Sunday, May 30, 2010

Assim é, se lhe parece



"GP foi chato."

"Foi uma corrida meio sem graça."

Abro o noticiário do Tazio e leio assombrada as duas declarações acima. Eu até as engoliria se descrevessem o GP da Espanha, em Barcelona, ou mesmo a corrida de Mônaco, duas semanas atrás, embora eu mesma tenha um modo particular de definir o que é uma corrida chata. Mas isso não vem ao caso agora. O que assusta é saber que as duas definições foram dadas por Felipe Massa, a primeira, e por Rubens Barrichello, a segunda, sobre o GP da Turquia, encerrado algumas horas atrás.

No entusiasmo pós-bandeirada, ouvi e/ou falei frases como "foi a melhor corrida do ano" ou "a melhor prova dos últimos anos". Andávamos carentes, é fato. E como a fome é o melhor tempero, ouvi até quem pronunciasse a prova como a melhor dos últimos quinze anos. Estômagos saciados, provavelmente vamos rever tanto afã. Mas duvido que a maioria dos espectadores, em todo o mundo, não tenha ficado na ponta do sofá ao ver a disputa entre Lewis Hamilton e Jenson Button, pelo primeiro lugar, no final da corrida. De prender a respiração, de arregalar os olhos, de lembrar por que, afinal de contas, amamos automobilismo.

Para nós, aqui fora, foi tudo isso. Mas, let me tell you something about... pilotos.

Que gente...

Não faz tanto tempo assim, víamos Michael Schumacher ganhar provas modorrentas, largando na pole, mantendo a ponta todo o tempo, saindo do carro socando o ar de alegria, enquanto espectadores sonolentos em todo o mundo tentavam enxotar a terrível sensação de bode depois de tanta monotonia. Schumacher recebia o troféu, dava um salto acrobático ainda no pódio, levantando as pernas para trás, e ia para a coletiva da FIA dizer que a corrida tinha sido fantástica. Do seu ponto de vista, tinha mesmo: barba, cabelo e bigode feitos, havia levado o binômio piloto-equipe ao estágio da perfeição. Problema nosso se não havia disputa. Nosso e da concorrência. Para ele e para a Ferrari, estava ótimo, perfeito, fantástico daquele jeito.

Encaixotado entre Mercedes, Renault e até uma Force India, Massa tem todo o direito de achar que a corrida foi chata. Aquela que já foi sua pista, mais do que de ninguém, tornou-se neste domingo um fardo. Não é ilegítimo que Massa tenha tido como único desejo recorrente nesta corrida que ela simplesmente terminasse, para ele esquecer este sétimo lugar enfadonho.

Ainda mais desalentado, Barrichello praticamente só viu equipes nanicas atrás das Williams em Istambul. Terminando em décimo quarto, esteve distante até da zona de pontos. As disputas pela ponta nesta prova, nos dois duelos fratricidas, só fariam parte de sua biografia se ele quisesse assumir o papel de coadjuvante retardatário, já que Rubens cruzou a linha uma volta atrás de Hamilton.

Que graça o GP da Turquia pode ter tido, de fato, para estes dois?





"Acho que, se vocês olharem as imagens, estava claro que tinha a parte de dentro da pista. Fui por dentro, estava à frente e me focando no ponto de freada e, honestamente, vocês podem ver que ele tocou minha roda traseira direita e eu saí da pista."

Sincera e objetiva, esta foi a análise do alemão Sebastian Vettel sobre a batida com o companheiro de equipe Mark Webber. No ar, pelas rádios Bandeirantes/BandNews FM, discordei do jovem Vettel antes de ouvi-lo, responsabilizando-o pelo acidente. É certo que a curva seguinte, à esquerda, exigia uma ligeira guinada à direita para fazer a trajetória. Só que, à direita, estava Webber. Que simplesmente não abriu para o alemão passar. Vettel achou que ele abriria. Mas ele não abriu. É um risco, mas não há regulamento esportivo que o obrigue a mudar sua trajetória.

Sob seu ângulo, Webber fez outra análise. "Ficamos lado a lado em alta velocidade e talvez ele [Vettel] tenha virado muito rápido para direita e acabamos nos tocando. É uma coisa que pode acontecer."

Felizmente, a FIA entendeu o mesmo que Webber, eu e todo mundo que aprecia disputas em alta velocidade aceita como regra pétrea dessa modalidade - acidentes são inerentes às corridas - e não puniu nenhum dos dois pilotos que, afinal, já se puniram mutuamente ao assumir o risco de manobras tão arriscadas.





E eis que a corrida termina com o primeiro lugar de Lewis Hamilton, inglês que conquista sua primeira vitória na atual temporada. Hamilton, que já havia dado shows inócuos em outras provas, e carregava o mundo da McLaren nos ombros, pressionava-se em relação ao companheiro Button, vencedor duas vezes em 2010.

Cachorro picado por cobra tem medo de linguiça. Antes da colisão caseira entre Vettel e Webber, a McLaren ordena que Hamilton não parta para cima do alemão. Ele parece ignorar o rádio e tenta tomar o segundo lugar de Vettel. Não consegue a ultrapassagem, esboça conformar-se com um lugar no pódio. Depois da saída de Vettel e do atraso de Webber, inesperadamente, Hamilton torna-se líder da corrida. E traz consigo o companheiro Jenson Button que, percebendo-se em igualade de condições, tenta tomar-lhe a ponta.

Segue-se uma das disputas mais lindas, limpas e ousadas dos últimos tempos. Um toma lá dá cá no limite, com os dois pilotos dosando arrojo e sabedoria em doses ideais. Uma disputa diferente da que envolveu Vettel e Webber. Talvez porque a briga entre os pilotos da Red Bull tenha acontecido entre um piloto que ainda não é outro que, provavelmente, nunca será. A disputa entre Button e Hamilton foi uma luta de campeões.

E, lá vou eu, dando a cara para bater mais uma vez: a evolução da McLaren e a maturidade de Jenson Button estão me levando a apostar no inglês para o bicampeonato em 2010.

Mas por que, afinal, Hamilton parecia tão desanimado no pódio e na coletiva? Estaria chateado com o time, por tê-lo advertido na disputa contra Vettel e deixado Button partir para cima dele no final da prova? Pode ser.

Mas atenho-me à sua frase de abertura na entrevista, dedicando a vitória a seu pai, que completa 50 anos nesta semana. Hamilton e o pai estão estremecidos, ou rompidos, não sei com detalhes. Anthony Hamilton sempre foi empresário do filho, era uma espécie de mãe de miss do piloto, presente e guiando seus passos. A relação parece ter desandado em função do relacionamento de Lewis com a cantora Nicole Scherzinger, que por sinal estava em Istambul hoje.

Talvez esta corrida emocionante, que nos fez ter a sensação de que não faltou nada, possa ter reforçado um sentimento de perda em Hamilton. Talvez ele quisesse os três lá: a vitória, Nicole e o pai. Talvez Anthony Hamilton, com toda boa intenção de pai, preferisse que o filho se focasse mais na carreira e menos na moça. Talvez Anthony Hamilton nunca tenha sofrido por amor e não entenda. Do ponto de vista dele, de Massa, de Barrichello, de Vettel, de Webber, do meu e do seu, algumas coisas não são fáceis de entender.