Wednesday, March 21, 2007

Parabéns

.
O pessoal da Fórmula 1 deve se lembrar que hoje Ayrton Senna faria aniversário, mas não é dele que quero falar. (Não consigo deixar de rir cada vez que ouço/leio fãs dizendo que "se Senna corresse hoje na Fórmula 1 blá-blá-blá...". Pô, se Senna estivesse vivo faria hoje 47 anos!). Que Deus o tenha, como diriam os antigos.

Pois é de um "antigo" que falo. Se meu avô Antonio fosse vivo, hoje faria 89 anos. Muita gente tem avós até mais velhos, hoje em dia, mas não tive esse privilégio. Meu avô José morreu em 1974, aos 81. No ano seguinte, com apenas 57, foi a vez do vô Antonio. Praticamente não me lembro dos dois, embora eu já tivesse duas Copas do Mundo nas costas quando ambos se foram.

Vô Antonio teve uma vida terrestre curta, mas otimizou a oportunidade. Brasileiro, filho de um português com uma espanhola, tinha uma feição meio árabe que denunciava a presença mourisca na Península Ibérica. Magro, ereto, cristalizou-se na minha memória em uma imagem inusitada. Gostava de andar pelo grande e arborizado quintal da casa, no Tucuruvi, segurando um cabo de vassoura com os braços arqueados, atrás das costas. Dizia que fazia bem para a coluna e eu tenho certeza de que estava certo. Lembro sempre da sabedoria do vô quando vejo umas senhoras fazendo coisa parecida na aula de yoga, lá na academia.

O pai, Alípio, acumulou fortuna graças a uma indenização da estrada de ferro Sorocabana, onde perdeu uma perna. A família era grande, meu avô era um dos filhos mais novos e não aproveitou o tempo das vacas gordas, progressivamente fatiadas pela sanha do resto da turma. Cresceu praticamente pobre, no então longínquo bairro do Tremembé. Passava a pé na frente do palacete do Tucuruvi e dizia que um dia aquela casa seria dele. Foi o típico self-made-man, não escolheu trabalho, casou-se jovem com minha avó Elza. Antes dos trinta, já tinham quatro filhos. Antes dos quarenta, cinco filhos e a casa. Aquela casa.

Descobriu a vocação e encontrou solidez nos negócios com imóveis. Construiu, administrou e loteou terrenos, embrenhando-se pela Zona Norte paulistana, chegando a Guarulhos, onde teve atuação tão destacada a ponto de virar nome de avenida. A homenagem veio em parte pelo espírito empreendedor, mas muito pela ação social. Durante vários anos, Vô Antonio realizava uma caprichada festa de Natal para a população carente do município, com Papai Noel e tudo.

Claro que não era um santo. Nenhum de nós é, ou não estaríamos fazendo estágio neste planeta. O fato é que, em menos de sessenta anos de vida, Vô Antonio criou família, prosperou, ajudou parentes como pôde, cativou uma legião de amigos que ainda hoje, quase trinta e dois anos após sua morte, lembra-se de sua presença, de seus animados almoços de quarta-feira, já nos últimos anos de quase aposentadoria, de suas partidas de bocha, do vinho que fazia no quintal.

Aos 57 anos, Vô Antonio partiu por um mal do coração. Talvez tenha sido um daqueles casos, como disse certa vez Rita Lee: "se por acaso morrer do coração, é sinal que amei demais".

Feliz aniversário, vô.

8 comments:

Anonymous said...

Engraçado é você nunca ter conhecido esse "cara" e mesmo assim sentir saudades do seu abraço.

Engraçado é você nunca te-lo visto andar no quintal com a madeira nas costas e conseguir imaginar ele te explicando a medicina preventiva.

Enfim... só mesmo minha prima "PPO" pra fazer a gente sorrir com uma alegria gostosa logo de manhã.

Mandou muito bem Ale...!

Beijos

Anonymous said...

Quase 32 se passaram. Porém, seu modo de agir, seu jeito elegante de se vestir, sua clareza ao falar, sua generosidade, sua seriedade, sua alegria ao brincar com netos no "imenso corredor de vidro" daquela casa cantarolando músicas espanholas e sua objetividade seguem vivos na lembrança.
E hoje;aonde quer que ele esteja; com certeza a "festa de aniversário" para comemorar seus 89 anos deve estar muito alegre!!!
Talvez um presente propício seja um momento de pausa, oração e reflexão, aonde muita luz e energia serão enviadas à ele com toda certeza.
Para isso nada melhor que este clip:

http://www.youtube.com/watch?v=s4oJiJ8duK4

Vô, muita luz e paz. Feliz Aniversário!

valéria mello said...

Também não conheci meus avôs. O vô Deolindo morreu novo também, sessenta e quatro anos, quando meus pais ainda namoravam. Já o vô Antônio morreu quando eu tinha quatro meses.

É interessante sentir saudades de alguém com quem a gente não conviveu. Mas as histórias que te contam sobre essa pessoa fazem você criar vínculos e as lembranças passam de certa forma a ser suas também.

Abraços.

Anonymous said...

Tem coisas que nao tem preco mesmo, e uma dessas coisas sao as lembrancas... Meu vo Armando fez 89 em fevereiro, e ainda com todo o pique... Tem as suas rotinas imutaveis como todo idoso tem, e tambem fabrica seu maravilhoso vinho de laranja ate hoje. Um anjo personificado...

Alessandra, chegou meu livro!!!

Brigadao mesmo... Vou me acabar de ler!

Abracao e bom dia!

Anonymous said...

Edgar

Alessandra, eu ao contrário do que disse o Bruno, tive a honra e o prazer de ter desfrutado da amizade de meu Pai.

Aprendi muito com ele, e não só como Pai maravilhoso que Ele era, mas também como amigo que fomos,lembro-me como se fosse hoje, nossas conversas, quando iamos para Guarulhos, e essas idas eram constantes.

Suas atitudes, que demonstravam ser Ele uma pessoa com inteligência acima da média.

Posso afirmar que tive a Graça concedido por Deus de ter me colocado, como seu filho.

E concordo com a Alessandra, quando diz que se hoje vai ter comemoração pelo seu aniversário, será ela concorridíssima, pois se tem uma coisa que Ele sempre levava a sério era a amizade.

Posso afirmar que além da honra de ser seu filho, também tive a honra de ser seu amigo.

Aquele amigo que esta sempre presente nas horas difíceis, aquele amigo que sempre tinha uma solução para um probelma que nos afligisse.

Enfim, só posso dizer.

Querido Pai esteja onde estiver, desejo que estja em Paz, pois você fez por merecê-la.

joanarizerio@gmail.com said...

eu perdi meu avô, pai de minha mãe, quando tinha seis anos. Ele tinha 63 e eu lembro de ouvir muita gente falar: "Puxa, ele era jovem". Nunca entendi, achava que 63 era uma looonga idade. Lembro dele em fatos raros e isolados; uma vez ele sentado na cama me pediu pra usar o mini grampeador que eu acabara de ganhar, presente de tio recém chegado ou festa qualquer, não me lembro. ele gastou quase todos os grampos! partiu meu coração... rs

Anonymous said...

Lindo, lindo, lindo....

Tive pouco contato com meus avôs, não porque morreram cedo, mas porque acho que não tinha maturidade para comprender a importância deste contato. Um deles tinha uma personalidade difícil de se conviver, mas acho que hoje teria sido tudo muito diferente. Quando meu outro avô morreu, eu estava na sua casa (grande novidade...) e ele estava muito doente. Porém a lembranaça mais nítida que tenho dele ( e muito nítida apesar de antiga)é da praia, quando ele me segurava pelas mãos e me ajuda a pular as ondas. Muito bom...

Tudo bem que sou chorona, mas o Edgar matou a pau...

Andréa said...

Awww, feliz aniversario, vô!!