Saturday, April 07, 2007
The Queen
O fato de gostar tanto de cantoras como Elis Regina, Rita Lee, Billie Holiday e Cássia Eller talvez seja revelador da minha própria personalidade. Sem julgamentos mas, convenhamos, são todas louquinhas. Há períodos em que escuto mais uma do que as outras. Por exemplo, não me atrai ouvir jazz ou blues em dias de sol. Nestes, prefiro cantoras brasileiras. Dias frios, nublados e/ou chuvosos, que venham Billie e suas congêneres. E se isso passou de idiossincrasia para você e pareceu loucura, não diga que não avisei.
Entre as cantoras de jazz e blues do século passado, talvez minha preferida seja Dinah Washington. Tenho consciência de que ela não é melhor que Billie ou que Ella Fitzgerald, mas é de interpretação que falo, e não de ser mais ou menos afinada, ou de ter melhor alcance, ou de escolher o melhor repertório. Interpretação é subjetivo: gosto ou não gosto e pronto.
Dinah nasceu em 1924, no Alabama, e como a maioria das cantoras negras de sua geração, começou a cantar em coros gospel. Conheci Dinah por meio da trilha sonora da minissérie “Anos Dourados”, talvez a melhor coisa que assisti na TV Globo em toda minha vida. Ela estava lá em ótima companhia, ao lado de Billy Eckstine, Maysa, Dolores Duran, Silvinha Teles, um timaço. A música cantada por ela, “What a difference a day makes”, não era a melhor da trilha, vim a saber depois que aquele momento, na verdade, estava longe de ser o seu melhor. Mas sua voz, ah, que voz! Me encantou ainda pela TV, e foi principalmente por ela que comprei o LP com Malu Mader e Felipe Camargo romanticamente estampados na capa.
Tempos depois, descobri um daqueles songbooks produzidos pela EmArcy, nos anos 1950, em que Dinah cantava Fats Waller. Oh, boy! Foi então que ouvi pela primeira vez sua gravação de “Ain´t Misbehavin´”, e de “Someone is rocking my dreamboat”, e de “Keepin´out of mischief now”. Tenho o bolachão até hoje, talvez por milagre, porque ele poderia tranquilamente ter furado.
Para quem não conhece, Dinah é uma daquelas cantoras que se ama ou se detesta. Você gosta de cantoras que gritam, que esticam notas com a coragem de quem pula no trapézio sem ter certeza de haver cama elástica embaixo? É dessas. Se você se irrita com algumas interpretações de Elis e a acha muito teatral, ou não gosta de seus improvisos, passe longe de Dinah.
A interpretação de Dinah talvez fosse mero reflexo de sua vida tempestuosa. Viveu apenas 39 anos, depois de nove casamentos e mais de vinte anos de carreira. O jeito como morreu não inspira originalidade para o time de alteradas lá de cima: a manjada combinação de anfetaminas e álcool (antes da grita geral, eu sei, eu sei: Cássia Eller não morreu de overdose, como a imprensa quis fazer crer, e Rita Lee, toc-toc-toc, não morreu). Mas as coincidências entre todas elas – vidas intensas e curtas, amores e drogas – as aproximam assustadoramente. Há duas histórias tão coincidentes, no entanto, que até hoje me espantam e parecem coisa armada.
Uma delas aproxima Dinah de Elis. Consta que The Queen, como era chamada no meio musical, certa vez foi à Europa. Estando em Londres, resolveu ir com um casal de amigos ao Lagoon, um jazz club onde se exibia a loira Helen Merrill, também norte-americana. Ao saber da presença de Queen Dee na platéia, Helen convidou a colega para uma canja. Dinah subiu ao palco em companhia de sua exuberância e da pianista Beryl Booker. Além de cantora trepidante, Dinah era uma musicista dos diabos, tocava piano desde a infância e eventualmente se aventurava em outros instrumentos também. Nessa noite, além de cantar e de fazer dueto com Booker ao teclado, ela também fez solos de contrabaixo e de trombone. Em resumo, eclipsou o show de Helen Merrill, fez a loira parecer mais sem graça que a gastronomia local. Terminado o fuzuê, o amigo que a acompanhava perguntou a Dinah se ela não sentia nenhum constrangimento. “Bem, a moça me convidou para subir ao palco e teve o que pediu”, teria sido a resposta.
No começo da década de 1980, a Globo realizou uma série de especiais musicais com grandes medalhões da MPB. O título do especial era o nome completo do artista. Quando foi produzido o programa “Maria da Graça Costa Penna Burgos”, o especial de Gal Costa, a baiana convidou Elis Regina para fazer com ela um dueto em “Amor até o fim”, música de Gilberto Gil gravada por Elis em 1974. O programa era feito nos moldes de um show, com platéia de convidados. As duas começaram a cantar. Lá pelo meio da música, Elis se pôs a improvisar com a letra. Não era inédito. Certa vez, cantando “Ladeira da Preguiça”, com o mesmo Gil, os dois imortalizaram um duelo de improvisos memorável. Só que a afinadíssima Gal não tinha o jogo de cintura, a rapidez de raciocínio de Elis, e a baixinha fez o que quis no restante do número. Dizem que, questionada sobre o suposto constrangimento, Elis teria se saído com uma resposta bem ao estilo de Dinah. “Ninguém mandou ela me convidar”.
Mas talvez a coincidência mais espantosa para mim seja a de Dinah com Rita Lee. Como a maioria daquelas cantoras dos anos 30/40, ela adotou um nome artístico. Não se chamava Dinah Washington. Seu nome verdadeiro era Ruth Lee Jones. Para quem não sabe, o nome inteiro de Rita Lee é exatamente Rita Lee Jones!
O que isso significa? Sei lá, acho que nada. Só sei que é uma baita coincidência e que adoro essas mulheres!
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20 comments:
Mano, Cadê o link das músicas?
Mas louco é isto mesmo, basta estar por perto para exagerar.
Brou,
Sobre uma das citações, vale o link:
(não sei se vai funcionar):
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A1ssia_Eller
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A1ssia_Eller
que coincidencias incriveis! ainda nao escutei direito Dinah, é uma vergonha, dada a frequencia com que vejo voce falar dela! vou procurar. beijos!
A gravação da Dinah de "Unforgettable", pra mim, é o máximo. Tem um backing, fazendo "uh uh", harmonizando num registro bem alto, maravilhoso. E é de uma intensidade incrível. Ao contrário da delicadeza da interpretação do Nat Cole, ela canta como um grito da alma.
Agora, a história dos nomes da Rita e da Ruth... believe it or not! Amazing!!!!
Tô meio de mau com a Rita Lee, não gostei da ultima bandeira que ela levantou,sobre as cintas que apertam os culhões dos touros de rodeio, não tinha nada há ver,havia uma desinformação total sobre o fato, também não gosto de rodeio ,mas foi um erro meter o bedelho em campo desconhecido.
Mas logo passa, e é realmente demais essa historia das Lee Jones!
Jonny'O
Além de 'What a Difference...', a gravação que verdadeiramente imortalizou Dinah Washington foi'Manhattan'. E da mesma época, não se pode deixar de mencionar as maravilhosas Julie London, Anita O'Day, Nina Simone e Mahalia Jackson...
Alessandra, visito sempre o seu blog e os nossos gostos costumam bater bastante em política, F-1 e música.
Você tem ou já ouviu um CD da Dinah chamado "Dinah Jams"? Se não conhece, corra atrás, pois ela é acompanhada pelos bambas Clifford Brown, Clark Terry e Max Roach. Se a "Queen Dee" já é excepcional acompanhada por cordas e corais, o que dizer quando ela está ao lado de grandes do jazz?
Abs,
Wagner
A Rita Lee... E o Keith Richard também está vivo. Prevalece a máxima popular: Quem não aguenta bebe leite.
Márcio Gaspar,
Boa lista, acrescentaria a Peggy Lee e a quase desconhecida mas não menos maravilhosa Jeri Southern. E acima de todas, a inigualável Lady Day....
gustavo: brou, esse negócio de link, você sabe, é bem complicado para mim...
legal o link da wikipedia, que explica melhor a história da morte da cássia. nem todo mundo que se informa pela grande imprensa acompanhou isso, né?
joana: procura e depois me diz, tá?
paulo de tarso: acho que não conheço essa gravação. preciso ouvir!
jonny´o: às vezes a rita também me irrita, mas não consigo deixar de concordar que as posturas dela, às vezes equivocadas, chamam atenção para coisas importantes.
marcio gaspar: eu gosto de "manhattan", de verdade. depois que conheci melhor sua obra, vi a grande diferença que havia entre as coisas mais popularescas que ela gravou e o repertório mais apurado. mas ela tinha a capacidade de transformar até músicas insossas em grandes interpretações. além dessas que você citou, eu também lembraria lena horne, uma voz bem "menor", mas tão doce...
wagner: eu tenho esse disco, rapaz! mas não em cd, no bolachão, mesmo. aliás, depois de escrever esse post percebi como preciso atualizar a obra da dinah em cd, porque quase tudo o que tenho é lp.
esse "dinah jams" é simplesmente maravilhoso, a começar pela capa, com aquela foto da dinah (aparentemente) lambendo o microfone (será que está mesmo?!). neste disco, ela não é "só" uma cantora. é um músico da banda, é uma integração total. com quase a mesma formação, ela gravou também aquele tributo a bessie smith, com as antológicas "backwater blues" e "send me to the ´letric chair". lembrando um dos músicos que você citou, lembro também que dinah gravou uma música em homenagem a clifford brown, chamada "i remember clifford". ô gente para partir cedo...
edu: o meu, desnatado, por favor!
wagner: engraçado que nem eu nem ninguém citou sarah vaughan. por que será? algum palpite?
Alessandra,
É isso mesmo! Se a Dinah tivesse sempre músicos daquele quilate ao seu lado, sem dúvida teria brilhado ainda mais e seria sempre citada ao lado das três favoritas dos críticos (Billie, Ella e Sarah). O problema foi que a Dinah Washington despontou para o sucesso já na segunda metade dos anos 50, quando o jazz já tinha sido sobrepujado pelo R&B e pelo rock. A Emarcy era uma gravadora bem comercial, com isso a Dinah era colocada pra gravar R&B, sweet, etc.
Quanto à Sarah, eu acho que apesar do equipamento vocal privilegiado, ela não passa muita emoção. Muito cérebro e coração de menos... O ouvinte percebe isso. Da mesma forma, todo mundo se emociona com o Chet Baker (tecnicamente bem limitado), mas o virtuose Wynton Marsalis não passa qualquer emoção (pelo menos não a mim).
Oi Alessandra, valeu pela dica. Ouvi muito pouco Dinah e nem vou opinar sobre a qualidade, mas, como estou sempre disposta a escutar coisas "novas" vou dar busca pela web e ouvir o que achar.
Pelo pouco q tem no youtube deu pra perceber q ela era muito boa.
wagner: concordo com as duas colocações, sobre dinah e sobre sarah. já ouviu as gravações de "the man i love" com sarah e com billie? pelamordedeus! não dá nem de saída para comparar. a gravação da billie, em que pese ser mais antiga e ter sempre aquele chiado, tem emoção, sensualidade, dramaticidade. a da sarah é correta, ponto. parece aula de solfejo. mas, olha, vou confessar, eu a-do-ro um disco gravado pela sarah com músicas brasileiras, chamado inclusive "o som brasileiro de sarah vaughan". duas interpretações dela daquele disco me arrepiam: "triste" e "if you went away" (preciso aprender a ser só).
eu ia falar da ella em seu célebre concerto em berlim, mas vou fazer melhor. vou dedicar um post àquele disco, em especial à faixa "mack the knife", conhece?
valeria: eu fui ao you tube em busca de dinah, mas tem pouca coisa, né? também, a mulher morreu em 1963, não teve ter mesmo muita coisa disponível. tem uma gravação dela de "all of me", mas o resto, acho, são clips. vale para conhecer.
Alessandra,
É verdade, o contraste entre a Billie e a Sarah é gritante. O disco brasileiro da Sarah passa emoção por razões do coração. A Sarah estava namorando um brasileiro e inclusive morou um tempo em Petrópolis (minha terra natal).
Esse disco da Ella sem dúvida merece um post! :)
wagner: hoje cedo, lembrei de outra comparação covarde. "ain´t misbehavin'" com sarah e com dinah. sem chance...
Sem chance mesmo! Essa é uma das melhores da Dinah!
Desnatado? Vixe, então eu sou um Keith Richards do leite. A coisa mais triste que me aconteceu nessa vida foi a inveção do iogurte light. Fiquei 5 anos sem conseguir beber isso. Hoje eu tomo aqueles iogurtes mais vagabundos, um tal de Lulitati e outros, que vem com todas as proteínas do leite. Uma delícia!
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