Wednesday, February 28, 2007

O boto do Reno

Há dois anos, tive minha primeira e até agora única experiência com a edição de um livro. A obra é "O Boto do Reno", do jornalista-colega-primeiro chefe-gente boa Flavio Gomes. É uma coletânea de crônicas escritas pelo Flavio ao longo de quinze anos cobrindo Fórmula 1. Mas, atenção, não é um livro sobre Fórmula 1. É um livro de crônicas de viagem, com um texto primoroso, carregado de humor (às vezes bom, muitas vezes mau).

Leitores do Grande Prêmio, do GPTotal e do Blog do Gomes já conhecem o livro, mas achei que valia a pena dar uma amostra grátis para quem ainda não conhece. Quem quiser comprar o livro, em promoção, por sinal, é só entrar aqui.

Selecionei um dos meus capítulos preferidos. Leiam, comentem!

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Estatualândia

26/8/03

Tenho duas horas e vinte e oito minutos para escrever. É o que indica o mostrador da carga de bateria de meu novo laptop. Estou no avião. É uma experiência curiosa escrever dentro do avião. Nunca tinha feito isso antes, porque o computador antigo não aguentava, coitado. Aliás, tem sido um ano de grandes transformações em minha vida. Separei-me de dois velhos companheiros, o Acer, que ficou com a tela verde, e a mala cinza clara, que teve um problema técnico e a companhia aérea trocou por uma nova, à qual não me adaptei bem, devo confessar, mas agora Inês é morta, nunca mais vou ver minha mala antiga.Quando se viaja bastante, criam-se companheiros como o laptop, a mala, a nécessaire (onde diabos vão os acentos nessas palavras francesas?). Outro dia troquei a nécessaire, não por necessidade, por frescura, mesmo.
Destroquei depois de duas ou três corridas. Fiquei com pena da antiga, tão habituada a dias gloriosos, viagens pelo mundo, os melhores hotéis, de repente esquecida num armário debaixo da pia ao lado de minhas edições antigas da Playboy. A que eu prefiro é a da Carla Perez, já na versão de peitos turbinados.(Ainda tenho as mesmas duas horas e vinte e oito minutos para escrever, este laptop é foda, tem um sistema que economiza bateria diminuindo a luminosidade da tela. O outro, coitado, nem funcionava na bateria.)Do meu lado tem um viado. Acho que é, porque viaja com um monte de amigos e um deles está de camiseta regata com o sovaco depilado. Sovaco raspado é coisa de viado. São alemães, acho. O avião em que estou é suíço. Saiu de Zurique para São Paulo e Rio. Está cheio de putas, também. Não se espantem, eu não tenho nada contra putas e viados, nem me importo em dividir os passageiros em categorias. Vôo o bastante para ter o direito de classificar as pessoas como bem entender.Pois bem, o alemão do meu lado é viado (o certo é escrever "veado", como o animal, mas "viado" é mais legal) e todos os amigos dele também. E as putas estão voltando para levar dinheiro para o Brasil. Que mal há nisso? Elas vão para a Europa (digo "vão", e não "vêm", porque o mapa na tela de TV do avião indica: estamos sobre a África setentrional, estamos indo, e não vindo) ganhar dinheiro em moeda forte, dão para os europeus e voltam de vez em quando para levar o que ganharam para casa, sonhando em não ter de pegar o avião de novo, mas no fim pegam, e normalmente vêm nesses vôos que eu venho, os mais baratos. Cansei de viajar com putas. Sempre tem uma promoção de alguma companhia, agora é a Swiss que está barata, é na Swiss que elas vêm e os viados vão. O que será que essas bichas velhas vão fazer no Brasil? Não importa, problema deles.Faltam duas horas e quatorze agora para a bateria apitar. Dá tempo, escrevo rápido.Estou na poltrona 30G, corredor. Ninguém no assento ao lado, apenas o viado alemão na outra ponta da fileira. Tentou se esticar até meus domínios, mas consegui defender a poltrona à minha esquerda de seu chulé. Fica pra lá, viado. Venho da Hungria, onde não sei se tem muito viado, mas tem muita puta. Incrível como tem puta, e como elas são belas e provocantes. Estive na Hungria pela primeira vez em 1991. Gostei muito e aluguei um Lada. Hoje acho o país uma merda. (Não se espante, de novo, com a profusão de palavrões. Hoje decidi escrever como falo, e falo muitos palavrões. Falo algumas coisas que politicamente não são muito corretas, também, algumas até dariam cadeia se as leis fossem cumpridas no país, mas vou procurar me controlar.)Acho a Hungria uma merda porque estão acabando todos os resquícios do comunismo. Tenho uma mania que carrego há anos. Sempre que estou na rua, no trânsito, invento alguma coisa para contar. Por exemplo: do aeroporto até minha casa, quantas Kombis eu vejo. Estabeleço metas, dependendo do percurso. Duzentas Kombis. Se consigo contar duzentas Kombis, ganho um prêmio imaginário. Se não consigo, azar. É para passar o tempo, faço isso sempre, sou meio louco. Na Hungria, sempre conto Trabants. Se você não sabe o que é um Trabant, vá procurar saber, estou sem saco para explicar. Há anos que a meta é de 100 Trabants entre o hotel e o aeroporto no dia de ir embora. No ano passado tive de reduzir para 50. Contei 47 e perdi por pouco. Hoje contei só 16, fiquei longe do prêmio, mesmo sabendo onde procurá-los, nos estacionamentos dos conjuntos residenciais, imensos prédios cinzentos de apartamentos onde moram os pobres que têm Trabants, ou deveriam ter. Nesse ritmo, vão acabar os Trabants e, com eles, o que restou da Cortina de Ferro, do passado.Acho a Hungria uma merda porque depois que acabou o comunismo virou tudo uma putaria, os taxistas te roubam, os caras dos hotéis são mal-educados, os policiais vivem te achacando, a comida é ruim. Fui achacado em Budapeste por cinco anos seguidos até este ano, em que consegui passar ileso por todos os rendörség, é assim que se diz polícia em húngaro. Tenho muita raiva dos rendörség, por mim podiam tirar a corrida da Hungria e colocar na Bósnia que eu não iria reclamar. (Neste exato instante mudei-me para a poltrona mais central nesta fileira de quatro em que ocupava uma das extremidades, porque a mulher na minha frente abaixou o encosto de seu assento, batendo na tela do meu novo laptop. Vaca. Estou mais perto do alemão viado, que quer se esticar nos bancos. Mas se depender de mim vai ficar é torto e com torcicolo quando chegar ao Brasil.) Hoje pela manhã (na verdade ontem, pelo fuso hoje já foi, no avião a gente fica com o fuso confuso, puxa, que engraçado) fui fazer turismo em Budapeste. Tinha um folheto na recepção do hotel (merda de hotel, sem ar-condicionado e barulhento, cheio de turistas espanhóis) sobre um certo parque de estátuas, um lugar para onde levaram algumas daquelas enormes esculturas da escola realista-socialista (inventei essa escola agora) que se espalhavam por todas as cidades comunistas que se prezassem, imagens gigantescas de Lenin e Marx, ou de operários, ou de camponeses, ou de militares. Aquilo é que dava charme ao mundo, que perdeu totalmente a graça após a queda do Muro de Berlim e recebeu a pá de cal com o fim da produção do Fusca.Bem, tinha algumas horas até o avião sair, fui com um amigo ao parque das estátuas. O folheto estava em inglês, e mostrava algumas fotos do lugar. Vamos lá. Cara, que merda. Tinha o quê?, umas 20 imagens, talvez um pouco mais. Num descampado horrível, empoeirado, cheio de mato crescendo. Nenhuma placa decente identificando aquelas estátuas e esculturas, nenhuma explicação, de onde foram tiradas, quem as construiu, em que época, picas, alguns monumentos pichados. Um lixo, um descaso completo com a história, um engana-trouxa. Deu vontade de voltar lá de noite com um caminhão e roubar tudo, ninguém ia perceber.Pior: na entrada havia, há, um quiosque minúsculo para pagar a entrada, e com lembranças comunistas para vender. Eu queria umas camisetas, mas todas elas tiravam sarro do comunismo e dos comunistas, o que é isso, torcida brasileira? Camisetas esculhambando tudo, deu vontade de colocar fogo naquilo e entoar a Internacional Socialista com a mão no peito. Comprei uma só, que tinha um Traby estampado na frente (Traby é como eu chamo os Trabant). Comprei também um ímã de geladeira com as faces de Marx, Engels, Lenin e Stalin. E uma moeda de não sei quantos rublos, com CCCP escrito, a foice e o martelo estampados. Paguei mil forints nessa merda de moeda, espero que seja autêntica. Já me dei mal com lembranças comunistas em Berlim, comprei certa vez um relógio de parede que o vendedor me garantiu ter pertencido a um submarino soviético, não era porra nenhuma, parou de funcionar em uma semana.A gota d'água que me fez concluir que o comunismo acabou de vez foi, nesse mesmo quiosque, um CD à venda chamado "The Best of Comunism". Puta que pariu, como é que alguém tem coragem de dar tal título a uma coletânea de músicas compostas para louvar e propagar a única doutrina digna de todos os tempos? Porra, colocaram o comunismo no mesmo saco que a Madonna, o Elvis Presley, o U2 e o Willie Nelson! "The Best of Comunism", é demais, é para dar um tiro na cabeça. Na saída, fiz questão de assinar o livro de visitas. Coloquei meu nome, o país de onde vim, mas a caneta disponível não escrevia direito, e no espaço onde perguntavam do que mais gostei no parque, deixei em branco. No espaço para escrever do que menos gostei, escrevi "a caneta".Apesar de tudo, sou teimoso e turrão o bastante para incluir o parque das estátuas num roteiro para as futuras viagens que farei com meus filhos e a Thais, coitada, que vai odiar, claro, esse parque de merda. Já decidi que meus meninos jamais conhecerão Orlando e a Disneylândia, e por isso tenho de descobrir atrações alternativas como a agora batizada por mim de Estatualândia, em Budapeste. Já os levei ao Parque do Asterix em Paris (bem, houve uma breve uma passagem pela Disney de lá, também, mas foi por acaso, e eles nem lembram, gostaram muito mais do Asterix), a Lindóia, São Lourenço, Caxambu, Canela e Gramado. Farei de tudo para que nem saibam que existe um parque de diversões na Flórida. Se depender de mim, jamais, morte ao Mickey, ao Pateta (que é viado), àquele bando de órfãos mal-resolvidos sobrinhos do Pato Donald, ao porco capitalista Patinhas, à vagabunda da Margarida e a todos eles, tudo cria de outro porco dedo-duro macartista chamado Walt Disney, que o inferno o tenha.Disponho ainda uma hora e trinta e seis minutos de bateria, mas não se incomodem, estou ficando com sono.Já falei da Estatualândia, aonde mais posso levar meus filhos sem contaminá-los? Berlim. Lá tem o museu de Checkpoint Charlie (se não sabe o que é, descubra), ótimo lugar para contar histórias, talvez Aushwitz e Dachau, onde estive outro dia, Hiroshima, Nagasaki. Aliás, tenho contado muitas histórias de guerra para meus filhos dormirem. Aboli Cinderela, Três Porquinhos e Chapeuzinho Vermelho, que em algum momento de sua vida você acaba contando, para que eles durmam logo e você possa ir ver TV. Estão fora do repertório caseiro. São histórias nocivas, a madrasta da Cinderela era uma vaca e suas filhas, idem, e a Cinderela era uma galinha, saiu dando para o príncipe no primeiro dia, se fosse um plebeu qualquer, nem olhava na cara. Dos três pequenos suínos, dois eram bichinhas e o outro um assexuado pervertido que, isso eu vi numa fita, não é mentira minha, inventou uma mesa de tortura para colocar o lobo, aquele famélico e ridículo lobo que consegue enganar a cretina da Chapeuzinho, incapaz de distinguir uma avó de uma besta fera. Isso não é para meus filhos, lamento.Agora tenho contado histórias da Segunda Guerra, falo dos camicases e dos países do Eixo, de Hitler e Churchill, de Mussolini e De Gaule, dos aliados e da FEB, descrevo campos de prisioneiros, bombardeios, gueto de Varsóvia, combates sangrentos e ataques noturnos, explico o que é blecaute e gasogênio, falo também da guerra no Iraque e digo sem subterfúgios o que penso dos americanos. Não sei se têm idade para entender direito, um fez cinco anos agora, o outro vai fazer quatro, mas acham legal e dormem logo, também, especialmente o mais novo. O mais velho pergunta sempre quantos morreram nas guerras que conto, e um dia me falou, esse negócio de guerra é bem feio, né pai?, e eu disse que é feio pacas, mas que ele pode ficar tranquilo que no Brasil não tem. E quando fomos a Caxambu ele perguntou se em Caxambu tinha guerra, e eu disse que em Caxambu também não tem. Um pai tem de tranquilizar os filhos.Vou dormir, gosto de dormir no avião e sonhar que ele está caindo, para acordar e ver que não caiu.

Tuesday, February 27, 2007

Jogo de adivinhação

Façam suas apostas! Quem é favorito ao Mundial de Fórmula 1 de 2007? Meus palpites estão lá no GPTotal. Aguardo vocês!

Thursday, February 22, 2007

Pirambu

A possibilidade de o Corinthians ser desclassificado da Copa do Brasil por um time chamado Pirambu não é o problema em si. O Palmeiras já caiu diante do ASA de Arapiraca e não morreu por isso. O ASA, que ao lado da Inter de Limeira e do Manchester United ganhou um lugarzinho especial no meu coração alvi-negro, além de tudo encerra minhas iniciais - Alessandra de Souza Alves. Sou ASA, de fato, talvez por isso voe tanto, tanto devaneio.

Pirambu não é ruim por definição. Ruins são os trocadilhos - pirambeira, o mais óbvio - e todas as referências desagradáveis que se seguem a palavras terminadas em "u". Dããããã...

É um time de Sergipe, o elenco inteiro, incluindo o técnico, custa aos cofres do clube a soma de R$ 50 mil. Que deve ser o quê? Um Wilson, um Wellington? Valente Pirambu, ele não é o problema.

Vislumbro daqui alguns anos, eu olhando por cima dos ombros da minha velhice, e recordando o Pirambu. Naquele ponto do futuro, Pirambu será apenas uma foto na parede, mas como vai doer. Não por ser Pirambu, talvez pelo Saci. É atacante do Pirambu, o Saci, que também não é intrinsecamente ruim (um ser mitológico que atazana a vida da Cuca merece respeito).

O ruim no Saci, de novo, são as piadas que enseja. Saci pulou na área do Corinthians, Saci errou o gol porque não chutou com a perna boa. Saci tem perna boa? Dããããã...

Nem Pirambu, nem Saci. A foto que dói é esse time desconjuntado, um ajuntado de gente que eventualmente - alguns - jogam bola. Um catadão de homens paradoxais, fortes e desafiadores a um tempo, estirados no chão, cara de choro, no tempo seguinte.

Problema não é Pirambu, coisa-ruinzinha não é o Saci. Olhe para si, Corinthians.

Wednesday, February 21, 2007

Mitonaíma

"Feliz ano novo!", "Hoje, o ano começa", "2007 está começando agora"...

Três arghs! do âmago do meu ser para frases do gênero, ditas na quarta-feira de cinzas.

Mas, easy boy!, ainda ouviremos algumas delas na próxima segunda-feira, dia 26 de fevereiro, a primeira segunda-feira pós-Carnaval e, na opinião de alguns, o início real do ano.

Sinto engulhos com essa mania besta por dois motivos. Primeiro, porque definitivamente isso não vale para mim. Tirei uma semana de férias, entre os dias 6 e 13 de janeiro, e já trabalhei à beça desde então. Como meu trabalho pressupõe a atuação de várias outras pessoas - escrever e editar jornais e revistas não é, de maneira alguma, um trabalho solitário - concluo que muitos profissionais estavam trabalhando ao mesmo tempo que eu, em atividades correlatas.

Os clientes fornecendo informações e aprovando textos e layouts, os diagramadores criando páginas, os fotógrafos registrando imagens, os editores de arte finalizando publicações de todo tipo, o pessoal do suporte fechando CDs, os motoboys levando material daqui pra lá, os técnicos gerando provas heliográficas, o pessoal da gráfica rodando páginas. Juntos, fizemos isso várias vezes, entre o começo de janeiro e hoje, quarta-feira de cinzas, na qual já estou trabalhando, tendo a companhia de muitos deles, também já no batente.

O outro motivo que me leva à irritação com essas frases bobas é a perpetuação do mito. A preguiça ancestral de nosso povo. O Carnaval, a folia, o culto ao prazer. Vá à quadra de uma escola de samba, hoje, e pergunte lá se ninguém trabalhou ainda, este ano. E dê um pulinho no Olodum, no Timbalada, nas estruturas dos camarotes do circuito Barra-Ondina e pergunte lá se ninguém fez nada, ainda, este ano. Até para haver o culto pagão, há que trabalhar. E tudo o que se trabalhou na 25 de Março para vender fantasias, e nas agências de turismo, para garantir o pacote de Carnaval dos mais endinheirados, e nas lojas e barracas e junto aos ambulantes, na praia, para assegurar a cerveja gelada, o queijo de coalho na brasa, o chicabom que seu filho lambuzou na bochecha enquanto rolava na areia do Guarujá.

Isso vale para você? Seu ano só começou agora?

Thursday, February 15, 2007

Nomes de nomes

Dia desses, entreguei um cartão de visita a um interlocutor, durante um evento, e nos pusemos a falar da origem de nossos nomes. Proferi a frase que resume minha sina – “Tenho nome de época e sobrenome de pobre.” Chama Alessandra? É do começo da década de 70, pode apostar. Alves, Souza, Silva, Santos, Pereira, Oliveira não são nem nomes. Isso é domínio público.

Uma vez, na época do vestibular, cheguei a fazer uma prova, na PUC, com uma classe inteira composta de Alessandras. Umas vinte e cinco defensoras da espécie humana, que é o significado do nome. Como se vê, fomos todas incompetentes, já que a humanidade está indo pelo ralo. Tomar emprestada tal origem é uma pequena licença poética. Alessandra é derivado de Alexandre, este sim o defensor dos homens. Pelo jeito, faltam Alexandres na praça.

Sou a primogênita e sempre tenho a impressão de que o filho mais velho carrega a expectativa de ser um varão. Minha mãe diz – e não tenho motivos para duvidar – que ela sempre sonhou em ter uma filha. Mas não tenho dúvidas de que a torcida por um XY era grande na família paterna. Sucedi outras duas primas naquele ramo familiar e meu pai, além do mais, era o único homem daquela geração. Ele nunca disse e eu também seria leviana de afirmar tal frustração, até porque o varão veio cinco anos depois, mas sempre deve restar aquela ponta de esperança de que alguém carregue o sobrenome gerações à frente. Grande coisa, um Alves...

Mas afinal cheguei ao mundo em uma quinta-feira pós-Carnaval, mostrando ao mundo o que a paulista tem. Os nomes estavam parcialmente definidos. Se fosse um menino, meu pai pensava em Sérgio Ricardo. O único que me vem à mente é o da violada na platéia, mas acho que a inspiração era mesmo a avalanche de nomes compostos daquele fim de anos 60. Tanto que, para menina, aventava-se a possibilidade de Ana Cláudia. Só que já havia uma Cláudia na família e minha mãe não queria que eu virasse Ana ou Aninha. Balançava por Vanessa, mas aí morava um problema.

Uma das minhas avós, a trasmontana metódica na cozinha, enrolava-se com Vanessa e acabava se referindo à futura neta como Valeska, que minha mãe definitivamente não apreciou. Eis que surge o príncipe, ele mesmo, Ronnie Von, apresentando sua filha ao mundo – Alessandra!

Minha mãe adorou o nome e bateu o martelo. Só que Alessandra são dez letras, com encontro consonantal e tudo, quase um trava-língua para outras crianças. Logo virei Lelê para os primos. Na infância, eu tinha ódio de morte se alguém se chamasse de Alexandra. Era quase uma ofensa, sei lá por que razão. Ainda hoje, acho estranho quando me perguntam o nome, na hora de preencher uma ficha, e tascam o xis no meio. Eu disse Alessandra, não Alexandra, pô! No fundo, acho que hoje até gostaria mais de me chamar Alexandra, menos comum, talvez menos datado.

Tive fases distintas, de preferir me chamar outra coisa que não Alessandra. Quando era criança, achava que o nome mais lindo do mundo era Beatriz, e creio que muitas das minhas contemporâneas pensavam o mesmo, porque tem uma pá de Beatrizes na faixa dos seis, sete anos, filhinhas de Alessandras, Adrianas, Andréas, Lucianas. De brincadeira, vestindo personagens para platéias seletíssimas, assumindo apelidos circunstanciais, já fui Maria do Carmo, Maria de Lourdes, Letícia, Camilinha, Monica. Ao fim e ao cabo, sou sempre Alessandra, datado e dotado de uma característica estapafúrdia: de trás para frente, vira Ardnassela, que pode não significar “o defensor da espécie humana”, mas é inegavelmente a descrição do que acontece com certa parte da anatomia humana quando se anda muito tempo a cavalo.

E você, qual é seu nome? Que história ele tem?

Wednesday, February 14, 2007

Homem primata

Ao vencedor as batatas? Vale tudo para ser vitorioso? No GPTotal, a reflexão sobre um personagem polêmico da Fórmula 1. Vai lá, vai...

Tuesday, February 13, 2007

Treze anos




O que me assombra não são os 37. Choca saber que em apenas 13 anos serão 50. Porque os últimos treze anos passaram assim, voando, o que me leva facilmente a concluir que os próximos serão ainda mais lépidos.



O tempo não parece passar mais rápido, passa mesmo. Pura questão de proporcionalidade. Quando se tem dez anos, um ano é um décimo de sua vida. A relação vai sempre diminuindo, e aos 50 esse consagrado período de doze meses é um cinquenta-avo da sua existência. Tão pouco...

O tempo talvez deixe de ser importante com o tempo. Nesses dias, tenho refletido sobre uma singela entrevista, que li na Contigo, de Dona Canô, mãe de Caetano e Bethânia. Se tudo continuar como está (toc-toc-toc), Dona Canô completa cem anos em setembro próximo. Disse que não fez planos ainda para a festa porque não pode planejar o que nem sabe se vai acontecer. E revelou que, nesses mais de quarenta anos desde a vinda para o sul, não passou um dia sequer sem que Bethânia lhe telefonasse duas vezes. Pode estar no Rio ou em qualquer cidade do mundo. Duas vezes por dia, liga para a mãe.

Eu aqui, achando que falta pouco tempo para os meus 50 anos, e Dona Canô nem tchuns para o próprio centenário. "Tempo, tempo, tempo, tempo/Entro num acordo contigo".(*)

Obrigada a todos que ligaram, mandaram e-mails, recados pelo Orkut!

(*) "Oração ao tempo", Caetano Veloso

Monday, February 12, 2007

Primeiro mundo, pero no mucho

Estava ouvindo o noticiário da manhã, pelo rádio, quando uma propaganda me chamou a atenção. Uma rede de postos de combustível sugeria que pessoas "apaixonadas por carro", desejosas de trabalhar em tal rede, cadastrassem seus currículos na página da empresa, na internet. Sempre que acontecem essas situações, olho para o aparelho de rádio como se ele pudesse me explicar algo mais com o olhar.

Sei que é uma tentativa de apenas concentrar melhor minha atenção, para ter certeza se entendi direito. Estamos falando de trabalhar como frentista de posto, certo? Não, já comecei mal. Assim como as empresas hoje não têm mais funcionários, muito menos empregados (ô boca suja!), mas "colaboradores", postos não têm mais frentistas. Inventaram um vasto sortimento de nomes para a função, até "auxiliar de pista". Então tá. Estamos falando de profissionais para encher o tanque do carro, verificar fluidos, lavar o vidro, calibrar os pneus? E precisa pedir para esse pessoal "cadastrar o currículo no site"? Não é demais?

Tudo bem. Vamos verificar a realidade do país. Hoje em dia, conectar-se à rede não é nenhuma tarefa hercúlea. Há trocentas lan houses em todo canto, as Casas Bahia vendem computador em dezenas de prestações fixas. Sejamos Pollyanna e não sejamos preconceituosos: por que só os universitários podem cadastrar seus currículos na web? Façamos o mesmo com os frentistas! Estamos todos plugados, viva a banda larga, uma salva de palmas para o e-mail. Acho que entramos para o Primeiro Mundo e não me informaram, vai ver foi isso.

Daí chego em casa do sacolão, vou pegar o carrinho de compras na garagem e me deparo com uma engonhoca nova. Os dois carrinhos do prédio estão presos à parede por um cabo de metal flexível. Para soltá-los, há que ter uma chavinha própria, com o número do apartamento. Assim, quem chegar para usar o carrinho e não encontrá-lo disponível vai saber, pela chavinha dedo-duro, quem cometeu o crime de retirá-lo e não o devolveu. Portanto, depois de descarregar as compras no apartamento, devo voltar à garagem para resgatar minha chavinha e salvaguardar minha reputação.

Ao contexto: moro em um prédio pequeno, com apenas dezoito apartamentos e um único andar de garagem. Não seria muito mais lógico que cada morador, ao usar o carrinho, deixasse-o de volta no elevador? Quem fosse usar o mesmo na seqüência simplesmente devolveria o carrinho à garagem e pronto. Eu usei, você tira. Você usou, eu tiro. Não cairia a mão de ninguém e, mais importante, eis o detalhe!!! Quem usou o carrinho pela última vez não iria fazer mais duas viagens de elevador, aumentando o consumo de energia e o desgaste do equipamento.

Acho espantoso o fato de que estamos todos preocupados com o meio ambiente e com o consumo de recursos naturais, mas não somos capazes de trazer isso para o dia-a-dia. Também me espanta o abismo entre o discurso de um povo metido a bacana, que quer ser civilizado, e sua prática. Porque o cidadão do mundo, que viaja para a Europa a bordo de seu pacote turístico pago em prestações, acha lindo o jeito como o gringo respeita o espaço do outro e aproveita melhor os recursos. Mas na hora de agir de fato como uma comunidade, Deus me livre.

Thursday, February 08, 2007

Momento histórico

Aconteceu.

A notícia que eu esperava desde o primeiro ano da faculdade de jornalismo foi divulgada hoje e vem da Nova Zelândia.

Quando eu engrossava as fileiras de alunos da Escola de Comunicações e Artes da USP sempre ouvia de algum professor a seguinte definição: notícia não é quando o cachorro morde o homem, mas quando o homem morde o cachorro.

Notícia é inusitado. Pois hoje, finalmente, aconteceu. Reproduzo a notícia que saiu no Terra:

Homem morde cão em perseguição policial

Um homem que era perseguido sob suspeita de roubo de um armazém ao ser encurralado em beira de precipício por cachorro policial resolveu partir para o ataque e mordeu o animal na cidade de Napier, na Nova Zelândia. Eram dois homens. Um deles se jogou no declive e acabou caindo direto nas mãos de policiais que esperavam no local.
O outro, que estava armado com uma faca, resolveu morder Edge, um pastor alemão. "Ele mordeu o cão antes", disse o sargento John McGregor.
"Eu acho que ele sabia que ia ser mordido, então ele mordeu antes", contou o policial, ressaltando que o cachorro venceu a briga e o suspeito saiu com duas lacerações. Os dois homens foram presos e acusados de assalto com lesão por roubo a armazém na última terça-feira, em que o dono foi esfaqueado.
Edge, o cão, já passou por uma cirurgia ao ser atingido no peito por facada durante uma perseguição policial em junho de 2006. Após a cirurgia, com transfusão de sangue, ele se recuperou totalmente.

AP

Wednesday, February 07, 2007

Alguém precisa detê-lo

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É de se desconfiar. Sujeito quando vira nome de era, alguma séria aprontou. Era Vargas, Era Napoleão, Era Hitler. Foi, aliás, na Era Collor que ele mereceu a sua. Péssimo sinal. Depois, vá lá, recuperou-se, assumiu a braçadeira de capitão, ergueu a taça. Não que tenha aprendido a ser craque, impossível ir contra a genética. Mas virou símbolo de determinação, braços tesos, punhos cerrados, como se chamasse para a briga na esquina. De fato, não mudou. Mudamos nós, aos poucos engolindo a lógica de que o importante é vencer, meio a zero, futebol de resultados, essas coisas que nos fizeram esquecer da beleza.

Chegou a técnico da seleção brasileira sem nunca ter treinado nenhum time antes. Tudo bem. Releve-se. O problema não era jamais ter visto Dunga nesse cargo. O terrível foi ver, pela primeira vez, Dunga sem uniforme de jogador. Ele teria sido perdoado de tudo se cristalizasse sua imagem em nossas retinas com o amarelo da camisa, o azul do calção e a taça de 1994 sobre a cabeça. Mas não. Ele primeiro apareceu com isso:



Nossa Senhora de Coco Chanel, me dê forças. Respiro fundo. Sim, já superei meu trauma de paletó ou blazer à beira do gramado. Quando Luxemburgo começou com isso, primeiro eu ri, achando que um técnico de futebol de terno, à beira do gramado, era a mesma coisa que um noivo, à beira do altar, de sunga. É esquisito, mas digerível (o técnico, não o noivo de sunga). Então, aceitei o blazer de Dunga, a gola rulê. Jogo na Europa, fazia frio, afinal. Por mais que me apegasse a meu protetor, São Christian Dior, não dava para ignorar aquela coisa vermelha, parecendo o lencinho de um maitre de churrascaria, escapando pelo bolsinho do blazer. Ah, era uma gravata, explicou o dândi depois. Claro, tudo resolvido. Mas alguém pode me dizer onde ele ia enfiar uma gravata naquele suéter de gola rulê?!

Não, não respondam.

Ontem, na Inglaterra, um amistoso entre Brasil e Portugal. Frio a ponto de alguns jogadores entrarem em campo usando luva e cachecol. Pois o maneco resolve desfilar, à beira da verde grama, usando apenas uma camisa. Ou melhor, isso:




Dunga eternizou-se como um jogador duro, que parava o adversário, detinha o ataque contrário. Agora me respondam, por Santo Yves Saint-Laurent, quem pode detê-lo?