Sunday, August 01, 2010
Uma tarde em 2010
Quem me dera, agora, eu tivese a viola pra cantar. Mas, a viola foi quebrada e jogada na plateia.
A piada contada por Roberto Carlos, nos bastidores do III Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, é uma das singelas revelações trazidas pelo documentário "Uma noite em 67", de Renato Terra e Ricardo Calil. O filme, de fato, não se presta a fazer revelações. É uma reconstituição de um acontecimento artístico fartamente documentado, referência para temas tão diversos quanto vaias, Tropicália, guitarras elétricas, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Sérgio Ricardo, Roberto Carlos cantando samba e além.
"Só queríamos fazer um bom programa de televisão, e que desse tudo certo", diz o produtor Solano Ribeiro logo no início do filme. Alheios a esse propósito simples, os atores desse programa acabaram fazendo uma revolução na música. Talvez Renato Terra e Ricardo Calil quisessem apenas fazer um documentário, mas promoveram um encontro histórico de gerações nas salas de cinema do Brasil.
Fui ver "Uma noite em 67" hoje à tarde com a minha mãe, frequentadora de vários daqueles espetáculos da TV Record. Ela não chegou a ver nenhum dos festivais in loco, pois conseguir ingressos para eles não era tarefa fácil. Mas viu vários programas como "O fino da Bossa" e "Bossaudade" sentada na plateia do Teatro Paramount, na avenida Brigadeiro Luiz Antônio. E assistiu a todos os festivais da Record pela TV. E torceu por Chico Buarque e Nara Leão, em 1966, defendendo "A banda", e manteve a aposta em Chico, em 1967, com "Roda Viva".
Já escrevi aqui e aqui que reverti meu sentimento quanto à nostalgia de um passado que não vivi. Mas o documentário "Uma noite em 67" me fez balançar do conformismo. É bom fruir a produção cultural daquela época com o filtro dos anos. É bom, sobretudo, não ter de tomar partido em uma circunstância tão esdrúxula quanto a passeata contra as guitarras elétricas mas, que diabos!, eu queria muito estar naquele teatro (ou, pelo menos, à frente de uma TV) naquele dia 21 de outubro de 1967!
Não vou me alongar na relevância dos festivais dos anos 1960. Zuza Homem de Mello já escreveu tudo o que precisava ser escrito sobre o tema no livro "A era dos festivais - Uma parábola". Também é inútil teorizar sobre o motivo pelo qual os festivais nunca mais foram como aqueles. O formato festival apenas reuniu em um mesmo palco, e com os ingredientes agudos da disputa, a extraordinária geração de artistas que surgiu naquele tempo.
O documentário "Uma noite em 67" torna-se indispensável para conhecer o tema por um conjunto de atributos. Em primeiro lugar, a reprodução das apresentações originais, e com as músicas exibidas integralmente. Depois de tanto videoclip, de tanta edição nervosa de imagens, de colagens e descontruções de narrativas, como é bom assistir a um filme que respeita o tempo das coisas - músicas, falas, a respiração do entrevistado. Apresentações no palco, entrevistas nos bastidores: está feita a reconstituição do festival. Ali, está o passado, contado e delimitado.
Mas "Uma noite em 67" não se limita a exibir imagens raras. A costura, também muito simples, é feita pelos depoimentos atuais daqueles mesmos personagens - Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Sérgio Ricardo, até Roberto Carlos falou. E ainda Paulinho Machado de Carvalho, um dos proprietários e diretor da Record, o próprio Zuza, consultor do filme, Nelson Motta, Sergio Cabral. E esta costura de depoimentos, ao mesmo tempo que traz à tona informações encobertas, parece ajudar esses mesmos personagens a mergulhar em si mesmos. Tocantes, auto-reflexivas, algumas falas desses artistas expõem o quanto aquela noite de outubro de 67 foi o marco zero de várias revoluções.
Ainda que Chico diga que raramente pensa naqueles tempos e que nem se lembre mais da letra de "Roda Viva".
Ainda que Caetano preferisse ter sua imagem descolada de "Alegria, Alegria".
Ainda que Gil revele o pânico sentido naquele dia e o compare, em nível de angústia, ao que sentiu ao ser preso.
Pois Chico revela que, depois daquilo tudo, acabou se sentindo sozinho, isolado como figura conservadora, o bom moço da MPB.
Pois Caetano localiza naquele evento, na reversão que fez da plateia - da vaia ao aplauso - o momento de se sentir forte para ir além e organizar o movimento.
Pois Gil, olhos a um piscar de derramar lágrimas, admite que ali percebeu a viabilidade de sua ideia libertária de música.
Sorte de quem viveu naqueles anos 1960. Sorte de quem assistir "Uma noite em 67".
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16 comments:
Assim como o doc, claro, leve e rico.
Boa escrita e visao.
abraços,
Anna Biatris
Vou atrás.
Sabe... Uma das imagens mais fortes que tenho destes festivais, que volta e meia vejo na Record News, e li muito em alguns livros bacanas, é aquela em que Gilberto Gil termina de cantar Domingo no Parque com os braças abertos em cruz... Acho aquilo de uma força tão grande.
Obrigado pela dica. Eu não tinha idéia do lançamento do documentário.
Oi, Alessandra, como vai? Lembra-se de um cara que volta e meia sugeria canções aqui no seu blog? Pois então, era eu. Ahn, não precisa dizer que não se lembra. Minha auto-estima iria abaixo. (aliás,não entendo nada de automobilismo, mas com os últimos acontecimentos na Fórmula 1, os pilotos têm ainda auto-estima? Olha, mandei legal agora...).
Alessandra, queria te agradecer a dica deste filme.
Permite apenas fazer um reparo?
Não foi muita sorte não viver os anos 60.
Jamais cantei, por minha infância e adolescência - e exatamente e apenas pela situação do país, meu país - "eu era feliz e não sabia".
Não éramos felizes.
Como em "Viagem na Família", de Drummond: "(...) eram nossas difíceis vidas (...)".
Sabe, Alessandra, a imagem que me fica é que cada linda canção daquelas dos festivais, pra ficar neste tema, parecem-me gritos de desabafos, brados como se alguém insistisse em proclamar-se gente.
Assim como se fosse uma reação onde grita-se: Não! Voces não podem fazer isto!
Tristes tempos.
Para terminar, gostaria de compartilhar, pra não perder o costume, uma reflexão, conclusão, veja só, de uma ficha que caiu há apenas pouco tempo atrás.
"Mambembe", do Chico, foi o hino da minha geração.
O hino da minha geração.
Deixa fazer uma curta homenagem? Peo meu professor de Geografia no ginásio, desaparecido. 1968.
Como na letra de "Mambembe", ele continua debaixo da terra, cantando.
Beijo, Alessandra, desculpe o tamanho do texto.
Ass: Mauro Chazanas
Mauro Chazanas: que bom tê-lo aqui novamente! Venha e escreva, muito, e sempre. E agora fiquei com lágrimas nos olhos pelo seu professor, e com vontade de ouvir Mambembe...
Saudosismo fez pouco cá... ;)
Alessandra, passo pra avisar que o Biscoito voltou (andei te lendo este período!) e que devo estar por Sampa em algum momento este ano. Um forte abraço,
67 foi um ano maravilhoso, afinal nasci nele, rs. Mas, do ponto de vista da MPB foi mesmo. Posso até imaginar a torcida dos meus irmãos e primos mais velhos, todos adolescentes, cada um por um cantor/grupo diferente. Em que colo será que eu estava na hora que Gil e os Mutantes apresentaram Domingo no Parque? Será que estava acordada? Pena que bebês não lembrem.
Legal isso, assisti ao filme documentario e gostei..
Em 1964, os milicos trairas deram o golpe com apoio da imprensa que ainda esta ai... golpista por natureza... meu avo foi preso e meus tios cairam na subversão... em 1967 tava todo mundo fodido e sem saber pra onde ir... ditadura minha amiga!!!!
A musica colaborou para conscientizar os mais sensiveis, de alguma forma... quem sabe?
Caetano que ja se mostrava um leaozinho ditatorialzinho tentou ganhar no grito mas foi Chico que demonstrou ter coerencia entre obra e vida... e blablabla...
Legal isso, assisti ao filme documentario e gostei..
Em 1964, os milicos trairas deram o golpe com apoio da imprensa que ainda esta ai... golpista por natureza... meu avo foi preso e meus tios cairam na subversão... em 1967 tava todo mundo fodido e sem saber pra onde ir... ditadura minha amiga!!!!
A musica colaborou para conscientizar os mais sensiveis, de alguma forma... quem sabe?
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