Monday, November 26, 2007
Desconstruindo Garibaldo
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Durante a primeira infância, meu programa preferido era "Vila Sésamo", uma magnífica co-produção entre a Rede Globo e a TV Cultura, baseada em um original norte-americano. Eu adorava e minha mãe, também, pois era no período em que "Vila Sésamo" ia ao ar que ela podia se dedicar aos afazeres domésticos, sem que o pequeno carrapato aqui sugasse-lhe toda a atenção. A música-tema do programa dizia que "todo dia é dia e toda hora é hora". Depois que a gente cresce, começa a duvidar desta máxima de Garibaldo e sua turma.
Ontem foi uma dessas ocasiões. Acordei pensando que se tratava de um não-dia para correr, embora eu estivesse inscrita havia várias semanas na São Paulo Classic, uma das mais tradicionais provas da Corpore. Cheguei ao Ibirapuera com a certeza de que iria mal, por um acúmulo de fatores. A seqüência de feriados abalou meu ritmo de treino. Nos últimos dez dias, eu só havia corrido duas vezes, na rua, sem o rigor dos treinos de esteira. Uma viagem profissional no meio da semana, uma quantidade enorme de trabalho, certa agitação emocional e, por último mas não menos importante, indisciplina total com a alimentação. A sentença estava dada antes do julgamento. Fui para a corrida me sabendo condenada.
Cheguei e logo avisei - hoje, não vai rolar. Zé, meu técnico, também acusava cansaço. O imbatível triatleta Henry propôs que eu seguisse seu ritmo. Fizemos um treino juntos, dia desses, na USP, e eu aguentei bem. Vou tentar, mas não rola, tenho certeza. E não rolou. No segundo quilômetro, eu já o havia perdido. A organização da prova falava em onze mil atletas. Não sei, afinal, se disputei espaço com vinte e duas mil pernas, mas estava apertado o trajeto na República do Líbano. Perdido o ponteiro, relaxei. Fazia muito tempo que eu não corria no Ibirapuera e resolvi desligar do quesito tempo e me fixar no prazer da corrida no melhor cenário de São Paulo.
Enquanto ia e vinha por esta avenida, muitos pensamentos me assaltavam, nenhum deles relacionado à minha média horária. Sim, eu estava desconcentrada mas, que diabos, Garibaldo! Nem todo dia é dia, nem toda hora é hora. Pensava, por exemplo, em como gosto daquela avenida e como seria bom se São Paulo tivesse mais vias arborizadas como aquela. Me ocorreu, também, que uma enorme quantidade de casarões se espalha na margem do próprio parque. Tenho impressão de que eles não deveriam estar ali. Afinal, trata-se de um parque público. Como aqueles bacanas construíram suas casas tendo como quintal o nosso Ibirapuera? Quem liberou tais obras, quanto de bufunfa escorregou para a algibeira de quantos administradores públicos? Fosse favela, já tinham restituído tudo ao patrimônio público...
Anyway, contornei o lago. Outra bela visão do parque, fixei meu olhar na direita, admirando a paisagem e esquecendo do cronômetro, na mão esquerda. Segui pela Pedro Álvares Cabral, em frente à Assembléia Legislativa, e sempre hei de me lembrar do velório de Ayrton Senna quando passar por ali. Simbora, com o Obelisco à esquerda, a Bienal à direita e a Rubem Berta à frente, com sua seqüência de morrinhos desafiadores. Gosto das subidas, que separam o joio do trigo, deixando os mais bem preparados à frente e os extenuados, no sopé. Mas gosto quando me sinto trigo, e ontem eu era quase joio.
Acabei ganhando ânimo extra ao fazer o retorno, pouco antes do viaduto Indianópolis. Eu achava que iríamos até o aeroporto, mas a volta antecipada me animou, além do fato de encarar o morro agora em versão descida. Recuperei um pouco do tempo ali, mas sem nenhuma ilusão de fazer os 10 km abaixo dos 50 minutos. No quilômetro oito, resignada, vislumbrei que estaria de bom tamanho situar-me abaixo dos 53.
Enquanto me aproximava novamente da Assembléia, na linha de chegada, consegui desenvolver um sprint considerável. Eu sentia que não tinha gás para muito tempo, mas as placas anunciando 800, 600, 400 e 200 metros para o final serviram-me de estímulo. Fechei o percurso com tempo líquido de 51min27 (24ª na faixa etária, de 290; 130ª no feminino, de 1867; 2.125ª na geral, de 8352). Tive resultados bem melhores neste ano, especialmente nos 10 km da Tribuna, em Santos, quando fiz em 49min30, e na prova do WTC, da Corpore, com 38min para oito quilômetros.
Mas, quer saber? Foi uma das provas mais prazerosas que já fiz. O local, as árvores, o lago, a companhia, a paz de espírito, o coração tranqüilo às vezes fazem melhor à alma do que o cronômetro generoso. E então percebi que não vale a pena contrariar Garibaldo, pois todo dia é dia, e toda hora é hora, sim.
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Acho importante compartilhar um fato relatado a mim neste domingo. Um dos colegas da turma teve sua casa invadida por ladrões. Depois de fazerem a limpa completa na residência - carregando computador, DVD, televisão, micro-ondas, máquina digital, celular - os caras se puseram a vasculhar os armários, levando os tênis do colega, até que se depararam com uma camiseta da própria Corpore, ganha depois da corrida em homenagem ao Corpo de Bombeiros, em julho deste ano.
Foi o que bastou para os ladrões acharem que o atleta era, na verdade, membro da polícia. O nome Corpore, inscrito na peça, deve ter soado a eles como algo tipo BOPE, e a conseqüência só não foi pior porque a vítima conseguiu convencê-los de que não era da polícia. Por precaução, achei melhor me livrar das camisetas com referências às corporações, como esta e a da prova da Academia do Barro Branco. Que mundo este...
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12 comments:
oi, Alê!
que texto bom de ler, adorei, tb porque estava lá, um pouoco atras como sempre....
bj
Fábio
fabio: que bom ter você aqui. "um pouco atrás, como sempre", mas por pouco tempo, né, amigo? porque sua evolução tem sido notável e acho que chegaremos juntos na são silvestre, será?
beijos!
É gozado isso Alessandra ,geralmente escolhemos e começamos uma atividade esportiva pelo prazer de participar ,com os grandes progressos iniciais ,sim porque no inicio o desenvolvimento é grande ,sem querer vamos atrás de novas metas e ai é que complica tudo,depois de um nivel cada decimo vai ficando mais e mais complicado ,e sem notar ,as vezes,o prazer vai diminuindo.
Aconteceu algo semelhante comigo outro dia ,tinha uma partida de tennis e voltando do Rio de Janeiro depois de oito horas de viagem fui direto para a quadra ,nem passei em casa ,não daria tempo .Logicamente não teria a menor condição de ser competitivo e apenas joguei ,sem sequer prestar muita atenção nas parciais ,claro, perdi o jogo mas redescobri o prazer .
Jonny'O
Agradável teu texto, Alessandra. Redescobrir o prazer das coisas é um troço que ajuda qualquer coisa que a gente ache cansativo extremamente delicioso. Curioso é que correste numa cidade(onde moras também) que tem tanta coisa coisa, mas que com a correria passa despercebido.
Os caras que assaltaram teu amigo devem terem assistido Tropa de Elite. Infelizmente a criminalidade é muito estúpida.
Vc assistia a Vila Sésamo, hein. Imagino a menina arteira que eras. Ou eras tranquila? Vc assistiu a nova versão? O que achou?
Schumi, sempre schumi. Aposentado, ganhou o desafio das estrelas em Floripa. Depois o pessoal acha que ele não é grande coisa.
Beijos Lorena, digo, Alessandra.
Quis dizer coisa boa e não coisa coisa. he, he
jonny´o: é bem isso mesmo. sua comparação me fez lembrar de outra situação - dietas. todo mundo que quer emagrecer quinze, vinte quilos, diz que o mais fácil é perder os dez primeiros. daí para frente, tudo fica mais difícil. acho que vale para esportes, também.
então quer dizer que você joga tênis? eu joguei, lá no paleolítico, parei no mesosóico, mas tenho vontade de voltar. adoro tênis.
celinho: é verdade, na correria do dia-a-dia, a gente não presta atenção nas boas coisas ao redor, ainda que não sejam tão freqüentes quanto gostaríamos.
sua pergunta sobre minha infância me deu idéia de um outro post, sobre meu comportamento naquela época. aguarde!
Bem.... Que bom que a prova, sem levar em conta o resultado, foi divertida. Eu como grande atleta corro apenas para não perder o ônibus. (E perco)
Quanto ao ocorrido. E sua pergunta:
Vivemos num país de valores inversos. Logo segurança publica não quer dizer muita coisa. Minha solidariedade ao seu colega.
Bacana, eu tenho um amigo, que é novinho, nem é do tempo da "Vila Sésamo" e vivia cantando e dançando: "Todo dia é dia, toda hora é hora de saber que esse mundo é seu". E pela sua corrida, ai que inveja de vocês aí de São Paulo. É outra coisa. Lendo o que vocês escrevem, Curitiba, onde moro, fica parecendo cidade do interior. É bem arborizada, verdade, mas a poluição já nos pegou faz tempo. Adoro seus textos!
ron: se você começar a treinar, garanto que não perde mais o bumba! ;)
luiza: obrigada pelas doces palavras. já faz bastante tempo que não vou a curitiba, mas tenho um carinho especial pela cidade onde você mora. sabe que eu vou um pouco na contramão dos que falam mal de são paulo? a vida aqui, de fato, é complicada por condições como o trânsito e um urbanismo caótico. mas tem essa agitação, esse monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo que, pelo jeito, consegui transmitir pelo texto. gente inquieta como nós - você, pelo jeito, é das minhas - acaba se apaixonando por uma cidade como são paulo. venha sempre! (ao blog e à cidade)
Quado fores falar sobre a tua infância, não esqueça de colocar uma "fotinha" daquela época. Beijos
QUERER É PODER(Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle)
Nem todas as coisas são fáceis de fazer
Mas querer é poder
Querer é poder
Tudo nessa vida que você quiser fazer
Você vai ter que acreditar em você
Nem todas as coisas são fáceis de se ter
Mas querer é poder,querer é poder
Quando alguma coisa for difícil de fazer
Você vai ter que acreditar em você
Use a inteligência para o que fizer
Use independência em tudo que escolher
Lute pelas coisas que você quiser
Mas pra começar,acredite em você
Você pode ver o que você quiser ver
Querer é poder,querer é poder
Pode aprender o que quiser aprender
Basta você acreditar em você...
oi Ale, achei a página, tô ficando bom nisso!!!
as vezes é muito bom correr por prazer, independente do seu potencial, os resultados são consequência desse prazer em correr...bjs
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