Monday, April 10, 2006

Custo, preço e valor




Uma das principais críticas feitas à viagem do astronauta brasileiro - o militar Marcos César Pontes - diz respeito ao gasto de US$ 10 milhões por parte do governo federal.

(Outras duas críticas me parecem pouco defensáveis. A saber, a primeira: a de que a viagem de Pontes é mera propaganda eleitoreira de Lula não se sustenta porque o programa começou há oito anos, portanto, durante a gestão FHC. E a segunda: de que os experimentos feitos por ele no espaço não servem de nada, mas ainda que assim fosse, eu concordaria com o próprio coronel, que enxerga em sua missão um fator de motivação aos jovens em formação.)

Mas voltando à cifra dos 10 milhões. Não achamos despropositados os valores que envolvem as grandes transações no futebol: Tevez veio para o Corinthians por 20 milhões de dólares, o Real Madrid pagou 30 milhões para ter Robinho. Tudo ali, na lata. Não quero dizer que 10 milhões sejam dinheiro de pinga nem omitir o fato de que, no caso dos jogadores, é dinheiro privado, enquanto a viagem do astronauta é dinheiro público.

No entanto, 10 milhões investidos em oito anos representam 1,25 milhão/ano, o que não me parece nenhuma soma absurda. Na esteira da crítica quanto ao valor absoluto gasto pelo governo, vem a queixa de que o Brasil poderia investir esses 10 milhões na formação de muitos cientistas. Nas últimas décadas, o Brasil tem conseguido formar e até exportar cientistas, sobretudo, graças às parcerias do governo com a iniciativa privada. É o tipo de relação "boa para ambas as partes": as instituições públicas, como as universidades, ganham acesso às tecnologias mais recentes, viabilizadas pelo contato com as empresas, e a iniciativa privada pode contar com a mão-de-obra de melhor nível em formação no país.

Uma exposição do país nesse programa, enviando um cientista para o espaço, não funciona, no mínimo, como estímulo para que outras empresas adotem políticas de parceria e participação junto a instituições de ensino e pesquisa? Eu acho que funciona.

16 comments:

Véio Gagá - BH said...

Alê, ultimamente estou muito econômico em meus comentários, mas concordo com você em gênero, número e grau. Inclusive já escrevi isso em comunidades no orkut.
Abraço,

Anonymous said...

Correto, é importante destacar a miopia quase que geral da opinião pública, em relação aos objetivos da missão. "De cunho eleitoral" é o que mais se ouve, sem a mínima preocupação de apurar com um pouco de pesquisa quando e como se iniciou o processo que culminou com a estadia no espaço. Em termos de valores, os 10 milhões não contabilizam os 8 anos de treinamento na NASA,estima-se que o valor ultrapasse o montante alegado em duas vezes. No entanto, nada tira o mérito deste empreendimento pelas razões apresentadas pela Alessandra e por muitas outras...Agora, se querem "chiar" em nome de suposto desperdício de dinheiro público, creio que teríamos milhares de outros focos a serem atacados - por exemplo os gastos em GASOLINA da Câmara - que consegue a façanha de custar tanto quanto o combustível que impulsionou o foguete do nosso brasileiro pioneiro.

Anonymous said...

A questão principal não é nem o pagamento, mas porque ele foi necessário. No acordo da AEB com a NASA, deveríamos fabricar e entregar 2 equipamento para ser utilizados na ISS. Com isso, além de colaborar com a ISS, estaríamos adquirindo tecnologia no desenvolvimento dos equipamentos. Mas mesmo com seguidas renegociações, o (des)governo brasileiro decidiu que gastaria muito dinheiro nisso. Deste modo, a NASA não teria mais a obrigação de enviar o Cel Pontes ao espaço. O caráter eleitoreiro está em investir agora o que não foi antes (e são mais de 10 milhões, pois tem o empréstimo de Alcantara para os russos) para que ele fosse à ISS ainda em 2006.

Pedro Alexandre Sanches said...

hahaha, alessandra, eu adorei o seu paralelo entre a astronomia e o futebol! ninguém se envergonha dos preços milionários dos garotos do futebol (e dos laços de escravidão subjacentes a muitos desses contratos com megajogadores, hipermodelos, supercantores etc.), afinal, ser no máximo o país do futebol e do carnaval parece ser nosso destino eterno, né? em contrapartida, se um cosmonauta brasileiro sobe ao céu (sem ter morrido!, atenção!), é como se devêssemos nos envergonhar do fato de o brasil estar "desperdiçando" dinheiro em querer entrar pela porta da frente no mundo da ciência... tipo, "escravos!, continuem escravos!!!"...

Alessandra Alves said...

daniel, você acrescentou dados interessantes a esse debate. confesso, eu desconhecia esses detalhes da negociação com a nasa. só não ficou muito claro para mim porque o brasil preferiu colocar dinheiro a receber dinheiro para participar da missão. você tem mais detalhes, eu gostaria de ter acesso a isso.

tem outra coisa nessa história que me incomodou. na minha opinião, lula incorreu em uma demagogia desnecessária quando conversou com pontes e o comparou a ayrton senna. enfiada de pé na jaca, eu achei. pontes levou a bandeira, como senna levava a bandeira, ok. mas se tem uma coisa que me irrita muito é associar a bandeira brasileira a momentos de ufanismo como copa do mundo ou fórmula 1. já repararam como o brasil parece só cultivar esse símbolo nacional de quatro em quatro anos, quando a canarinho entra em campo?

por muito tempo, tive certo bode da bandeira brasileira por isso e, sobretudo, por associá-la àquelas paradas e demais manifestações cívicas do período militar (argh!). hoje, felizmente, já superei isso. a bandeira é um símbolo do PAÍS, da nossa nação. fazer paralelos emotivos baratos com ela é golpe abaixo da cintura.

pedro, querido amigo virtual, importante sua leitura. isso enseja uma bela discussão sobre a auto-estima do povo brasileiro, não? aliás, isso já estava em marcha lá na sua janelinha vermelha, ontem. pego o bastão e levanto a bandeira (mais uma), enquanto você, por favor, aproveite bem suas férias e mate a saudade de maringá!

Anonymous said...

Foi um ótimo momento do Brasil. Desperdício de dinheiro é o valerioduto, por exemplo. Achei muito importante a repercussão, aqui no trabalho todos comentaram que ficaram vendo o lançamento da nave ao vivo e vibraram com o sucesso.

Anonymous said...

Alessandra, não receberíamos dinheiro para participar da missão. O acordo previa que o Brasil deveria entregar 6 (não 2 como disse antes) equipamentos para serem utilizados na ISS. Logicamente o custo de desenvolvimento seria maior que 10 milhões (foi orçado em 120 milhões pelo governo). A questão principal é que o ganho em tecnologia é muito maior. O uso ilimitado da base de Alcântara pelos russos também tem um custo que não se pode calcular.
Se o que se queria era enviar um brasileiro à ISS pelo menor custo possível, que se pagasse então os 20 milhões que a agência russa cobra dos turistas milhonários, pois não seria necessário a liberação da base brasileira.
Quanto aos valores pagos a jogadores de futebol, enquanto for dinheiro privado podem pagar o quanto quiserem. Cada um faça o que quiser com seu dinheiro.

Anonymous said...

Alessandra, gostei também do paralelo com jogadores de futebol.
Ainda mais com vários clubes no Brasil que devem impostos, mas pagam altos por seus craques. No Brasil menos que na Europa, mas aqui rola também. Aí eu já não sei se o dinheiro é público ou privado. Mas a torcida nem liga.

Anonymous said...

Alessandra, eu de novo. Gostei do espaço! Também sou otimista. Acredito que termos o Cel Pontes de escola em escola, de lar em lar, via TV, via Net, ao vivo, deva ter forte influência sobre a nova geração que se apresenta. Saber que é possível poderá fazer a diferença. Num país em que exemplos de maus tratos a nação são cotidianos, saber que um homem comum, mediante muito esforço e dedicação pôde chegar ao espaço, demontra que somos capazes. É a força do exemplo. Quanto ao dinheiro, o que são míseros US$10 milhões para quem gasta US$60 bilhões somente em juros. Parece piada, não é? Valeu!

Alessandra Alves said...

alexandre, muito bem lembrada a questão dos clubes que devem impostos. tem outro detalhe relevante. a maioria dos clubes ocupa terrenos cedidos pela prefeitura, em áreas valorizadas, e nem todos dão as contrapartidas esperadas para a sociedade. isso já deu pano pra manga, promete dar mais e, se a gente pensar com isenção, vê que é mesmo um absurdo. um grupo de pessoas bem relacionadas ganha o direito de explorar uma determinada área pública, faz dessa área um quintal para poucos e bons e só reverte alguma coisa para a sociedade se a administração pública ficar no pé.

mario, bom saber que existem outros otimistas no mundo. casos como do cosmonauta brasileiro entram no rol de coisas que chamo de "sim, é possível". sabe aquela desesperança atávica de muita gente, achando que o brasil é um lixo, que o povo é vagabundo? esse tipo de pensamento se alastra, é uma praga, mas se ficarmos atentos a tudo o que acontece de positivo, basicamente pela organização das comunidades e, sobretudo, pela determinação dos indivíduos, veremos vários cosmonautas potenciais no nosso cotidiano, concorda?

Anonymous said...

Uma realização pessoal para este cidadão. Entrará na história como o primeiro brasileiro a ir ao espaço, junto com 10 milhões de dólares. Êta dinheirinho mau gasto.

Anonymous said...

Realização pessoal acompanhada por cada brasileiro que ligou a tevê naquele ínicio de madrugada, Anônimo. Pode apostar que cada um dos espectadores viajou um pouco na carona daquele foguete....Mas sua opinião é bem vinda.

Anonymous said...

Não vejo como dinheiro mal gasto. Realizou o que muita gente tinha como sonho. Concordo com o Mario Lago, 10 milhões comparados a outras coisas pode ser pouco.

Anonymous said...

Alessandra, concordo integralmente! Devemos ter orgulho de quem somos e dignidade para sabermos quem queremos ser. A torcida em jogos de nossas seleções cantando o hino até o fim, exaltando nosso censo patriótico, há que ser levado como exemplo além quadras, por todos os cantos do país, em cada pequena comunidade. E gente como você, que tem os meios intelectuais e materiais para tanto, não pode deixar a luz apagar. Verde, amarelo e moral alto sempre! Empolguei!!!!

Anonymous said...
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Anonymous said...

Brou, concordo com a posição das pessoas que assinaram seus comentários. Quem não assina é porque tem vergonha dos seus argumentos.
Acrescentaria também que a discussão sobre o gasto com a viagem de Marcos Pontes ajuda a dispersar as atenções sobre corrupção.