenderá. Sabe quando, em “Como nossos pais”, Elis canta: “por isso, cuidado, meu bem...”? Esse “isso” é um agudo filho da mãe. Passou de agudo, é uma facada. E o “scat singing” à la Lewis Armstrong que Elis fazia em “Alô alô marciano”?! Como reproduzir aquilo?

Elis Regina, em "O falso brilhante", espetáculo que
continha a música "Como nossos pais"


Cantar Elis, a gente já deveria saber, não é fácil. Ainda mais se você tem um tom de voz parecido, que vai jogar a sua recriação para uma comparação evidente com a obra original. Dá para imaginar quantas músicas da Elis Maria Rita já cantarolou pela casa. Quantas “vestiram” na sua voz melhor que outras, e quantas vezes ela mesma pensou: como ela fazia isso? No entanto, ao escolher o repertório para o show “Redescobrir”, Maria Rita foi de peito aberto e pinçou a “Como nossos pais” do agudo-facada e a “Alô, alô marciano” do scat singing inimitável. Porque são peças fundamentais da obra de sua mãe. Porque não poderiam faltar se o objetivo era levar o Brasil a redescobrir Elis Regina. Corajosa essa cantora.

Sobre Carlos Gardel, morto em 1935, diz-se que ele “canta cada vez melhor”. É o caso de Elis: cada vez que alguém escuta um de seus álbuns, e eu passei os últimos 30 anos escrutinando-os quase todos, descobre uma nuance sensacional, uma sacada inventiva, uma perfeição de nota executada no fio da navalha. Genial, mas insegura (dizem...), Elis morreu comparando-se com Gal e Bethânia. As duas, maduras sessentonas, seguem como divas absolutas da MPB. Serenas pela idade e pela estabilidade que o tempo traz, não são as cantoras de trinta anos atrás, nem poderiam. São cantoras magníficas, mas não são mitos. Provavelmente, a performance atual de ambas não resistiria à comparação de suas próprias performances de trinta anos atrás.

Trinta anos atrás, onde está Elis: vigorosa mulher de 36 anos, cantando “cada vez melhor”, cristalizada no tempo em uma posição que nem o tempo há de roubar-lhe. Um mito. “Agora, eu sou uma estrela.”

E Maria Rita, armada tão somente de uma banda extraordinária, de sua voz e de um barrigão, encarou esse mito. Que coragem, moça...

Sunday, December 16, 2012

Receita para ser campeão


O tamanho da minha demência pelo Corinthians pode ser dado pelo ritual que criei a partir da Libertadores de 2012, estendida para o Mundial Interclubes. Ao longo dos meses, elementos foram sendo acrescentados e senti que, se não fizesse cada um dos itens, estaria condenando o Corinthians ao fracasso.

Tudo começou lá por março, quando, coincidentemente, meu filho Gabriel passou a frequentar o consultório da ortodontista às quartas-feiras no final da tarde. O consultório fica na região da Avenida Paulista e, por duas ou três vezes seguidas, saímos da consulta, jantamos na Paulista e voltamos para casa (moramos em Santana) passando pelo Pacaembu. Nas duas ou três vezes, o Corinthians venceu.

O jantar também não era qualquer coisa. Tinha que ser na padaria Pão de Ló ou no mexicano Chili Peppers. Na Pão de Ló, eu tinha que pedir um risoto de limão siciliano, Gabriel tinha que provar e descobrir que não gostava mesmo, e então pedir um sanduíche de carpaccio. No Chili Peppers, era o tradicional Nacho Supreme e dois Tacos Classic.

Mesmo quando não tinha consulta marcada, adotamos como hábito ir à Paulista nos dias de jogos do Corinthians pela Libertadores, ainda que ele estivesse jogando fora de São Paulo. Numa das vezes,estávamos ouvindo uma coletânea do Tears for Fears, ainda na Paulista, e agregamos o hábito. Era fundamental escutar as músicas "Head over heels", "Advice or the young at heart" e "Everybody wants to rule the world" antes de chegar ao Pacaembu.

Num dos dias de jogos, trânsito paradaço, ficamos uma meia hora para passar ao lado do Pacaembu. Gabriel começou a cantarolar a música "There is a light that never goes out", do The Smiths, um libelo do baixo astral que expõe frases como "se um ônibus de dois andares batesse em nós, morrer ao seu lado seria um prazer". Depois dessa, mais um trechinho de The Smiths, agora com "How soon is now", outra de beira de abismo.

Então, voltávamos para casa e víamos o Corinthians seguir invicto.

Claro que nem sempre foi sem percalços. Nos jogos contra o Santos e contra o Boca, a Companhia de Engenharia de Tráfego fechou o acesso de carros ao Pacaembu. Pedi, implorei, menti ao guarda, disse que morava ali, e ele nos deixou passar.

E veio o Mundial. Em jogo na quarta, outro no domingo. 8h30 da manhã. Onde estávamos eu e Gabriel às 7h da matina? Saindo da Paulista, ouvindo Tears for Fears, cantando The Smiths ao lado do Pacaembu.

Gabriel gosta quase nada de futebol, a doente aqui sou eu. Mas esse ritual tornou-se um momento muito nosso, muito feliz, inesquecível.

É demência, é uma aberração para uma pessoa que se diz civilizada, eu sei.

Mas quem não nunca teve uma paixão, atire a primeira pedra.