Foi logo depois da Copa de 82 que ele chegou lá em casa. Não me lembro se o fato de meus pais assentirem em termos nosso primeiro (e único) bicho de estimação teve relação com o trauma da desclassificação brasileira. Já falei várias vezes, aqui mesmo, o quanto a derrota do Brasil para a Itália, naquele Sarriá, marcou minha vida. Mas acho que não ficamos, eu e meu irmão, tão abalados que meus pais pensassem em nos compensar com um bichinho.
De qualquer forma, o nome do animal tinha relação estreita com a seleção canarinho. Zico. Acho que não era canário, nunca fui boa para raças de bicho. Aliás, fui sempre tão ruim que até pouco tempo atrás me referia a este quesito como “a marca” de tal animal. Zico veio do Mercado Municipal de Tucuruvi, onde meu pai fazia as compras semanais. Sua gaiola foi levada para o coberto no fundo do quintal, onde eram estendidas as roupas e onde havia muitos vasos de plantas, sobretudo samambaias. Era moda ter samambaias em casa naqueles tempos. Hoje, não as vejo mais. Teriam entrado em extinção?
Não me lembro se Zico era muito cantador, nem se comia muito alpiste ou se bebia muita água. E, a rigor, essas eram as únicas variáveis que tínhamos para observar no passarinho. Coisa triste é animal enjaulado. Triste e enfadonha, para quem está fora e, suponho, pior ainda para o outro lado das grades. Mas eis que Zico nos brinda com uma notícia extraordinária, daquelas de fazer plantão jornalístico espocar no meio da tarde.
Botou um ovo.
Zico botou um ovo, o que nos surpreendeu sobremaneira e nos deu a certeza de que o dono da lojinha de animais do mercado, no mínimo, tinha se enganado. Vendeu-nos um macho, que botou um ovo. Entre as providências urgentes, só uma nos competia. Trocar o nome da ave. O resto, era com ela. Não fazia sentido mudar para Zica, pois a idéia era homenagear um ídolo, daí o galinho de Quintino da seleção ter virado nosso passarinho de estimação. Não havia Zica entre nossos ídolos, mas não foi difícil variar dentro do universo das quatro letras.
Rita. De Rita Lee, meu grande ídolo naquele e em muitos tempos. Não sei dizer quanto tempo levou entre o ovo aparecer e sua casca começar a se quebrar. Foi uma seqüência e tanto de experiências. Depois da troca de sexo, um nascimento ao vivo, no quintal de casa. O filhote era minúsculo e muito feinho. A onipresença do time de Telê era tanta que não esperamos para saber se era macho ou fêmea a cria. Ganho o nome de Oscar, honra ao zagueiro-central. Não sei se no mesmo dia ou no dia seguinte à chegada do rebento, encontramos o filhote no chão, embaixo da gaiola. Evidentemente, não resistiu à queda.
Não tardou a surgir novo ovo na gaiola. E a mesma expectativa plantada. Espera. Quebra a casca. Nasce outro filhote horrorosinho. Este foi batizado como Éder, pelo ponta-esquerda de chute de canhão. Teve o mesmo destino, arremessado pela gaiola. Os entendidos dizem que as fêmeas matam suas crias menos privilegiadas, como instinto de proteção. Tanta feiúra junta podia ser sinal de morbidade, vai saber. Ou vai ver que a Rita, depois de tanto tempo chamada de Zico, desenvolveu alguma patologia psico-emocional que desembocou em dupla depressão pós-parto. Ou o nome influenciou-lhe o comportamento. Era Rita por Rita Lee, a mutante, a ovelha negra, aquele que dizia que essa vida é muito louca e loucura pouca é bobagem.
Friday, October 13, 2006
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4 comments:
pouco tempo depois do duplo filhoticídio, minha mãe deu um jeito de nos livrar daquela aberração animal. despachou a gaiola para o sítio de um cunhado. nunca mais soubemos da rita.
mas não se acanhem em continuar postando versos, lá em baixo, viu?
Bem provavelmente vc não se lembra dela cantando pois as femeas não cantam. É um caso incomum a postura de dois ovos de um animal sozinho em cativeiro! Não sou especialista mas, já tivemos vários passaros por isso eu digo!
Felipe Atch
Espírito Santo
gente!, mas quem era o pai desses passarinhos?!, hahaha...
felipe: taí, eu não sabia que fêmeas não cantam. aliás, não sei nadica de bicho.
pedro: ó, parece que o pai era o roberto de carvalho, viu? hahahaha
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