Monday, June 11, 2007

MVTANTES, ANO II

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Naquele mesmo palco, em 1992, eu vi Sergio Dias subir para dar uma canja em um show da Rita Lee. Eles não tocaram nada do antigo repertório, mas "Nowhere man", dos Beatles, e "It´s only rock´n´roll, but I like it", dos Stones. Abri bem os olhos e apurei os ouvidos, na certeza de que aquilo era o mais próximo a que eu chegaria de ver Mutantes ao vivo.

Anteontem, três meses e três dias depois de ver Mutantes ao vivo, pela primeira vez, vi Mutantes ao vivo, pela segunda. O lugar antes se chamava Palace, mas hoje é Citybank Hall. Foi ali, há cerca de um ano, que os Mutantes se reuniram para uma espécie de ensaio, antes de se apresentarem no Barbican, em Londres, show que resultou no CD e no DVD que está nas lojas. Ficou uma mistura de dívida de gratidão com superstição em relação ao lugar. Depois de Londres, foram para a América do Norte, viajaram um pouco pelo Brasil, fizeram um show histórico no Museu no Ipiranga, no dia do aniversário de São Paulo. Show em teatro ainda não tinham feito na cidade. Voltaram ao antigo Palace para marcar o fim deste primeiro ano do retorno.

Como já era a segunda vez, em tão pouco tempo, que eu via Mutantes, me achei escolada. "Não estou pilhada como no Tom Brasil, não vou me ajoelhar aos pés de ninguém." E me mantive firme nesse propósito de estar menos emocionalmente envolvida, para enxergar o show com olhos mais críticos, trazer uma opinião um pouco mais imparcial. Estes meus recalques de aluna CDF ainda me matam - talvez de rir. Achei que seria capaz de ver o show sem dançar e cantar junto da primeira à última música, usando o princípio de que trabalho e prazer não se misturam como, dizem, apregoavam as prostitutas antigamente ou preconiza hoje o pessoal que trabalha na Veja.

Comecei a pisar com os dois pés no meu modelito crítica-imparcial assim que pisei no saguão do antigo Palace. Dei de cara com uma mesinha cheia de camisetas dos Mutantes e, claro, despejei 35 dinheiros em uma baby look branca com uma borboleta preta. Daí encontrei e abracei Aluizer Malab, o empresário dos Mutantes, o homem que, em muitos sentidos, fez a coisa acontecer e que logo vai pintar aqui no blog também. Quando me acomodei na pista, razoavelmente perto do palco, fui a nocaute. Meu coração já estava disparado, a boca seca. Supor que assistirei sem emoção a um show dos Mutantes é acreditar que serei capaz de ver um jogo do Corinthians sem torcer.

Desculpem, amigos, isto não é uma crítica de um show. É mais uma declaração de amor.


Arnaldo Baptista e Sergio Dias

Talvez tudo o que eu veja, ouça e leia sobre Mutantes passe pelo filtro do que não fui. Não fui jovem quando eles apareceram, não fui fã de seus figurinos malucos, não fui entusiasta de seus arranjos revolucionários. Não fui ao Urso Branco vê-los tocar em início de carreira, não fui aos festivais, não fui ao programa do Ronnie Von nem ao Divino Maravilhoso. E o fato de eu não ser nascida nessa época não me serve de desculpa. Não fui, vou. Com os olhos desfocados, achando tudo lindo. Se você quiser uma opinião própria e imparcial sobre o show dos Mutantes, ouça o CD, veja o DVD.

Algumas coisas, no entanto, consegui ver com retinas menos turvas. Por exemplo, uma certa tensão que paira em torno de Arnaldo Baptista a cada uma de suas deixas. Parece aquela família com a sina do tio aloprado, aquele parente que se apresenta meio maluco, para uns, ou senil, para outros. Sempre que ele chega, a parentada segura a respiração em uníssono, temendo o vexame que ele possa dar na frente das visitas. Só que ele faz as melhores tiradas da festa, todos riem aliviados e se congratulam, em um silêncio também em uníssono - "por que sempre nos preocupamos à toa...".

Outro detalhe do show que me pareceu digno de uma nota menos emotiva: a constatação de que a banda está fazendo um som de grande respeito, poderoso, vigoroso e, em muitos aspectos, diferente do que fazia em seus antigos shows. É uma porrada forte no peito começar o espetáculo com "Dom Quixote" e "Caminhante Noturno", duas canções com arranjos elaboradíssimos, cheias do gênio criativo do maestro Rogério Duprat. Músicas que, segundo o baterista e chapa Dinho Leme, não dava para fazer com a diminuta estrutura com que se apresentavam naqueles anos 60 e 70. Depois do show, fui dar um abraço no Dinho e comentei isso com ele. Ao nosso lado, o tecladista Henrique Peters, um curitibano muito gente boa, confirmou minha impressão - os recursos de hoje permitem que se faça, sem uma orquestra "de verdade", o que o maestro Duprat tinha idealizado para conjuntos de cordas e sopros. E assim o som preenche os espaços, reverbera no peito, acelera o coração.

Os jovens músicos incorporados à banda são muito bons. A ultra-carismática Simone Soul rouba a cena em muitos momentos. Instalada à direita de Dinho Leme, fez uma amálgama perfeita com o baterista original. O clímax entre os dois acontece no bis, em Bat Macumba, quando ela se posta exatamente ao lado da bateria, vigorosamente tocando tambor ao lado de Dinho. Os vocalistas Esmeria Bulgari e Fabio Recco também ajudaram a encorpar o som. Já não sinto saudade de Rita em Tecnicolor. Esmeria segura tudo e - sem maldade, please - ligeiramente ofusca Zelia Duncan nesse número. Vinicius Junqueira tem a árdua missão de substituir Liminha. Se alguma dúvida havia ficado quanto à sua eficiência, ouça "Dia 36". E, last but not least, uma nota sobre Vitor Alexandre. Que coisa mais Mutante esse menino! Um multi-instrumentista com cara de hippie. Toca teclados, flauta transversa, doce, contrabaixo. Já vi a hora em que ele ia tirar a sanfona para fazer um solo em "2001". Pensou? Ia ficar legal...


Abraço dos manos ao final do show; eu vi: Sergio chorou

Nesse animado e algo caótico backstage, um passarinho me deu uma notícia que fez arrepiar os pelinhos dos meus braços. Folgada como só eu, comecei a dar palpites no repertório. "Por que não 'Dune Buggy', e 'Senhor F', que tal a versão Mutantes de 'Rua Augusta', ou 'Hey, boy'?". Calma, Beth. Este show é o repertório do CD e do DVD, vamos excursionar com ele, depois vem coisa nova, inclusive inéditas. Como é?! Então, os Mutantes estão compondo de novo? Yeah, baby, e com contribuições de Tom Zé, autor das letras de "2001" e "Qualquer bobagem". Uau!


Arnaldo, eu e Sergio, no backstage

Fui ter com Arnaldo e Sergio, acomodados em uma mesinha no fundo do palco. Me "reapresentei" ao Sergio como "a mãe do menino que fez o desenho". Explico: no show do Tom Brasil, entreguei a ele um desenho feito pelo meu filho Gabriel, sete anos incompletos, com todos os integrantes da banda, Zélia e Rita juntas! Pouco antes, o tecladista Henrique mencionou o desenho, que ficou famoso entre os Mutantes. Oh, my... Onde vai parar meu coraçãozinho desse jeito. Sergio se lembrou no ato e mencionou para Arnaldo, que só disse "é, acho que me lembro...". Logo depois, sentou-se com eles a estilista Gloria Coelho, tão pilhada quanto eu, no primeiro show. Falando que sabia as letras de cór, ao que Arnaldo respondeu: "Então, poderia me ajudar, porque eu sempre esqueço." Mas a frase lapidar de Arnaldo foi dada a ele, vale conferir.

(Nessa hora, tive a impressão de que Arnaldo é uma versão conteporânea do Vicente Matheus, presidente falecido do Corinthians, que falava frases desconcertantes, revelando certa ignorância, sendo muitas delas evidentemente armadas. Porque Dinho já me contou que Arnaldo pode ser aéreo para muitas coisas, mas para letras e arranjos originais é uma encíclopédia.)


Pandini, Dinho e eu

Fui, claro, fazer uma foto com Dinho. Ele estava falando com uma mulher muito bonita e pediu a ela que batesse o retrato. "Leila, bate aqui pra nós." Ela é "a" Leila? Sim, era ela, Leila, namorada do Liminha na época, festejadíssima entre a turma. Não perdi a oportunidade de conferir com ela onde era a tal casa dos Mutantes na Cantareira. Já perguntei para outros freqüentadores do lugar, mas ninguém me respondeu com muita precisão. Leila continua morando lá e finalmente pude saber onde ficava a Mutantolândia. Como eu imaginava, bem perto da casa dos meus avós. Pensou? Eu, vizinha dos Mutantes?!


"A" Leila e eu: finalmente, descobri onde era a Mutantolândia

Mais alguém aí foi ao show? Me conta, vai.

15 comments:

Anonymous said...

Ainda bem que a Alessandra nos dá os detalhes de antes, durante e pós partida. Acredita que os Muts vem neste dia 16 aqui em Ribeirão Preto e não estarei por aqui pra ver? É um festival chamado João Rock, com oito atrações, parece que o primeiro que esta formação vai encarar, dividindo o palco com outros, como Skank, Cidade Negra, Charlie Brown Jr, Pitty, etc.
No ano passado veio a Rita, mas também não consegui ver.
Semana passada fui fazer uma palestra na Bienal do Livro de Natal, para falar do livro da Rita, e as pessoas ficavam me perguntando porque os Mutantes estão fazendo o mesmo show há um ano, sem modificar nem a ordem das músicas, e eu também fico me perguntando porque não incluem algumas, quem sabe arriscam uma inédita, o que daria a certeza da continuidade.
Mas acho que o negócio vai ser esperar para ver no que dá. E quem sabe um dia conseguir assisti-los ao vivo, já que os ví pela última vêz em 1978, no que parecia ser o último dia do resto da vida dêles.
Mas o relato foi preciso, como sempre. Obrigado.

Anonymous said...

Pois é, Henrique: os mutantes, quem diria, hoje são imutáveis...

Alessandra Alves said...

henrique: puxa, que pena! no sábado mesmo, conversando com o aluizer e com o dinho, mencionei você e disse que daria um toque para você ir falar com os caras, inclusive o antigo dono da guitarra amaldiçoada... fica para a próxima.

marcio: deliciosamente maldosa sua colocação. a voz do povo é a voz de deus. tomara que eles leiam e comecem a desovar coisas novas.

Anonymous said...

Ai que invejinha (da boa, viu?)
Faz tempo que não entro aqui no seu blog.Muita correria do trabalho, meu próprio blog, meu livro que tem de caminhar...Infinitas desculpas.
Mas que toda vez que entro aqui a surpresa é tão boa que esqueço o dia que foi ruim, o fato de minha esposa ter de trabalhar até mais tarde quando chegam efemérides como o dia dos namorados...tudo isto.
Eu tenho 33 anos, portanto não poderia ter visto os Mutantes durante sua fase aurea. Mas já vi videos em profusão. Li trocentas vezes a biografia lançada pela editora 34 e finalmente assisti ao DVD do Barbican. Tirando Rita e Liminha. Ela porque não dá o braço a torcer e ele não sei por que,estava tudo lá. O talento de Sérgio, o carisma e a personalidade de Arnaldo, a melhor bateria do Brasil que é o Dinho...
Ai, ai...Maravilhoso tudo isto.
Suas fotos com os Mutantes dão em qualquer mortal o sentimento ao qual me referi na abertura do comentário.
Quanto ao retorno deles só mais uma coisa. Quando algumas bandas voltam, como o Queen que eu também adoro, tem-se a sensação de que tudo é falsificado, plastico, não sei explicar. Tinha medo que a volta dos Mutantes fosse igual. Mas quando assistindo os extras do DVD de Londres eu vi Arnaldo desafinando e muito em "Cantor de Mambo", meus olhos encheram-se de lágrimas, me emocionei e vi que aquele retorno era mesmo real.
Desculpe aí a verborragia...
Ron Groo

Anonymous said...

Maravilhosas as fotos Alessandra. Desejo mais do que atendido.

Wallace Michel

Anonymous said...

Obrigada, minha flor, pelo carinho. Beijos Leila

Anonymous said...

Me perdoe, mas tomei a liberdade de fazer um link em meu blig para o seu blog...se você achar que eu não devia, avisa lá que eu tiro...tá.
Ron Groo

Alessandra Alves said...

ron groo: pára com isso, rapaz! não se desculpe nem pelo longo comentário (adoro quando escrevem muito) nem pelo link. imagina se eu ia zangar...

wallace: foi pelo seu pedido que levei a máquina e, putz, se eu não tivesse levado, ia me arrepender imensamente!

leila: é você mesma?! de nada, querida.

Celinho Boy said...

O irmão do reginaldo leme e QUASE A CARA DO PRÓPRIO. CREDO, VISTE O ACIDENTE DO POLONES KUBISCA, UMA COISA ASSIM. E SOBREVIVEU, MEU.

Alessandra Alves said...

celinho: são muito parecidos os irmãos leme, mesmo, mas não de perfil. mas nessa foto eu acho que o dinho e o pandini estão parecidos também!!!

sobre o kubica, impressionante, né? não só sobreviveu como não quebrou nem um dedinho? viva a célula de sobrevivência da F1.

Pedro Alexandre Sanches said...

legal, alessandra! eu também fui, na sexta, e, confesso não senti o mesmo grau de impacto e de vibração que tinha sentido lá no ar livre do museu do ipiranga - mas acredito que mais pelo cenário (o ex-palace) e pela situação que propriamente por conta da banda...

de todo modo, saí com os seguintes pensamentos/sentimentos me rondando: não, acho que aquela nem é a música de que eu mais gosto neste mundo. mas, sim, ao ouvir aqueles arranjos, aqueles modos de tocar e aquelas loucurinhas todas (o "iabadabadu" do arnaldo foi incrível, e o discurso do sérgio dias "contra" seu duplo sergio mendes muda um pouco a cada dia, e soa cada dia mais divertido), eu tenho a certeza de que aquele é um dos sons com os quais eu mais me identifico nesta vida...

pronto, falei!

Alessandra Alves said...

ai, pedro, eu entendo muito, muito essa sua identificação. eu realmente gosto muito da música dos mutantes, mas entendo que muito desse gostar passa por filtros emotivos e afetivos que às vezes turvam a análise, vá lá, estética da coisa toda.

"e quem há de negar que essa lhe é superior?", diria outro tropicalista manjado.

quanto mais ouço mutantes e lembro que aquilo foi produzido trinta e tantos anos atrás, vejo como eles foram ousados, visionários, rompedores de barreira. eu tenho uma vivência forte dessa identificação dentro de casa, porque meu filho de sete anos adora mutantes e esse adorar dele, em grande medida, me dá a noção de como os caras eram avançados para aquele tempo.

pô, vamos pinçar algumas coisinhas que eles falam, por conta própria ou interpretando outrem, para ver como eles estavam quebrando conceitos:

"essas pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer" - esse, aliás, é o segundo número do bis, como você sabe, e é altamente catártico esse arranjo repetindo essa frase à exaustão

"dizem que sou louco por pensar assim, se sou muito louco por eu ser feliz, mais louco é quem me diz e não é feliz" - essa "balada do louco" é demolidora em todos os sentidos. não sobra nada inteiro - paradigmas da classe média/abastada, religião, conceitos de beleza e notoriedade. putz, quer coisa mais atual que isso?

"dê um chute no patrão" - essa você mesmo já tinha lembrado no seu blog. caraca! eles estavam falando isso em 1968! dez anos antes de, no brasil, o movimento sindical começar a mostrar sua cara.

"hoje em dia, tudo mudou, deixa disso, não guarde pra si o que é meu, vem comigo/ ama, não ama, se ama, me chama que eu vou" - virgindade para quê? era o que parecia dizer esta "quem tem medo de brincar de amor". helloooo!!! poucos anos antes, o brasil tinha marchado com deus, pela família e o escambau...

"hey, boy, teu pai já deu tua mesada, a tua mina tá gamada, mas você nunca fez nada" - tem coisa mais "mauricinha" do que isso? ó que sarro bem tirado dos filhinhos de papai.

vou parar por enquanto, mas dá para enfileirar um monte de exemplos. então reflito, pedro: acho que é natural que gente como a gente se identifique com tudo isso, né não? mas, de qualquer forma, fiquei até arrepiada com seu testemunho. ah, desculpa, é um crítico de música abrindo o coração no meu blogzinho humilde, dá licença de eu ficar metida?

Pedro Alexandre Sanches said...

ééé! e lá no show, sexta, fiquei particularmente passado com o quilate poético de vários trechos, ao reouvi-los (pela enésima vez), e tô lembrando agora de dois em particular:

"vou trepar na escada/ pra pintar seu nome no céu" (putzgrila, como é bonito isso!!!)

e, mais manjada (essa é do tom zé?, ou da rita lee? esqueci agora), "minha dor é cicatriz/ minha morte não me quis", é o próprio manifesto do suicida não-sucidida, né?...

ih, sobre ocê ficar "metida", num sei comentar, não, hahahaha...

Anonymous said...

Tenho uma foto nossa super legal. Para onde mando? beijo

Alessandra Alves said...

leila, nossa musa: manda para alessandra@letradelta.com.br. desde já, obrigada! beijos!