Ando meio desligado – versão original com Mutantes (1970)
A relação com o universo viajandão é evidente na primeira estrofe – “Ando meio desligado, eu nem sinto, meus pés no chão...” – mas no fundo se trata de uma canção de amor – “eu nem vejo a hora de lhe dizer aquilo tudo que eu decorei, e depois do beijo que eu já sonhei...”. Lançada no disco “A divina comédia”, que tinha o subtítulo justamente de “Ando meio desligado”, a música é uma composição creditada ao trio Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sergio Dias, como a maioria das composições dos Mutantes, mas consta que a letra foi escrita apenas por Rita Lee. É fato que ela incorporou a criação a seus shows solo, o que mostra uma relação próxima dela com essa música. Na minha seleção prévia de Mutantes, “Ando meio desligado” venceu “Top Top” e “Cabeludo Patriota”. A dúvida final, entre a vencedora e “Top Top”, foi grande. “Top Top” tem atributos geniais, como os versos “vou trepar na escada, pra pintar seu nome no céu”, um arranjo riquíssimo, mas a interpretação de Rita, em um agudo infantil estridente, me irrita levemente nessa música.
Al Capone – versão original com Raul Seixas (1973)
Raul é 100% rock, mesmo fazendo baião. Raul nasceu “Raulzito & Os Panteras” fazendo imitação de Elvis e enveredou por caminhos outros, chegando ao auge nos tempos da parceria com Paulo Coelho. Minha preferida, na obra de Raul, é “Gita” (“Às vezes você me pergunta porque é que eu sou tão calado...”), mas ela não entraria no critério rock genuíno que propus no início da seleção. Entre os rocks com cara de rock, Raul entregou à história pérolas como “Aluga-se”, “Como vovó já dizia” (“Quem não tem colírio usa óculos escuros...”), “Eu nasci há dez mil anos atrás” e “Sociedade Alternativa”, mas minha preferida é “Al Capone”, outra parceria de Raul e Paulo Coelho, na qual são enfileirados personagens que se estreparam de formas diversas. Além do próprio mafioso do título, estão lá Júlio César, Lampião, Jimi Hendrix e até Jesus Cristo.
Jardins da Babilônia – versão original com Rita Lee (1978)
Às vésperas de completar 60 anos, Rita continua lançando discos de inéditas aqui e ali. Está distante da produção fértil dos anos 70, começo dos 80, quando perpetrou pedras fundamentais do rock nacional, como “Esse tal de rock enrow”, “Agora só falta você” e “Dançar pra não dançar”, todas do LP Fruto Proibido, de 1975, o primeiro que gravou com a banda Tutti Frutti, nascida para lhe dar suporte em discos e shows. Foi com um dos integrantes do Tutti Frutti, o baixista Lee Marcucci, que Rita compôs aquele que considero seu melhor rock, “Jardins da Babilônia”, lançado no LP Babilônia, de 1978. Tem tiradas ótimas como “pegar fogo nunca foi atração de circo, mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo” ou o lema “pra pedir silêncio, eu berro, pra fazer barulho, eu mesma faço”. Na gravação original, um poderoso solo de sax coroa o arranjo. Nos anos 1990, o Barão Vermelho regravou, lascando a guitarra de Frejat no lugar do sopro original. Na eliminatória, “Jardins da Babilônia” derrotou “Esse tal de rock enrow” e a menos conhecida “Filho meu”, de um CD de 1993, que tem versos inspirados como “o sol saiu, o vento é a favor, mas meu barquinho é do contra”, “a mão que afaga é da mãe que afoga” e “vivo com medo de morrer, morro de medo de viver”.
Perdidos na Selva – versão original com Gang 90 & As absurdettes (1981)
Júlio Barroso foi uma espécie de Arnaldo Baptista do seu tempo, com a diferença que o salto para a morte do segundo alcançou o objetivo, enquanto o Mutante sobreviveu. Um dos compositores de cabeça mais fervilhante dos anos 1980, Júlio foi parceiro de gente como Lobão e Ritchie. “Perdidos na selva” foi classificada no Festival MPB-Shell, de 1981, realizado pela Rede Globo, sendo assim uma espécie de preâmbulo do rock brasileiro que iria dominar as paradas a partir do ano seguinte. Nascido no Rio, radicado por algum tempo nos Estados Unidos, Julio acabou fixando residência em São Paulo, onde morreu prematuramente, em 1984, depois de cair da janela de seu apartamento, em um episódio que nunca ficou esclarecido, se suicídio ou acidente. O grupo liderado por ele, a Gang 90, naturalmente teve carreira curtíssima, mas rendeu este rock fundamental na história da música brasileira. Curiosamente, entre os parceiros de Julio Barroso nesta música, surgem o desconhecido Márcio Vaccari e o improvável Guilherme Arantes, aquele mesmo de “Meu mundo e nada mais”, “Planeta Água” e outras baladas bem distantes do rock.
Inútil – versão original com Ultraje a rigor (1985)
Liderado pelo paulistaníssimo Roger Moreira, o Ultraje a rigor foi uma banda que emplacou vários sucessos nos anos 80. Suas músicas são de uma simplicidade quase embaraçosa e consta que os componentes da banda não eram exatamente gênios em seus instrumentos. Uma lenda permeia a história do Ultraje. Dizem que os rapazes erravam tanto, durante as gravações, que o próprio Roger brincava: “Vamos tentar mais uma vez, senão chamo o pessoal do Roupa Nova”. Este, por sua vez, era um grupo formado por músico ultra-experientes, que faziam uma musiquinha comercial mas bem agradável aos ouvidos, embora eventualmente proibida para diabéticos. De qualquer forma, não há nada mais rock´n ´roll do que músicos meia-boca que se aventuram para além da garagem. Era o caso do Ultraje, que aproveitou o momento de abertura política para detonar na crítica social em suas letras. “Inútil” foi o ápice dessa verve mordaz, mas o grupo fez outras músicas de enorme sucesso, como “Ciúme”, “Marylou”, “Nós vamos invadir sua praia”, “Zoraide”. De autoria do próprio Roger, Inútil tem versos atemporais como: “A gente não sabemos escolher presidente, a gente não sabemos tomar conta da gente, a gente não sabemos nem escovar os dente tem gringo pensando que nóis é indigente...”.
Tuesday, December 25, 2007
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1 comment:
Bem vamos lá!
No que pensava este povo dos anos 60 e 70 quando ficavam viajandões?
Amor, logo 'Ando meio desligado fazia a ponte perfeita entre o veiculo e o objeto a ser alcançado. Perfeita até na porrada em que se transforma o instrumental em seu fim e culminar num "Ó meu Brasil".... Boa escolha.
A minha? "Jogo de Calçada" este sim um rock genuino e barulhento.
Me perdoe mas eu simplesmente ODEIO Raul... Uma vez enquanto tocava num bar...Um bebado ficava gritanto o famoso "Toca Rauuuuulll" E eu de saco cheio do cara empurrei a estante que segurava meu prato Ping Rider nele... O prato pegou no supercilio dele e foi uma briga generalizada... Por sorte salvei a bateria. Eu era inconsequente e como disse Rinbaud...
Também não gosto da fase solo de Rita. Mas tenho respeito pelo disco "Hoje é ultimo dia do resto de nossas vidas". Todo ele.
Julio Barroso é maravilhoso, conheço pouco sua obra e este disco que você citou eu não ouvi, Fico com um rock dele com Lobão chamado "O mistério"...lindão.
Ah! Este sim é O disco do Ultraje. infelismente Roger Rocha Moreira nunca mais acertou a mão como neste. Nem o multiplatinado "Sexo" foi tão bom artisticamente. Minha preferida deste é sem dúvida "Inútil" que hora veja você foi citada no comgresso pelo Dr. Ulisses Guimarães num de seus discursos pró abertura política e pelas diretas. Dizia ele que a sagacidade da letra mostrava que nossa juventude estava atenta ao momento político e histórico...
Me excedi? Desculpas
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